Sobre Violetas e Rosas
Era uma noite quente
de verão, em que a chácara Thurtcross, no Sul do país,
estava pululando de gente. O local fora alugado para a festa de
casamento de Juliet Peasegood e Lorrance LeBlanc. Ambos eram bruxos,
o que deixava a proprietária do local muito mais feliz, pois
não se acostumara ainda ao comportamento dos trouxas em
comemorações.
E era bom que a proprietária
estivesse feliz. Não porque fosse dar um desconto, longe
disso. Natalie Spiro era a bruxa mais avarenta de que já se
tivera notícia. Mas porque assim todos estariam felizes
naquela festa. Ou pelo menos aparentavam estar.
Em uma mesa
próxima ao buffet, cinco adolescentes comemoravam não o
casamento, mas o aniversário de namoro de Rose Peasegood. A
filha da noiva estava radiante em seu vestido branco e liso de dama
de honra, os cabelos lisos em corte chanel enfeitados com uma
tiara de brilhantes.
Da cadeira em frente à sua, um rapaz
ruivo e alto, que vestia um smoking preto simples, levantou-se
e ergueu sua taça de uísque de fogo.
- Um brinde –
começou ele, sorrindo para Rose e para o namorado dela,
Demétrio – ao casal mais romântico da noite.
- E
não, ele não está falando dos noivos –
acrescentou Violet, uma baixinha de cabelos castanhos sentada ao lado
do ruivo.
Rose sentiu o rosto corar quando Demétrio também
ergueu sua taça.
- A Rose. A flor mais bela que eu já
vi.
Ela riu, envergonhada. Todos ali sabiam da importância
daquele dia para ela. Além de completar um ano de
relacionamento com o namorado que tanto amava, Rose estava ganhando
um pai. Um verdadeiro pai, que a amaria como uma verdadeira filha. Um
pai que ela nunca tivera o prazer de ter.
Contudo, a garota não
estava em paz. Algo a incomodava profundamente.
Rose olhou as
pessoas à sua volta. Demétrio, o namorado carinhoso;
Molly e Violet, as amigas dedicadas; Arthur, o companheiro para todas
as horas. Tantos anos de convivência e só agora ela
percebia o quanto amava aqueles quatro.
Sentiu um aperto no
coração ao pensar que, naquela noite, tudo deveria ser
perfeito. Ela já devia ter se acostumado com o fato de que não
havia perfeição em sua vida.
- Demmy?
Demétrio
interrompeu o assunto que começara com Molly e segurou a mão
de Rose.
- O que foi, minha princesa?
O bolo com chantilly
se revirou no estômago da garota. Aquele olhar apaixonado de
Demétrio era a última coisa de que ela precisava.
- Podemos conversar à sós por um instante? – pediu,
acenando com a cabeça para o campo aberto às suas
costas.
- É claro – respondeu o garoto dogmático,
já percebendo algo de errado no comportamento dela.
Eles
se afastaram da festa, Rose se forçando a sorrir para os
parentes com quem trombava pelo caminho. Caminharam durante alguns
minutos pelo sob o luar e as estrelas, de mãos dadas, o cheiro
de dama da noite vindo dos arbustos e invadindo-lhes as narinas. Todo
aquele cenário era romântico demais. Não era de
se esperar que Rose se agüentasse.
E não agüentou.
- Eu te amo, Demmy! – ela gemeu, se jogando nos braços do
namorado. De repente, sentia-se fraca até mesmo para enxugar a
lágrima inconveniente que borrava sua maquiagem.
- Eu
também te amo – murmurou Demétrio, também sem
forças.
Ela olhou fundo nos olhos castanhos dele, se
perguntando se ele fazia idéia do que estava para acontecer.
Ele segurou seu rosto delicadamente, esperando, em silêncio.
Rose
soluçou e apanhou a mão do namorado, tentando manter a
compostura. Era melhor dizer logo, para não correr o risco de
perder a coragem.
- Mamãe quer que nos mudemos para a
antiga casa de Lorrance – revelou a menina. – Em Paris.
E
desviou os olhos para o chão. Embora não conseguisse
encarar o namorado, sabia exatamente qual era a expressão no
rosto dele naquele momento. Provavelmente uma expressão que
revelava desilusão, a dor e o desespero. Igualzinha à
dela.
- Vocês não vão – ele tentou se
convencer.
Rose balançou a cabeça tristemente.
- Já estou matriculada em Beaxbatons, Demmy. Eu vou embora.
E
o abraçou, as lágrimas agora rolando soltas em seu
rosto. Demétrio passou as mãos pelas suas costas,
acariciando-a. Ela não queria perdê-lo. Não era
justo.
- Mas... você vai voltar, não vai? – disse
ele. – Voltará no Natal e nas férias e... e nós
trocaremos cartas e vai ficar tudo igual. Não é
mesmo?
Rose suspirou.
- Sim, Demmy, eu voltarei. Você
tem razão, vai ficar tudo bem.
O que ela queria era ser
tão otimista quanto
ele.
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- Demétrio! Por Merlim, preste atenção!
Demétrio
levou um susto. Desviou os olhos da janela, acordando de seus
devaneios, e olhou para Molly.
- Vamos tentar de novo – a
garota voltou duas páginas em seu livro e perguntou: - Quais
os fatores que influenciaram a Revolução dos Duendes na
Grã-Bretanha?
- Não sei – ele respondeu,
desinteressado. – Quais foram?
Molly soltou um muxoxo de
decepção.
- Demétrio, você não
está tentando! Nossa primeira prova é na semana que vem
e você nem ao menos sabe quem foi Pierre Bonnacord!
- E
isso importa?
Ela não respondeu. Buscou o olhar de Arthur,
sentado ao seu lado. Este, apenas ergueu as sobrancelhas e se
concentrou em sua própria leitura. Tentou Violet. A expressão
no rosto da menina, Demétrio não soube traduzir com
certeza, mas era algo próximo a um "não me envolva
nisso!".
Ótimo, três a um para ele!
Molly
jogou a mão para o alto e voltou sua atenção
para os livros, ao que Demétrio se sentiu agradecido. Ele
sabia muito bem que nunca descobriria quem fora o tal de Bonnacord se
não estudasse e que Molly só estava tentando ajudá-lo.
Mas sabia também que, na situação em que estava,
não haveria ajuda que o salvasse.
Ninguém podia
julgá-lo. Afinal, Demétrio estava há um mês
separado do seu amor por dezenas de quilômetros. Como poderia
pensar em estudos? O único lugar para onde ele conseguia olhar
era para o céu. Imaginando quanto tempo demoraria para que ele
visse mais uma vez a corujinha negra dela. Para que lesse mais uma
vez sua letra e sentisse mais uma vez o seu perfume.
Era aquele
desejo que o mantinha acordado no meio daquela biblioteca chata. Que
o impedia de fugir para o campo de quadribol e tentar acertar uns
balaços num francês imaginário. Era bom que
aquelas pessoas estivessem tratando bem a sua princesinha, se
não...
- Vamos logo, Demétrio.
Ele se assustou
mais uma vez. Isso estava se tornando constante em sua vida.
- O
quê?
- Para a aula – lembrou Arthur, olhando preocupado
para o amigo.
Demétrio levantou-se, contra a vontade, mas
sem antes lançar um olhar feio para o amigo. Gostaria muito
que Arthur parasse de lhe lançar aqueles olhares preocupados o
tempo todo. Já estava acostumado que Molly fizesse isso, e às
vezes Violet também, mas Arthur não poderia estar tão
preocupado assim com o interesse de Demétrio nos estudos. Não,
pois ele mesmo só estava andando na linha por causa de Molly.
E Demétrio detestava gente que mudava seu jeito de ser com os
amigos por causa da namorada.
- É bom que aquela maluca
não me irrite hoje – comentou, dirigindo-se para fora da
biblioteca. – Meu humor não está dos melhores.
Molly
e Violet se entreolharam. A maluca de quem ele falava era Georgina
Taunay, professora substituta de feitiços, com quem eles
vinham tendo aula desde o começo do ano, quando o professor
Flitwick se afastara por estar doente.
"Violet gostava do
Flitwick" foi o último pensamento dele antes de entrar
na aula de Taunay e começar a encher sua mente de quadribol,
numa tentativa desesperada de se
distrair.
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Arthur
sentou-se na segunda carteira e distraiu-se trançando os
cabelos ruivos da namorada enquanto a aula não começava.
Molly, sentada na primeira carteira, conversava ainda sobre a
Revolução dos Duendes com Violet, que se sentara ao seu
lado. Já Demétrio, sentado atrás dela,
debruçara-se sobre a mesa, onde Arthur tinha certeza que, dali
a dez minutos, haveria uma nojenta poça de baba.
Não
era esse o comportamento costumeiro do grupo. Ficar em pé
entre as fileiras conversando animadamente enquanto a aula não
começava era o que se costumava vê-los fazendo, até
o final do último ano letivo.
Arthur não conseguia
acreditar em como a mudança de Violet os afetara tanto. Ou
melhor, em como a mudança de Demétrio os afetara. Pois
fora sempre ele o animador da turma, o engraçadinho, o
falador. Era incrível como se deixara afetar pela namorada.
A
professora Taunay, que até então estivera ocupada
mudando a cor de seus sapatos com a varinha, se levantou. Ao
contrário do que acontecia quando o professor Flitwick se
levantava, todos repararam em seu gesto, mas isso não fez com
que a sala se calasse.
- Boa tarde, sextanistas! – ela disse
animada, jogando a cabeleira loira para o lado e dando um sorriso
muito artificial.
- Ela parece uma Barbie – comentou Arthur ao
ouvido de Molly, rindo.
- O que é Barbie, querido?
-
Depois eu te explico – ele disse, quando a professora lhe lançou
um olhar de Barbie gladiadora, fazendo com que o garoto se calasse.
- Bom, classe, como todos aqui sabem, o conteúdo a ser
trabalhado nesse começo de ano é o de feitiços
não-verbais um dos mais importantes em seus
bichos-papões.
Depois de um mês tendo aula com ela,
a sala já se acostumara a relacionar "bichos-papões"
com "exames".
- E eu acho que vocês estão
progredindo muito bem com essa matéria. Estão de
parabéns – ela arrastou as sílabas dessa última
palavra ainda mais do que costumava arrastar as das outras, fazendo
com que Violet lançasse a Arthur e Molly um de seus olhares de
"mulherzinha insuportável". – Então, creio que
vocês já estão prontinhos para passar para a
próxima etapa: os feitiços conjuratórios nível
B.
Houve um falatório instantâneo na sala.
-
Como ela pode passar para a próxima matéria se não
há duas pessoas na sala que saibam executar um feitiço
de levitação sem abrir a boca? – protestou Molly.
A
professora esperou pacientemente a sala se acalmar, mantendo sempre o
sorriso duro e artificial nos lábios.
- Porém, o
diretor de vocês pensa diferente – anunciou, com voz de
choro. – Ele acredita que vocês precisem passar por um
pequeno bicho-papão antes de concluir o assunto. Por isso,
achando que vocês já devem estar cansados de fazer
provas escritas naquelas materiaszinhas chatas – Arthur sentiu uma
pontada de raiva quando imaginou que História da Magia e
Estudo dos Trouxas eram exemplos do que a professora chamava de
chatas -, bolei uma atividade nova.
Ela parou por um momento,
tentando criar suspense. Como não obteve o efeito desejado,
revelou logo:
- Vocês farão uma peça de
teatro!
Violet olhou para Arthur e Molly, sem entender.
- O que tem o teatro a ver com Feitiços?
- Tem tudo a
ver, Srta. Willcock! – anunciou a professora, entusiasmada. Arthur
percebeu que Violet ficou sem graça, pois ser ouvida pela
professora não era a sua intenção. – Pois a
sua peça deverá ter todo o trabalho de contra-regra
feito pelos atores que estão em palco através de
feitiços não-verbais. Cada feitiço falado
atrapalhará a interpretação e resultará
na diminuição das notas.
Molly olhou para Arthur,
querendo saber a sua opinião.
- Eu preciso admitir que é
algo interessante de se fazer – disse com as sobrancelhas erguidas,
infeliz em admitir que algo interessante fora sugerido pela
professora "Barbie".
- Formem quartetos ou quintetos,
escolham um tema e dividam tarefas e papéis para a peça
que deverá ser apresentada no dia... – ela parou e olhou
para o relógio de ponteiros que tinha no pulso, o que não
fazia sentido algum uma vez que queria saber os dias e não as
horas. – Primeiro de
novembro.
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- Adivinhem
só! Eu pensei em um tema ótimo para a nossa
peça!
Todos
ergueram os olhos para Molly, que se sentou no sofá ao lado de
Arthur e cruzou as pernas.
-
A Revolução dos Duendes - declarou, em tom de impacto.
- Seria perfeito, assim além de conseguir nota em Feitiços,
já estaremos estudando História da Magia!
-
Eu pensei que já tivéssemos decidido o tema como sendo
quadribol, Molly - resmungou Demétrio.
Violet
riu.
-
Estou imaginando uma peça sobre quadribol, com Arthur e
Demétrio. Seria algo do tipo "Hey, você roubou
minha goles!" "Não é uma goles, é
minha miniatura de Ferrari!".
A
provocação da menina passou batido por Arthur, quando
uma idéia repentina lhe surgiu na cabeça.
-
Tenho uma idéia melhor, Molly! Se a intenção é
acoplar outra disciplina, por que não fazemos uma peça
sobre os trouxas?
Molly
sorriu amarelo.
-
A idéia não é ruim, querido, mas...
-
... mas acontece que Arthur é o único no grupo que faz
Estudo dos Trouxas - completou Demétrio, seu mau humor
chegando ao extremo. Arthur imaginou que aquilo se devia ao fato de
que era sexta-feira à noite e eles ainda estavam discutindo
sobre a escola. Mas, no momento seguinte, lembrou-se que a carta de
Rose, que Demétrio esperara o dia todo, ainda não
chegara.
-
Eu acho que a idéia da Revolução dos Duendes é
a melhor que temos - opinou Violet, provavelmente também
reparando em Demétrio e querendo encerrar logo o assunto.
-
Mas é uma péssima idéia! - protestou
Demétrio. - Como diabos vocês querem encenar
História da Magia? Isso vai ficar pior do que aquele musical
"Quando os Hipogrifos ficaram Verdes"!
-
Eu não disse que a idéia é boa, Demétrio.
Disse que é a melhor que temos.
-
Obrigada, Violet - disse Molly, irônica.
Demétrio
deu de ombros e levantou do sofá, atraindo o olhar dos amigos.
-
Façam como quiserem. Para mim tanto faz, desde que eu consiga
alguma nota.
Dito
isso, retirou-se para o dormitório dos meninos, sem desejar
boa noite e sem ao menos dar a costumeira última olhada pela
janela, em busca da coruja de Rose.
As
meninas olharam para Arthur.
-
Ele não está nada bem, não é mesmo? -
disse Molly, preocupada.
Arthur
fez que não com a cabeça.
-
Rose vai terminar com ele.
Molly
e Arthur ergueram os olhos para Violet.
-
Quem te disse isso?! - quis saber Arthur, arregalando os olhos e
inclinando-se para frente. Como assim ela sabia de uma coisa dessas e
não dissera antes?
-
Ninguém me disse nada! - ela se apressou em se defender. - Foi
só um palpite, nada mais.
-
Palpite esquisito o seu.
-
Não é esquisito, Arthur. Eu apenas estou achando muito
estranho ela não estar mais escrevendo para ele!
-
Oras, deve ter acontecido alguma coisa. Ela não faria isso
assim, sem mais nem menos. Faria?
Violet
ergueu as sobrancelhas.
- Eu não disse que seria "sem
mais nem menos".
Arthur olhou para Molly.
-
Eu acho melhor você ir checar se ele está bem - disse
ela. - Talvez ela já tenha terminado e ele tenha preferido não
nos contar nada.
Arthur
franziu a testa, pensando por um minuto. Parecia muito esquisita
aquela instrução. O que ele teria de fazer? Não
poderia simplesmente dizer "Sabe, Demétrio, acho que o
grande amor da sua vida, a sua princesinha, aquela com quem você
pretendia se casar, não está mais interessada em você.
Mas é só um palpite". É, decididamente não
poderia.
-
Por que vocês não falam com ele?
-
Porque você é o melhor amigo - respondeu Molly, com
simplicidade.
-
E porque a gente não pode simplesmente subir aquelas escadas e
dizer que temos o palpite de que a Rose não quer mais namorar.
Arthur
olhou para Violet. Às vezes ele tinha medo da capacidade dela
de captar os pensamentos alheios.
-
Mas eu sou péssimo para essas coisas, você sabe - disse
para Molly.
-
Não, amor, você é ótimo. E seu amigo
precisa de você.
Ele
se levantou. Droga. Por que Molly sempre o convencia a fazer as
coisas?
Talvez
porque ela tivesse razão. Demétrio estava mal como
nunca estivera. E se Arthur, que era seu melhor amigo desde que eles
pisaram em Hogwarts pela primeira vez, não fizesse nada para
ajudá-lo, então quem o faria?
Desejou
boa noite às meninas, já imaginando que só as
veria na manhã seguinte, e subiu para o seu dormitório.
Havia
uma única cama ocupada, ao redor da qual estavam fechadas as
cortinas de correr vermelhas.
Arthur
jogou-se sobre a cama do lado.
-
Acabei de ler o resultado do jogo de hoje - disse casualmente, para o
teto. – Cento e noventa a zero para os Ballycastle Bats. Sem
vassouras.
A
voz de Demétrio veio embargada, efeito que Arthur desejou que
fosse causado pelo abafamento do veludo.
-
Mentira, o resultado do jogo só sai amanhã. E eu quero
ser verme se os Ballycastle ganharem aquele jogo.
Arthur
deu um sorriso pequeno, porém triunfante.
-
Então você está acordado.
-
Já estava quase dormindo - reclamou Demétrio, após
uma pausa em que Arthur imaginou o amigo se xingando.
-
Não acha que precisa conversar? - Arthur se esqueceu do plano
de não ir direto ao assunto.
Não
houve resposta.
-
Demétrio, se você não desabafar com alguém,
não vai melhorar nunca. E ouça, falo isso por
experiência própria!
Uma
movimentação ocorreu e, no momento seguinte, Demétrio
estava sentado na cama abrindo o cortinado. Seus olhos estavam
levemente vermelhos e ele tinha uma expressão impaciente no
rosto.
-
O que faz você pensar que eu preciso de ajuda?
Arthur
ficou sem jeito. Nunca vira o amigo agressivo daquele jeito.
-
Vejamos, por onde devo começar? – disse ele em tom de
conversa, após um longo suspiro. – Você andou de mau
humor o dia todo, foi estúpido com Molly quando ela tentou
conversar pela manhã, rejeitou o convite de Bagman para ir ao
campo treinar quadribol e perdeu a oportunidade de passar toda a aula
de Feitiços fazendo piadinhas – e então concluiu,
sarcástico: - Tem razão, eu acho que está tudo
bem e que você está agindo normalmente.
- Eu só
não estou tendo um bom dia, está legal? Você não
tem nada a ver com isso – respondeu Demétrio com entonação
de quem termina a conversa, embora continuasse sentado encarando
Arthur.
- Eu sei, Demétrio – disse o outro, tentando
acalmá-lo. – Mas, se você ao menos me disser o que
está fazendo o seu dia tão ruim, quem sabe eu não
possa ajudá-lo a melhorar?
Demétrio pareceu
considerar a proposta dele por um momento, seu olhar concentrado no
tapete que passava sob as camas. Depois de algum tempo, durante o
qual o amigo esperou pacientemente, ele suspirou e voltou a erguer os
olhos. Arthur pensou que finalmente conseguira se fazer entender.
- Você está certo, Arthur. Quem sabe se eu te contar os
meus problemas você não pode me ajudar a resolvê-los
– ele fez uma pausa curta antes de começar a enumerar: -
Veja, "doutor", eu levei seis meses da minha vida para conquistar
a garota perfeita, que agora foi morar no país que eu mais
odeio e não me manda notícias há uma semana. Meu
pai pensa que eu sou um incompetente porque não tiro notas
altas, eu realmente não tiro notas altas e fui o único
idiota com um "Passável" nos N.O.M.s de Feitiços. O
time para o qual eu torço caiu para a segunda divisão,
uma professora que usa feitiços para tentar engrossar os
lábios está me forçando a montar uma peça
de teatro idiota e eu estou sentindo uma dor muito chata no meu
joelho esquerdo.
Ele suspirou fundo, olhando satisfeito para a
expressão estupefata no rosto de Arthur.
- E então,
pode me ajudar?
O ruivo engoliu em seco, cada vez mais chateado
com o amigo. Empurrou o óculos vagarosamente para a ponte do
nariz, a fim de ter mais tempo para pensar numa resposta.
Demétrio
pareceu se dar por satisfeito com o silêncio de Arthur e fechou
de volta o cortinado da cama, agora decididamente encerrando a
conversa.
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Passou-se
algum tempo em que Demétrio se manteve ali, cercado por veludo
vermelho e sem vontade para fazer nada, nem mesmo dormir. Já
ouvira os seus outros colegas de quarto entrarem e se acomodarem;
alguns inclusive já haviam adormecido quando ele ouviu uma voz
feminina chamá-lo.
- Demétrio!
Era Molly. Ele
preferiu fazer de conta que não a ouvira. Não estava
com a menor vontade de falar com ela e perceber o mesmo tom de pena
que percebera na voz de Arthur.
Mas a garota, mesmo sem obter
resposta ao seu chamado, deu o seu anúncio, em voz alta:
- Rose está lá embaixo, Demétrio. Pediu que eu
viesse te chamar.
O garoto abandonou de imediato a vontade de se
esconder do mundo. Saltou da cama de pressa e correu para fora do
dormitório, vendo de relance um sorriso amarelo no rosto de
Molly.
Ele desceu as escadas pulando de três em três
degraus, o que não foi uma boa idéia, pois errou o
passo num dos últimos degraus e caiu com a cara no chão
da sala comunal. Ergueu o rosto, gemendo de dor, e olhou ao redor.
O
ambiente estava bem mais vazio do que quando o abandonara mais cedo e
havia um aglomerado de meninas em torno da lareira que o fez deduzir
onde se encontrava a sua namorada.
Colocou-se em pé com
esforço, tocando a ponta do nariz com o dedo e sentindo uma
ardência na pele, o que o disse que ele conseguira ralar o
nariz no carpete. Mas isso não era a sua maior ocupação
agora. Ele se dirigiu até a roda de meninas e estas, ao
perceber a sua presença, dispersaram-se para deixá-lo à
sós com a namorada.
Ele pôde então vê-la.
Não era uma visão completa, logicamente, tudo o que
podia ver era a cabeça de Rose suspensa entre o fogo aceso da
lareira – o suficiente para fazê-lo esquecer todas as dores
físicas e emocionais que sentia.
- Boa noite, Demmy –
cumprimentou a garota, sorrindo.
Demétrio sorriu também,
ajoelhando-se diante da lareira para deixar seus olhos na mesma
altura dos da namorada.
- Rose... – murmurou, não
acreditando no que via. Era a sua princesinha. Os cabelos estavam um
pouco mais compridos, verdade, e a pele bem mais morena. Mas era ela,
sem dúvidas, e seu simples olhar tinha o efeito aparentemente
milagroso de expulsar de dentro de Demétrio todas as suas
mágoas. – Como você está, meu amor?
-
Estou ótima! – ela respondeu, animada. – Ia responder a
sua coruja hoje, mas como tinha novidades muito empolgantes, resolvi
vir contar pessoalmente.
Demétrio meneou a cabeça,
contente demais para falar e esperando para saber quais as notícias
que Rose lhe daria.
- Dia primeiro de novembro é feriado
aqui em Paris, uma segunda-feira, dia de St.Louis. Minha mãe
vem tentando convencer Dumbledore o mês todo, e ele acabou
permitindo que eu passe o final de semana aí com você!
Os
dois abriram sorrisos enormes.
- Isso é ótimo,
amor! – exclamou Demétrio, contente. – Eu nem posso
acreditar, vai ser tão bom rever você, estou com tantas
saudades e... ai!
Ele virou-se para trás e procurou
descobrir quem atirara em sua cabeça aquele livro de Feitiços.
Fora Molly, que descera de volta para a sala comunal pouco depois
dele, ou talvez Violet, sentada ao lado da amiga no sofá logo
atrás de Demétrio. Ambas lançavam um olhar
peculiar cujo significado Demétrio não soube traduzir
de imediato.
- O que foi? – perguntou ele, nitidamente mais
calmo do que estivera durante todo o dia, enquanto apanhava o livro
do chão. – Vocês não estão... – parou
de falar ao compreender o porquê de aquele objeto estar em suas
mãos.
Demétrio passou a mão pelos cabelos
cor de palha, se negando a crer na sua imensa falta de sorte. Rose,
percebendo a aflição do namorado, quis saber:
- O
que aconteceu, Demmy? Está tudo bem?
Ele mordeu o lábio
inferior e balançou a cabeça.
- O nosso trabalho
de Feitiços será apresentado no dia primeiro de
novembro – ele lembrou.
Rose franziu as sobrancelhas, esperando
que Demétrio continuasse.
- Bem, - ele disse, sem graça
– eu creio que, como temos pouco tempo até lá,
usaremos o final de semana anterior para ensaiar, é uma peça,
sabe... Mas você pode vir, amor, e ficar comigo durante os
ensaios, não é mesmo?
A expressão no rosto
de Rose demonstrava desapontamento, nitidamente.
- Na verdade eu
esperava que você conseguisse uma autorização
para ir comigo a Hogsmeade nesses três dias.
- A
Hogsmeade?! – espantou-se Demétrio. – Rose, eu não
posso! Meu pai já disse que, se eu não melhorar as
minhas notas, ele vai me tirar do time de quadribol! Ele nunca me
autorizaria a ir a Hogsmeade fora dos dias estipulados.
- A sua
peça então é mais importante do que eu. Ou será
o seu bendito quadribol?
Demétrio não podia crer no
que estava ouvindo e nem no que estava vendo. Rose mantinha as
sobrancelhas contraídas e fitava ele com um olhar de
acusação.
- Claro que não são, Rose.
Eu te amo, sabe disso! – disse ele, aproximando seu rosto do dela
até um ponto em que as chamas da lareira ameaçavam
queimar os seus cabelos.
- Então por que se importa tanto
se vai sair ou não do time?
- Eu não posso deixar
de treinar, quero ser jogador profissional. É o meu sonho,
Rose!
Os olhos de Rose se encheram de lágrimas, embora
aparentemente fosse mais de raiva do que de tristeza.
- Eu sei –
ela respondeu, rispidamente. - E o meu sonho, Demétrio,
é amar alguém que não me deixe em segundo plano
nunca. Parece que vai ser difícil alcançá-lo.
E
não deu tempo para que Demétrio se defendesse: sumiu na
lareira antes que ele pudesse entender o que ela dissera.
Ele
ainda permaneceu ali durante algum tempo, ajoelhado diante do fogo,
com um livro de Feitiços na mão. O que diabos fora
aquilo? Será que a Rose que ele conhecia e tanto amava não
compreenderia o quanto ele precisava estudar? Não parecia ela.
Não, Rose sempre fora compreensiva com ele. Até mesmo
naquele dia em que ele derrubara uísque de fogo no vestido
dela. Então o que diabos estava acontecendo ali?
- Vamos,
Demétrio. Vá dormir, está ficando tarde –
disse Violet ao seu ouvindo, segurando-o pelo braço e
ajudando-o a levantar.
Demétrio desejou um breve boa noite
para Violet e Molly e dirigiu-se para o seu quarto, aéreo
demais para brigar com elas por terem ficado escutando a sua
conversa.
Algo de muito estranho estava acontecendo e ninguém
contara a
ele.
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- Não é possível que Rose esteja sendo tão
egoísta! – disse Molly, assim que Demétrio sumiu de
vista.
Violet se jogou de novo no sofá, ao lado da amiga,
e a olhou com ar perplexo.
- Você não percebeu?
- Perceber o quê?
- Aquilo foi encenação! –
exclamou Violet, apontando para a lareira. – Não ficou claro
que Rose já veio aqui com a intenção de brigar
com Demétrio?
Molly fez que não com a cabeça,
intrigada. Não havia fundação lógica no
que Violet dizia, embora fosse possível acreditar. Violet
sempre percebia mais coisas que os outros.
- Ela respondeu
rápido demais, nem deixou que Demétrio argumentasse.
- Sim, mas isso pode ser uma demonstração de, não
sei, mudança de temperamento talvez – colocou Molly. – Não
necessariamente um fingimento.
Violet balançou a cabeça,
olhando para baixo.
- Não, Rose fez de propósito.
Ela quer magoar Demétrio, eu sei disso.
- É
loucura, Vi – insistiu Molly. – Rose é nossa amiga, não
pode dizer isso dela.
- Sim, eu sei que é horrível
o que estou dizendo – considerou Violet, um pouco chateada. – Mas
é evidente!
Molly fez que não com a cabeça.
Aquilo não era nem um pouco evidente. Violet tinha o estranho
costume de não conseguir diferenciar os palpites dela, por
mais que estivessem certos, das coisas que os outros conseguiam
perceber também.
- Deve ser só coisa da sua cabeça
– tentou convencer Molly, se levantando. – É melhor irmos
dormir também, tente esquecer isso, okay?
As duas
dirigiram-se então para o dormitório, embora Violet não
parecesse aceitar que o que dissera pudesse não ser
verdade.
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Uma
semana se passou, sem que se tivesse mais notícias de Rose.
Demétrio e Molly mandaram corujas para ela, mas ela não
respondeu a nenhuma, o que fez com que seu namorado fosse ficando
cada vez mais cabisbaixo.
Hoje era de se esperar que ele
estivesse melhor, pois quadribol sempre o deixava mais feliz e, bem,
hoje ele participaria uma bela partida.
- Com licença,
por favor...
- Posso passar aqui?
- Ai, quem pisou no meu
pé?
Não foi nada fácil encontrar um lugar na
arquibancada. Afinal, aquele seria um clássico de Grifinória
contra Sonserina – quem conseguisse um lugar na frente não o
largaria por nada.
Arthur, Molly e Violet tiveram essa sorte. O
garoto dera um jeito de infiltrar as duas na primeira fila, ao que
elas se sentiram agradecidas, pois ambas eram baixinhas e aquele era
o único local de onde elas conseguiriam enxergar o
campo.
Violet estava feliz com a expectativa do jogo. Três
quartos da arquibancada reluziam em vermelho e dourado, não
havia uma só nuvem no céu e o vento estava fraco.
Ela
gritou junto com seus colegas quando o time da Grifinória
entrou em campo. Avistou Demétrio sorrindo para a torcida,
como não sorria há dias. Violet tinha certeza de que,
se aquela partida não o animasse, nada mais animaria.
Teve
início o jogo.
"E a Grifinória começa com
a goles" dizia o irradiador. "Belby passa para Mattews, que
devolve para Belby e é interceptado por Dolohov!"
Violet
xingou baixinho nesse momento. Foi muita delicadeza da parte dela,
uma vez que a maior parte da torcida berrava dezenas de palavrões.
O motivo era óbvio: Dolohov não interceptara a
goles de Demétrio. Ele arrancara a bola das mãos do
outro, sem discrição alguma! Para onde será que
o juiz estava olhando?
A partida ia prosseguindo. Dolohov quase
derrubou a goles ao desviar de um balaço. Diggory, da
Grifinória, tentou aproveitar a oportunidade para pegar a
bola, mas foi em vão – Dolohov passou a bola a tempo para
Greengrass.
Demétrio avançou para cima de
Greengrass, marcando-o. Era uma tentativa engraçada de se ver,
pois o sonserino tinha o dobro do tamanho de Demétrio.
-
O que diabos ele pensa que está fazendo? – Arthur precisou
gritar, em meio aos urros da torcida. – Não vai conseguir
impedir o brutamontes!
- Parece que ele já percebeu! –
respondeu Violet no momento em que Demétrio começou a
se afastar, sem tirar os olhos de Greengrass.
Foi então
que aconteceu. Greengrass jogou a bola para trás, para outro
artilheiro de seu time. E Demétrio quis pegá-la. Bem,
Greengrass ainda estava com o braço erguido e Demétrio
voou direto em sua direção. Não é preciso
dizer que eles colidiram em cheio.
A torcida uivou. Não
era uma cena bonita de se ver – o nariz de Demétrio se
chocando com o cotovelo de Greengrass e tingindo de vermelho o
uniforme verde do sonserino.
- Ele quebrou o nariz! – gritou
Molly aflita, levando as mãos à cabeça, aflita,
enquanto Demétrio voava torto de volta para o chão,
cobrindo o rosto com a manga do uniforme.
Arthur abriu caminho em
meio à torcida para descer ao campo e as meninas o seguiram,
com certa dificuldade.
Quando alcançaram o gramado, a
Profª McGonnagall, de Transfiguração, já
seguia com Demétrio para a saída e eles o seguiram.
- Você está bem, cara? Fala comigo – pedia Arthur
afobado, colocando a mão no ombro do amigo, que tremia.
Eles
saíram do campo junto com todo o time da Grifinória
logo em seguida, após ouvir uma frase de Greengrass que, não
fosse pela preocupação com Demétrio, os teria
feito voltar atrás e estuporar o sonserino:
- A culpa não
foi minha, professora, ele deu uma narigada no meu
cotovelo!
Demétrio não conseguia falar e Violet não
sabia se por causa do machucado ou do nervosismo. Ela esperava que
não fosse pelo primeiro, embora houvesse essa possibilidade:
no caminho até a ala hospitalar, a Profª McGonagall
limpou pelo menos cinco vezes o sangue do lenço que conjurara
para o garoto.
Quando eles finalmente alcançaram o
primeiro andar do castelo, Demétrio estava mais pálido
que um unicórnio (o que não é pouco, já
que os unicórnios são brancos), de modo que Violet
sentia o coração bater na altura da boca, Molly estava
à beira de lágrimas e Arthur roia tanto as unhas que
era de se espantar que ainda não tivesse sangrado os dedos.
A
recém-contratada enfermeira de Hogwarts, Madame Papoula
Pomfrey, era jovem, porém séria e eficiente. Ela
estancou rapidamente o sangramento de Demétrio e consertou seu
nariz com um feitiço.
- O senhor teve sorte de não
quebrar, apenas deslocou uma cartilagem.
- É, muita
sorte – concordou Molly, irônica e com a voz embargada,
abraçada ao namorado.
- O senhor está bem, Sr.
Belby? – quis saber a Profª McGonagall. – Já pode
falar?
Com uma expressão muito cansada no rosto, Demétrio
acabou de beber a poção que Madame Pomfrey lhe dera
para amenizar a dor e respondeu à professora com um breve
"sim".
- Bem - disse a enfermeira, esfregando as mãos
– o Sr. Belby ficará aqui até esse inchaço
diminuir, provavelmente em vinte e quatro horas estará
melhor.
- Eu vou perder aulas? – interrompeu o menino,
esperançoso.
- Não, Demétrio, amanhã
é feriado – lembrou Arthur, sorrindo.
Madame Pomfrey
pigarreou antes de prosseguir, parecendo nada feliz em ter sido
interrompida.
- Então eu peço aos senhores que se
retirem e deixem que o menino descanse.
Todos se despediram de
Demétrio imediatamente, mas não deram mais sinais de
estarem de saída, de modo que a Profª McGonagall teve que
insistir para que eles obedecessem à enfermeira.
- Como
vai ficar o jogo, professora? – perguntou Demétrio, quando
seus amigos já estavam na porta.
- Permanecerá o
placar como está, Sr. Belby – declarou a professora,
descontente. – Zero a zero. Portanto eu recomendo que o senhor se
cuide, não queremos ficar sem artilheiro na partida contra a
Corvinal.
- Não ficaremos – garantiu um menino forte,
que liderava o time. – Demétrio estará com a gente
quando derrotarmos aqueles pardais – e sorriu para o amigo.
Foi
a última conversa antes que o grande grupo de grifinórios
deixasse a ala hospitalar, ouvindo Madame Pomfrey rogar pragas contra
o quadribol e a violência em
campo.
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Molly,
Arthur e Violet foram para os jardins aproveitar o resto da tarde, já
que não poderiam usá-la para fazer companhia ao seu
amigo.
- É, Demétrio não vai poder ir com a
gente amanhã comprar o figurino da peça – lembrou
Molly, deitada no colo de Arthur.
- Não faz mal, eu posso
escolher as roupas dele – propôs-se Violet.
- Eu
concordo com ele, sabe – comentou Arthur distraído, olhando
para o céu. – Demétrio é o cara mais azarado
do mundo.
Molly olhou para a amiga e reparou que ela fazia uma
cara engraçada para o seu namorado.
- Ei! – reclamou
Violet. – Eu não tenho um gosto para moda tão ruim
assim.
- O quê? – Arthur pensou um pouco no que havia
dito e deu risada. – Ah não, Vi, não era nisso que eu
estava pensando.
- Eu sei no que você pensou, querido –
disse Molly. – Demétrio está indo mal na escola, vai
perder parte da montagem do nosso trabalho de feitiços...
- ... está longe do amor da vida dele, que por acaso resolveu
brigar com ele por bobagens...
- ... e acaba de perder uma
grande oportunidade de ganhar uma bela partida contra a Sonserina –
completou Arthur, ao que as meninas concordaram
silenciosamente.
Fez-se uma pausa, durante a qual Arthur brincou
com os cabelos de Molly e Violet desenhou com o dedo na terra.
Então
Molly deu uma sugestão:
- Nós poderíamos
fazer algo para alegrá-lo.
- O quê, querida?
Ela
deu de ombros.
- Seria legal fazermos uma surpresa para
Demétrio, dar a ele algo que o deixasse contente. Mas, se eu
bem o conheço, as coisas que ele ama são Rose e
quadribol – disse Violet.
Arthur fez que sim com a cabeça.
- E não podemos fornecer nenhum desses dois, não é
mesmo?
- Você poderia arranjar permissão para ir
com ele a algum jogo, Arthur – sugeriu Molly. – Escolha algum
final de semana em que não precisemos estudar e...
- ...
e esqueça essa idéia, pois o pai de Demétrio o
esquartejaria se ele pedisse para sair da escola por causa de uma
partida de quadribol.
- Não é uma má idéia,
daria um pouco de ação à vida dele – riu
Violet. – Embora eu imagine que uma briga com o pai não
esteja na lista de desejos dele atualmente.
Molly e Arthur
tiveram que concordar.
Alegrar Demétrio parecia cada vez
mais impossível à medida que eles iam pensando nas
possibilidades, de modo que entraram no castelo à noite sem
nenhuma boa idéia, embora estivessem decididos a tomar uma
atitude. Demétrio não merecia estar naquela situação,
e era dever dos amigos ajudá-lo a
superá-la.
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- Eu represento o povo, e estou assustada perante a insubordinação
que os doentes...
Violet bateu na própria testa. Era
duendes, e não doentes.
Olhou no relógio e
resolveu que era hora de parar. Já era quase meia-noite e só
restara ela acordada na sala comunal. De nada adiantaria continuar a
ensaiar a peça sozinha, se o sono não permitia sequer
que ela mantivesse os olhos abertos por muito tempo.
O melhor a
fazer agora era se dedicar a uma boa noite de sono. Amanhã
teria o feriado livre para ir a Hogsmeade, escolher o figurino da
peça e, quem sabe, comprar algum livro novo. Estava mesmo
precisando do novo lançamento de Fernanda Matos, Cabeças
flutuantes.
Violet levantou-se, sobressaltada. Tinha a nítida
impressão de que acabara de ver uma cabeça flutuante
ali, na lareira da sala comunal. Devia ser sua imaginação.
Ela
jogou a mão para cima e virou as costas, direcionando-se para
a escada caracol que dava no dormitório feminino. Já
colocara o primeiro pé na escada, quando ouviu alguém
falando:
- S´il vous plaît?
A
garota se virou de volta e teve a mesma visão de antes. A
cabeça de um garoto estava flutuando em meio ao fogo na
lareira, no mesmo lugar onde estivera a de Rose há uma semana
antes. Ele tinha cabelos negros, queixo forte e brilhantes olhos
azuis, que fitavam Violet com curiosidade.
- Eu tenho a
impressão de que você não é um
fruto da minha imaginação, não é mesmo? –
disse ela, se aproximando.
O garoto pareceu não entender,
e por um momento Violet pensou que ele talvez não falasse
inglês.
- Eu posso te ajudar? – ela perguntou,
enunciando as palavras claramente.
- Você é amigue
de Rose? – quis saber o menino, pronunciando o nome de uma maneira
bem esquisita.
Violet engoliu em seco e se aproximou um pouco
mais da lareira, ajoelhando-se no chão.
- Sim, eu sou.
Por quê?
A sua resposta parecia ser o que o menino estava
esperando, pois ele pareceu contente ao continuar:
- Sou
Toulouse Duboir, estudo em Beaxbatons com Rose. Vim aqui por minhe
namorrade, querro fazer uma surpresa parra Rose e precise de ajude de
amigues dela.
Violet ergueu a mão para pedir que ele
fizesse uma pausa.
- Desculpe, eu não sou muito boa em
francês. Deixe-me só ver se entendi: sua namorada é
Rose Peasegood?
- Oui, ela mesme – respondeu Toulouse,
com um sorriso.
A garota sentiu uma coisa esquisita dentro de si.
Ela sabia que Rose estava aprontando alguma coisa, avisara os outros
e eles não quiseram acreditar. Mas trair Demétrio?
Violet não tinha certeza se ela mesma esperava que fosse
isso.
- Conhece Rose há muite tempe? – quis saber
Toulouse.
Violet fez que sim com a cabeça, começando
a ficar ao mesmo tempo com raiva de Rose e do menino.
- Há
seis anos – "Embora eu não esteja certa de que
realmente a conheço" completou, em pensamento.
- Enton deve saber me ajudar! – exclamou Toulouse, animado. – No
prróximo mês haverrá um ferriado aqui em Parris e
eu penso em levar Rose para um restaurant e fazer uma
surrprresa, dar-lhe alianças junte com um outrre prresente.
Mas non consigo decidir o que dar parra ela, Rose é uma
garrota ton especial. Mademoseille, como amigue dela, non saberria me
dar um conselhe?
"Uma garota tão especial..."
pensava Violet, com bronca, enquanto balançava a cabeça.
- Eu não sei do que ela gostaria – ergueu então os
olhos para encarar o garoto. – Desculpe, não posso te
ajudar.
E levantou-se, sem esperar resposta, voltando a seguir
para o seu dormitório.
- Esperre! – pediu Toulouse, ao
que Violet virou o rosto na direção dele, impaciente. –
Non contarrá nada a Rose, certo?
Violet não
respondeu, subiu bufando para o quarto.
Ela não podia
acreditar no que vira e ouvira. Não era justo que aquilo
estivesse acontecendo, não com Demétrio. Ele que sempre
amou tanto Rose. Ela poderia apostar que aquele francês não
daria a Rose metade do carinho que Demétrio dava. Talvez fosse
o que ela merecia depois de ter feito isso.
Violet vestiu seu
pijama e se enfiou embaixo das cobertas. Era bom ter uma boa noite de
sono. Amanhã Demétrio sairia da ala hospitalar e ela
contaria toda a verdade a ele. Estava cansada de ver o amigo
sofrendo, ainda mais agora que tinha consciência do quão
inútil estava sendo tal
dor.
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Demétrio
estava andando pelos terrenos de Hogwarts. A neve caía cada
vez mais forte e o desespero do garoto aumentava a cada momento. Ele
estava bem agasalhado, sim, porém não tinha sapatos.
Por isso devia estar passando um frio tremendo, precisava sair dali
antes que pegasse uma pneumonia.
Violet o ajudaria. Ela se
levantou de onde estava e começou a correr em direção
ao amigo. Estava se aproximando, já podia enxergá-lo
com nitidez. Mas precisava andar mais rápido, antes que a
nevasca a fizesse se perder.
Porém, algo a impediu de
prosseguir. Violet olhou ao redor e reparou que uma enorme roseira
acabara de brotar do chão e a estava cercando, como uma
cheirosa e espinhenta cela de prisão. E Demétrio
começou a se afastar. Ela tentou gritar, mas sua voz não
saiu.
- Eu não posso namorá-lo – disse uma voz
familiar ao seu lado. Era Rose, olhando para Demétrio de
longe, bem ao lado da roseira que prendia Violet, e abraçada
ao seu novo namorado, Toulouse. – Veja só pobrezinho, ele
não tem sapatos.
Então os dois começaram a
gargalhar e apontar para os pés de Demétrio, que
continuava andando perdido pela neve, como que procurando alguém,
sem perceber a crueldade que faziam com
ele.
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Alguém
abriu a porta da ala hospitalar enquanto Demétrio se levantava
para beber água.
- Violet? – ele se espantou, ao
reconhecer a amiga.
- Olá – ela cumprimentou,
alegremente. – Como está se sentindo?
Ele se esqueceu do
copo d'água que ia beber e sentou-se novamente na cama,
enquanto Violet sentava no leito ao lado.
- Estou bem, obrigado.
O que está fazendo aqui, Vi? São três horas da
manhã!
Violet demonstrou-se um pouco encabulada e
franziu as sobrancelhas, parecendo estar pensando numa resposta.
- Eu tive um sonho com você e... – começou ela, sem
graça. – Bem, achei que poderia estar com frio nos pés
e resolvi lhe trazer um par de meias! – declarou, com simplicidade
e dando (ou pelo menos tentando dar) um tom de segurança no
final da frase.
Demétrio ergueu apenas uma sobrancelha e
permaneceu em silêncio.
- Você não quer as
meias? – perguntou Violet, ruborizando.
O garoto apenas fez que
sim com a cabeça e apanhou as meias, desconfiado.
Seguiu-se
um silêncio muito incômodo, durante o qual nenhum dos
dois conseguiu pensar em algo para dizer. Mas isso durou apenas um
minuto pois, no minuto seguinte, Demétrio abraçou
Violet e caiu chorando em seu ombro.
- Eu... sinto... falta...
da Rose – ele gemeu, entre um soluço e outro, enquanto a
amiga alisava seus cabelos. – Eu não estou bem, Vi. Não
consigo... ficar sem ela. Eu a deixei chateada... e agora não
sei... o que fazer.
Violet apenas ouviu, num primeiro momento. E
Demétrio se sentiu aliviado de finalmente poder chorar e
externar os sentimentos que, há mais de um mês, vinham
lhe sufocando.
- Não está certo, Vi, eu acho que
tem algo errado comigo – dizia ele, baixinho, com a cara enfiada
entre os cachinhos castanhos dela. – Não é justo que
a afastem assim de mim, nosso namoro era perfeito...
- Nada é
perfeito, Demmy – interrompeu Violet, com cautela.
- Isso era!
– garantiu Demétrio. – Era perfeito e eu desperdicei. Eu
não dei carinho suficiente para ela e agora ela está
longe de mim.
Imediatamente, Violet segurou o garoto pelos ombros
e o afastou, encarando-o.
- Espere aí! – ela pediu,
fitando-o com seus pequenos olhos castanhos. – Você não
pode se culpar por Rose ter se mudado.
- Ela poderia ter ficado,
se...
- Não, Demmy, não poderia – ela
insistiu, num tom que pareceu a ele ao mesmo tempo verdadeiro e
ofensivo. – Rose se mudou porque a mãe dela quis. E está
magoada com você... – ela parou para pensar por um momento,
durante o qual desviou seus olhos do rosto de Demétrio –
porque não soube compreender que você precisa se dedicar
aos estudos.
Houve uma pausa, em que os dois se encararam. O que
ela estava dizendo não era novidade para Demétrio. E
também não solucionava nenhum de seus problemas. Mas,
por algum motivo, aquelas palavras deixavam seu coração
mais tranqüilo.
- Ora, vamos, pare de chorar – pediu
Violet, enxugando uma lágrima do rosto de Demétrio. –
Eu não gosto de vê-lo triste.
Demétrio
suspirou e deu um sorriso triste.
- Você acha que vai
ficar tudo bem, Violet? Que Rose vai me perdoar e que as coisas
voltarão a ser como antes?
Violet também sorriu.
- Sim, eu acho que vai ficar tudo bem.
É, aquilo
decididamente deixava Demétrio mais feliz. Violet tinha razão,
as coisas haveriam de melhorar. E ele não podia, pelos seus
amigos, ficar triste. Tinha que se alegrar.
- Eu sei de algo que
pode te alegrar – anunciou Violet, como se pudesse ler seus
pensamentos.
Ele a observou por um momento, curioso. A garota
virou-se para o lado e apanhou inocentemente o travesseiro da cama em
que estava sentada. Colocou-o no colo e o alisou durante algum tempo.
Então, sem avisos, usou-o para dar uma violenta pancada em
Demétrio.
- Uma travesseirada sempre ajuda a melhorar –
declarou.
- Verdade – concordou Demétrio, rindo e
massageando o lado da cabeça que fora atingido.
Em
seguida, ele pegou o próprio travesseiro e usou para bater
nela.
- Eu também tenho achado você um pouco para
baixo, sabe – justificou.
- Mas eu não estou para
baixo.
- Ah, não? – ele disse com falsa voz de espanto,
deixando claro o quanto o seu humor mudara de uma hora para a outra.
– Então você me enganou! – e, como punição,
Violet levou mais uma travesseirada.
Começou então
uma violenta guerra com fronhas e penas, pontuada de risadas por toda
a parte.
Estava sendo realmente divertido, mas teve que parar no
momento em que os dois caíram deitados no chão, Violet
em cima de Demétrio.
- Ai meu Deus, você se
machucou? – perguntou ela, preocupada.
Demétrio disse
que não, embora seus gestos o contradissessem: ele estava
usando a mão direita para massagear o cocuruto, que batera com
força no chão.
Os dois amigos se encararam e, sem
motivo aparente, recomeçaram a rir.
Mas a nova temporada
de alegria durou pouco, pois dali a menos de dez segundos a porta da
ala hospitalar se abriu, fazendo aquele nhém
desagradável que as portas sempre fazem quando são
abertas em um momento inoportuno, como se quisessem alertar as
pessoas do que está por vir.
Quem entrou na sala foi o
professor Kettleburn, de Trato de Criaturas Mágicas.
-
Que barulheira é essa? – ele perguntou, olhando para os
lados. Em seguida, dirigiu seu olhar ao chão, primeiro a
Demétrio e depois a Violet, mantendo os olhos arregalados de
susto, como se os dois alunos fossem a coisa mais absurda de se
encontrar ali.
Violet ousou trocar um olhar com Demétrio.
Era mais um daqueles olhares significativos de Violet. Este, em
especial, queria dizer "Estamos
ferrados".
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- Eu ainda não acredito no que vocês fizeram – disse
Molly indignada ao chegar de Hogsmeade na segunda-feira à
noite. – Passar o dia em detenção, justo quando nós
sairíamos para comprar o figurino da peça!
- E
vocês não compraram as roupas sozinhos por quê? –
perguntou Violet, na defensiva. Demétrio e ela haviam passado
o dia todo tirando pó da biblioteca e estavam exaustos, ouvir
uma bronca de Molly não era o que mais desejavam fazer no
momento.
- Porque não tínhamos ouro, tudo o que
juntamos está guardado com você, Vi. Você é
a responsável pelo figurino, lembra?
Enquanto os outros
conversavam, Arthur estava de costas para o grupo, mexendo numa
sacola que trouxera de Hogsmeade.
O feriado comemorado naquele
dia era o Dia do Enraização de Merlim. Não era
uma coisa muito legal de se comemorar, o dia em que a amante de
Merlim, Vivien, usara sua magia contra ele e o aprisionara no tronco
de uma árvore.
Porém era tradição
entre os bruxos da Grã-Bretanha que, sem questionar a relação
daquilo com a morte do consagrado mago, se presenteasse as namoradas
ou namorados com flores.
- Isto aqui é para o Demétrio!
– exclamou Arthur, tirando algo de dentro da sacola e virando-se
para entregar ao amigo.
As meninas pararam imediatamente de
discutir e observaram, curiosas, enquanto Arthur oferecia a Demétrio
um pequeno vaso de violetas azuis.
Demétrio encarou o
amigo, com um sorriso incrédulo no rosto.
- A sua
namorada é aquela ali – lembrou a Arthur, apontando Molly.
- Eu sei, já entreguei o presente dela – disse o outro,
referindo-se a um buquê de margaridas que dera à
namorada durante a tarde. – Estas são para você.
Pensei que poderiam substituir a rosa que você deixa sobre a
cabeceira, está ficando um pouco murcha.
Demétrio
apanhou o vaso e continuou encarando o amigo. Momentos depois,
direcionou o olhar a Violet, o que Molly achou engraçado.
Violet também entregara um presente bem esquisito ao menino, e
agora era a vez de Arthur.
- Okay, vou colocar lá – ele
declarou, levantando-se. – Obrigado.
E, parecendo pensativo,
subiu para o seu dormitório. Chegando à ponta da
escada, decidiu que não desceria de volta e gritou um "boa
noite" para os amigos.
- Boa noite!
- Durma bem!
- Boa noite, Demmy!
O garoto deu um último aceno e
desapareceu escada acima.
- O que diabos foi aquilo, Arthur? –
perguntou Molly divertida, quando o namorado sentou ao seu lado.
- Um presente – disse o menino com simplicidade, ainda fuçando
a sacola. – Resolvi fazer algo para animá-lo, como você
propôs ontem, querida.
- Um vaso de flores vai animar
Demétrio?
Arthur olhou por cima dos óculos para
Violet, que fizera a pergunta, e sorriu.
- Não foi um
vaso de flores que eu dei a ele.
- Não? – repetiu
Molly, olhando espantada para o namorado enquanto ele, divertindo-se
com a situação, examinava uma caneta esferográfica
que encomendara há algumas semanas de uma loja de artigos
trouxas e que só hoje pudera buscar no Correio.
- Não,
Molly... você não percebeu? – disse Violet, não
se sabe se vencida pelo mau humor ou pelo cansaço. - Eram
torradeiras disfarçadas.
Arthur deu uma risadinha,
enquanto brincava com a tampa de sua caneta.
- Ah, se você
soubesse, Violet...
E, sem dizer mais nada, deu um beijo na
namorada e subiu também para o seu dormitório.
Molly
observou-o subir as escadas deixou escapar um profundo suspiro. Ela
adorava aquele jeitinho misterioso do namorado, embora fosse apenas o
jeito. Pois ela estava quase certa sobre o significado das palavras
que ele dissera a Demétrio, embora achasse melhor não
se envolver.
Quando Molly virou-se de costas para a escada
caracol, percebeu que Violet saíra da poltrona onde estava e
agora se encontrava do seu lado no sofá.
- Molly, eu
preciso te contar uma coisa.
Havia algo de alarmante na voz de
Violet que dizia a Molly que as notícias da amiga não
eram boas.
E não eram. A garota ouviu horrorizada enquanto
a outra lhe contava o que descobrira sobre Rose e Toulouse.
-
Violet... isso é terrível! – ela exclamou, quando a
amiga terminou de falar. – Demétrio já...
- Não
– respondeu Violet. – Eu tive a oportunidade de contar ontem, mas
não consegui. Não é a atividade mais divertida
do mundo, sabe, informar ao seu melhor amigo que a namorada dele o
trocou por outro.
Molly suspirou e puxou para trás da
orelha uma mecha do cabelo ruivo.
- É, eu imagino, Vi.
Mas creio que seja um direito dele saber, não?
A outra
fez que sim com a cabeça.
- Eu te ajudo – ofereceu
Molly – se não quiser fazer isso sozinha.
- Obrigada,
Molly, eu não sei se conseguiria sem você.
Molly
sorriu e abraçou a amiga.
- Pense pelo lado positivo –
propôs.
- Que Demétrio vai poder esquecê-la
de vez e não sofrer mais? – arriscou Violet.
- E que,
assim – completou Molly -, o caminho fica livre para você.
Se
Violet estivesse bebendo algo, ela com certeza teria engasgado.
- Como assim o caminho fica livre?!
- Ora, Vi, você acha
mesmo que eu não reparei? – disse Molly, com um sorrisinho
maroto. E então, com a voz mais baixa, para se certificar de
que ninguém mais ouviria: - Você gosta do
Demétrio!
Violet soltou um muxoxo.
- Você
não tem provas disso – disse, em tom desafiador.
-
Tenho sim! – declarou Molly, contente. – Você o chamou de
Demmy. Só Rose o chamava assim.
- E daí? –
perguntou Violet fingindo indiferença, embora seu rosto
tivesse adquirido um tom rosado. – Eu poderia te chamar de
Moliuóli, e nem por isso estaria gostando de
você.
Molly arregalou os olhos e levantou-se do sofá,
afastando-se da amiga como se ela estivesse contaminada por alguma
doença altamente contagiosa.
- Como você sabe? –
perguntou, assombrada.
- Ora, é evidente! – respondeu
Violet, levantando-se também e indo para o dormitório.
- Não pode ser evidente, isso é absurdo – resmungou
Molly, seguindo a
amiga.
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Enquanto
isso, no dormitório dos garotos, Demétrio tinha um
sonho bem esquisito.
Ele estava sentado com seus amigos na sala
de Feitiços, preparando a apresentação do
trabalho. Mas, como fazia quando acordado, não se preocupou
nem um pouco em fazer a lição e pôs-se a pensar
na vida.
"Mulher é um bicho muito esquisito",
pensava. "Uma, me abandona impiedosamente e vai morar em outro
país. Outra mantêm o namorado em rédeas curtas e
consegue que ele faça tudo do jeito que ela quer" e
olhou feio para Molly, que se ocupava em fazer uma correção
no texto de Arthur.
"E aquela ali" continuou, agora
olhando para Violet "é a mais esquisita. Não
namora ninguém, não procura namorado. Vive só e
não permite que ninguém tenha a chance de conhecê-la
por inteiro".
- Talvez seja porque ela ainda não
encontrou a pessoa certa para si – disse uma vozinha do seu lado
direito.
Demétrio procurou a fonte daquela voz. Era uma
miniatura viva dele mesmo, vestido de anjo e flutuando próximo
ao seu ombro.
- É, quem sabe ela não quer esperar
por alguém que possa provar que merece o seu amor –
considerou uma outra voz, agora vinda de um pequeno Demétrio
vestido de demônio, flutuando sobre o ombro esquerdo do
Demétrio original.
Eles tinham razão. Quem
sabe...
- Ei! – ele exclamou, olhando para os dois
Demetriozinhos. – Vocês dois não deveriam estar
discordando?
- É, talvez devêssemos – disse o
demônio.
- Mas isso é evidente demais, você é
o único que ainda não percebeu – contrapôs o
anjinho.
- Não percebi o quê?
- Você é
a pessoa ideal para Violet – sentenciou o diabinho.
Demétrio
balançou a cabeça.
- Vocês não sabem
o que dizem.
- Mas nós somos você – riu o
diabinho. – Então o que nós dizemos na verdade é
você quem pensa.
- É, faz sentido. Sou eu que... –
e ele parou para tentar entender o que o diabinho dissera, mas tudo o
que conseguiu foi descobrir que aqueles dois estavam lhe confundindo
a cabeça.
- Aceite, Demétrio, você é
a pessoa ideal para Violet – disse o anjinho.
Mas Demétrio
continuou a negar.
- Não sou eu. Violet é minha
amiga!
- Você é a pessoa ideal para Violet –
repetiu o diabinho, se divertindo.
- Você é a
pessoa ideal para Violet – frisou o anjinho, com voz doce.
E os
dois então se aproximaram dos ouvidos de Demétrio e
gritaram, em uníssono:
- É você a pessoa
ideal para Violet!
O menino acordou assustado.
"Que
coisa de louco", pensou. "Com uma consciência
dessas, não seria nada mau uma terceira opinião"
e, automaticamente, olhou para Arthur. Este, que dormia um sono
profundo, virou-se na cama enquanto resmungava em tom audível:
- É você...
- Eu realmente lamento que a minha
alternativa seja você, Arthur – disse Demétrio, antes
de voltar a se deitar, um tanto quando atormentado. Era melhor que se
livrasse logo daquelas idéias. Ele não podia pensar em
Violet. Era um garoto
comprometido.
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A
terça-feira amanheceu com um céu coberto de nuvens
cinzentas, que ameaçavam trazer chuva. O que significava que
as horas vagas do grupo de Violet seriam todas passadas dentro de uma
sala de aula desocupada, a qual eles usariam para continuar a ensaiar
sua peça.
- Eu represento o Ministério da Magia e
ainda não tenho leis que proíbam o uso de varinhas por
seres não-humanos. No ano de 1702 eu não me lembro o
que aconteceu, porque esqueci a minha fala.
- Ah, desse jeito
não vai dar, Demétrio! – exclamou Molly, jogando seu
roteiro no chão. – Ou você decora logo essas falas ou
teremos de trocar o seu papel e te fazer interpretar a roseira do
cenário.
Violet e Arthur olharam imediatamente para Molly.
De onde ela tirara a roseira do cenário? Estaria apenas
afim de dar exemplos esquisitos ou será que, por algum motivo
qualquer, estava tentando provocar Demétrio?
A resposta
veio em um olhar. A garota fitou Violet com as sobrancelhas erguidas,
o que a amiga entendeu como um sinal. Era agora, ela teria de contar
a Demétrio sobre Rose.
- Deixou seu roteiro cair, Molly –
avisou ela, pegando o pergaminho para a amiga.
Arthur percebeu o
sinal combinado e também deu a sua deixa, embora não o
tenha feito, nem de longe, de maneira discreta, como as amigas
fizeram.
- Você tem recebido notícias de Rose,
Demétrio? – perguntou.
Violet suspirou. Por que será
que ela sempre deixava a parte mais importante dos planos nas mãos
de alguém que a ia estragar?
- Eu... – Demétrio
pareceu um tanto quanto sem graça – não falo com Rose
desde o dia em que nós brigamos.
Mais um suspiro de
Violet.
- Você... ainda está magoado, Demmy?
Ele
se mexeu na cadeira, parecendo desconfortável, e não
respondeu. Violet segurou a sua mão, relutante em lhe
contar.
Mas teve de contar. Disse a ele, com todos os poucos
detalhes, sobre a curta conversa que tivera com Toulouse na sala
comunal da Grifinória.
Quando terminou, Demétrio
estava estático, com o olhar perdido no nada.
- Esqueça,
cara – recomendou Arthur, com a mão em seu ombro. – Ela
não te merecia, você pode conseguir alguém
melhor.
- Rose não é uma má pessoa –
Molly tentou tranqüilizá-lo. – Ela apenas... não
soube ficar sozinha. Não é tão forte quanto
você.
Demétrio balançou a cabeça, à
beira de lágrimas.
- Vocês estão
mentindo.
Molly e Arthur olharam para Violet, alarmados. A
acusação era, indiretamente, para ela, uma vez que fora
ela quem contara a história.
- Aceite, Demmy, ela...
- Ela não faria isso! – ele garantiu, quase gritando
e quase chorando, antes de se levantar e sair correndo.
Violet
correu atrás dele. Não seria tão fácil
quanto ela imaginava. Agora quem ficaria, por algum tempo, com fama
de mentirosa era
ela.
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Demétrio
entrou ofegante na sala comunal. Sentia diversos sentimentos de uma
vez, uma mescla inexplicável e incômoda de coisas que
machucavam por dentro. Violet não podia estar falando a
verdade, pois ele jamais aceitaria que Rose, a quem ele amara por
tanto tempo, de repente demonstrasse ser esse tipo de pessoa. E, ao
mesmo tempo, Violet não podia estar mentindo porque uma
mentira dela também traria imensa decepção para
ele.
Correu para a lareira e apanhou um restinho de pó-de-flu
que estava num vaso ao lado. Naquele tempo a direção de
Hogwarts ainda deixava pó-de-flu ao alcance dos alunos.
Ele
jogou todo o pó no fogo da lareira, que imediatamente passou a
ser verde. Enunciou então a palavra "Beaxbatons", respirou
fundo e enfiou a cabeça nas chamas.
Quando abriu os olhos,
Demétrio se viu olhando para um salão grande, com
decoração em estilo grego e iluminado por grandes
janelas. Ele correu pelo aposento o olhar treinado de jogador de
quadribol, não demorando nada para encontrar o que
temia.
Havia duas pessoas num sofá um pouco afastado da
lareira. Um casal. O garoto, de cabelos negros (como Violet
descrevera os de Toulouse), tinha uma garota magrinha sentada em seu
colo, cuja nuca acariciava enquanto era beijado. Ele reteve uma
atenção especial na menina. O cabelo chanel, o
pezinho balançando, as unhas pintadas de branco. Seu rosto não
estava visível, mas não havia como confundir.
-
Rose...
A garota separou seus lábios imediatamente dos do
moço moreno e lançou um olhar assustado na direção
da lareira.
- Demmy! – ela exclamou alarmada, se levantando. –
Não é o que parece, eu juro!
Foi demais para
Demétrio. Ele puxou a cabeça de volta para Hogwarts,
afastou-se da lareira e agachou-se atrás de um sofá
para não ser visto caso a falsa da Rose tentasse falar com
ele.
E começou a chorar.
Violet sentou-se ao seu lado
e ele a abraçou. Não disse nada, pois não era
preciso.
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Mais
duas semanas se passaram e o dia da peça chegou. Demétrio
foi melhorando conforme os dias passavam, e hoje já estava se
sentindo bem melhor. Como Molly previra, esquecer Rose seria para ele
mais saudável do que sofrer por ela.
Ele e Arthur agora se
preparavam na sala ao lado da de Feitiços, enquanto as meninas
se arrumavam, em outra sala.
- Violet Peasegood, o que é
isso?
Violet fechou o próprio vestido e olhou em
direção à Molly.
- É o seu figurino,
oras.
Disso Molly sabia. Mas ela se referia a uma determinada
peça do figurino, constituída por uma minissaia verde
feita de couro de dragão e que inclusive tinha uma cauda
atrás.
- Você não espera que eu vista isto
aqui, espera?
- Molly, você não pode interpretar um
duende vestindo o uniforme de Hogwarts.
- E também não
posso usar uma saia que tem como comprimento o diâmetro das
minhas coxas!
Violet riu.
- Não seja exagerada e
vista isso logo, Molly. Assim você aprende e da próxima
vez não me obriga a comprar o figurino na última hora.
- A culpa agora é minha? – indignou-se a garota.
- É
– confirmou Violet, categórica. – Pare de enrolar e
vista-se logo ou eu conto a todos sobre o seu "Moliuóli".
- Eu chamo isso de chantagem, Violet – praguejou Molly,
enquanto se rendia e fazia esforço para tentar entrar na saia.
– Golpe baixo.
Assim que elas se aprontaram, seguiram de
encontro aos meninos na saia ao lado.
- Ei, onde pensa que vai assim? – perguntou Arthur espantado, ao
ver a saia de Molly.
Demétrio riu (sim, ele voltara a
fazer isso) enquanto Arthur arrancava a própria capa,
apressado, e jogava sobre os ombros da namorada.
- Decorou suas
falas? – perguntou Molly a Demétrio, em tom ameaçador.
- Sim senhora, senhora! – e bateu continência para a
garota.
- Eu estava mostrando para Demétrio a idéia
que tive, meninas, olhem só – disse Arthur. Ele colocou na
cabeça um chapéu de bruxo preto com uma lâmpada
(objeto usado pelos trouxas para iluminar ambientes) na ponta e
disse: - Os trouxas usam lâmpadas na cabeça para
simbolizar idéias. Olhem só, eu posso acender esta aqui
e... – ele apontou a varinha para a lâmpada e a fez funcionar
com um feitiço não-verbal – tive uma idéia!
Nesse
momento, a Profª Taunay abriu a porta da sala para chamá-los.
- O bicho-papão chegou, queridinhos! – anunciou, com sua
costumeira voz melindrosa. – Estão preparados?
Eles
seguiram a professora. Molly ainda olhou para Arthur com carinho e
comentou com Violet:
- Ele não é brilhante?
-
Sim – concordou Violet, em seguida virando-se para Demétrio
e acrescentando: - Literalmente!
Demétrio deu uma gostosa
risada e abraçou Violet pelo ombro, deixando a garota um tanto
quanto encabulada.
A sala estava agitada quando o grupo se
posicionou no mini-palco conjurado pela professora, mas, assim que
Arthur deu início à peça, todos silenciaram para
ouvi-lo.
- Essa história se passa no início do
século XVIII. Nessa época, a Inglaterra bruxa era muito
diferente do que é hoje, mais diferente do que vocês
podem imaginar, como poderão constatar na história que
se passa com os seguintes personagens.
Arthur apagou a lâmpada
de sua cabeça com um feitiço não-verbal e deu um
passo atrás, para que Demétrio pudesse se adiantar e
dizer sua fala.
- Eu represento o Ministério da Magia e
ainda não tenho leis que proíbam o uso de varinhas por
seres não-humanos. No ano de 1702, os duendes em meu país
não passavam de escravos, função que, mais
tarde, viria a ser exercida pelos desafortunados elfos domésticos.
Foi então a vez de Violet se apresentar.
- Eu
represento o povo, e estou assustada perante a insubordinação
que os duendes às ordens do Ministério, que os proibiu
terminantemente de participar da organização da
Confederação Internacional dos Bruxos.
Correu tudo
perfeitamente bem durante quase toda a peça. Todo o grupo
acertou seus feitiços e falas e Molly permaneceu de capa
durante a apresentação, para que Arthur não
tivesse ímpetos de bater em ninguém.
A única
falha no roteiro ocorreu no final, durante a última fala de
Demétrio.
- Se o povo está feliz, assim está
o Ministério. Pois é como dizem por aí: rosas
são vermelhas, violetas são azuis e a companhia ideal
para o povo é a do Ministério!
Nesse momento, sem
aviso prévio nem motivo aparente, ele virou as costas para o
público, puxou Violet para perto de si e a beijou.
Arthur
olhou para Molly, perguntando, apenas com o mover dos lábios,
o que deveria fazer. Afinal, aquilo não estava no roteiro.
- Finalize a peça! – orientou a garota, num murmúrio.
- E foi assim – disse ele, entrando na frente do casal, que trocava
carícias apaixonadamente – que a Revolução dos
Duendes colaborou para que o Ministério e o povo se tornassem
mais próximos.
Violet desgrudou os lábios dos de
Demétrio enquanto a sala aplaudia e perguntou:
- Quer
dizer então que é preciso haver uma revolução
aí dentro para que o senhor tome certas atitudes?
Ele
balançou a cabeça, sorridente. Pensava seriamente em
agradecer a Rose pelo que fizera.
Sem todos aqueles problemas, o
Ministério e o povo jamais haveriam se unido. Sem tudo o que
aconteceu, o Ministério jamais
progrediria.
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Nota da autora: Esta fanfic tem uma cena dedicada ao time Felix Felicis, em especial ao seu artilheiro Guilherme. E todo o resto da fanfic é dedicado à minha inspiradora ajudante Moony.
