Tempero Picante

Shaoran Li é um homem bem sucedido e cobiçado pelas mulheres, que adora provocar Sakura, sua secretária profissional e recatada. Mas ela está cansada desse jogo e planeja dar o troco em seu chefe. Qual será?

Capítulo um.

Shaoran Li terminou de se barbear e passou um pouco de água de colônia. A maioria das mulheres adorava aquele cheiro, exceto uma: sua reservada assistente pessoal, a indomável Sakura Kinomoto. Ela sempre torcia o nariz ao senti-lo, como se achasse o odor ofensivo.

Ele sorriu para a própria imagem no espelho.

A idéia que tivera na noite anterior com certeza acabaria com a postura defensiva de Sakura.

Ele gostava de provocá-la e ver seus olhos cor de esmeralda se incendiarem. Os olhos de uma tigresa, pensava ele com freqüência, imaginando se ela algum dia revelaria as garras e daria vazão a toda aquela paixão reprimida.

Isso, porém, significaria o fim do jogo, e não era isso o que ele queria. Saky — ele sabia que ela odiava ser chamada assim, mas insistia no apelido por pura diversão — era o tempero da sua vida, um contraste picante ao enjoativo sabor açucarado de todas as outras mulheres que só se dedicavam a adoçar sua vida. Ele certamente sentiria sua falta se ela fosse embora, mas não conseguia resistir à tentação de provocá-la. Era excitante e irresistível.

Já deveriam ter se passado uns 18 meses desde que ela viera trabalhar para ele. Uma funcionária perfeita, seguindo suas instruções ao pé da letra, mantendo sua agenda social e de trabalho sempre em dia e representando-o toda vez que ele estava ocupado em algum outro lugar. Esta última função, aliás, dera início ao embate de desejos entre os dois.

Shaoran havia escolhido o currículo de Sakura Kinomoto entre todos os outros por ela ter sido a assistente pessoal da editora de uma revista para adolescentes, o que o fez pensar que ela certamente estaria sintonizada às necessidades deste público, que era, de longe, o mais rentável para a empresa dele, a Assinaturas Sonoras.

Ela tinha vindo para a entrevista com um terninho preto, não muito justo, e seus longos cabelos castanhos puxados para trás, com presilhas estrategicamente colocadas de forma a mantê-los longe do rosto. Tinha uma aparência muito sensual — lábios cheios, olhos grandes com cílios espessos, pele de tom branco e figura curvilínea, efeito, provavelmente, dos seus genes italianos. Ela, no entanto, parecia ter a intenção de minimizar este impacto.

Ela não é o meu tipo, pensou Shaoran. Sua preferência havia sempre recaído sobre louras altas, magras e longilíneas especialistas em seduzir os homens. Mas a observação e a experiência pessoal lhe haviam ensinado a não se envolver emocionalmente com nenhuma delas.

— Divirta-se com elas — recomendara-lhe o avô. — O truque é não levá-las tão a sério, ou acabam fisgando você.

Seu avô estava se divorciando pela quarta vez, na época. Shaoran lembrava-se de ter perguntado:

— Por que continua se casando?

— Porque adoro casamentos.

Seu avô podia sustentar as ex-esposas. Já Shaoran não tinha a intenção de dispor da sua fortuna dessa forma. Havia trabalhado duro para conquistá-la e não estava disposto a deixar mulher alguma desfrutar dela só por seus predicados sexuais. Ele levava o trabalho a sério. Era muito cuidadoso na seleção da equipe que o ajudaria a manter e aumentar seu sucesso.

Sakura Kinomoto encaixava-se nessa categoria. Havia revelado um raciocínio rápido já na primeira entrevista, deixando claro que poderia ser extremamente eficiente em qualquer tarefa que lhe fosse confiada. A única coisa que o incomodava era a sua aparência austera. Seu aspecto não condizia em nada com a empresa. Se ela não fosse flexível para mudanças...

— Se quiser o emprego, terá de se vestir de acordo com o perfil da empresa — disse Shaoran. — Sua imagem está totalmente equivocada.

Foi fascinante vê-la conter o fluxo de sangue que lhe subiu para o rosto, fazendo-a ruborizar e responder meticulosamente:

— Seria de grande ajuda se o senhor me explicasse qual é a imagem que espera de seus funcionários.

Sh: Não é a de uma mulher de 40 anos — retrucou ele, completamente cativado por sua capacidade de manter o controle. — Seu currículo diz que você tem 28 anos. Confere?

S: Sim.

Ele contornou a mesa, olhou-a de cima a baixo e disse:

Sh: Você deveria se vestir como uma jovem, e não como uma senhora. Nós vendemos Assinaturas Sonoras para os proprietários de celulares, um mercado formado predominantemente por jovens. Se pretende representar a mim e à minha empresa, tem de transmitir credibilidade.

S: Isso significa calças jeans e camiseta?

A maneira serena com que ela havia avaliado a aparência dela atiçara o demônio que o habitava.

Sh: Não, isso serve apenas para os rapazes. Eu quero que você reflita as tendências mais recentes da moda jovem. Solte o cabelo e mostre algum estilo, Srta. Kinomoto.

S: Meu cabelo está solto — disse ela, num tom firme e desafiador.

Shaoran sentiu-se instigado a levar o desafio mais adiante.

Sh: Acho que poderia usar um corte um pouco mais moderno.

As bochechas de Sakura estavam em brasa. Shaoran se embriagou no calor daquelas chamas. Ela aceitaria o jogo ou se renderia?

S: Está se referindo a pontas? — perguntou ela, com os olhos fixos.

Shaoran percebeu que havia atingido um limite. Decidiu conter-se para não correr o risco de perdê-la, concluindo que se divertiria bem mais com Sakura se ela aceitasse permanecer.

Sh: Não. — Ele inclinou a cabeça, considerando o que seria mais adequado para ela. — Talvez uma franja e uns repicados emoldurando seu rosto. Discuta isso com seu cabeleireiro. O que você precisa é atualizar seu estilo para incrementar o visual. Compreendeu?

Ela não fez comentário algum, indo diretamente ao ponto:

S: Está me oferecendo o cargo?

Sh: Sim, contanto que...

S: Contanto que eu consiga me adequar à imagem da empresa. — Ela se levantou e estendeu a mão para firmar o acordo, estritamente profissional. — Compreendi perfeitamente e concordo com suas condições, Sr. Li. Quando quer que eu comece?

Ela certamente o havia nocauteado com a sua nova imagem, refletiu Shaoran, enquanto se vestia para trabalhar. Saky Kinomoto era fogo quando botava uma coisa na cabeça.

Ela estava deslumbrante no seu primeiro dia de trabalho. Linda e sexy. Havia balanço no seu novo corte de cabelo, nas suas botas de salto alto e nas suas curvas sob a minissaia que estava usando. Todos os rapazes que trabalhavam na empresa ficaram atônitos com a chegada dela.

Sakura, porém, transitou tranqüilamente entre eles como se estivesse vestindo apenas um uniforme. Não flertava com ninguém, não criava joguinhos sensuais para convencer rapazes apaixonados a fazer parte do seu trabalho. Ela era a Senhorita Eficiência. Havia sido assim desde o primeiro momento. Shaoran teve de aprender a conviver com aquilo que ele mesmo havia criado.

Uma verdadeira batalha entre os sexos. Excitante, estimulante. Seus embates com Saky e a satisfação que ele obtinha com eles tinham um caráter quase sexual. Tudo, porém, se passava apenas em sua mente, e era lá que deveria permanecer. Por mais que se sentisse várias vezes tentado a fazê-lo, sabia que estabelecer qualquer contato mais íntimo com ela seria um grande erro. Havia muitas mulheres mais do que dispostas a dividir a cama com ele, mas havia apenas uma Saky Kinomoto, e ele não queria perdê-la.

A idéia que lhe havia ocorrido na noite anterior era sublime.

Saky ficaria furiosa.

Shaoran mal podia esperar para dar início à batalha de hoje.

oOoOo

Sakura conferiu a sua aparência no espelho. Amoda agora pedia legging. Ela se sentia bem mais confortável nelas do que com aquelas minissaias que invariavelmente a faziam sentir-se exposta ao olhar eternamente provocador do Sr. Li. Não que o seu novo figurino o impedisse de olhá-la por inteiro para depois dar aquele sorrisinho arrogante, assumindo pessoalmente o crédito por ter melhorado o seu visual.

Aquilo a irritava muito, mas ela nunca deixou que ele percebesse. Havia se convencido de que estava se vestindo para o trabalho, e não para ele. Se fosse extremamente honesta, contudo, teria de admitir que havia se viciado em desfilar sua feminilidade na frente dele, bem como na energia sexual que fluía entre eles, mas sabia que aquilo não era nada bom para ela.

Ela já estava totalmente dominada por ele. Havia perdido o interesse em outros homens. Estava perto de completar 30 anos, com a vida completamente focada num demônio sensual que não tinha qualquer interesse em se casar e ter filhos. Se havia alguém que poderia ser chamado de "solteiro convicto", era Shaoran Li.

Shaoran era maravilhoso. Tinha grandes olhos castanhos cintilantes, com cílios longos e curvos pelos quais muitas mulheres dariam a vida, sobrancelhas expressivas que funcionavam como pontos de exclamação para o que quer que ele dissesse, cabelos grossos e revoltos, escuros, extremamente convidativos aos dedos, nariz reto, queixo quadrado e forte, lábios macios e sensuais, altamente provocantes, e covinhas.

Covinhas!

Como Sakura desejava não ser tão fascinada por elas.

Ele tinha o físico de um atleta: ombros largos, músculos onde deveriam ser encontrados e nenhuma grama a mais. Um corpo perfeitamente proporcional à sua altura.

Shaoran vinha de uma família muito abastada e havia, ele próprio, feito milhões com a Assinaturas Sonoras, uma idéia genial, de sua própria autoria. Aos 32 anos, ele tinha o mundo a seus pés, inclusive belas mulheres — top models, socialites, Vips e estrelas de televisão.

Apesar de realizar meticulosamente todos os seus afazeres como sua assistente pessoal, Sakura suspeitava que Shaoran a via apenas como um brinquedinho pessoal. Ele gostava de provocá-la. Gostava de desafiá-la com tarefas difíceis de realizar para ver como é que ela se sairia. Ela sabia que ele era um perfeito playboy, mas não conseguia deixar de se orgulhar por conseguir, sucessivamente, superar todos os obstáculos que ele colocava em seu caminho e atender às suas demandas.

Ele não conseguiria derrotá-la. De jeito nenhum. Ela não permitiria.

Sakura, porém, estava consciente de que havia ficado presa ao relacionamento que estabelecera com seu chefe. Ela gostava do estímulo, da cor e da excitação que ele havia trazido à sua vida. Admirava sua inteligência, a maneira como ele enfrentava as situações difíceis nos negócios e o modo como sempre estimulava e recompensava os empregados que tivessem tido boas idéias.

Ela amava muitas coisas em Shaoran... E odiava outras tantas também! Principalmente o fato de que ele jamais a veria como uma parceira que quisesse ter para sempre ao seu lado. A verdade estava por demais evidente para que ela pudesse ignorá-la, ou mesmo para ter a esperança de que algo pudesse mudar. A vida de Shaoran Li se traduzia em jogos sobre os quais ele mantinha o controle, dirigindo todos os acontecimentos, e o único desses jogos no qual Sakura tinha alguma participação era aquele jogado no local de trabalho.

Apesar de todas as defesas que ela havia erguido cuidadosamente contra ele, Shaoran conseguira arrastá-la para dentro de uma correnteza de emoções e continuava puxando-a cada vez mais para o fundo, dia após dia. Se ela não saísse imediatamente daquele turbilhão, acabaria perdendo todo o respeito por si mesma. Seu lado racional lhe dizia que não podia mais continuar ao lado de Shaoran Li. Dezoito meses era tempo demais.

Sakura logo estaria fazendo 30 anos e então não haveria mais tempo para brincadeiras. Teria de se empenhar seriamente em arranjar um companheiro e formar uma família. Ela já não tinha mais muitos anos pela frente para gerar filhos, como seu pai fazia questão de lembrá-la constantemente.

Suas irmãs e irmãos já estavam todos casados e com filhos.

Ela também desejava isso, mas à sua maneira, não à maneira de sua família. Não havia permitido que o pai a forçasse a assumir o estilo de vida que ele considerava apropriado para as filhas. Queria descobrir quem era por si mesma e ser autêntica.

Isso, porém, era impossível ao lado de Shaoran Li. Ela tinha que dar um fim nisso e seguir em frente. E logo, antes que a sua sólida formação terminasse por sucumbir à compulsiva atração que ela sentia por um homem que jamais compartilharia com ela o tipo de futuro que ela desejava ter.

— Às panquecas estão esfriando, Sakura — disse-lhe a irmã.

S: Eu lhe disse que não queria panquecas, Sylvana — respondeu ela exasperada, pegando sua bolsa.

— Você está magra demais. Precisa se alimentar melhor.

Sakura cerrou os dentes. Ela já estava farta de toda a família dizer a mesma coisa. O fato de todos estarem felizes com seus corpos bem fornidos não fazia dela nenhuma esquálida. Ela só era mais magra que eles. Não poderia manter aquela imagem com alguns quilos a mais. Suas curvas acentuadas já lhe tornavam essa tarefa suficientemente difícil para que ela ainda arranjasse mais algum problema.

S: Eu já tomei um iogurte e comi uma fruta — disse ela, decidida a se despedir da irmã que havia vindo a Sidney para fazer uma cirurgia a laser nos olhos.

Sylvana estava sentada na cozinha, entretida com uma pilha de panquecas regadas com melado. Sempre roliça e se esforçando para ficar ainda mais, pensou Sakura.

S: Tenho de ir. Espero que você consiga curar a sua miopia para não ter mais de usar óculos.

Sylvana deteve uma garfada repleta de panqueca a meio caminho da boca, olhando chocada para a irmã.

— Você não vai usar isso para trabalhar!

Isso, é claro, era o figurino que ela havia escolhido: um vestido azul marinho, que embora não fosse colado ao corpo, delineava-o muito bem e uma legging azul puxando para o cinza, desfiada. Isso tudo junto com sua bota cinza de camuça. Sua irmã estava vestindo preto, como sempre. Calças de cós alto e uma camiseta comprida, bem solta para disfarçar a barriga.

S: É assim que esperam que eu me vista no meu novo emprego, Sylvana — retrucou ela, sentindo as bochechas arderem com a crítica no comentário da irmã.

— Com as pernas à mostra nessa coisa desfiada?

S: Chama-se legging! Pois saiba que está na última moda!

— O papai teria um ataque se a visse se exibindo assim em público.

S: Nós estamos na cidade, Sylvana. Eu não tenho de dar satisfações à comunidade italiana de Griffith. Estou fora do alcance dos linguarudos de lá e espero que você também não abra a boca quando chegar em casa, entendeu?

Sylvana respirou fundo. Era dois anos mais nova que Sakura, mas o fato de já ser casada e ter filhos lhe dava o direito de criticar o humor instável da irmã.

— Esse corte de cabelo já foi o fim — recomeçou ela. — Eu não acho que esse trabalho esteja lhe fazendo bem.

S: Essa decisão compete a mim — retrucou Sakura, embora também tivesse chegado à mesma conclusão, ainda que por motivos diferentes. — Por favor, verifique se a porta está mesmo trancada quando for embora, e mande um beijo para todos lá em casa — disse, a caminho da porta.

— Espere! — disse Sylvana, indo ao encontro da irmã, para envolvê-la num abraço apertado. — Eu não queria irritá-la. É que eu me preocupo com você.

S: Então, por favor, respeite as nossas diferenças. Eu gosto do meu penteado novo, das minhas roupas novas e do meu trabalho. — Ela deu um beijo na irmã e se afastou. — Boa sorte lá no oculista.

Sylvana se desculpou mais uma vez e agradeceu efusivamente a hospitalidade da irmã até que Sakura pudesse finalmente escapar.

Fez um aceno e seguiu em frente. Shaoran não tinha idéia de que, no fundo, havia lhe prestado um favor ao fazer todas aquelas exigências. Aquilo havia permitido que ela se livrasse de suas próprias inibições e conseguisse exibir o próprio corpo com naturalidade, como ela sempre desejara.

O trabalho com Shaoran havia sido a desculpa necessária para levar a cabo aquilo que ela já queria fazer havia muito tempo. Não que ela tivesse ficado obcecada por se tornar sexualmente provocante. Ela não usava calcinhas tipo fio dental ou coisa parecida. Sua roupa de baixo, na verdade, era bem mais recatada do que a maioria dos biquínis, o que, aliás, era algo que ela jamais conseguiria usar, sentindo-se ainda presa ao bom e velho maiô inteiriço.

O corte de cabelo tinha sido traumático no início pelo fato de ela sempre tê-lo usado longo e com fio reto. Agora, uma franja e um repicado emolduravam seu rosto. A camada de cima terminava um pouco abaixo das orelhas e conferia balanço ao seu cabelo. A camada de baixo batia em seus ombros e também tinha movimento. Era um estilo prático que complementava seu figurino mais moderno.

Shaoran Li havia sido a mola propulsora dessa transformação, e ela gostava disso. Não pretendia voltar aos antigos e indigestos terninhos depois que deixasse esse trabalho, ainda que tivesse de amenizar um pouco o estilo pop de suas roupas.

A experiência de trabalhar para Shaoran havia sido muito estimulante em diversos sentidos, mas mesmo assim, repetiu Sakura para si mesma, no caminho do trabalho, aquilo tinha de ter um fim.

Em breve. Muito breve.

oOoOo

Espero que gostem dessa estória.

Achei interessante o fato das personalidades de Shaoran e Sakura estarem invertidas: ele é alegre e descontraído e ela séria e concentrada. Totalmente o contrário deles no anime.

Apesar de amar essa estória e ter desejado escrevê-la, sinto-me no dever de dizer que é uma adaptação de um livro que li e adorei. Espero que curtam tanto quanto eu!

Dúvidas, críticas, elogios e sugestões, é só enviar uma review!

CONTINUA...