Beta Reader: BastetAzazis (você sabe que eu te devo muito, né?)
Observação:
1. Esta fic vai seguir o cânon na maioria dos detalhes, mas a partir de certo ponto começa a desviar-se, portanto a classificação é UA. Ah, e os nomes estão como no original em inglês.
2. Algumas idades provavelmente foram alteradas (a de Regulus Black principalmente, e eu tenho um bom motivo para isso).
3. Além disso, essa NÃO É uma fic sobre como Severus e os Marotos se davam, então não espere ver as cenas famosas aqui.
4. Os detalhes sobre a vida e as datas dos acontecimentos do Severus foram tirados do Harry Potter Lexicon.
Capítulo Um – O Clube dos Quatro
Londres, 15 de junho de 1964.
Não havia dúvidas de que aquilo era irritante. Ela odiava os babados do vestido, a cor dele e o fato de já estar usado, mas era um dos mais novos que tinha. Sua mãe, Mary, queria as duas filhas bonitas para a festa do bairro.
- Ah, Lily, você está linda!
A menina girou diante do espelho e continuou com uma careta no rosto. Seus cabelos, ruivos e cacheados, rodopiaram ao seu redor, acompanhando seus movimentos.
- Não gosto desse vestido – choramingou, estendendo os braços para a mãe, os olhos pedindo ardorosamente para tirar aquela roupa.
- Deixe de ser chorona, Lily. – Sua irmã, que tinha dez anos, olhou para ela com um sorriso superior. – Sabe que não há outra opção.
A consciência da verdade nas palavras da irmã não a impediu de soltar outro resmungo.
- Comporte-se, Lily. – Sua mãe sorriu, pegando-a no colo. – Sabe que não podemos comprar outra roupa pra você até o Natal.
Sim, ela sabia que seus pais tinham que fazer malabarismos com o dinheiro todo mês. Ela e Petúnia, sua irmã mais velha, tinham direito a poucos regalos. Mas isso não impedia seu coração infantil de sonhar alto.
Foi deixada no chão novamente e correu para pegar a mão do pai, que as esperava na porta da pequena casa.
Ela odiava sair de casa. Ter que ir ao colégio, ou passear com a mãe e a irmã pelo bairro eram um pesadelo. Ela odiava ver as outras crianças cochichando quando ela passava.
Lá vem a Esquisita Evans. Cuidado, ou ela pode te deixar careca.
Droga, ela não tinha culpa se havia deixado o Mike Branson sem um único fio de cabelo para contar a história. Ele a estava aporrinhando há dias, e finalmente sua curta paciência se esgotara.
Só que ela não encostara um único dedo em Mike antes dos cabelos do rapaz caírem.
Tudo que ela fizera fora gritar, gritar muito e avançar para empurrá-lo, mas os amigos dele a detiveram. Aquilo não a impediu de continuar gritando injúrias e prometendo uma vingança que sabia que talvez nunca pudesse realizar. Dissera que ele merecia perder os cabelos do mesmo jeito que o pai dele, e no instante seguinte, o rapaz estava olhando chocado para as próprias mãos, onde conseguira segurar uns poucos fios. O resto jazia no chão.
Obviamente, nem mesmo a mãe dele acreditara que ela podia fazer cabelos caírem com um único olhar. Isso não a impedira, entretanto, de dizer à mãe de Lily que estaria advertindo as outras mães do bairro sobre a conduta da menina.
- Como se o seu filho fosse um santo! – sua mãe retrucara antes de bater a porta na cara dela.
Obviamente os adultos sabiam fingir muito bem que haviam esquecido antigos incidentes, mas não as crianças. Ah, nunca as crianças.
Desde aquele maldito dia, Lily não tinha um único amigo naquele bairro. St. Giles não era o tipo de bairro que as pessoas visitavam por prazer. Era um dos mais feios e pobres de Londres. Não chegava a ser um local de miséria, pois todos tinham suas casas ou apartamentos, e as condições de encanamento e iluminação nem eram tão más. Mas as pessoas eram.
Lily já ouvira muitos ricaços falarem mal dos adultos de St. Giles quando ia com sua mãe fazer faxina na casa daquelas pessoas. Ela poderia ter-lhes assegurado convictamente de que as crianças de St. Giles eram ainda piores.
Como moravam no bairro, entretanto, era melhor serem amigos dos outros que inimigos. Eles a tratavam como se fosse uma praga. Assim que chegava perto, as outras crianças afastavam-se. Só não o faziam quando estavam na mesma sala de aula, pois as professoras achavam aquilo bastante ofensivo. Lily as adorava por apoiarem-na e negarem veementemente que uma garota de cinco anos pudesse deixar um garoto valentão de oito careca sem nem encostar nele.
Quando viraram a esquina da rua onde sua casa ficava, Lily avistou as luzes acesas e os balões flutuando presos aos postes. A pracinha fora redecorada para parecer festiva e alegre. Lâmpadas estavam penduradas em correntes, unindo os postes cobertos de balões de festa coloridos. Alguém havia armado mesinhas de metal com cadeiras do mesmo material e as coberto com toalhas de um padrão xadrez vermelho e branco. Havia uma mesa maior para onde toda a comida estava sendo levada, e onde um rádio velho anunciava as jogadas da partida de basquete de um time da região. St. Giles comemorava a chegada do verão com pouco estilo, mas a alegria de seus habitantes recompensava.
Os adolescentes haviam se reunido em uma pequena roda onde conversavam sobre coisas que seus pais não gostariam de ouvir e flertavam uns com os outros. Os adultos estavam reunidos nas mesas espalhadas, bebendo e comentando sobre o jogo que ainda rolava. As mulheres haviam se agrupado em torno da mesa de comidas, tentando descobrir o que faltava e onde arranjar o que quer que fosse descoberto.
Lily viu sua irmã se reunir a um pequeno grupo de amigos que ainda não era aceito entre os adolescentes, mas que também não mais se reunia às demais crianças. Estavam em algum período de transição, segundo Petúnia, e não queriam ser identificados como "criancinhas inocentes e bobas".
As crianças do bairro estavam juntas no parquinho, usando o último balanço que restava (os outros dois estavam quebrados) e o escorregador. Algumas jogavam futebol num pequeno campo de areia. Nenhuma delas fez menção de se aproximar dela ou chamá-la para que se juntasse a eles.
Empinando o nariz e disposta a parecer pouco magoada com os ex-amigos, ela acompanhou seus pais até uma das mesas e sentou-se no colo da mãe, satisfeita. Talvez pudesse dormir ali mesmo e evitar confusão mais uma vez, pois desde que descobrira que não tinha mais companheiros de brincadeiras, seu humor andava pouco apreciável. Isso às vezes a fazia pregar peças nas outras crianças.
Se não querem ser meus amigos, pelo menos vão tomar cuidado ao se aproximar de mim - pensou, com raiva. Abraçou-se à mãe que, entendendo seu tormento interior, lançou aos meninos no parquinho um olhar desapontado e a abraçou de volta.
- Não se preocupe, meu amor, tudo vai dar certo.
Aquela era a frase da vez na sua casa ultimamente. Seu pai, que era contador, andava cogitando uma mudança de emprego que poderia dar-lhes melhores condições de vida. Lily só sabia que seu pai estava quase conseguindo um trabalho com um homem bonito que fazia propaganda na TV para ser eleito para uma tal de Câmara dos Comuns.
Ela esperava ardentemente que o pai conseguisse aquele emprego. Sua mãe já havia falado que, se aquilo acontecesse, poderiam mudar de bairro. Era tudo o que Lily precisava ouvir para pedir a Deus toda noite para que seu pai conseguisse o trabalho. Petúnia parecia dividida entre a felicidade de sair daquele lugar e a tristeza de deixar os amigos para trás, mas Lily não ligava. Ela precisava mudar de bairro. Era tudo o que se passava em sua mente.
Finalmente trouxeram algo para a mesa de seus pais, e ela se deliciou com uma torta de frango que a senhora Martin sabia fazer como ninguém. Os pais riam da sua avidez enquanto colocava um garfo cheio na boca e a vigiavam para que não se entupisse de comida. Uma comoção do outro lado do parque chamou a atenção da família Evans, entretanto.
- Oh, Tobias está aqui! – sua mãe exclamou, prazerosa.
Mary Evans era do tipo que adorava ou detestava alguém. No caso de Tobias Snape, era um amor perdidamente apaixonado. Não da maneira como amava seu marido, mas de uma maneira muito maternal. Ela e a mãe do rapaz foram colegas de classe, e ela o vira crescer para se tornar um rapagão forte e trabalhador. Atualmente, ele viajava entre Sheffield, onde trabalhava numa fábrica e seus pais viviam, e Londres, onde a esposa Eileen morava com o filho, Severus. A casa deles era a que pertencera ao pais do rapaz, antes de se mudarem. Sendo um sentimental, Tobias fora incapaz de se desfazer do imóvel, e passara a morar ali com Eileen, mesmo que passasse a maior parte do ano trabalhando como operário temporário na tal fábrica de Sheffield. Quando não estava no norte, arranjava um emprego como carpinteiro ali mesmo, em Londres.
A mulher, pelo que Lily sabia, não havia estudado numa escola e mal sabia fazer contas. Dava-lhe pena. Lily gostava de estudar e perguntava-se se a Sra. Snape não teria gostado também. Parecia uma mulher educada e culta, pois falava bem e conhecia alguns assuntos que a maioria das pessoas do bairro nem sabia que existiam, apesar de mal saber contar o dinheiro que o marido lhe enviava todo mês. Com certeza posaria bem numa das festas de ricaços de que a ruiva ouvia sua mãe falando.
Eileen Snape era alta, com o nariz afilado e o rosto fino e pálido. Seu cabelo era preto e liso, quase tão pesado quanto o do filho. Seus olhos eram negros e cobertos por grossas sobrancelhas; tinham um quê de mistério que sempre deixara a garota intrigada. A pele fazia contraste com eles, pois a mulher era quase tão pálida quanto uma parede branca, mas de alguma forma o conjunto se harmonizava.
Tobias Snape era um homem com compleição forte e sorriso fácil. O tanto que a mulher era calada e misteriosa, ele era sociável e querido em St. Giles. O cabelo espesso e volumoso dava-lhe um ar charmoso, e os olhos castanhos pareciam sempre estar sorrindo. Alguns diziam que havia herdado o coração esperançoso e sentimental da mãe, outros diziam que sua herança era o bom-humor e as habilidades manuais do pai.
Ele estava abraçando a mulher com um dos enormes braços e mantinha a outra mão no ombro do filho. Este também sempre parecera um enigma a Lily. Eles jamais haviam trocado mais que seis palavras, mesmo tendo nascido e crescido em St. Giles. Ele inclusive era da sua turma da escola! Mas era mais um dos excluídos do bairro.
Severus Snape era tão pálido quanto a mãe. Havia herdado a cor de seus cabelos e olhos também, mas as sobrancelhas finas e o cabelo oleoso eram herança do pai. Ele também era alto, como ambos, e aparentemente saíra mais à mãe no humor. Lily imaginava que o tempo que ele passava só com a mulher deveria tê-lo moldado mais ao humor dela que ao do pai.
Os Snape eram queridos em St. Giles, ou ao menos Tobias era. O homem havia nascido e crescido no bairro, e quase todos os anciãos do lugar adoravam falar sobre como ele reformara suas casas com a ajuda do pai quando era mais novo. As senhoras de idade adoravam preparar-lhe bolos e outros quitutes, o que parecia agradar à Sra. Snape também. Lily imaginava que uma mulher tão esnobe como aquela não gostaria de passar o dia na cozinha, como sua mãe muitas vezes fazia.
Lily viu seus pais acenarem aos Snape, e logo Tobias conduziu a família para juntar-se a eles. Mais três cadeiras foram postas – Lily perguntava-se se Eileen Snape não permitia que o filho ficasse em seu colo – e cumprimentos foram trocados.
- Está de volta mais cedo este ano, Tobias – John, seu pai, comentou, alegre.
- Fui demitido da fábrica – foi a reposta do homem, com um sorriso triste. – Estou com algum tipo de gripe, e eles têm medo que eu passe para algum dos outros operários.
- Oh, querido, que terrível – sua mãe comentou.
Lily viu Severus rodar os olhos, entediado, e lançou-lhe um olhar que deixava claro que ele estava proibido de debochar de sua mãe. O menino, entretanto, apenas lançou-lhe um igual olhar de desprezo e bufou baixinho.
- Não se preocupe, Mary. Com certeza arranjo alguma coisa aqui pela cidade. Ouvi falar que estão construindo um novo fórum do outro lado.
- Sim – o Sr. Evans confirmou, e ambos engataram uma conversa entediante sobre política e construção.
Mary lançou um sorriso a Eileen, que permanecia muda.
- Você deve estar feliz, querida, de ter o marido de volta mais cedo.
Eileen sorriu brevemente, o que demonstrava que tinha alguma consideração pela outra mulher.
- É bom por um lado, e ruim por outro.
- Entendo. Ficar sem o dinheiro da fábrica vai deixá-los com um pouco mais de preocupação.
Pouco inclinada a compartilhar os problemas da família, a Sra. Snape apenas meneou a cabeça, num gesto que poderia ser entendido tanto como sim quanto como não.
- Se precisarem de ajuda, não deixe de nos avisar. Eu e John faremos tudo que pudermos para ajudá-los. – Percebendo que seria difícil discutir qualquer coisa com as duas crianças ouvindo, virou-se para a filha. – Lily, porque você e Severus não vão dar uma volta por aí?
- Eu tô com sono, mamãe – foi a resposta mais que rápida e desgostosa.
- Ora, querida, você sabe que não pode dormir durante uma festa – sua mãe respondeu, fazendo-a descer do colo. – Vamos lá, amor, fiquem à vista e procurem algo divertido pra fazer.
Resmungando mais alguma coisa e sabendo que jamais faria a mãe mudar de idéia, Lily virou-se e começou a se afastar das mesas. Não parou para ver se o menino a seguia, mas o som de passos arrastados atrás de si lhe deu a certeza de que sim.
Os dois seguiram em silêncio, ele um pouco atrás dela, até uma outra área da pracinha, mais escura e menos habitada em comparação às outras. Era um pequeno jardim, se é que se podia chamar aquilo de jardim. O dinheiro era tão pouco que as flores eram regadas três vezes menos do que deveriam ser, e não se podia dizer que a grama era cortada toda semana.
Mesmo assim, Lily adorava aquele lugar. Era para onde fugia quando queria escapar dos outros garotos, ou quando simplesmente queria deixar seus sonhos voarem soltos. As árvores do lugar serviam tanto como esconderijo quanto como um abrigo para o sol, e aquilo, em St. Giles, era muita coisa.
- Ouvi dizer que você deixou o Branson careca.
Ela virou-se para fitar Severus, que mantinha o olhar entediado no rosto passivo enquanto a fitava. Ela sentou-se sob uma das árvores e deixou o corpo recostar-se contra o tronco da mesma, pegando uma mecha de cabelos ruivos e começando a brincar com ela.
- Ouvi dizer que você deixou a Joanne Hastings com o rosto todo pintado de vermelho – devolveu, no mesmo tom entediado.
- Eu não encostei no marcador de texto da professora. Ela se pintou sozinha – ele retrucou, deitando-se em um dos bancos e olhando para o céu.
Lily fez a mesma coisa, admirando a noite estrelada.
- Os amigos do Mike Branson me seguraram. Eu nem cheguei perto dele.
Os dois se entreolharam, confusos se apreciavam ou não a pequena troca de confidências.
- São todos uns idiotas – foi o comentários final dela. Ele apenas murmurou um "uhun" e voltou a mirar o céu, perdido em pensamentos.
Os dois permaneceram daquele jeito, absorvendo a magnífica abóbada estrelada, com todos os seus mistérios e poderes ocultos, por muito tempo. Lily nunca saberia dizer como conseguira ficar parada naquele momento. Era uma garota cheia de energia e, como tal, gostava de estar em constante movimentação. Alguma coisa em seu companheiro de escapulidas, entretanto, a impelia a estabelecer um ritmo mais vagaroso.
Ela virou o rosto novamente para contemplá-lo. Era completamente inexplicável para a ruiva o modo como ele se mantinha inabalável diante de qualquer situação. Diversas vezes o vira lançando olhares de desprezo a todos. Frequentemente ambos disputavam pelas maiores notas na escola. Eram, no entanto, diametralmente opostos. O que ela tinha de altiva e alegre, o menino tinha de sombrio e misterioso.
- Você também quer sair desse lugar, não é?
A pergunta lhe escapou pelos lábios antes que pudesse se conter. Os olhos negros viraram-se para fitá-la, surpresos.
- Perdão?
Bem, já que comecei... - pensou, tomando fôlego para repetir.
- Você quer sair daqui, não é? Deste bairro... Desta vida – completou, estranhamente ansiosa pela resposta dele.
Ele a fitou por intermináveis segundos, os olhos negros tão velados quanto sempre. Pareceu-lhe que o menino examinava se ela merecia uma resposta e, caso decidisse que sim, qual seria esta. Por fim, ele abriu a boca:
- Óbvio.
Ótimo - pensou Lily - continuo tão perdida quanto antes.
- Você sempre desprezou isso aqui, não é, Snape?
Ao invés de respondê-la, ele apenas sorriu com ironia antes de replicar:
- Você despreza?
Lily arregalou os olhos, surpresa.
- Não! – exclamou, sincera, e o viu rodar os olhos mais uma vez, depois voltando a observar o céu. – Não sinto desprezo pelo lugar, até gosto... Na maior parte do tempo. Mas quero ir para um lugar onde ninguém me chame de Esquisita Evans.
Antes que Snape pudesse responder qualquer coisa, porém, uma terceira voz se intrometeu.
- Somos três. Ou melhor, quatro.
Os dois viraram-se para fitar as irmãs McFusty. Ali, apenas com a luz da lua a iluminá-las – as lâmpadas da festa estavam longe – pareciam até mesmo os dois lados de um espelho. Eram idênticas, da cor do cabelo aos olhos, cor de pele e tipo físico. Lily não duvidava nada que pensassem da mesma forma também.
Uma das duas – nenhum dos dois saberia dizer qual – jogou-se ao lado de Lily, despreocupada, e a outra timidamente sentou-se ao lado de Severus, o corpo próximo da cabeça do rapaz. Ele fitou a gêmea que estava ao seu lado antes de virar-se para Lily e a outra. Como deduziu que elas estiveram ouvindo pelo menos uma grande parte da conversa, simplesmente continuou de onde haviam parado.
- Não me incomodo que me chamem de Seboso. Não lhes dou nenhuma atenção.
- Acho que nenhuma de nós três duvida disso, Snape – a gêmea "de Lily" falou, com um sorriso zombeteiro. – Mas convenhamos que nossos dias seriam mais felizes se não fôssemos tidos como aberrações da natureza.
- Alice!
Daquela vez era a outra gêmea reclamando, e tanto Lily quanto Severus descobriram um meio de diferenciá-las: Alice, a despreocupada, tinha um tom de voz dez vezes mais forte que o da irmã, chamada Theodora.
- Qual é, Thea? Estamos entre esquisitos aqui – a outra replicou, sorrindo para Lily. – Careca do Branson, não é? – quando Lily assentiu, ela virou-se para Severus. – Você nem precisa de identificação. Minha mãe já me contou um monte das suas confusões.
Thea, ruborizada, murmurou um "sinto muito" enquanto seu olhar se dividia entre Severus e Lily. A ruiva, curiosa, fitou o menino.
- Não sabia que você aprontava tanto, Snape.
- E não apronto – ele replicou, frio, voltando a fitar o céu.
- Me engana que eu gosto – Alice replicou, mexendo no cabelo do jeito que via Lily fazendo. – Vi o que você fez com a Joanne, a Louise e a Jodie da quinta série.
Lily e Thea trocaram um olhar curioso, em seguida, dividiram-se entre Severus e Alice. O menino, um pouco mais interessado na conversa agora, sentou-se ao lado da primeira gêmea.
- Fala das acnes delas? Não tenho nada a ver com aquilo – ele replicou, tranqüilo.
- Ou melhor, ninguém tem como provar.
Gostando do modo como Alice acompanhava seu raciocínio, Severus sorriu.
- Ou isso.
A garota devolveu-lhe o sorriso, e um entendimento mútuo desenvolveu-se entre os dois. Thea e Lily, sem entender grande coisa, apenas olhavam de um para o outro. Alice chamou Thea e Severus com um aceno de mão. A irmã levantou-se rapidamente, mas o garoto demorou mais a decidir-se se correspondia ao chamado ou não.
- Vocês estavam dizendo que queriam ir para um lugar onde ninguém os conheceria – Alice continuou depois que os quatro estavam reunidos embaixo da árvore. Seu olhar brilhava tanto quanto as estrelas acima de suas cabeças.
- Você também disse que queria – lembrou-lhe Lily, e a loira confirmou com um aceno de cabeça.
- Nós queremos, não é, Thea? – perguntou à irmã. Esta, ainda muda, assentiu com a cabeça.
- Nunca ouvi nada sobre vocês – Severus comentou, olhando de uma para a outra.
- Oh, nossos pais são rígidos quanto à discrição. Assim como sua mãe. Você sabe do que eu estou falando, Snape.
Foi a primeira vez que qualquer uma das três viu o garoto esboçar mais do que uma reação de frieza e desprezo. Ele arregalou os olhos, completamente espantado.
- Você... Vocês... – ele começou, mas diante da própria confusão, chacoalhou a cabeça para reordenar as idéias. – Vocês também?
- Espera aí... – Thea, a mais calada dos quatro, exclamou. – Liz, você está dizendo que ele...
- É um de nós – Alice confirmou, e para o horror da irmã, tirou de baixo do vestido uma comprida vara de madeira.
Lily observou o objeto com confusão e curiosidade, até que lembrou de alguns dos desenhos dos seus livros de contos de fadas.
- Ei, isso é uma varinha! – ela exclamou, feliz, e os três olharam para ela espantados.
- Você sabe o que é isso, Evans? – Severus perguntou, dividido entre a satisfação e a surpresa.
- Claro... Está nos livros – ela explicou, e diante do olhar perdido dos três, ela completou. – Vocês nunca leram "A Bela Adormecida", ou "Branca de Neve"? Toda bruxa má tem uma varinha. As fadas também.
Alice e Severus trocaram um olhar desapontado, enquanto Thea suspirava, não se sabe se de alívio ou tristeza.
- Ela não entende – Alice murmurou para os outros dois, e um sorriso mal-intencionado surgiu em seu rosto. – Experimenta – estendeu a varinha para Severus.
- Por que eu? – o garoto perguntou, alarmado.
- A varinha é da minha mãe. Peguei escondida. Não teve reação comigo, duvido que tenha com a Thea também. Ou você tenta, ou damos pra ela. – Apontou para Lily, que os observava confusa.
- O que tem de mais nessa varinha?
Os três viraram-se para a ruiva, que lançou-lhes um olhar impaciente, indicando que esperava uma resposta. Surpreendentemente, foi Thea quem respondeu.
- Essa varinha é de verdade, Evans. Não é um simples pedaço de madeira.
- Ei, espera aí... Vocês querem me fazer acreditar que isso aí pode fazer magia? – ela perguntou, incrédula.
Os três apenas assentiram com a cabeça, como se a resposta fosse óbvia.
- Ei, gente, eu sei que ver TV e ler contos de fadas é legal, mas eu não caio nessa não. Deixei de acreditar em Papai Noel no ano passado.
- Papai Noel não existe, sua tola! – Alice exclamou, chateada. – Bruxos existem.
Diante do olhar incrédulo de Lily, ela mudou a posição da varinha, que agora estava estendida para a ruiva.
- Pegue se tiver coragem.
A ruiva observou as expressões de todos os três. Alice tinha um sorriso desafiador no rosto, daqueles de quem sabia que estaria certa no final da prova. Thea parecia assustada; olhava o tempo todo em direção aos adultos, não tão longe assim dali. Severus tinha mais uma vez aquele olhar de desprezo e um sorriso zombeteiro, que dizia claramente que não acreditava que ela fosse capaz de responder ao desafio de Alice.
Bem - pensou a ruiva, atingida por uma mistura dos três olhares - não vai acontecer nada, mesmo. Não tenho por que ter medo.
Estendeu a mão e agarrou a vara de madeira. Imediatamente um pequeno choque surgiu em sua mão e seguiu por seu braço, espalhando-se para seu corpo inteiro no final. Seus olhos, atordoados pela sensação, registraram vagamente uma pequena explosão de luzes na ponta da varinha, ainda virada para Alice, que recuava assustada.
Os três a olhavam assustados e confusos, sem saber o que dizer ou fazer. O barulho de passos, porém, tirou-os do estado de retardamento. Severus agarrou a varinha e escondeu-a na perna da calça que usava, segundos antes de sua mãe, a mãe de Lily e a Sra. McFusty aparecerem entre as árvores.
- Queridos? Está tudo bem? – a mãe de Lily perguntou, alerta. – Vimos um brilho estranho vindo daqui.
- Acho que algum dos meninos mais velhos soltou fogos de artifício, Sra. Evans – Alice, com seu melhor sorriso angelical, explicou. – Levamos um susto, mas está tudo bem.
Mary, impressionada com a desenvoltura da menina, virou-se para a mãe das gêmeas.
- Ora, Adéle. Você tem um pequeno gênio aqui – exclamou, encantada. – Lily também é muito inteligente.
- É, Alice pode ser muito inteligente, mas não costuma usar essa inteligência com os propósitos mais inocentes, não é, amor? – Adéle McFusty abaixou-se à frente da filha, sorrindo maliciosamente. – Minha pequena sapequinha.
- Juro que não fui eu, mamãe! – Alice exclamou, parecendo indignada. Lily e Severus viraram-se surpresos ao ver Thea contendo a custo uma gargalhada. – Nós todos fomos pegos de surpresa.
Adéle ainda examinou a filha mais algum tempo antes de virar-se para a outra.
- É verdade, Thea?
A outra enrubesceu e assentiu com a cabeça.
- Liz não causou o brilho.
Lily deu um crédito à gêmea. Ela era bem mais esperta do que aparentava ser.
- Mãe, acho que vi o brilho de novo, olha lá – Thea exclamou, e apontou em uma direção que fez as três mulheres virarem de costas.
Lily, Alice e Severus se entreolharam. A ruiva ajudou Thea a vigiar e distrair as três mulheres enquanto Severus passava a Alice a varinha, que era novamente escondida sob o vestido.
- Não estou vendo nada, anjinho – exclamou Adéle, virando-se uma fração de segundos depois da barra do vestido de Alice voltar ao lugar de antes.
- Vai ver eu me enganei – Thea comentou, deu de ombros e sorriu amarelo.
- Acho melhor vocês ficarem mais próximos a nós – Eileen afirmou, interferindo no desenrolar da conversa pela primeira vez. – É perigoso deixar os quatro sozinhos aqui com alguém soltando fogos.
As outras duas mulheres concordaram, e as três seguiram na frente. Severus e as garotas ficaram para trás, trocando olhares entre si. Alice começou a rir baixinho, sendo seguida por Lily. Thea e Severus apenas trocaram um olhar cúmplice e sorriram para as outras duas.
Estava formado o Clube dos Quatro.
