Na noite escura os corvos haveriam de se fartar.

Entrou pela janela como um corvo intrometido. Escapou do negrume da noite como ladrão astuto e caminhou até ela, que já não mais usava penteados infantis, nem roupas extravagantes. Era agora polida, temerosa, e indubitavelmente, adulta. Já sem preocupações com que sua imagem fofa permanecesse erguida. Usava tamancos de salto alto, como toda mulher. Mas, mesmo assim, ele já era mais alto do que ela.

E não havia mordomo algum a seu lado. Pois essa era a ordem. O conde vinha às vezes, em busca da noiva, em busca de uma dança. O conde vinha, na calada da noite. Mas sua noiva nunca espera data certa, pois sabe que seu amado conde é como um corvo. E corvos têm asas, precisam voar. Mas todos os corvos precisam pousar para comer. E é quando ele vem. Quando sente fome, quando sente falta do corpo dela que já não é tão frágil. Há sempre a liturgia a ser seguida. Eles dançam. Eles valsam usando apenas seus passos e a lembrança de um violino na infância como acompanhamento. Tudo muito polido, pois ele é um conde, e ela é sua noiva. Os olhos vermelhos já não mais a assustam. Servem de conforto. Da mesma forma que ela se tornou muito mais agradável com o passar do tempo. Os anos lhe fizeram bem. E todas as noites em que ele aparece em sua janela, como um corvo intrometido, ela novamente se deixa seduzir. E ele tem de seduzi-la novamente a cada noite. É a liturgia muda que se estabeleceu. É apenas o progresso dos jogos infantis. A interpretação que ganha novos significados, e os desejos que merecem ser contidos, pra fazer valer mais, pra viciar na carne um do outro, pra seduzirem-se mutuamente a cada nova noite escura, a cada valsa terna. E ela só encontra conforto nesses momentos, quando ele lhe estende a mão, seja para valsar com ela, seja para comê-la. Mas Elizabeth sabe que Ciel é como os corvos. Ele sairá quando satisfizer sua vontade. Ela sabe que não o encontrará deitado na mesma cama que ela pela manhã morna. Mas sabe que tem de esperar seu amado conde. E que ele pode estar com fome. Então ela apenas se contém e espera a próxima valsa.