O nome Hermione Jane Granger prometia, de fato, uma vida de tragédias. Mione percebia isso ao analisar sua situação: órfã de mãe, ainda nova, e agora também de pai. Sem dinheiro. Sem amigos. Mas nunca sem esperança. Não ainda. Não muito...

Porque o nome Hermione Jane Granger também sugeria romance. Um romance arrebatador, impossível, legendário. E desde que se conhecia por gente, Mione esperava – com pouca fé e muita impaciência – que essa fase de sua vida começasse.

Depois que ficou velha o bastante para entender a morte de sua mãe, Mione se consolou com a ideia de que tudo isso fazia parte de sua própria história épica. As heroínas dos contos de fada eram sempre órfãs de mãe. Quando seu pai gastou mais do que podia e a empregada teve que ser dispensada, ela disse para si mesma que o trabalho duro um dia seria recompensado. Todo mundo sabe que a Cinderela teve que esfregar o chão antes de conquistar o príncipe encantado.

Na época dos seus 15 anos, as finanças tinham melhorado, graças ao sucesso literário de seu pai. Não foi nesse momento que o príncipe apareceu, mas ainda havia tempo. Mione dizia para si mesma que seu corpo também cresceria – não só o seu nariz – e que seu cabelo crespo, um dia, iria se acalmar.

Ela não cresceu mais que o nariz e o cabelo não se acalmou.

O patinho feio não se transformou em cisne naquela casa.

Seu aniversário de 17 anos chegou sem que ela tivesse espetado o dedo em uma roca de fiar. Aos 21, a vida lhe impôs uma verdade difícil em algum ponto da estrada entre Maidstone e Rochester. Os ladrões reais não eram diabolicamente charmosos nem brutalmente atraentes. Eles queriam dinheiro, e queriam logo, e Mione devia se dar por satisfeita por eles não terem se interessado por ela. Um a um, ela foi perdendo todos os seus sonhos de menina.

Então, no ano passado, seu pai morreu, e todas as histórias se acabaram por completo. O dinheiro acabou logo depois disso. Pela primeira vez em sua vida, Mione estava à beira do mais puro desespero. Sua sede de romance desapareceu.

No momento, ela se contentaria com pão. Quais contos de fada restavam para uma mulher comum, empobrecida, de 26 anos e que nunca tinha sido beijada? Apenas este.

Ela apertou a carta em sua mão. Lá estava, em tinta preta no papel branco. Sua última esperança. Ela fez força para não apertar demais, com receio de esmigalhar a carta.

Prezada Srta. Goodnight,

É meu dever como executor informar-lhe que o Conde de Lynforth faleceu. Em seu testamento, ele deixou para você – e para cada uma de suas afilhadas – um legado. Por favor, procure-me no Castelo Gostley, perto de Woolington, no condado de Northumberland, no próximo 21 de junho para resolvermos os detalhes da sua herança.

Atenciosamente, Frederick Trent,

Lorde Archer

Uma herança. Talvez pudesse chegar a cem libras. Até vinte seriam uma fortuna. Ela estava reduzida a moedas.

Quando o Castelo Gostley apareceu à sua frente, Mione engoliu em seco. A distância, até que ele parecia romântico. Uma série de torres desiguais e muralhas compridas, com ameias, elevando-se em meio a campos verdejantes. Mas a vegetação ao redor havia se tornado tão densa e desordenada, devido à falta de cuidado, que quando o castelo se elevou à sua frente, Mione se encolheu, amedrontada, sob sua sombra.

O castelo não era acolhedor nem encantador. Era sombrio. Ameaçador. Mione quase teve medo que o castelo pulasse em cima dela.

"Chegamos, senhorita." O cocheiro não pareceu ter uma impressão melhor que a de Mione. Ele fez seus animais pararem junto ao barbacã, uma guarita de pedra construída a certa distância do castelo.

Após ajudá-la a descer da carruagem, ele levantou o colarinho do casaco e descarregou a bagagem – uma única valise surrada. Ele a carregou até os degraus de pedra da antiga guarita e voltou rapidamente para trás, enfiou as mãos nos bolsos e pigarreou, esperando. Mione sabia o que o homem queria. Ela o pagou em Woolington – ele não aceitou transportá-la sem que recebesse o pagamento adiantado –, mas agora ele queria uma manifestação adicional de gratidão. Mione pescou uma moeda em sua bolsa. Restavam tão poucas moedas que sua bolsa nem tilintava.

O cocheiro guardou a moeda e tocou o chapéu em reconhecimento.

"Qual é o seu nome mesmo, senhorita?"

"Granger. Srta. Hermione Granger."

Ela esperou para ver se ele teria alguma reação. A maioria das pessoas alfabetizadas da Inglaterra reconheceria o nome, bem como muitos de seus criados domésticos.

"Tá", foi só o que o cocheiro resmungou. "Eu só queria saber. Alguém pode perguntar. Se a gente nunca mais ouvir falar de você."

Mione riu, esperando que ele também risse. Mas ele não riu.

Logo, condutor, animais e carruagem não eram nada além das rodas rangendo ao longe na estrada. Mione pegou sua valise e entrou no barbacã. Uma ponte de pedra atravessava o que já tinha sido um fosso, mas que agora era apenas um fio de água verde e cheia de limo.

Ela tinha pesquisado um pouco antes da viagem. Não havia muito o que ler. Apenas que o Castelo Gostley tinha sido, no tempo dos normandos, a sede do Ducado Potter.

Não parecia habitado agora. Não havia vidro em muitas janelas. Nenhuma luz nelas, também. Deveria existir uma grade corrediça ali, que pudesse ser baixada para fechar a entrada, mas não havia nada. Nem porta nem portão. Ela passou por baixo da arcada e chegou ao pátio central.

"Lorde Archer?" A voz dela sumiu no ar. Ela tentou de novo. "Lorde Archer, você está aí?"

Dessa vez, sua voz ganhou um eco respeitável nas pedras. Mas nenhuma resposta.

Ela estava sozinha. Atordoada pelo local estranho em que se encontrava e fraca de fome, Mione fechou os olhos e respirou profundamente. Você não pode desmaiar. Só tolinhas e tuberculosas desmaiam e você não é nada disso.

Então começou a chover. Gotas grandes e pesadas de uma chuva de verão – do tipo que sempre lhe pareceram libidinosas e pervertidas, aquelas gotas de verão bêbadas e gordas, gargalhando e se jogando alegremente na terra. Ela estava ficando toda molhada, mas a alternativa de buscar abrigo debaixo de um dos arcos sombrios era muito menos atraente.

Um farfalhar abafado fez com que ela pulasse e se virasse. Era apenas um corvo alçando voo. Ela assistiu ao pássaro sobrevoar a muralha do castelo e se afastar. Mione soltou uma risada. Sério. Aquilo era demais. Um castelo imenso, desocupado, chuva e também corvos? Alguém estava lhe pregando uma peça de mau gosto.

Então ela viu um homem do outro lado do pátio, parado sob uma arcada escura. E se ele fazia parte daquela peça, não era nem um pouco de mau gosto.

Existem coisas na natureza cuja beleza vem de sua estrutura delicada e simetria perfeita – flores, conchas marinhas, asas de borboleta –, e existem as coisas que são lindas por seu poder natural e por sua recusa em serem dominadas, como montanhas cobertas de neve, nuvens de tempestade, leões descabelados com dentes afiados. Aquele homem diante dela?

Ele pertencia, sem nenhuma dúvida, à segunda categoria. Assim como o lobo sentado aos pés dele. Não podia ser um lobo, Mione disse para si mesma. Devia ser um tipo de cachorro. Fazia tempo que os lobos tinham sido extintos daquela região. O último lobo da Inglaterra morreu décadas atrás. Se bem que ela pensava que esse tipo de homem também estava extinto...

Ele se mexeu e uma fenda de luz fraca revelou a metade inferior de seu rosto.

Mione reparou nos lábios largos, finos e sensuais. Um maxilar anguloso, escurecido pela barba por fazer. O cabelo comprido que roçava o colarinho. Ele vestia apenas uma camisa, aberta no pescoço por baixo do paletó. Calças de camurça justas da cintura magra até as coxas musculosas... e dali suas pernas desapareciam dentro de botas encharcadas e sujas.

Oh, céus. Mione tinha mesmo uma queda por homens calçando botas surradas. Elas a deixavam desesperada para saber por onde aqueles pés tinham andado. O coração dela bateu mais rápido. Isso não a ajudou com sua tontura.

"Você é Lorde Archer?", ela perguntou.

"Não." A palavra saiu em voz baixa, implacável. A fera a seus pés rosnou.

"Oh. Lorde Archer está aqui?"

"Não."

"Você é o zelador?", ela perguntou. "Lorde Archer está para chegar?"

"Não. E não."

O que era aquilo na voz dele? Ele estava achando graça?

Mione engoliu em seco.

"Eu recebi uma carta de Lorde Archer. Ele me pediu que o encontrasse aqui, nesta data, a respeito de negócios com o espólio do finado Conde de Lynforth. Parece que ele me deixou algum tipo de herança." Ela mostrou a carta, que lhe estendeu com a mão trêmula. "Aqui está. Você gostaria de ler?"

"Não."

A sombra de um sorriso surgiu em seus lábios. Mione retraiu a mão com o máximo de calma que conseguiu reunir e guardou a carta no bolso.

Ele apoiou um ombro na arcada.

"Nós não vamos continuar?"

"Continuar o quê?"

"Com o jogo." A voz dele era tão baixa que parecia rastejar até ela pelas pedras que pavimentavam o pátio, para então penetrar nela pelas solas de seus pés. "Eu sou um príncipe russo? Não. Minha cor favorita é amarelo? Não. Eu me oporia a você entrar e tirar cada peça de roupa molhada?" A voz dele fez o impossível. Ficou ainda mais baixa. "Não."

Agora ele estava só se divertindo com ela. Mione apertou sua valise junto ao peito. Ela não queria que Bola de Neve ficasse molhada.

"Você trata todas as suas visitas assim?"

Idiota. Ela se xingou mentalmente e se preparou para outro "não" debochado.

"Só as bonitas", ele respondeu.

Oh, Senhor. Ela já devia ter imaginado. A fadiga e a fome estavam afetando seu cérebro. Ela podia acreditar no castelo, nos corvos, na aparição repentina de um homem alto, sensual e atraente. Mas agora ele estava flertando com ela?

Mione só podia estar alucinando. A chuva continuava se derramando, impaciente para chegar das nuvens à terra.

Mione ficou observando as gotas que pingavam nas pedras do pátio. Cada uma delas parecia tirar uma lasca da força de seus joelhos. As paredes do castelo começaram a girar. Sua visão escureceu nas bordas.

"Eu... Me desculpe, eu..." A valise caiu no chão. A fera rosnou para ela. O homem saiu das sombras. E Mione caiu desmaiada.


A garota desabou no chão com um baque, espirrando água para todo lado. Potter estremeceu com aquela ironia. Apesar de tudo que tinha acontecido, ele ainda fazia as mulheres desmaiarem. De um jeito ou de outro.

Ele deu um comando em voz baixa ao cachorro. Depois que este terminou sua inspeção com o focinho molhado, Potter afastou o animal e fez sua própria investigação. Ele passou as mãos pelo amontoado inerte de articulações e membros diante de si.

Musselina molhada, botas gastas. Mãos pequenas, punhos finos. Não havia muita mulher ali. Ela parecia ser metade anáguas e metade cabelo.

E, Deus, que cabelo. Espesso, cacheado e abundante. Ele sentiu o bafo quente da respiração dela em sua pele e desceu a mão, à procura das batidas do coração da garota. Sua palma roçou um seio arredondado. Um surto de... alguma coisa... passou por ele, de repente.

Não foi desejo, apenas um despertar de sua virilidade. Aparentemente, ele devia parar de pensar nela como "uma garota". Ela era, com certeza, "uma mulher".

Potter praguejou. Ele não queria visitas. Principalmente visitas femininas. A filha do vigário local, a Srta. Lovegood, fora o suficiente. Ela aparecia no castelo quase toda semana, oferecendo-se para ler sermões ou alguma outra bobagem. Pelo menos, quando a Srta. Lovegood fazia sua marcha colina acima sob o sol, com a cesta de boas ações pendurada em um braço, ela vinha esperando encontrar um homem em ruínas, cheio de cicatrizes e com a barba por fazer.

E ela era sensata demais para desmaiar ao vê-lo. A mulher esparramada diante dele, por outro lado, não esperava encontrar Potter. O que ela tinha dito sobre um certo Lorde Archer?

Ela tinha uma carta, em algum lugar, que explicava tudo, mas ele não podia se preocupar com isso. Potter precisava levá-la para dentro – aquecê-la, dar-lhe um pouco de uísque e chá com leite.

Quanto antes ela recobrasse os sentidos, tanto antes iria embora. Ele pegou aquela mulher encharcada e inconsciente em seus braços e se levantou. Depois distribuiu o peso dela, encontrando o ponto de equilíbrio entre os quadris e os ombros da moça, para então começar a subir os degraus que os levariam para dentro.

Ele contou os passos. Cinco... seis... sete... No oitavo passo, ela se remexeu em seus braços. Ele congelou, preparando-se para algo desagradável. Ela desmaiou quando o viu pela primeira vez, se ao acordar se visse sendo carregada por ele, talvez morresse de choque. Ou estourasse os tímpanos dele com um grito. Era tudo que ele não precisava – um problema de audição.

Ela murmurou algo com a voz fraca, mas não acordou. Não, ela fez algo muito pior: se aconchegou. Virando para o lado, ajeitando-se nos braços dele, ela encostou o rosto em seu peito, em busca de calor.

E soltou um gemido tênue e rouco.

Outro surto de... algo... passou por ele. om parou por um momento, absorvendo a energia que o invadiu antes de continuar a subir. Malditos fossem os deuses. A única coisa que Potter queria menos do que uma mulher desmaiada era uma mulher aconchegada.

Desde que tinha se machucado, ele não gostava de ninguém perto demais. E ele não precisava de aconchego, obrigado. Ele tinha um cachorro.

O animal foi na frente quando ele chegou ao alto da escada e virou para entrar no grande salão do castelo. Aquele espaço era, mais ou menos, seu acampamento. Ele dormia ali, comia ali, bebia ali, ele... praguejava e se preocupava ali.

Seu criado, Duncan, estava sempre querendo que ele abrisse mais aposentos do castelo, mas Potter não via o porquê disso. Ele ajeitou a garota – a mulher – no decrépito sofá de crina de cavalo e aproximou o móvel da lareira.

Os pés do sofá rangeram no chão de pedra. Ele esperou para ver se ela se mexia...

Nada.

Ele chacoalhou de leve o ombro dela...

Nada.

"Acorde", ele disse em voz alta. "Olhe só, é Lorde Archer."

Nada.

Potter puxou uma cadeira e se sentou ao lado dela. Cinco segundos depois ele se pôs outra vez de pé e ficou andando de um lado para o outro. Vinte e três passos para a janela mais à esquerda e de volta. Ele tinha seus pontos fortes, mas paciência não era um deles.

Inatividade o tornava um animal rabugento, mal-humorado. Quando Duncan voltasse, Harry poderia enviá-lo à procura de um médico. Mas o criado ainda deveria demorar horas para chegar. Magnus ganiu e focinhou suas botas. Potter mandou o cachorro se deitar em seu tapete, perto da lareira. Então ele se agachou ao lado do sofá e colocou a mão no pescoço da mulher. Ele deslizou as pontas dos dedos por aquela coluna delgada e delicada até encontrar o pulso dela. Os batimentos cardíacos estavam mais fracos do que ele achava correto, e rápidos como um coelho.

Droga.

Ela virou a cabeça, deslizando a face macia para cima de sua mão. E lá estava ela de novo, aconchegando-se. O toque liberou a sugestão tênue de uma fragrância suave e feminina.

"Tentadora", ele murmurou com amargura. Se ele era obrigado a receber em sua casa uma mulher que desmaiava e que gostava de se aninhar, por que não podia ser uma que cheirasse a vinagre e queijo velho?Não, ele tinha que receber uma que cheirasse a alecrim e talco. Ele apertou o polegar na bochecha molhada de chuva. "Pelo amor de Deus, mulher, acorde."

Talvez ela tivesse batido a cabeça nas pedras do piso. Ele levou os dedos ao cabelo desgrenhado dela e puxou os grampos. Havia uma dúzia, pelo que lhe pareceu, e a cada um que Potter tirava, a massa de cabelo parecia ficar mais revolta. Mais indomada. Os cabelos cacheados se enroscavam e emaranhavam entre seus dedos, obstruindo o exame que pretendia fazer. Quando ele, afinal, se deu por satisfeito que o crânio dela estivesse intacto, Potter podia jurar que aquela cabeleira estava viva. E faminta.

Mas o crânio estava intacto, sem calombos ou inchaços que ele pudesse detectar. E ainda assim ela não produzia nenhum som. Talvez ela tivesse se machucado em outro lugar. Ou talvez o espartilho estivesse muito apertado.

Só havia um modo de saber.

Com um suspiro impaciente, ele tirou o paletó e arregaçou as mangas. Rolando-a de lado, ele afastou aquele cabelo predador e lançou os dedos à tarefa de desabotoar a parte de trás do vestido dela. Fazia tempo que Potter não praticava, mas existem certas coisas que um homem não esquece. Desabotoar a roupa de uma mulher é uma delas...

E desamarrar um espartilho é outra.

Enquanto soltava os laços do espartilho, ele sentiu a caixa torácica dela se expandir debaixo de suas mãos. Ela se remexeu e soltou um suspiro gutural, sensual.

Ele congelou. Outro surto de... alguma coisa... pulsou em suas veias, e dessa vez ele não podia ignorar, como se fosse alguma bobagem. Dessa vez era desejo, puro e simples. Potter estava há um longo e perigoso tempo sem ter uma mulher em seus braços. Ele procurou ignorar sua reação física. Com movimentos ágeis e decididos, ele puxou as mangas do vestido pelos braços dela, procurando sentir alguma fratura nos ossos. Então ele começou a baixar o corpete até a cintura dela. Potter não podia deixá-la com aquelas roupas molhadas, pois ela poderia se resfriar.

Ele mereceria muita gratidão dela, quando acordasse, mas por algum motivo ele duvidava que a mulher demonstrasse esse sentimento.


Mione recuperou a consciência com um sobressalto. Ela estava em um ambiente fechado, dentro do castelo. Colunas se erguiam ao redor dela como árvores antigas, elevando-se para apoiar o teto arqueado de um grande salão cavernoso.

Olhando em volta, ela viu móveis em diferentes níveis de degradação espalhados pelo salão. A extremidade mais próxima da parede abrigava uma lareira imensa. Mione teve certeza que, se não fosse o fogo ardendo, ela caberia ali dentro sem precisar se abaixar. As chamas daquela fornalha não eram alimentadas por madeira partida, mas por troncos inteiros de árvore.

Ela estava deitada em um sofá velho e empoeirado. Um cobertor áspero de lã tinha sido jogado sobre seu corpo. Ela espiou por baixo dele e estremeceu. Mione tinha sido despida de vestido, espartilho, anáguas e botas. Restavam apenas a chemise e as meias.

"Oh, céus." Ela levou a mão ao cabelo solto. Sua tia Lilith tinha razão. Ela sempre implicou com Mione durante os verões que a garota passou em Essex. "Não importa que ninguém vai ver", a tia guinchava. "Sempre – sempre – use roupa de baixo e meias limpas. Você nunca sabe quando um acidente pode acontecer."

Oh... bom... Deus.

De repente, ela recordou de tudo. A chuva... o desmaio... Mione olhou para cima e lá estava ele. O Acidente.

"Você acordou", ele disse, sem se virar para confirmar.

"Acordei. Onde estão minhas coisas?"

"Sua valise está a dois passos da entrada, à direita."

Mione torceu o pescoço e olhou para a valise, bem onde ele disse que estaria. Ela não estava aberta nem se mexendo. Bola de Neve devia continuar dormindo. Isso era um alívio.

"Seu vestido está ali." Ele fez um gesto na direção em que a peça de roupa estava pendurada, no encosto de duas cadeiras, secando junto ao fogo. "Suas anáguas estão penduradas naquela outra mesa, e o espartilho está no outro..."

"Obrigada."

Mione queria morrer. Toda aquela situação era humilhante. Desmaiar aos pés de um estranho já era constrangedor o bastante, mas ela tinha que ouvi-lo catalogando sua roupa de baixo? Mione apertou o cobertor junto ao peito. "Você não precisava se incomodar."

"Você precisava respirar. E eu precisava ter certeza que você não estava sangrando nem tinha quebrado alguma coisa." Ela não sabia ao certo por que isso exigia que ele a despisse, deixando-a só com a roupa de baixo. Uma olhada rápida bastaria para verificar se ela estava sangrando. "Você está doente?", ele perguntou.

"Não. Pelo menos, não que eu saiba."

"Está grávida?"

A gargalhada de Mione assustou o cachorro.

"Com certeza, não. Não sou o tipo de mulher que fica desmaiando, prometo. Só não comi muita coisa hoje." Nem ontem, nem anteontem. A voz dela estava rouca e rascante.

Talvez estivesse pegando um resfriado. Isso ajudaria a explicar o desmaio. Durante toda essa conversa, seu anfitrião permaneceu junto à lareira, de costas para Mione. O paletó ficava justo nos ombros dele, e um pouco mais solto ao redor do tronco.

Talvez ele tivesse perdido peso recentemente. Mas ainda restava bastante corpo ali, magro e firme. Aquele homem era muito parecido com o grande salão que os abrigava. Um pouco mal cuidado, mas de constituição impressionante e forte até os ossos.

E aquela voz. Oh, como era perigosa. Ela não sabia o que a incomodava mais: que aquele estranho belo e misterioso tivesse tomando tanta liberdade com sua pessoa – carregando-a nos braços, desamarrando seu espartilho, soltando seu cabelo e deixando-a apenas com a mais fina de suas roupas de baixo –, ou que ela, de algum modo, tivesse ficado desacordada durante tudo isso.

Ela olhou mais uma vez para ele, uma silhueta recortada pelas chamas alaranjadas. A segunda opção.

Com certeza, a segunda. Os quinze minutos mais excitantes da sua vida, e ela ficou o tempo todo desacordada. Mione, sua idiota. Mas embora ela não se lembrasse de ser carregada da chuva para dentro do castelo, seu corpo tinha memória própria. Por baixo do que restava de suas roupas, ela queimava com a sensação de mãos fortes em sua pele fria. Como se o toque dele estivesse impresso em seu corpo.

"Obrigada", ela disse. "Foi muita gentileza sua me carregar para dentro."

"Tem chá. À sua esquerda." Uma caneca lascada com líquido fumegante descansava sobre uma mesa próxima – à esquerda dela, como ele disse.

Mione a pegou com as duas mãos, deixando o calor penetrar em sua pele antes de dar um gole longo e revigorante. Fogo desceu por sua garganta e ela tossiu. "O que tem aqui?"

"Leite", ele respondeu. "E uma gota de uísque."

Uísque? Ela bebeu de novo, já que não estava em condições de ser exigente. Quando encarada com o devido cuidado, a bebida não era tão ruim. Ao engolir, um calor forte, fumacento, espalhou-se por ela. Na mesma mesa ela encontrou um pequeno pedaço de pão, que atacou, faminta.

"Quem é você?", ela perguntou, entre um bocado de pão e outro.

A tia Lilith não aprovaria seus modos.

"Sou Harry Potter. Você está no meu castelo."

Mione engoliu em seco. Aquele homem afirmava ser o Duque Potter? Parecia demais para que ela pudesse acreditar. Duques não deveriam ter criados, que faziam o chá e os vestiam da forma correta? Que Deus a ajudasse. Talvez ela estivesse com um louco.

Mione apertou ainda mais o cobertor. Apesar de suas dúvidas, ela não se arriscaria a provocá-lo.

"Eu não me dei conta", ela disse. "Eu devo tratá-lo por 'Alteza'?"

"Não vejo motivo para isso. Dentro de algumas horas eu espero que você se refira a mim como 'Aquele desgraçado mal-educado que eu importunei em uma tarde chuvosa e nunca mais incomodei'."

"Eu não pretendia causar problemas."

"Mulheres lindas sempre causam problemas. Queiram elas ou não."

Mais provocação. Ou mais loucura. Mione não sabia bem o quê. A única coisa que Mione sabia, com certeza, era que ela não era nenhuma beleza. Não importava o quanto beliscasse as faces ou prendesse o indomável cabelo cacheado.

Ela era comum e não tinha como mudar essa verdade. Esse homem, por outro lado, era tudo menos comum. Ela o observou jogar mais lenha na lareira. Ele pegou um tronco, grosso como a coxa dela, e o manuseou como se fosse de papel.

"Eu sou a Srta. Hermione Granger.", ela decidiu informar. "Talvez você já tenha ouvido falar nesse nome."

Ele atiçou o fogo.

"Por que eu teria ouvido esse nome?"

"Meu pai era Sir Henry Granger. Ele era um intelectual e historiador, mas foi mais conhecido como escritor."

"Então isso explica por que não o conheço. Não sou leitor."

Mione olhou para as janelas em arco. A tarde começava a escurecer. As sombras, cada vez mais compridas, a preocuparam, assim como o fato de que ela ainda não tinha visto bem o rosto de seu anfitrião. Mione começava a ficar ansiosa para vê-lo, para olhar em seus olhos. Ela precisava saber que tipo de homem a tinha à sua mercê.

"Parece que Lorde Archer ainda vai demorar", ela se arriscou a dizer. "Será que nós podemos acender uma ou duas velas enquanto esperamos?"

Após uma pausa relutante, ele pegou um pedaço de palha, acendeu-o na lareira, e, protegendo a chama com a mão, aproximou-se de uma vela estreita e longa presa sobre a cornija. Essa pareceu ser uma tarefa difícil para ele. O pavio foi aceso, mas ele manteve a palha no lugar até ela queimar a ponta de seus dedos. Ele praguejou baixo e sacudiu a mão, apagando o fogo.

"Eu não queria incomodar. É só que eu..." Ela não sabia por que iria admitir isso, talvez porque se sentisse culpada por ele ter se queimado para lhe proporcionar conforto. "Eu não gosto do escuro."

Ele se virou para Mione, segurando a vela. Um lado de sua boca larga foi baixado.

"Eu também não me sinto à vontade." A nova chama projetou uma luz dourada naquele rosto másculo.

Mione estremeceu. As feições dele, aristocráticas e esculpidas, ajudavam a sustentar a afirmação de que ele era um duque. Mas outra característica de seu rosto contava uma história diferente. Uma cicatriz dramática e irregular, cortava da testa à têmpora, terminando no alto da maçã do rosto. Embora a chama da vela tremulasse e soltasse fagulhas, ele não piscava nem apertava os olhos.

Claro. Aquela constatação ribombou dentro dela. Afinal, alguma coisa naquele dia fazia sentido. Tudo fazia sentido. O ambiente escuro, sua recusa em ler a carta que ela trouxe, a avaliação manual da saúde de Mione. As repetidas menções que ele fez à beleza dela, apesar do que deveriam ser amplas as evidências do contrário.

Ele era cego.


Eu sei eu sei...Já vem ela com mais uma adaptação de época, com outra para terminar... eu sei, mas terminei esse livro e o outro da mesma autora esses dias e simplesmente não consegui me conter! É bom demais, então eu simplesmente precisava adaptar! Espero, sinceramente, que tenham gostado desse primeiro capítulo e, claro, comentem, meus lindos!

N2: O livro adaptada também se chama Romance com o duque de Tessa Dare, super recomendo!