Solstício de Inverno
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O pequeno Regulus era um anjo. Um anjo negro no meio daqueles demônios. Um anjo negro de passinhos suaves deslizando por toda a neve recém-caída. E era exagerada a dose de inocência ocultada sob a coroa de ondas negras cujas mechas terminavam na altura do queixo. Refaço com perfeição seu caminhar pelo jardim de inverno em minha mente. A pouca diferença de idade não se fazia presente em seu correr veloz para meus braços e o hesitante pedido murmurado. Lembro-me de somente acenar e, agilmente, tê-lo sentado em meu colo com as pernas ao redor da minha cintura. Havia minimamente uma beleza divinal no níquel mergulhado em pureza dos olhares dele.
Por vezes, íamos até nosso refúgio após o término de suas aulas de música. Por tanto, seus assuntos resumiam-se à sua favorita de Chopin e alguma certa sinfonia de Vivaldi que estivesse trazendo-lhe problemas em acertar o compasso. Diferente semana e estávamos submersos no mais mortal silêncio.
Ele era violinista, e antes daquela manhã, jamais tocara para mim. Não funcionou exatamente com uma troca de palavras, mas compreendemos a necessidade irreal de sentimo-nos preenchidos de doces e melódicas notas. Elas pareciam flutuar. E finalmente avistamos flocos de neve. Um tom de surpresa na expressão de Regulus; o violino fora largado em cima da cadeira, e sua mãozinha desocupada pelo arco puxava a minha, impelindo nós dois ao pátio completamente branco.
Não foi uma valsa ou algo assim; apenas giramos juntos no mesmo lugar. Risadas infantis e caímos no chão. Parei para admirá-lo.
Meu anjo fazia anjos na neve.
