Disclaimer: Essa história é baseada nos personagens e situações criadas pela J.K. Rowling, várias editoras e Warner Bros. Não há nenhum lucro, nem violação de direitos autorais ou marca registrada.

Escrita para a amada Ly Moraine por seu aniversário de 21 anos... Estregue no de 23. Ou 24. Vinte e quatro é um bom número!


Capítulo I – Aquele em que Draco defende seu nariz

Bosta! Bosta frita de dragão! Maldito seja Snape e seu nariz de furanzão!

Pensamentos nada bonitos passavam pela cabeça de Ron Weasley enquanto o rapaz, com a cara amarrada e os punhos fechados, enfiava de qualquer jeito na mochila alguns rolos de pergaminho, uma pena velha e seu estojo de poções. O mestre receptor dos pensamentos nada bonitos de Ron aguardava impacientemente o garoto e sua mudança. Jogando a bolsa sobre o ombro, Weasley deu uma última olhada em Harry, que parecia solidário ao seu triste destino, e caminhou em direção ao lado da sala em que estavam sentados os sonserinos como faz um condenado caminhando para a forca.

Ele passou diretamente por Snape, que o assistia por cima de seu comprido nariz, dificilmente se importando em disfarçar o sorriso de satisfação que a infelicidade do grifinório lhe dava.

Aquele não era um bom dia. Ron acordou para descobrir que Bichento havia, mais uma vez, invadido o dormitório masculino durante a noite e mastigado o cabo de sua Cleansweep, o que lhe renderia um belo esporro da senhora Weasley. Ainda na Sala Comunal, ficou sabendo através de um Seamus Finnigan revoltado que a Corvinal tinha recebido um número absurdo de pontos na última tarde e tomado a frente na disputa da Taça das Casas; e que, além disso, o passeio a Hogsmead daquele final de semana tinha sido cancelado em decorrência do mal tempo. O que frustrava completamente seus planos de gastar todas as suas economias na nova camisa oficial dos Cannons como seu presente de desaniversário.

E, para finalizar, como se não bastasse o fato de Harry ter comido toda a empadinha do café-da-manhã, eles agora teriam um teste em Poções.

Só esse pensamento fazia Ron desejar bater a cabeça contra a parede. Ele tinha recebido 'Ps' nos dois últimos testes. Com o N.I.E.M. se aproximando, como Hermione não o deixava esquecer, ele definitivamente precisava de ao menos um Aceitável na matéria ou estaria em apuros.

Um dos grandes mistérios da vida, segundo Ron, era Snape conseguir a proeza de ser ainda mais desagradável em dias de prova. A missão do professor na Terra, Ron tinha se decidido, era rondar a masmorra rodopiando sua capa, aterrorizando os alunos, bafejando em seus pescoços o quão inútil era o seu esforço em tentar ensinar mentes vazias como as deles.

Mas a insanidade do homem não acaba aí, Ron pensou com amargura. Como se 'O Mais Insuportável' não fosse um título respeitável o bastante para o professor, ele queria também o de "Mais Inconveniente', fazendo grifinórios e sonserinos compartilharem bancadas, só para seu divertimento particular.

Severus estava num momento de gloriosa alegria sádica essa manhã, e não perdeu tempo em começar o dia descontando pontos de Dean por espirrar alto demais. Mas o ápice de seu bom humor foi mesmo quando anunciou 'a integração das Casas' e juntou Harry Potter a Millicent Bulstrode, e Neville Longbottom a Pansy-Cara-de-Buldogue-Parkison. Ron não pôde deixar de sentir dó de Neville, que parecia extremamente pequeno ao lado da garota e estava à beira das lágrimas.

Inconformado com a sua má sorte, Ron bufou deprimido ao se acomodar no primeiro lugar vago em que botara os olhos – e que por acaso era ao lado de um mal encarado Blaise Zabini, com quem Ron até hoje tinha conseguido com sucesso evitar contato. Ele retribuiu o olhar feio quando Snape voltou a falar.

- Ansioso para começar, senhor Weasley? Espero que esteja consciente de que suas notas não têm sido o suficiente para continuar na minha turma preparatória para o N.I.E.M. – Snape sibilou bem em seu nariz, mas o silêncio na sala de aula em geral era tão palpável que Ron tinha certeza de que todos podiam ouvir. – Espero no mínimo um Aceitável nessa tarefa simples, ou providenciarei pessoalmente que você tenha mais um tempo livre no seu horário. Granger, o senhor Zabini está livre. Divida a bancada com o senhor Malfoy, Weasley, agora!

- Oh, saco! – Ronald deixou escapar, e então arregalou os olhos para o professor. O sorriso de diversão de Snape apenas esgarçou mais seu rosto, e ele voltou morcegando para a frente da sala, caçando novas vítimas.

Ron olhou deprimido quando Hermione parou ao seu lado, esperando que ele lhe cedesse o lugar. Ela deu de ombros, lamentosa. O grifinório então se levantou e foi se arrastando até a mesa em que Malfoy o esperava com um sorriso torto no rosto. Sabendo que aquelas seriam as duas horas mais longas de sua vida, Ron desmontou na cadeira ao lado de Draco com um grunhido.

- Não começa – ele falou, estendendo um braço para bloquear Malfoy, virando o rosto para o outro lado.

Draco riu e apenas afastou o braço de Ron com o seu próprio.

- Por que a cara feia, Weasley? Oh, esqueci! A cara de fuinha é de família.

- Malfoy, por que você não vai... - Mas o que Ron sugeriu que Draco fizesse foi abafado pelo som de Neville derrubando o caldeirão numa tentativa de encaixá-lo na mesa. Seguiram-se minutos constrangedores em que Snape ralhava com o garoto.

- Salazar! Que boca suja! – Malfoy se fingiu de ofendido, mas sorria seu sorriso mais irritante. Ron tinha vontade de... fazer alguma coisa quando Draco sorria daquela forma arrogante. Quando as orelhas de Ron pareceram que foram escaldadas, Draco riu baixinho e usou seu tom de voz mais arrastado. – Mas também, o que se pode esperar de alguém que nasceu num chiqueiro?

Ron decidiu que não agüentaria muito de Malfoy por hoje. Não, o dia já estava muito ruim, se piorasse ele pediria demissão.

- Cai fora, Malfoy – Ron fechou os dedos em volta de sua varinha.

- Você me parece bastante tenso ultimamente, sabia? – Draco ignorou completamente o fato de Ron estar parecendo uma beterraba super-crescida em seu esforço de conter a raiva, e continuou. – Problemas financeiros?

Os dentes de Ron estavam cerrados e uma veia saltava em sua testa quando ele começou a montar o caldeirão enferrujado que pertencera a Charlie. Ele nunca ficava totalmente certo na mesa, devido as ondulações em sua base.

- Sabe como você poderia fazer um dinheirinho extra? Vendendo essas suas velharias a um museu. Tenho certeza de que valem algum ourinho.

Ron já ia erguendo a varinha para azarar Draco bem no meio dos olhos quando Snape voltou-se para a lousa e, com um floreio elegante da varinha, o quadro-negro se encheu de palavras em letra caprichada.

- Os ingredientes e as instruções estão na lousa. Não é necessário falar enquanto trabalham. Não gostaria de estar na pele de vocês se eu sentir cheiro de trapaça. Vocês têm uma hora e meia. Comecem.

Imbecil sortudo, Ron pensou com amargura quando o sonserino voltou-se risonho para sua adaga de prata. Viveria por mais duas horas.

Ron passou os olhos pelas instruções da Poção da Paz e deu um gemido sofrido. Tarefa simples! A poção era complicadíssima, muito enjoada de se fazer. Precisava que os ingredientes fossem adicionados em ordem e quantidade bem precisas, e depois mexida um número certo de vezes antes de ser deixada para cozinhar num nível exato de calor, durante um número específico de tempo. Era o horror!

Ele já estava suando depois da primeira hora de prova, no calor sufocante daquela sala, tentando não errar a conta das mexidas na mistura, estreitando os olhos para ler a próxima instrução através da névoa de fumaça que desprendia de vinte caldeirões.

Os únicos sons na sala eram o de água borbulhando e raízes de plantas batendo nos fundos dos caldeirões de estanho. Snape estava sentado à sua mesa, lendo alguns pergaminhos, mas vez ou outro erguia os olhos ligeiro, percorria-os pela sala e voltava à leitura.

Viu quando Hermione, a algumas mesas, usou a varinha para colocar um pouco de sua poção num tubo de ensaio e caminhar pomposa até a mesa de Snape. O professor olhou desconfiado o líquido azul cristalino antes de, estreitando a carranca, aceitar o trabalho da garota. Ela conteve um sorriso orgulhoso antes de voltar para seu lugar, juntar suas coisas, e deixar a sala apressada com uma piscadela para ele. Ron rolou os olhos.

Ele arriscou uma espiada em Malfoy, que tinha a ponta da língua de fora e estava ocupado em cortar metodicamente sua raiz de dracaena cinnabari.

O sonserino vinha sendo um problema para Ron nos últimos meses. Quer dizer, o sonserino vinha sendo um problema para Ron nos últimos sete anos, mas nesse último, em especial, estava quase impossível para os dois dividirem o mesmo aposento - mesmo com a supervisão de um adulto.

E dessa vez não eram só os xingamentos e provocações usuais, era... algo mais. Só olhar para a cara pontuda de Draco deixava Ron mais irritado do que o normal, essa era a verdade, e o grifinório sentia uma necessidade profunda de agarrar o filhote de salamandra pela cabeça toda vez que se encontravam pelos corredores do castelo, ou se esbarravam na saída do banheiro, ou simplesmente se encaravam por cima das mesas do Salão Principal.

A situação estava ficando tão fora do controle que da última vez que ele perdera os nervos, acordou na ala hospitalar com bandagens na cabeça e um berrador da senhora Weasley. Até mesmo Harry, que geralmente o ajudava na criação de novos métodos de azarar Malfoy sem ser pego, tinha achado que a briga dos dois tinha sido um pouco exagerada. Hermione, no entanto, apenas franziu a testa e o poupou do sermão usual de quando ele se metia em brigas, o que ele tinha aceitado com gratidão, mas ainda assim não deixava de ser estranho.

E a coisa era inevitável. Toda vez que Ron ao menos pensava em Malfoy, sentia uma estranha fisgada de contrariedade em seu estômago e um fluxo de sangue quente tingia suas orelhas e inundava seu cérebro, substituindo todo e qualquer pensamento coerente pelo impulso de -.

- 'Tá gostando, Weasley?

- Hã? – Ron piscou abobado, então percebeu que estivera encarando Malfoy por sabe-se lá quanto tempo. Ele sentiu seu rosto queimar.

- Sua poção está queimando – Draco avisou em voz baixa, sem tirar os olhos de sua própria mistura.

Ron deu um gritinho inconformado, e começou a cutucar profusamente o fundo do caldeirão com a varinha, assistindo com horror sua poção, que tinha cozinhado demais, começar a chiar e espumar.

- Algum problema, senhor Weasley? – Snape ergueu os olhos do pergaminho e encarou Ron. O garoto podia jurar que o vira dar uma fungada no ar, como se farejasse algo.

- Não! – ele exclamou com uma voz aguda que não parecia realmente a sua. Então a poção começou a cuspir faíscas douradas. – Oh, Merlin!

- Mas o que diabos... – Snape se levantou e começou a seguir a passos largos para o fundo da sala.

Draco começou a rir debochado. – Coloque o heléboro, Weasley.

- Cuide de sua vida – Ron respondeu mal criado, entrando em pânico conforme Snape se aproximava.

- É sério, coloque.

- Malfoy! Não vou colocar nada – Ron queria correr em círculos, mas não havia espaço ali.

- O que diabos você fez, Weasley? – falou a voz de Snape a dois passos dele.

- Coloque o heléboro, besta – Draco repetiu, então ele mesmo acrescentou o heléboro na poção danificada de Ron.

Com um barulho semelhante ao do estômago de um dragão com azia, a poção explodiu no momento em que Snape os alcançou e enfiou seu narigão dentro do caldeirão.

Ron viu, com horror, o mestre de Poções, ex-Comensal da Morte, profundo conhecedor de venenos que não deixam vestígio, erguer-se do caldeirão lentamente. A sala inteira prendeu a respiração enquanto a meleca verde-limão e fedorenta escorria em câmera lenta pelos cabelos um-dia-fui-negros do professor, mas que para desespero total de Ron, agora tinham um tom brilhante de amarelo canário. Suas sobrancelhas e cílios também, uma vez que a gosma deslizava por sua testa em direção ao seu queixo. Quando as narinas de Snape se dilataram, Ron podia jurar ter visto alguns pêlinhos loiros ali também.

Sete segundos. Foi tudo o que levou para Draco Malfoy ter a maior gargalhada de sua vida. Num primeiro momento, ele bem que tentou segurar, mas ao lançar mais uma olhada nas pestanas loiras de Severus a risada explodiu. Ela ficava cada vez mais alta e histérica conforme o rapaz deslizava para o chão e ria sem fôlego, os olhos cheios de lágrimas. Ganhando coragem – ou perdendo o juízo, Ron achou sensato acrescentar – o resto da sala experimentou algumas risadinhas nervosas, que logo viraram acessos de riso explosivos.

Até mesmo Harry segurava um dos lados do corpo enquanto dava soquinhos na mesa. Dean tinha caído de quatro no chão e Finnigan não parava de exclamar "Ai, meu Deus, vou morrer!".

Juntando toda a dignidade que lhe sobrara - e que caberia numa caixa de fósforos se ele quisesse guardar para outra oportunidade, - Snape afastou a poção de seus olhos e encarou o resto da turma com o olhar mais frio que conseguiu fazer (mas que não teve muita eficácia devido seu novo visual, e só provocou nova explosão de gargalhadas).

- Detenção, Weasley. Todas as noites. Finais de semana. Até o fim do trimestre – ele conseguiu falar através de toda a humilhação.

- Mas, senhor, foi Malfoy! – Ron gritou desesperado.

- E você está fora das minhas aulas. Quero você longe dessas masmorras. Se possível, quero que você nunca mais se aproxime de um caldeirão.

E com um aceno rápido da varinha de Snape, tanto a sujeira em sua roupa quanto a poção de Ron desapareceram. Exceto pelo amarelão em seus cabelos.

Perplexo, Ron viu sua vida chegar ao fim. Lá se ia sua única chance de se tornar um auror. Suas noites de estudo, quando ele estaria cumprindo detenções com Snape. Seus tempos livres, quando ele estaria estudando o que não fora estudado em suas noites de estudo.

Sua dignidade, quando a senhora Weasley – e os gêmeos – descobrisse que o caçula tinha sido expulso da matéria.

E Draco continuava a se sacudir de riso silencioso ao seu lado, enquanto Snape berrava na frente da sala detenções para todos os lados.

Ronald rosnou.

A risada de Draco foi morrendo aos poucos.

Ele ergueu os olhos para o grifinório, cujo rosto tinha se tingido de um tom tão vermelho que rivalizava com a cor de seus cabelos. Ron tinha os dentes à mostra e seus olhos tinham um brilho alucinado. Ele abriu e fechou os punhos, então massageou os nós dos dedos de forma ameaçadora.

O Malfoy engoliu em seco.

Merlin! Ele se lembrava como era acordar desorientado na ala hospitalar após tomar uma de direita daqueles punhos, como se lembrava! Weasley tinha lhe deixado com um roxo horrível no olho, que Pomfrey se recusou a tirar alegando que era seu castigo por brigar nos corredores da escola. Em troca, Draco tinha cedido aos modos trouxa e selvagem de resolver as coisas e dado um belo lábio cortado ao trasgo montanhês, mas diante daquela situação, com um Ron particularmente zangado a sua frente, pronto para arruinar seu belo rosto, e um Snape recuperando aos poucos o poder que sua mera presença exercia, Draco fez a única coisa coerente que poderia ser feita.

Correu.

xXx

Draco correu. Disparou pelo corredor de pedras das masmorras ouvindo os trotes furiosos de Weasley atrás de si.

- Vou quebrar o seu nariz, Draco! – Ron berrou.

O garoto loiro choramingou; não acreditava que seu belo e enquadrado nariz fosse resistir a mais um ataque daquele ogro sardento.

- Era brincadeira. Era só uma brincadeirinha – ele gritou de volta, subindo de dois em dois os degraus que levavam para fora da masmorra.

Draco voou pelo Saguão de Entrada e não parou para pedir desculpas quando derrubou o pequeno professor Flitwick, que vinha carregando uma braçada de livros em frente ao corpo e não viu o garoto se aproximar.

- Mas o que que é isso? – ele gritou esganiçado, levantando-se e olhando em volta desnorteado. – Alguém anotou a placa?

Mas não havia mais ninguém no Saguão além dele, e Draco já era um borrão galgando a escadaria de mármore.

Flitwick suspirou desapontado, murmurando algo sobre estar na hora de se aposentar, e voltou a equilibrar seus livros na ponta da varinha. Deu o primeiro passo e –

Um borrão laranja o atropelou e caiu por cima dele.

- GÁRGULAS GALOPANTES!

- Foi mal, professor – berrou Ron, que já tinha se levantado e seguia pelo mesmo caminho de Draco. – Vou te pegar, Malfoy, escuta o que 'tô dizendo.

- DETENÇÃO, WEASLEY! – Flitwick berrou lá de baixo. – E vou falar com Minerva sobre esse comportamento selvagem dos alunos dela.

Ao perceber que estava falando sozinho, pois Ron já desaparecera no corredor do primeiro andar, Filius bateu um pézinho miúdo no chão e grunhiu algumas coisas como 'falta de respeito' e 'só porque sou pequeno'. Então equilibrou os livros uma terceira vez na ponta da varinha e deu dois passos.

Parou e olhou para todos os lados para ver se mais alguém vinha de alguma direção. Mas todos os corredores estavam livres, então o mestre de Feitiços seguiu mais tranqüilo seu caminho.

Até ver Harry Potter subir exausto os degraus que vinham das masmorras. Flitwick ensaiou uma expressão ameaçadora quando Harry se aproximou dele como uma bala de canhão. Mas antes que o menino o levasse ao chão pela terceira vez, ele mesmo atirou os livros para o lado e estendeu a perninha curta.

O Menino que Sobreviveu foi ao chão num mergulho espetacular, deslizando por mais alguns metros antes de parar. Desorientado, Harry ergueu a cabeça para o professor.

Flitwick esfregou uma mão na outra e fez 'Hunf!' para ele, antes de juntar seus livros pela última vez e sair para os jardins.

- E essa agora? – Harry estava apoplético. No entanto, não teve tempo de considerar como ele supostamente teria ofendido o professor, ou perderia Ron e Draco de vista.

Levantou-se do chão e se pôs a correr.

Ronco

Ronco

Ronco

Draco derrapou na curva e disparou por algum corredor do segundo andar. Ao passar em frente a aula de Transfiguração, ouviu a professora McGonagall berrar com um aluno que tinha transformado o colega em texugo.

Parou por um momento, a fim de recuperar o fôlego. Imaginou que Weasley tivesse desistido. Draco era um covarde assumido, ele poderia correr o castelo todo o resto do dia se o objetivo fosse escapar de uma surra. E ele achava essa atitude uma coisa muito digna, obrigado.

Enquanto recuperava o ritmo da respiração, os olhos fechados, os pensamentos de Draco se voltaram para Weasley, e ele sentiu o familiar incômodo em suas entranhas que experimentava sempre que estava perto do garoto e que ele convencionara assimilar a irritação.

Mas ultimamente as coisas andavam diferentes. Havia alguma coisa a mais nas provocações. O tal do incômodo não era tão incômodo assim. Era até divertido! Ele parecia se abrandar apenas quando Draco estava importunando Weasley de alguma forma, o que o sonserino sempre fazia com satisfação.

Ainda que esse incômodo aparecesse em horas e situações estranhas. Uma vez, quando Draco estava saindo do banheiro no terceiro andar, Weasley estava entrando com Potter. Mas ele estava tão concentrado na história que Harry lhe contava, rindo abertamente para o amigo, que não tinha ao menos se dado conta da presença do sonserino! Por algum motivo, as entranhas de Draco deram a impressão de que queriam saltar de dentro dele e enforcar Weasley e Potter até a morte.

Obviamente, Draco não sossegou até refazer seu caminho, impor sua presença e caçoar sobre os dois grifinórios irem ao banheiro juntos.

A brincadeira tinha lhe rendido boas rodadas de risadas na Sala Comunal da Sonserina e um furúnculo no nariz, do qual Pansy se livrou prestativamente, mas depois, pouco antes de pegar no sono, Draco percebeu que ele mesmo não achara graça nenhuma naquela história, ainda que em outros tempos a piada fosse render muitas semanas.

Sem querer refletir muito sobre aquilo, Draco simplesmente colocou o pensamento de lado e passou o resto da semana lançando olhares mais feios do que o normal para Potter.

Ele fechou a cara ao pensar em Harry e, de fôlego recuperado, decidiu conferir se a barra estava limpa para seguir para a próxima aula. Abriu os olhos.

E deu de cara com a expressão assassina de Ronald Weasley.

- AAAAAAHHHHH! – Draco gritou quando Ron errou seu nariz apenas porque ele fora rápido o bastante para se abaixar. Como conseqüência disso, o rapaz ruivo acertou em cheio a parede de pedras, e fez uma careta de dor.

- Nossa, eu vou te virar do avesso, Malfoy! – Ron rosnou para Draco, que já disparava novamente pelo corredor da sala de Adams, a professora de DCAT.

Draco fez a curva, impedindo que Ron conseguisse agarrá-lo pelo casaco. Achou fôlego para rir, então berrou debochado:

- Ei, Weasley, trocou as ferraduras hoje?

- Maldito Malfoy, vou achatar essa sua cara pontuda com a minha ferradura! – Ron berrou de volta, acelerando a corrida.

- Ron, espera! – alguém gritou mais atrás.

- Potter? - Draco olhou por sobre o ombro e viu Potter entrar derrapando no corredor. Então encontrou o olhar assassino de Weasley a vinte passos dele e deu no pé.

Ronco

Ronco

Ronco

Enquanto isso, no segundo andar, Hermione finalmente conseguia se livrar da choradeira da Murta-Que-Geme, que tinha caído numa das brincadeiras de Pirraça na noite passada. O poltergeit inventou que um espírito charmosão queria conhecer Murta, e a fantasma foi ao encontro do que esperava ser seu príncipe. No final, ela quase morreu novamente com o susto que Pirraça lhe deu. A monitora-chefe deixou o banheiro fazendo uma anotação mental de que era preferível subir mais três andares e usar o banheiro dos monitores do que agüentar as lamúrias do fantasma.

Ia contornar a esquina, quando ouviu o que parecia ser o galope de uma manada se aproximando pelo corredor atrás de si. Ela parou nos calcanhares quando viu Draco, arregalou os olhos ao notar Ron e saiu do caminho quando Harry apareceu.

- AHHHHHHHHHHHHHHHH... – gritava Draco, passando direto por ela.

- EU VOU TE ARREBENTAAAAAAAAAAARRR! – berrava Ron, no encalço do sonserino.

- ESPERA, RON! ESPERA! – implorava Harry, algumas boas passadas mais atrás.

Hermione olhou para um lado, olhou para o outro, e com um suspiro se perguntou como teria sido a sua vida se o Chapéu a tivesse mandado para a Corvinal.

xXx

Draco sentia que suas pernas cederiam a qualquer momento; seus joelhos estavam duros e era cada vez mais difícil erguer os pés do chão. Mas ele continuava a correr, desembestando pelos degraus que levavam ao terceiro andar.

Ron sentia que desabaria a qualquer momento. Convenhamos, não era como se ele praticasse algum exercício além de levantamento de garfo. Mas ele era um homem de objetivos, e seu objetivo era amassar a cabeça de Draco com os cotovelos. Então ele continuava a correr.

Harry corria. Não sabia por que, mas corria.

Havia um motivo para Hermione Granger ser eleita por seis vezes consecutivas a melhor do ano: ela era a mais inteligente. Por isso, ao invés de correr feito uma desembestada, lançou-se num atalho.

xXx

Draco continuava a provocar Ron mais pela força do hábito, mesmo, porque internamente estava pronto para perder o resto de dignidade que acreditava que ainda possuía e chamar por sua mãe. Ele derrapou na curva do corredor de Feitiços, endireitou-se a tempo de evitar a queda e olhando para trás para ver a localização de Ron, galopou pela passagem sem prestar atenção aonde ia.

O que foi uma pena, porque Hermione saiu de trás de uma tapeçaria e entrou no corredor naquele momento, olhando para os dois lados antes de arregalar os olhos ao ver Draco vindo bem na sua direção...

A trombada foi feia e Malfoy caiu de cara no colo da menina.

- MALFOY! O que pensa que está fazendo?

- Acabou-se! É meu fim! Estou mor– Mas hein? – Draco franziu o cenho confuso ao notar o objeto que o cordão dourado em volta do pescoço dela segurava.

Ele entendeu rápido e não perdeu tempo em arrancar o vira-tempo do pescoço de Hermione. Ah, se ele voltasse algumas horas no tempo... não teria Weasley nenhum ameaçando a sua preciosa vida. Imediatamente, começou a girar a ampulheta do vira-tempo, ignorando completamente as tentativas de Hermione de pará-lo.

Quando já tinha girado mais vezes do que seu desespero o permitia contar, Weasley finalmente o alcançou, se jogando com tudo em suas costas. Malfoy dificilmente registrou o gemido sufocado de Granger ao receber o peso dos dois, porque estava sendo agarrado pelo colarinho e virado de costas para encarar uma mão sardenta enorme, pronta para quebrar seu belo nariz.

Instintivamente, Draco fechou os olhos e colocou os braços na frente do rosto, soltando a ampulheta no exato momento em que Harry caía de qualquer jeito sobre Ron.

Não houve tempo nem ao menos para um grito surpreso. O corredor em que estavam desapareceu e deu lugar a um borrão de formas e cores que passavam por eles acelerados, desorganizados, como se estivessem correndo ao contrário; obrigou os quatro adolescentes a segurarem-se uns nos outros quando eles tiveram a impressão de começar a retroceder também. Por instinto, fecharam os olhos.

E quando abriram, estavam deitados uns por cima dos outros, num chão gramado e sob um sol ardente. Hermione deu um berro para todos saírem de cima dela, e foi prontamente atendida.

Quando a cabeça de Ron finalmente parou de girar, ele sentou-se. Viu Draco apalpando freneticamente o nariz, como se verificasse se ele estava no lugar, e Harry em pé, parado de costas a alguns metros de distância. Hermione preferiu permanecer deitada, tentando reaprender a respirar.

Um raio de sol acertou Ron em cheio no rosto e ele franziu o cenho. Lembrava-se muito bem de ter vestido o suéter por baixo da capa da escola e o novo par de meias de lã que sua mãe cosera para ele. E era improvável que um sol daquele aparecesse em pleno novembro inglês.

Ele se levantou e se aproximou de Harry, olhando em volta. Estavam definitivamente nos jardins de Hogwarts, mas só que...

- Isso aqui 'tá estranho – Harry falou, encarando o Salgueiro Lutador mais a frente. – Parece... novo...

- O que foi que você fez, Weasley? – Draco gemeu mimado.

- Eu ainda não fiz nada, ou você não estaria inteiro; mas você definitivamente fez alguma coisa, doninha.

- Que fiz o que, fiz coisa nenhuma. Só estava defendendo o meu corpo.

- O que você fez, Draco? – Harry exigiu saber.

Hermione finalmente se mexeu e respondeu por ele, ainda parecendo ligeiramente sem ar.

- Ele usou o vira-tempo.

- COMO É QUE É? – Harry berrou alucinado. – O-o seu vira-tempo? Aquele que está quebrado há anos?

- Esse aí – Mione confirmou, colocando uma mão na testa e sentando-se.

- Quebrado? – Draco parecia bem atento agora. – Você não me disse que ele estava quebrado, Granger.

Três pares de olhos raivosos o encararam, demandando explicações.

- O quê? Eu não fiz nada! Eu só pensei que talvez... algumas horinhas... – quando os três continuaram a encará-lo com olhares letais, o loiro emburrou e cruzou os braços. – Usei mesmo, e daí? A culpa é da Granger, que carrega um vira-tempo quebrado no pescoço.

- MINHA? Você praticamente quebrou meu pescoço pra pegar o vira-tempo, Malfoy!

- 'Tava com pressa; se você não percebeu tinha um trasgo tentando arrancar meu escalpo.

- Trasgo... você vai ver o trasgo... – Ron grunhia enquanto tentava acertar Malfoy, mas Harry o segurou pelas orelhas.

- Isso tudo é sua culpa, Malfoy, que armou pro Ron – ele defendeu depois do amigo se acalmar um pouco.

- Não se meta, Testa Rachada. E Weasley é uma armadilha para si mesmo.

- Do que vocês estão falando? - Hermione quis saber. – Aliás, o que foi toda aquela loucura de agora pouco no castelo?

- O Malfoy na aula do Snape. Fez a poção do Ron explo- Harry se engasgou com uma pequena risada. – Malfoy fez a poção de Ron explodi – Mas quem explodiu foi Harry, em um novo acesso de riso.

Draco sorriu todos os seus dentes e estufou o peito, orgulhoso.

- Dá pra alguém me explicar o que aconteceu? – Hermione estava perplexa.

- Não ligue para eles, Mione, não tem graça nenhuma, na verdade. Essa anta do Malfoy fez minha poção explodir na cabeçona do Snape, e o deixou loiro!

Hermione o encarou por alguns segundos, piscando. Então caiu na gargalhada.

- Qual o problema de vocês? – Ron exclamou indignado, olhando seus amigos e Draco se acabarem de rir. – Ele me deu detenção até o fim da vida, sabiam? Me expulsou do curso. Minha mãe vai me matar!

- Você tinha de ver as sobrancelhas, Mione – Harry conseguiu pronunciar por entre as risadas, enquanto a menina rolava na grama.

- Okey, fiquem aí rindo da desgraça alheia. Fiquem sabendo que eu um dia considerei vocês amigos... e inimigo... de confiança. – Ron fez uma pausa dramática, mas ao perceber que não tivera efeito algum, soltou uma exclamação de irritação. – Vou explorar.

- Ai, ai... – fez Hermione, recolhendo sua dignidade e limpando as lágrimas. – Pobre Ron. Sempre trapalhão. – Então, como se algo tivesse acionado nela, a garota se colocou em pé rapidamente e esquadrinhou o terreno em volta. Harry ficou em alerta com seu movimento súbito, e parou de rir.

- O quê?

- Na verdade, nada. Só conferindo se alguém nos viu brotar do nada no meio dos jardins da escola. Está deserto. - O sol forte bem lá no alto indicava que era quase hora do almoço e os alunos provavelmente estavam todos em aula.

Eles estavam bem atrás da encosta que os escondia das estufas da professora Sprout, e tinham uma visão impedida do campo vazio de Quadribol e de um bom pedaço da Floresta Proibida.

- O que você acha? – Harry perguntou a ela. Draco, já recuperado do acesso de riso, foi se apoiar no tronco de uma macieira e olhava os outros dois com uma expressão de tédio.

- Eu acho que tivemos sorte de ainda estarmos em Hogwarts, mas podemos ter caído em qualquer época. – Então ela acrescentou, olhando em volta – Ao menos sabemos que o Salgueiro Lutador só foi plantado na época dos seus pais, então não viajamos mais de vinte anos.

- Você fala isso como se fosse grande coisa, Granger. Estamos presos no passado.

- Por sua culpa, devo acrescentar. – Ela desafiou Draco com o olhar. – E é uma grande notícia. Significa que Dumbledore está aqui.

- Oh, sim, agora você realmente me convenceu – Draco fez pouco caso, com ar de mofa.

Harry ergueu as duas sobrancelhas surpreso com o pensamento que acabara de lhe ocorrer. Hermione dissera algo em que ele não tinha pensado. O Salgueiro Lutador foi plantado na época de James, Lily, Sirius e Remus. Aliás, por causa de Remus. E se...

Mas a linha de pensamento de Harry teve de ser interrompida quando eles ouviram o grito de Ron ecoar no jardim. Harry não levou dois segundos para tirar a varinha do bolso e começar a correr, mas não foi necessário dar dois passos. Ron logo apareceu no topo do morro, o rosto pálido, uma tremedeira incrível que dominava seu corpo enquanto ele corria em disparada para baixo. Quando ele alcançou os outros três, Harry pôde ver que a cor de seus olhos tinha mudado para azul-quero-minha-mãe, o que não poderia significar boa coisa. Quando Hermione o sacudiu pelos ombros querendo saber qual era o problema, o rapaz ergueu um dedo comprido e trêmulo para a encosta atrás de si e juntou fôlego para berrar:

- O SINISTRO!

Harry, Draco e Hermione sentiram um frio na espinha e olharam para trás imediatamente. Estavam longe, mas não havia dúvidas. Parado no alto de uma pequena encosta, um enorme e furioso cão negro rosnava para eles.