Capítulo 1 – Silêncio

Remus abriu os olhos devagar, enquanto tateava em buscas das cortinas de sua cama. Só quando conseguiu abri-las foi que notou que ainda não havia amanhecido. Todos os seus companheiros de quarto dormiam profundamente; Peter, encolhido na sua cama, roncava alto. James dormira de óculos, com a cabeça em cima de um livro e Sirius... Este estava na cama ao lado da de Remus, esparramado e com as cortinas escancaradas.

O licantropo saiu do conforto de seus lençóis com um suspiro resignado; sabia que não conseguiria voltar a dormir. Passou então a caminhar pelo dormitório, em busca de algo para fazer até que a manhã chegasse. Ficar olhando os jardins pela janela parecia uma alternativa considerável, apesar de entediante, mas abrir o cortinado e dar de cara com a lua, naquela forma ridiculamente irônica de um sorriso, definitivamente não foi nada animador. No caminho de volta pra sua cama, deu umas cutucadas em Peter para que ele parasse de roncar, tirou os óculos e o livro da cabeça de James, até que chegou na de Sirius. Remus sorriu ao vê-lo dormir tão despreocupado, como se não houvessem problemas que conseguissem lhe tirar o sono, e lhe cobriu melhor com o lençol. O animago se mexeu um pouco e virou de lado, mas não acordou. De volta à sua cama, Remus se recostou nos travesseiros, disposto a conseguir ao menos um cochilo antes de ter que ir pras aulas do dia seguinte...

"Moony... Acorda!"

Alguém lhe sacudia... O mundo foi entrando em foco e a luz ofuscante do sol que entrava pelas janelas fez com que demorasse a perceber quem estava do seu lado. Alguns instantes depois viu que Sirius dava um tapa na orelha de James, que aparentemente estivera lhe sacudindo.

"Acorda as pessoas direito, infeliz!" - reclamava o animago. - "Bom dia, Rem."

Sirius lhe saudou com um sorriso, ajeitando os cabelos meio compridos, quase do mesmo jeito como fazia quando tentava conquistar uma garota. Remus ainda não descobrira se ele fazia isso de propósito ou se era para ele um gesto tão natural que já não percebia em que ocasiões fazia.

"Bom dia, Pad." - respondeu, espreguiçando-se. Dormir sentado tinha deixado seu corpo moído.

"Não conseguiu dormir?"

"Não..."

"Algum motivo em especial?" - Sirius ia perguntando, enquanto mexia no seu malão em busca de uma gravata. Remus apreciava aquela preocupação que o amigo tinha com ele. Ela era tão natural que beirava à inocência. Um sorrisinho espontâneo surgiu no seu rosto antes que respondesse.

"Não, não sei o que foi... Mas esqueça isso, é bobagem." - disse, enquanto encontrava a gravata do outro dentro de um sapato.

"Obrigado..." - ele disse, distraído, enquanto tentava colocá-la no pescoço. - "Então me prometa que vai ter bons sonhos essa noite."

"Vou fazer o possível." - Remus respondeu, deixando o amigo na confusão de descobrir como dar o nó. Vestiu-se em pouco tempo e ele ainda estava tentando ajeitar a gravata. - "Me dá isso aqui."

"Você é incrível, Moony." - Sirius disse, numa voz intencionalmente manhosa, enquanto Remus delicadamente fazia com que ele ficasse apresentável.

"É só um nó, Sirius. Qualquer um pode fazer..." - o outro falou, corando sem querer.

"É, mas eu não consigo." - Padfoot falou, olhando no espelho o resultado da ajuda de Remus, sem perceber o seu rubor.

"Apenas se esforce. Não é impossível." - Remus comentou distraidamente, pegando suas coisas para descer. Porém, quando rumou para a saída do dormitório, Sirius lhe segurou pela cintura e o puxou até si.

"Mais dois segundos e eu vou com você."

Desceram então a escada até a sala comunal, ignorando os gritos de James para que Sirius o esperasse. De lá tiveram que desviar das garotas que perseguiam o animago, até conseguirem passar pelo buraco do retrato.

"Ele está pior do que uma noiva se arrumando. Insuportável." - Sirius falou, já nos corredores. - "Sinceramente, eu não acho que essa Lily esteja fazendo bem a ele."

"Ela vai fazer assim que eles conseguirem trocar duas frases sem se agredirem. Tenha paciência." - Remus comentou, sorrindo diante da indignação de Sirius.

"Não sei, não."

Mal ele terminara a frase, James surgiu sabe-se lá de onde e pulou nas suas costas como um maluco, tentando despentear os cabelos cuidadosamente arrumados do amigo. Remus se limitava a apenas sorrir diante da cena. Apenas um pouco de paciência, e tudo sempre voltava ao normal...

"Você ri? Sabe quanto tempo leva pra ficar assim?" - Sirius protestava, indicando impacientemente os cabelos já devidamente arrumados, na mesa do Salão Principal, contra um Remus que ainda sorria.

O garoto de cabelos dourados nada disse. Mantinha apenas um sorriso discreto e uma estranha certeza de que aquele não seria um dia que precisasse de muitas palavras. Mas Sirius, mesmo que ainda um pouco irritado com James, não deixou de mais uma vez mostrar que, de algum modo, sempre sabia o que estava se passando na cabeça de Remus.

"Porque esse silêncio todo?"

"Tranquilidade, talvez."

"Sei..."

O animago resmungou, pouco convencido, mas não voltou a perguntar. A sineta tocou e centenas de pés saíram preguiçosos do Salão em direção às suas aulas. O quatro marotos ainda se demoraram mais, dando a si mesmos o direito transgressor de decidir se realmente precisavam de aulas.

Peter não podia se dar a esses luxos, então saiu correndo, metendo o que ainda lhe coubesse de comida na boca. Remus colocava sua mochila no ombro, devagar, esperando que os dois últimos garotos, mais altos e mais bonitos, resolvessem o que fazer. Por fim, saíram os três para uma aula de Feitiços.

"Porque você não pode simplesmente admitir que ela não te quer?" - Sirius sussurrava a James, em meio ao barulho que sempre tomava a aula quando os alunos tinham que praticar algum feitiço.

"Mas vai querer! Pára de implicar com ela, Pad."

"Não é implicância..."

Sirius disse a última frase num tom que decididamente lembrava o de uma criança emburrada. Remus sorriu mais uma vez consigo mesmo. Em silêncio. Percebia como o amigo andava incomodado com a paixão de James, com medo de perdê-lo. Bobagem, pensava o lobisomem, pra dois segundos depois admitir que não era tão fácil assim. Sabia como o próprio Sirius ficava quando gostava de alguma garota a ponto de passar mais de duas semanas com ela. Sabia como era absurdo ter uma intrusa no quarteto dos Marotos, uma intrusa particularmente idiota e enjoativa, com seu perfume exageradamente doce e um cérebro menor que uma ervilha. Mas Evans não era uma dessas garotas com quem Sirius costumava andar. Era definitivamente mais humana e consciente. Talvez por isso mesmo odiasse tanto James...

Sirius não deve se preocupar, ele pensou, mas não disse nada. Continuou a observar os amigos conversando, sem a audácia de se envolver. Mais tarde falaria com Sirius, sim. Só os dois. E talvez até dissesse a James para tentar entender o outro, mas só depois. Quando estivessem sozinhos. Sim, falaria com os dois separadamente.

Os dois amigos encerraram o assunto 'Evans'. Combinavam agora de arranjar algumas garrafas de firewhisky para mais tarde. Remus, na mesa de trás, ainda os observava. Nunca teria aquele olhar de cumplicidade que um reservava ao outro. Nem os momentos em que ambos se viravam ao mesmo tempo e sorriam, e, sem dar uma palavra, se olhavam como quem diz 'É, eu sei'. Não, definitivamente ele nunca saberia.

O que Remus sentia nesses momentos era uma certa inveja, que ele sabia que por vezes beirava a um ciúme que não entendia de onde vinha e outras a uma certa alegria por saber que um sempre teria ao outro. Nessa altura de seus pensamentos foi surpreendido pelos dois amigos que se viravam para ele.

"O Mapa tá contigo?" - James perguntou. Remus apenas assentiu com um gesto, tranquilizando o amigo que voltou a rabiscar detalhes de um plano num pedaço pergaminho.

Sirius, porém, ainda o olhava. Suas sobrancelhas levemente unidas denunciavam sua preocupação. Os olhos, verdadeiros mares acinzentados, perguntavam claramente 'Porque esse silêncio?'. Remus sustentou o olhar, sem dar palavra alguma. Não tinha resposta. James puxou o amigo pela manga e ele voltou ao seu lugar.

Remus voltou a praticar o feitiço, sem vontade. Não sabia o que lhe fazia ficar em silêncio. Tinha apenas a vaga impressão de ainda estar dormindo. Não por estar com sono ou cansado, mas apenas por ter acordado e começado a ver as coisas como um sonho, surreal. Talvez estivesse num daqueles momentos em que, de repente, se dava conta de que estava vivo e passava a observar tudo com mais atenção, no seu canto, sem interferir em nada. Não, isso não é bom, pensou. Talvez fosse melhor tomar um pouco mais de atitude.

A sineta tocou. Duas aulas de Transfiguração; não seria um bom momento para falar.

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"Eu sei, eu sei... Aí ele disse que duvidava, então eu o virei de cabeça pra baixo e disse 'E agora?'..."

Sirius ria com vontade da história que James lhe contava. Remus fazia alguns deveres na cama, alheio ao assunto dos amigos e ligeiramente incomodado com o barulho que eles faziam. Peter havia recebido a tarefa de roubar comida na cozinha.

"Ele ainda não voltou... Não está demorando demais?" - Prongs falou, olhando seu relógio.

"Já tá chegando. Olha..." - Sirius tranquilizou-o, mostrando o Mapa do Maroto.

"Eu não acho certo vocês ficarem mandando Peter fazer essas coisas sozinho. Vocês sabem que ele é meio desastrado." - Remus finalmente falou, sem levantar a cabeça dos livros.

"Ah, Rem... Merecemos descanso, não merecemos? Deixe ele fazer o trabalho sujo." - Sirius respondeu, despreocupado. James riu, mas Remus apenas balançou a cabeça em desaprovação e voltou aos seus deveres.

Sirius nunca gostara de Peter. Achava que ele não passava um garotinho chato e incapaz que vivia babando ele e James, mas, depois de um tempo, viu que poderia ser útil, afinal.

Peter entrou no dormitório, arfante, trazendo nos braços um saco que esvaziou na cama de James, que começou a separar os alimentos por tipo. Bolachas, saquinhos de pó que se transformava em pudim com um toque de varinha, garrafas de suco, outras tantas sobremesas e...

"Chocolate, Rem!" - Sirius exclamou, indo na direção de Remus com uma grande barra nas mãos. O garoto fez um grande esforço pra continuar lendo sobre as quimeras, mas quando o animago se sentou ao seu lado não pôde resistir e virou a cabeça, só pra dar uma olhadinha...

"Eu poderia comer tudo sozinho, sabe." - ele continuou, rasgando lentamente o papel que embalava o chocolate, mal contendo um sorrisinho maroto que se formava na sua boca. - "Mas não sou tão ruim... Além do mais, você não me perdoaria, não é?"

Remus ainda se controlava a apenas observar a tortura de Sirius, que agora partia com um estalo um quadradinho da barra e levava à boca, oferecendo o restante a Remus, que não o pegou.

"Não vou comer isso." - ele falou, se odiando por dentro. - "Vocês estão abusando do Peter, só porque sabem que ele faz tudo o que mandam." - acrescentou, baixinho.

"Deixa de ser moralista, Remus! Se ele faz é porque quer! Toma." - Sirius falou, deixando o chocolate ao lado do amigo.

"Não quero isso."

"Problema seu."

E foi embora pra cama de James. Remus ainda estava se decidindo se se sentia culpado ou justo. Não era certo o que faziam com Peter, mas Sirius nunca entenderia isso. Por outro lado, ele sempre se preocupava em trazer (ou mandar trazer) chocolate para Remus. Talvez tivesse sido rude demais...

O garoto olhou para o chocolate ao seu lado. Faltava o quadradinho que Sirius havia comido. Bem que sua consciência o tinha avisado que seria melhor não falar demais...

N.A.: Primeiro capítulo de mais um fic Essa eu espero que realmente fique pequena (3 ou 4 caps.). Ela começou a ser produzida pra um challenge, mas como não vou conseguir cumprir um caso e como sou completamente incapaz de fazer uma oneshot decente, resolvi publicar logo. Reviews para fazer J4M feliz