A Cortesã
"Pandora, se você exigir isso de mim, é o que farei"
Ai, eu nunca pensara que um dia eu amaldiçoaria esses dons.
Que eu preferia ignorar, fingir que não sabia, disto eu tinha conhecimento.
Mas eu jamais imaginara que minha audição sobrenatural me obrigaria a encarar toda a verdade.
Eu jamais imaginara que ouviria isto, não desta maneira. A voz de Marius, cheia de dor e raiva, nunca tinha me soado tão cruel.
Por que pensar que ele me fizera pela pura necessidade de alguém para cuidar dele? Por que não ignorar o fato de que ele me trocaria por Pandora caso ela assim desejasse?
Eu sempre consegui fazer isso bem.
Mas já não era mais tão simples. Quando eu vi os dois juntos, quando eu os ouvi conversando, eu compreendi que o havia perdido.
E então eu não poderia simplesmente virar as costas para a realidade, eu não poderia simplesmente escolher não ouvir mais nada.
Era auto-destrutivo, aquilo que eu sentia. Eu ansiava por destroçar toda esperança que, por alguma razão tola, ainda restasse em mim.
Na verdade, naquele momento eu queria ouvir isso. Queria ouvir que Marius me deixaria, pois esta parecia ser a única coisa capaz de fazer com que meu desespero passasse.
E como descreve-lo? Dizer que eu tremia e que meu coração pulsava como nunca seria possível se eu fosse mortal é o bastante para descrever um sentimento deste?
Não é. Tampouco creio que eu tenha palavras para fazer uma descrição melhor. Não sou Marius, afinal de contas.
Mas eu tinha razão. Quando finalmente eu ouvi sua sentença a dor se dispersou. Eu não sentia mais nada, estava efetivamente morta.
Tudo o que eu era, minha vida mortal, meu amor por Marius, já não importava mais.
De que adiantava que Pandora tivesse recusado sua companhia? De que adiantava que eu tivesse consciência de que ele voltaria para mim quando ela partisse?
" Por Deus, Pandora, o que mais eu posso fazer?"
Marius estava delirando. Irracional. Isso era tão anti-natural nele. Tão inusitado ver meu Marius assim.
Meu Marius.
Ele não era mais meu Marius.
E quem eu pensava que ele era? O Mago? O Pintor? Quem realmente?
Achei que soubesse a resposta para estas perguntas. Achei que seria capaz de encontra-las quando ele, sem sequer saber meu nome, entrou na palazzo da mulher que fui em Veneza.
Mas eu me enganara, não é mesmo? Eu não conhecia aquele Marius. Eu não conhecia aquele homem que chegara em casa chorando como uma criança.
Eu conhecia Bianca. Conhecia a mim mesma, e há alguns minutos atrás teria me surpreendido com esse fato.
Agora não.
Eu estava consciente. Consciente de meu corpo, de cada parte da matéria sobrenatural da qual eu era feita.
Consciente o bastante para saber o que eu deveria fazer.
Talvez fosse orgulho, talvez fosse algo que eu tivesse aprendido com o próprio Marius.
Não importava realmente. Bianca, a Cortesã, não poderia tolerar a vida com Marius. Não agora que escutara tudo isso.
Eu o deixaria.
