Disclaimer: Por muito que adore a história e as personagens do anime Shingeki no Kyojin, estas obviamente não me pertencem e todo o crédito vai para a criatividade e talento do Isayama Hajime.


Sou Livre nos teus Braços

Novo proprietário

As sociedades sempre procuram uma forma de discriminar e organizar os seus integrantes, utilizando como base determinadas características que dificilmente os visados poderiam controlar ou alterar. Como por exemplo, ninguém queria nascer num meio económico desfavorável ou com algum tipo de deficiência física, mas as rodas do destino movem-se de forma misteriosa e com elas, surgem condicionantes das quais muitas vezes não é possível escapar.

Poderiam ser enumerados outros aspetos que posicionassem, por exemplo, os ricos e saudáveis no topo da pirâmide hierárquica e empurrassem os menos afortunados para posições menos ou nada prestigiantes.

Nesta sociedade, ainda que a riqueza e saúde possa ter influência na forma como os integrantes são tratados, o importante é a espécie. Isto significa que pertencer à espécie certa podia abrir inúmeras portas repletas de oportunidades de ouro. Por oposição, pertencer ao fundo da pirâmide retirava e limitava os direitos e oportunidades.

Sejam bem-vindos à sociedade que se rege à volta de três espécies: Alfas, Betas e Ómegas.

Os primeiros pertencem à classe de ouro, sendo conhecidos pelo seu poder, influência e vitalidade. São líderes natos, carismáticos que nascem maioritariamente em berços dourados. São, portanto, os mais desejados em toda a sociedade.

Desrespeitá-los era um crime que podia ser punível com a pena de morte.

Se bem que muitas vezes, a justiça não tinha tempo de agir, visto que os Alfas também eram muito influenciados pelas feromonas. Estas que eram definidas por diferentes aromas que permitia ler o estado de espírito, até mais do que a expressão facial poderia dizer.

No entanto, as espécies mais afetadas por estas feromonas eram os Alfas e Ómegas. Os mesmos que também emitiam as feromonas mais diversificadas.

Assim, o olfato era um dos sentidos mais relevantes dado que permitia descodificar e entender qual devia ser o método de proceder em determinadas situações.

Os Alfas cuja autoridade fosse posta em causa ou se sentissem desrespeitados emitiram conforme o seu controlo, feromonas de conflito que acabariam inevitavelmente por influenciar a ferocidade com que o alvo seria atacado, o que poderia resultar na morte do mesmo.

Dependendo do grau de fúria e controlo que o Alfa possuísse, não só o alvo como quem tentasse interferir, poderia acabar gravemente ferido ou pior.

Existiam também Alfas apelidados de "primitivos". Esses cresciam em meios desfavorecidos, quer a nível económico como social, o que fazia com que pertencer a uma classe prestigiante perdesse parte do valor devido a essas condicionantes.

Em resultado desses fatores, enveredavam mais facilmente pela via do crime e consequentemente, terminavam na cadeia. Eram incapazes de controlar o seu comportamento e por isso, não se encaixavam na sociedade e nem mesmo as tentativas de reabilitação produziam bons resultados.

Sendo assim, a solução acabava por ser muitas vezes, abatê-los.

Desta forma, priorizavam os Alfas de classe média ou alta que eram os parceiros mais desejados, com mais oportunidades e educados para exercer controlo e dominância sobre as outras duas espécies.

Na posição intermédia da pirâmide hierárquica encontravam-se os Betas.

Eram os mediadores, a classe mais abundante e que ajudavam a amenizar os Alfas.

Os Betas pertenciam a uma classe caracterizada pela tranquilidade e inteligência. Podiam inclusive alcançar alguns cargos de chefia, mas usualmente eram vistos como o braço direito da classe dominante.

Ótimos conselheiros e a favor de solucionar os conflitos através da via diplomática, raramente recorriam à violência, pois sabiam que estando um Alfa envolvido teriam que estar preparados para as consequências gravosas.

Ocupavam cargos e funções principalmente nas áreas das ciências e cargos públicos.

Podiam relacionar-se entre si, visto que podiam nascer homens ou mulheres, ao contrário dos Alfas que pertenciam exclusivamente ao sexo masculino.

Contudo, alguns Betas eram escolhidos pelos Alfas que os consideravam uma mais-valia, acima de tudo se viessem de uma boa família.

Por fim, na base da pirâmide surgia a classe que menos direitos e liberdade tinha. Aquela em que não pertencer a uma boa família fazia com que fosse tratada literalmente como mercadoria.

Não obstante, essa fosse a realidade conhecida por todos, a sociedade ainda assim procurava dissimular essa veia comercial. Como? Apelidavam-na de bondade e caridade.

Os Ómegas como a classe menos desejada eram muitas vezes abandonados à nascença. A maioria acabava num orfanato que transformaram posteriormente num centro de acolhimento e educação. Era uma ideia dos Betas que tinha sido aprovada e financiada por Alfas influentes.

A propaganda era simples e eficaz. Os Ómegas eram salvos de uma vida miserável nas ruas, recebendo roupas, comida e um teto debaixo do qual podiam viver e assim eram educados desde cedo a servirem as outras duas classes.

Todos os anos organizava-se um evento em que os Alfas deslocavam-se ao centro de acolhimento e educação para selecionar os melhores Ómegas, deixando para trás generosas quantias de dinheiro para, diziam eles, agradecer à instituição pelo trabalho realizado.

Ser acolhido nesse local continuava, ainda assim, a ser melhor do que a alternativa.

Como classe mais frágil, os Ómegas podiam acabar nas mãos de Alfas e Betas que geriam redes de tráfico num mercado negro. Todos sabiam que existia, mas poucos eram os esforços para o combater.

Existiam interesses. Alfas interessados em bordéis subterrâneos, em escravos sexuais, em lutas ilegais onde se assistia como outros da mesma espécie despedaçavam Ómegas num espetáculo sangrento e macabro.

- Comandante Smith, este é um caso muito especial e valioso, mas vou compreender perfeitamente se preferir escolher outro que esteja em exposição. Até porque esses não lhe causarão qualquer problema. - Falava um homem alto, esguio, sem cabelo e um fato formal que seguia na frente do outro homem alto, loiro, boa constituição física, mas em traje militar.

- O General Zackly insistiu que visse de perto este caso, já que em outras ocasiões eduquei Ómegas que infelizmente acabaram nos locais errados. - Respondeu o Comandante. - No entanto, foi-me transmitido que este era um caso muito especial e raro e como tal, seria um presente pelos serviços que tenho prestado. - Notou a dúvida no rosto do homem ligeiramente à sua frente. - Vejo que não concorda.

- É da minha humilde opinião que devia ser recompensado com outro Ómega. Temos exemplares de excelente qualidade e este…

- Eu li o relatório. - Confirmou o homem loiro de olhos azuis determinados. - Um Ómega que entre muitas coisas foi obrigado a lutar com as três espécies, acabando inclusive por ser capaz de matar um Alfa.

- O que por si só, deveria valer a pena de morte, embora eu tenha muitas dúvidas acerca da veracidade desse relatório.

- Confesso que também tenho dúvidas, mas quero muito ver e possuir uma criatura tão fascinante que terei todo o gosto em educar. - Afirmou. - Além disso, terei o meu prodígio para me auxiliar no que for necessário.

O longo corredor acabava diante de uma porta de metal com o nome do oficial responsável por guardar a mais recente adição do local. Por norma, não seria necessário todo aquele cuidado, mas por indicações do General que queria presentear o seu Comandante, exigiu que um dos seus melhores homens guardasse o Ómega. O militar encarregue de tal tarefa saiu pela porta, desafiando a altura impressionante do Comandante que sorriu ao encontrar o amigo. Ambos trocaram um aperto de mão.

- Mike é um prazer encontrar-te novamente.

- Estou a dever-te um jantar, Irvin.

- É verdade. - Concordou o loiro também num tom bem humorado. - Com que então foste tu que encontraste o meu presente. Também achaste que era demasiado problemático para educar e por isso não o reclamaste para ti?

- A vida que levo não me deixa muito tempo para ensinar o que à partida um Ómega já devia saber e além disso, sei bem do teu gosto pelo desafio, por joias raras e por isso, tenho a certeza que será do teu agrado.

- Hum, estou cada vez mais curioso. - Admitiu o Comandante e nesse momento, o outro homem que o tinha conduzido até ao local, aclarou a garganta e sugeriu que entrassem na sala para poderem ver do que estavam a falar.

Depois da porta de metal existia o que parecia ser um pequeno escritório constituído por uma secretária com vários documentos, um telefone, algumas estantes com livros e documentos arquivados, um pequeno cadeirão e mais ao fundo da sala existia uma cela.

Por detrás das grades, nenhum dos homens conseguiu ignorar as feromonas aliciantes de uma figura que tinha os pulsos algemados e uma corrente presa no tornozelo direito.

Estava descalço e vestia somente uma camisola cinzenta demasiado larga que caía por um dos ombros e cujo tecido não ia além do meio das suas coxas.

Escondido pela penumbra do local, não se movia da parede onde estava encostado e recusava-se a reconhecer a presença dos três homens que o observavam. O rosto também se encontrava encoberto pelos fios de cabelo e as ligaduras que cobriam os seus olhos.

Nos ombros, pernas e pés notavam-se alguns ferimentos, mas esses pormenores não distraíam tanto os Alfas, como as feromonas que pairavam pelo ar, mesmo que o emissor das mesmas tentasse controlá-las.

- Aproxima-te para que te possam ver melhor. - Ordenou o único Beta presente e que tinha guiado o Comandante até à cela, onde estavam.

Apesar da ordem direta, o ocupante da cela não se moveu e isso fez com que o homem de cabelos loiros fizesse sinal ao amigo para que abrisse a porta. O outro também com um tom loiro nos cabelos, mas mais alto e com uma barba e bigode ligeiramente aparado, pegou nas chaves e abriu a porta da cela.

Em seguida, entrou com passes firmes e agarrou os cabelos do prisioneiro, forçando-o a desencostar-se da parede e arrojando-o, fez com que caísse de joelhos na frente do Comandante que acabava de entrar.

- É um aroma intoxicante. - Afirmou de cócoras na frente do Ómega que virou o rosto, mas assim que o fez, teve os cabelos presos novamente com tal força que não conseguiu evitar uma queixa de dor. - Típico de quem nunca foi tocado, nem marcado. É um achado incrível.

- Pelo que percebi. - Começou o amigo. - Queriam preservá-lo para conseguir uma boa quantia. Mesmo assim, não deixa de ser notável que o tenham mantido puro, tendo em conta o sítio onde estava. A ganância neste caso funcionou a nosso favor.

- Puro… - Murmurou o Comandante, tocando com a outra mão livre na coxa do Ómega que ao tentar retrair-se, recebeu outro puxão nos cabelos e teria falado, se o outro homem de pé não o tivesse pontapeado na zona das costelas, retirando-lhe o fôlego. - Delicioso… - Continuou a percorrer com a mão o corpo do prisioneiro sem qualquer pudor e em demonstração evidente de luxúria e desejo de possuir. - Mike há alguma razão para que tenha os olhos tapados?

- O General quer surpreender-te com o presente, assim como eu também fiquei surpreso quando o encontrei. - Respondeu. - Sugiro que acabes de abrir o presente em casa.

- Então, vai mesmo aceitar o presente e ignorar os outros Ómegas que temos? - Questionou o Beta.

- Já levei um ótimo Ómega da última vez que cá estive. - Respondeu Irvin ao levantar-se e fazer sinal ao amigo para que preparasse o prisioneiro para sair. - Gosto de joias raras e tenho a certeza que o meu melhor amigo e o General não me vão desapontar. Vou transformar esta relíquia em mais um troféu que todos vão invejar.

Mike retirou a corrente do tornozelo do Ómega, mantendo as algemas e acrescentado uma nova corrente no pescoço, entregando a correia ao amigo.

- Aqui tens. Espero que aproveites bastante o teu presente.

- Obrigado, Mike. - Pegou na correia e deu um pequeno puxão. - Sugiro que me sigas voluntariamente, caso contrário irei arrastar-te, meu anjo. Acredita que não queres isso.

O Ómega conteve mais uma queixa ao receber mais um pequeno puxão e começou a seguir os passos do seu novo proprietário. Devido às ligaduras que lhe cobriam os olhos, apenas podia confiar na sua audição para acompanhar o ecoar dos passos no corredor de piso gélido.

Estimava que tivessem passado poucos dias desde que tinha sido capturado, mas não tinha a certeza, visto que mesmo a hora das refeições não era coerente. O oficial que o guardou nos últimos dias castigou-o várias vezes por atitudes de insubordinação e em consequência disso, perdeu algumas refeições ou direito à higiene pessoal.

Contudo, a chegada do Comandante fez com que nas horas anteriores, tivesse direito a um banho e uma refeição decente, visto que devia estar apresentável.

Já tinha sido propriedade de outros que pagaram ou se mataram entre si e por isso, ouvir como falavam sobre ele como se fosse mercadoria, não o surpreendia. Discutiam características gerais como a altura, peso e aparência, passando pelo historial que o oficial de nome Mike tinha obrigado a contar nos últimos dias e que partilhava com o amigo, depois de ter descartado a presença do Beta.

A cada passo dado, o Ómega questionava-se de que foram e se de facto, alguma coisa iria mudar.

Mike, o seu carcereiro repetiu várias vezes que devia considerar-se alguém com muita sorte por ter agradado o General e acima de tudo, por ser um presente para um dos Comandantes mais prestigiantes.

Ouviu diversas vezes que sentiria na pele o que era o respeito, caso se atrevesse a desobedecer. Nada de novo na sua opinião.

Não obstante, a sua situação inalterável como Ómega, existia apesar de tudo, uma pequena esperança de que houvesse um ponto positivo e que seria: viver na superfície.

Desde pequeno que vivia na apelidada "Cidade das Trevas" localizada no subterrâneo dos três grandes distritos Maria, Rose e Sina. Constantemente aprisionado e mantido em caves, celas e residências trancadas… pela primeira vez, teria a oportunidade de viver na superfície.

Passaria a viver em Rose, o maior distrito e o segundo mais rico, perdendo somente para Sina. Respiraria um ar que não fosse fétido e se removessem as ligaduras dos seus olhos, poderia ver o sol, o azul do céu e uma paisagem que viu poucas vezes, mas que guardava num canto especial das suas memórias.

Será que o Comandante permitiria que tivesse acesso a alguma janela? Ou seria cruel ao ponto de o encerrar mais uma vez numa cave?

O som do trinco de uma porta chamou a sua atenção, sobretudo quando uma brisa límpida e fresca alcançou a sua pele e nariz habituado ao oposto e isso fez com que relaxasse.

Essa atitude fez com que os dois oficiais trocassem olhares.

Mike colocou momentaneamente a mão no ombro do amigo antes de afastar-se.

- Diferente, não é? O ar daqui. - Falou o Comandante que não obtendo resposta, puxou a correia para que o Ómega o seguisse. - Vamos, carro está aqui perto.

O chão debaixo dos seus pés tornou-se áspero e magoava a planta dos pés, mas limitou-se a acompanhar o outro homem. Procurava abstrair-se da dor, focando-se na brisa, nas vozes longínquas, no canto de alguns pássaros e o calor de um sol que brilhava no céu.

- Pára. - Ouviu a voz grave e assim o fez, ouvindo o trinco de outra porta. - Agora entra e senta-te.

O Ómega esticou as mãos algemadas à frente do corpo para tentar perceber onde ia entrar. A ponta dos dedos alcançou um metal frio e uma abertura por onde deduziu que podia e devia passar.

Ergueu um dos pés e com alguma incerteza à mistura, encontrou um pequeno apoio para o ajudar a entrar no que supôs ser o veículo que o levaria.

O Alfa aguardou que se sentasse para depois colocar algo na frente do peito do jovem. Este que presumiu que fosse alguma fita para o manter preso dado que não se encontrava familiarizado com a ideia de cintos de segurança.

Porém, sendo certo que o Alfa não ofereceu ajuda para o colocar no interior do veículo ou fez qualquer comentário acerca do tempo que demorou a acomodar-se, mais uma vez o Ómega notou os toques luxuriosos enquanto colocava o cinto. Esses que o fizeram encolher-se e não dissimular o desagrado.

A consequência dessa expressão não se fez esperar, pois logo os fios de cabelo foram presos entre os dedos grandes e fortes que praticamente empurraram a cara do jovem contra as suas próprias pernas.

O gesto repentino e brusco provocaram mais um choque nas suas costas uma vez que ainda não estava recuperado do tratamento que Mike lhe tinha proporcionado.

- Vamos ter problemas se não apreciares o meu carinho e dedicação. - Avisou o Alfa. - Mantém a cabeça baixa. Vamos deixar para conversar melhor em casa, onde espero que aprendas rápido a seguir os bons exemplos.

Assim que a mão impiedosa largou os seus cabelos endireitou-se ligeiramente, mas manteve a cabeça baixa. Segurou o silêncio consciente de que sempre que falava, o resultado nunca era favorável.

O Comandante sentou-se no lugar do condutor, ligou o motor do veículo e durante o percurso avisou o outro ocupante que já existia outro Ómega em casa e com o qual teria muito que aprender. Falava que esse Ómega seria uma ótima referência que devia seguir, mas que em primeiro lugar iriam conversar apenas os dois.

Tendo em conta, a mão insinuante numa das suas coxas várias vezes durante a viagem, o Ómega começava a ficar preocupado com o que poderia significar ficar a sós com aquele homem que não disfarçava ou escondia as feromonas de desejo.

Quando o carro parou, o frio no estômago aliado ao enjoo provocado pelas feromonas que sentia ao seu lado, fizeram com que não conseguisse evitar emitir feromonas agitadas e receosas. Já não tinha a certeza que valesse a pena sentir o sol e ver o céu azul, se isso significasse deixar aquela Alfa tirar-lhe a única coisa que ainda lhe pertencia. Ponderou em arranjar uma forma de fugir, mas sabia que em Rose e associado a uma personalidade prestigiante, não iria muito longe sem um bom plano.

A porta abriu-se ao seu lado e com a brisa fresca, veio o cheiro a erva fresca que há muito tempo não sentia e o distraiu um pouco à medida que o Alfa retirava o cinto de segurança.

Em seguida, puxou-o pela correia que ainda tinha ao pescoço para que saísse e a força foi tal que quase caiu ao sair.

Cócegas nos pés.

Ruídos de pássaros e cheiro de ervas frescas com comida rodearam-no.

Contudo, no meio daquela diversidade que assaltava os seus sentidos, um aroma em particular causou um arrepio muito estranho por todo o corpo.

Diferente.

Doce e ao mesmo tempo, intenso.

Era um aroma subtil, mas forte a seu ver porque abalou todos os seus sentidos que clamavam pela origem do mesmo.

Arrepiou-se com a intensidade.

Receou a origem pela mesma razão.

Desconhecer do que se tratava deixou-o inquieto, mas mais um puxão na correia, fez com que avançasse rapidamente mais alguns passos.

Então, escutou o som de uma porta abrir-se e desejou poder ficar um pouco mais no exterior para desfrutar do sol que tão poucas vezes ao longo da vida tocou a sua pele.

- Bem-vindo a casa, Comandante! - Era uma voz melodiosa e pertencia a outro Ómega que o recém-chegado não podia ver, devido às ligaduras que ainda lhe cobriam os olhos.

- Sempre tão alegre em me ver. - Comentou o Comandante, aproximando-se do Ómega na porta e passando a mão nos cabelos do mesmo que manteve o sorriso, desviando o olhar para o novo elemento.

- Devo providenciar algo?

- Chá bem quente. - Respondeu o Alfa. - Leva duas chávenas ao meu escritório.

- Com certeza. - Falou o Ómega que logo desapareceu no interior da casa.

Um novo puxão na correia fez com que seguisse os passos para o interior da casa com um soalho forrado pela madeira por onde caminhou, tendo a impressão de ter passado por dois espaços diferentes antes de entrarem numa sala em concreto.

Nesse local, a porta fechou-se e logo foi guiado até sentar-se numa cadeira em que se surpreendeu quando não só a correia do pescoço, mas também as algemas nos pulsos foram retiradas.

- Vamos ver. - Ouviu o Alfa murmurar antes de colocar as mãos sobre as ligaduras que também foram descartadas, mas como estiveram vários dias a vedar a sua visão, demorou algum tempo até que as cores ou formas começassem a fazer sentido. - Belo… simplesmente belo. Nunca tinha visto nada igual. - Dizia o Alfa ao ver que por detrás dos fios negros, havia dois olhos de cores diferentes.

O olho direito exibia uma cor azulada e a íris imediatamente ao lado contrastava com o que seria um céu coberto por nuvens que aguardava uma tempestade.

O Comandante não escondia o seu fascínio pelo que via e o Ómega aproveitava para conhecer as feições do novo proprietário.

Embora não fosse tão alto como Mike, possuía mesmo assim uma estatura impressionante e uma constituição física própria de um Alfa de primeira classe, moldado pela sociedade. Os cabelos loiros e curtos de certo modo destacavam os olhos azuis que o faziam sentir um frio na barriga pelo calculismo, frieza e dominância percetíveis nos mesmos. Porém, as sobrancelhas serviam como o método perfeito para quebrar a atmosfera intimidante.

Ainda com a mão no queixo do Ómega, o homem quebrou novamente o silêncio.

- O meu nome é Irvin Smith. Acho que nos devemos apresentar formalmente, não achas? - A ausência de resposta ou reação do Ómega fez com que aumentasse a pressão sobre o queixo deste último a ponto de espalhar um foco de dor a que o Ómega respondeu com um ar desafiador. O que provou ser um erro visto que a pressão sobre os ossos do queixo aumentou e o jovem teve a certeza que o Alfa não hesitaria em parti-los, apenas para sublinhar a sua dominância. - O teu nome?

Precedida de uma pequena queixa, veio a resposta.

- Levi…

- É um prazer conhecer-te, Levi. - Largou o queixo dele. - Confirma-me a tua idade.

Esse tipo de informação estava no relatório que o Ómega sabia que o outro teria lido, mas aquela era a sua forma de exibir autoridade. Portanto, escolheu não contrariar, pois ainda sentia a dor no maxilar como se fosse estalar a qualquer momento.

- Dezassete.

- Tão jovem. - Comentou, puxando uma cadeira para sentar-se na frente do rapaz. - Na idade certa para mim. Para a forma como faço as coisas. - Afirmou. - O Armin também chegou aqui com a mesma idade. Só o reclamei legalmente quando completou dezoito anos. - Sorriu ao ver o ar confuso do Ómega à sua frente. - Isso mesmo. Pretendo fazer o mesmo contigo. Dar-te tempo para te adaptares e depois entraremos em acordo. Irás assinar um compromisso comigo, algo legal que te fará a minha propriedade para o resto da tua vida. Antes disso, poderás manter-te puro enquanto te habituas à ideia de que a tua sorte mudou.

- E se não me adaptar? - Perguntou num tom de voz monótono.

- Tenho a certeza que isso não irá acontecer.

- Até porque não tenho escolha. - Replicou. - A história de adaptação ou assinar um contrato legal daqui a uns meses não são opções. Já tens tudo decidido por mim.

- Começo a compreender a razão para que o Mike tenha recorrido tantas vezes aos castigos físicos para te ensinar qual é o teu lugar.

Mal essas palavras acabaram de sair da boca do Comandante, este agarrou os fios negros de cabelo mais uma vez e empurrou o rosto do rapaz contra a secretária que havia imediatamente ao lado.

Logo no primeiro impacto, ouviu e sentiu como o nariz se partia ao chocar violentamente com o rosto contra a superfície de madeira. O ar tentava passar pelo sangue que lhe entupia o nariz e isso fez com que as suas mãos arranhassem a madeira, incapaz de esconder a aflição.

- Salvaram-te do lixo e é assim que agradeces? Estou a ser muito bondoso em acolher em minha casa alguém que não passaria de lixo. Quero dar-te uma vida que nunca poderias ter no buraco onde nasceste e é assim que agradeces? - Afastou por breves momentos o rosto do jovem da mesa, apenas o empurrar novamente. - Vais respeitar-me porque a morte nunca será o teu castigo. - Exerceu mais força na mão e viu o desespero cada vez mais maior do Ómega que arranhava a mesa, deixando escapar queixas agoniadas. - O teu castigo será querer morrer e não poder fazê-lo. - Sorriu ao pressentir as feromonas de pânico e submissão.

Soltou os cabelos do Ómega que em dificuldades tossia, tentando regular a respiração com o sangue que escorria abundantemente.

Tremia entre o pânico e a raiva, quando teve os cabelos mais uma vez agarrados, mas desta vez o seu rosto foi puxado contra o do Comandante. Cerrou os lábios, mantendo-se imóvel, mas logo recebeu um golpe nas costelas que o fez queixar-se. Esse foi o espaço necessário para ter uma língua entrar na boca enquanto tentava ignorar as tonturas e náuseas causadas não só pelo sangue e golpes, mas também pelo gosto e feromonas que o Alfa libertava.

Repulsa era o que Ómega sentia ao notar que o Alfa se excitava por ter alguém assim naquele estado à sua mercê.

Provavelmente, não estariam nem há dez minutos naquela sala e o jovem já acreditava que querer morrer não poder, seria sem dúvida o seu maior castigo naquela casa.

Aquela língua invasora finalmente deixou a sua boca que tentava controlar os tremores do corpo.

- Delicioso. - Murmurou. - Mas notei que não gostaste tanto quanto eu…

Antes que a frase pudesse continuar, uma batida na porta ecoou no escritório.

- Podes entrar. - Afirmou o homem de cabelos loiros, deixando os cabelos do rapaz que se deixou cair sobre a cadeira, vendo as gotas de sangue mancharem a longa camisola que levava.

- Com licença, Comandante.

O Ómega que antes os recebeu na entrada, adentrou o escritório com uma bandeja nas mãos. Sobre essa estavam duas chávenas com um bule e um pequeno recipiente que trazia um pouco de adoçante.

- Podes deixar sobre a secretária, Armin. - Falou, limpando o sangue que também tinha no rosto com as costas das mãos.

- Devo trazer mais alguma coisa?

- De momento é tudo. Podes retirar-te até porque a minha conversa com o teu novo companheiro ainda não terminou. - A referência ao companheiro fez os olhos azuis atrás de uns óculos de hastes finas e pretas focarem-se no outro Ómega que tentava parar o sangramento e o olhar curioso não escapou ao Alfa. - Queres alguma coisa, Armin?

Numa rápida troca de olhares entre os dois Ómegas, o jovem de cabelos loiros presos num rabo-de-cavalo, camisa branca de meia manga, calças pretas e chinelos não conseguiu deixar de admirar a particularidade do seu novo companheiro.

- É a primeira vez que vejo alguém com heterocromia.

- Heterocromia? - Repetiu Irvin.

- É uma anomalia genética que leva a que seja possível ter os olhos de cores diferentes. - Explicou. - Já tinha ouvido falar disso em animais domésticos, mas segundo o que li, é muito raro nos humanos. - Baixou ligeiramente o rosto. - Peço desculpa, espero não estar a maçá-lo com isto, mas…

- Eu sei que gostas bastante de aprender coisas novas através dos livros. - Completou. - E nunca serás maçador. - Acariciou o rosto do Ómega que sorriu. - Além disso, também fiquei bastante curioso sobre os olhos dele e já devia imaginar que tu terias uma explicação, mas agora preciso de ficar sozinho com ele, pode ser?

- Com certeza, Comandante. Com licença. - Fez uma pequena reverência e saiu.

- Sabias que essa tua condição genética tinha nome?

O Ómega que mantinha a manga da camisola contra o nariz teve que resistir à vontade de dirigir um olhar incrédulo ao Alfa que pretendia dar seguimento à conversa entre eles, como se nada tivesse acontecido e como se não estivesse a sangrar.

Porém, pretendendo evitar mais algum abuso físico, resolveu responder.

- Não.

- Esperemos que agora estejas mais ciente sobre qual é o teu lugar. - Olhou para as chávenas de onde escapava uma fumaça visível, demonstrando a temperatura do líquido e logo voltou a olhar para o rapaz. - Não quero continuar esta conversa enquanto queimo a tua garganta e essa boca deliciosa.

A forma como falou e como o observava, arrepiou o Ómega que teve a certeza que aquilo não seria apenas uma ameaça, mas uma possibilidade real. Os olhos frios não hesitariam e acabaria a gritar e com queimaduras graves, caso não ponderasse bem as suas palavras e ações.

Outros Alfas limitaram-se a bater-lhe e fraturar ossos, mas este assustava-o porque demonstrava gostar de torturar. Não seriam os golpes que teria que esperar que terminassem. Desta vez, temia que aquele Alfa o quebrasse por completo, além do físico, mas também mentalmente.

- A partir de agora, sempre que me responderes, será com um "sim, senhor" ou "não, senhor". É esse o título que quero que uses, entendido?

- Sim, senhor. - Falou com a voz um pouco abafada pela manga que mantinha na frente do nariz e boca.

- Ótimo, soa perfeito. - Sorriu. - Os detalhes e tudo o que terás que saber sobre o que pretendo que faças em casa, serão transmitidos pelo Armin. Contudo, ao contrário dele, não estás autorizado a abandonar o perímetro da casa, ou seja, ultrapassar o portão é proibido.

Essa informação chamou a atenção do Ómega que se questionava se teria entendido bem.

Mesmo que não pudesse atravessar o portão, continuava a poder ir até ao jardim? Poderia andar pela casa e terreno correspondente? Não o ia aprisionar em casa?

O Alfa sorriu ao notar o ar surpreso do Ómega.

- Isso mesmo, meu anjo. Se seguires à risca os conselhos do meu Armin e respeitares as minhas regras terás direito a pequenas liberdades e recompensas. - Disse calmamente. - Vou enumerar algumas regras e outras irás aprender com o Armin. Se no fim da nossa conversa, concluir que apenas começamos com o pé errado, poderás aproveitar desde já algumas regalias.


Espero que tenham gostado do capítulo e até ao próximo!