Beijo Sangrento
Disclaimer: Os personagens pertencem a Matsuri Hino, assim como a história original.
Prólogo
Música: "I'm So Sick" - Flyleaf
Quando aquele sangue quente escorreu manchando minha pele clara, elevei os olhos e o espelho mostrou um homem que perdia sua vida aos poucos, enquanto transparecia sua palidez.
"Eu estou tão doente, infectado com
o lugar que eu vivo
Me deixe viver sem esta
felicidade vazia, egoísmo
Eu estou tão doente
Eu estou tão doente"
A mente que processava aquele reflexo me acusava de ser alucinado, cai em delírio.
"Eu destruirei seus pensamentos
Com o que está escrito em meu coração
Eu destruirei...Destruirei!"
A razão desafiou o coração para um duelo e me fez perceber o caminho que eu estava traçando para a vida eterna, caminho de maldição. Mas o desejo destruidor me cegava, deixando claro o vencedor da disputa sangrenta desencadeada em meu interior. A queimação que passeava pelas minhas veias pulsando-as contra minha carne fria, o sentimento de dor mais excitante que já experimentei. Seus caninos que penetravam sugando minha vitalidade, o contato mais íntimo que você me permitiu desfrutar, uma punição?
"Você se afunda em minhas roupas
Esta invasão me faz sentir
Sem valor, sem esperança, doente"
Vi em mim o maior dos lunáticos por sentir que aquela era sua maior prova de amor, ou seria simples egoísmo? Os seus beijos cheios de veneno... Um veneno raro que percorreu meu corpo despertando o instinto mais desumano, sede. Você me queria, e não importava se eu estava sendo puxado para o fundo do poço ou se minha vida era tomada, me obrigando a presenciar a morte dos que eu mais amo, sem notar o mínimo traço de velhice, era o seu desejo.
"Ouça! Eu estou gritando!
Agora você está prestando atenção
Ouça! Eu estou gritando!
Você treme com este som"
A sua proposta cordial me soou cínica, a verdade é que você não aceitaria um "não" como resposta e no fundo do meu consciente mais excêntrico, o seu egocentrismo doentio provocou esse maldito sentimento exorbitante...
"Se você quiser mais disto
Nós podemos levar embora, liquidar, matar
Então você se calará
E ficará dormindo
Com meu grito irritando os seus ouvidos"
Você me quer? Você vai me ter... Eternamente...
Capítulo I - Silêncio...
Luz. Senti os raios solares invadirem o dormitório. A visão negra tornou-se avermelhada, enquanto arrisquei abrir os olhos expondo-os a claridade repentina. Levantei preguiçoso, me preparando mentalmente para dar início a minha rotina diária. Meu irmão ainda dormia desconjuntado, como se houvesse lutado contra seus sonhos à noite. Silencioso, lavei o rosto para remover os traços de sonolência e troquei minhas roupas, vestindo apenas um conjunto escuro de bermuda e regata, não queria ser incomodado pelo calor matutino. Calcei meus tênis de corrida e sai do quarto.
Os corredores estavam vazios, acreditava ser o único ali que possuía o hábito absurdo de acordar cedo, particularmente, não gostava de despertar com o canto dos pássaros, mas aquele horário era tão calmo, que chegava a sentir um pouco de paz de espírito, diferente das tardes ruidosas que costumava suportar. Infelizmente, de uns dias para cá, essa paz estava se dispersando, ao meu ver ainda continuava sozinho, mas uma sensação descomunal me perseguia, me sentia... Observado.
Quando coloquei os pés na rua, notei que a mesma também estava deserta. Liguei uma música qualquer no celular, apenas para me distrair daquele sentimento perturbado e comecei minha corrida matinal. O sol ameaçava me fritar como um frango temperado, meus amigos ainda me achavam esquisito por dizer que o inverno era minha estação de maior preferência, porém uma vez ou outra um vento frio surgia vindo do nada. Hoje foi o dia que minha mente escolheu para me pregar peças sem graça, às vezes ouvia passos cautelosos e minha sombra parecia estar acompanhada, comecei a levantar a hipótese de que eu sofria ligeiros problemas mentais. Notei um grande portão cinza e enferrujado aberto, o cemitério costumava estar trancado a essa hora. Em frente a ele, parei por um momento de correr e passei os olhos verificando se havia algum movimento, nada nem ninguém, estava completamente vazio. Confuso, pensei em entrar, talvez para visitá-los, eu nunca soube o que realmente aconteceu, tudo era tão vago pra mim, mas de algum modo eu preferia evitar isso. Um súbito aperto do peito me paralisou, os sentimentos em turbilhão pareciam estar expulsando a alma do meu corpo. Um ruído. Virei-me bruscamente e me deparei com belas pétalas lilases desprendendo-se de uma árvore, consideravelmente, grande, como se alguém a pouco estivesse sobre ela, um dos galhos ainda balançavam. Tentei ignorar, apesar de não me recordar da existência daquela árvore de rosas lilases, que provocou em mim grande melancolia, ao mesmo tempo em que seu perfume me fascinava. Segui meu caminho desconsertado.
Atravessei a porta de vidro e presenciei outro estabelecimento vazio, acenei simpático para o único homem do local, que se encontrava atrás de um balcão, ele parecia entretido no que fazia, agradeci mentalmente por não precisar começar uma conversa desagradável por simples educação. Fui até meu armário para guardar o celular. Dei início ao meu alongamento e segui para os exercícios que eram propostos na minha ficha, fiz algumas séries com os halteres, logo depois sentei em frente ao grande espelho e levantei a barra. Enquanto exercitava os ombros um vulto preencheu o espelho seguido do mesmo vento frio de antes, soltei a barra descuidado sentindo uma forte dor nas costas, olhei para trás e não havia nada, mais uma vez estava sofrendo alucinações. A dor era gritante, parecia ter deslocado algo, desisti de cumprir as séries de exercícios e segui até meu armário para buscar o celular. Nele havia um número discado... Desconhecido. Senti um arrepio, quem teria bisbilhotado em meu celular? Não havia ninguém ali, fitei o rapaz atrás do balcão, ele ainda parecia distraído. Completei a ligação, curioso, fui atendido de imediato, mas ninguém me respondeu, tudo que podia ouvir era uma respiração ofegante, desliguei. Cambaleei até o banheiro, sem poder controlar as batidas descompassadas do coração. Ridículo! Joguei água gelada em meu rosto, talvez aquilo me acordasse, pois estava começando a me sentir desnorteado...
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Quando adentrei o quarto notei que meu irmão já havia acordado e o mesmo começou a me encarar com uma expressão preocupada:
– Você está bem? Parece pálido.
Pensei não ser necessário compartilhar minha perturbação com ele, provavelmente, era apenas loucura da minha cabeça:
– Estou com fome.
Menti, ou talvez não. Realmente estava com um pouco de fome, mas não era esse o motivo da minha palidez. Ichiru não é do tipo insistente, assim como eu, é desinteressado e indiferente em relação às outras pessoas. Ok! Admito, eu sou muito pior.
Depois de me banhar e vestir o uniforme, peguei meu material e esperei Ichiru por um minuto para descermos juntos e tomar café no refeitório. Literalmente engoli as torradas, quase me engasgando com o suco, com o pretexto de passar na biblioteca.
E foi o que fiz, deixei meu irmão tomar seu café da manhã calmo como sempre e segui para o outro local que me fazia sentir paz, talvez pelo silêncio... Ah! O silêncio... Sem dúvidas o melhor modo de pensar e colocar as idéias no lugar. Fiquei sentado por um momento, desfrutando daquele ambiente agradável, enquanto lia um dos muitos livros que me ajudavam a encarar a realidade tão irritante. O grande relógio, que oferecia uma aparência medieval à biblioteca, me acusou severo de estar atrasado. Não queria abandonar aquela satisfação, me sentia relaxado e com certeza esse sentimento evaporaria assim que colocasse o primeiro pé na sala de aula.
Calado, adentrei a sala barulhenta, como pensei, a satisfação sumiu, meus ombros pesaram e a dor nas costas voltou a me incomodar. Como de costume me acomodei em uma das cadeiras no centro da sala, organizando meu caderno e meus livros sobre a mesa. As vozes paralelas estavam me irritando, parecia impossível ouvir meus próprios pensamentos. Sorria forçado para alguns alunos e, principalmente, alunas que a todo o momento surgiam do nada para me cumprimentar. Tentava ignorar os suspiros que as garotas dirigiam a mim todas as vezes que eu passava a mão por meus cabelos prateados. A minha costumeira expressão de poucos amigos não parecia intimidá-las. Já podia sentir as pontadas de impaciência em meu cérebro. Aquele maldito professor estava, novamente, atrasado. A espera parecia ser um teste de sobrevivência. Levantei os olhos e notei que a vítima dos meus xingamentos particulares entrara na sala sorridente:
– Olá! Sentiram minha falta? – Fez-se de inocente, desgraçado, poderia ao menos se desculpar pelo atraso. – Tenho uma novidade, sei que não é comum a essa época do ano, mas por motivos especiais temos uma aluna nova. – Apontou para o fundo da sala, sendo seguido por vários olhares curiosos, permaneci sem interesse. – Yuuki Kuran.
Uma estranha palpitação ardeu em meu peito, às folhas soltas sobre minha mesa voaram e caíram no chão, olhei ao redor, as janelas estavam fechadas, não havia vento, dei de ombros e me inclinei para o lado. Notei a atenção exagerada que era dispensada sobre a novata, fiquei tentado a espiar. A fitei por cima do ombro esquerdo disfarçadamente, ela ainda estava de pé. Senti um estalo ao vê-la cravar seus olhos em mim descaradamente, ruborizei, ela sorriu com malícia ao ver meu semblante em vermelhidão, o que me causou um frio no estômago, me senti enfeitiçado. Recobrei a consciência desviando o olhar e atentando para o professor Kaien, que parecia distraído com o interesse que a nova aluna despertou em todos os presentes. Pisquei os olhos com força algumas vezes, o que havia acontecido? Como pude ser tão ridículo? Mostrei-me tímido e vulnerável diante daquela desconhecida. Meus sentimentos eram presos por muros de titânio reforçado, ainda não era nascido alguém que pudesse me fazer expressá-los. Mas aquela garota... De certo modo, abriu uma pequena fresta...
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Estava sendo acompanhado por meus dois melhores amigos enquanto almoçava, a personalidade semelhante era notável, a mesa mais silenciosa do refeitório. Vez ou outra trocavam sentenças rápidas, provando que sentimentos não precisam ser expressos por palavras. O tom de voz baixo e calmo deles me confortava, quase me faziam esquecer do estardalhaço que ocorria ao meu redor, por que as pessoas se comunicavam falando?
– Você quer?
Rima roubou minha atenção, por um momento, do livro que eu apreciava, levantei os olhos e vi a garota aproximar um chocolate da boca de Shiki, que remexia distraído uma madeixa de seus cabelos alaranjados presos em marias-chiquinhas. Assim como ela, não perdia o característico olhar desinteressado. Sorri de canto, gostaria de entender o que se passava entre aqueles dois:
– Hum... – Shiki pronunciou sua resposta costumeira, separando os lábios para aceitar o chocolate oferecido.
Minha distração foi interrompida pelo celular que começou a vibrar em um de meus bolsos, retirei o mesmo para checar. Uma mensagem:
"Eu quero você!".
Estalo. Aquele mesmo número de antes. O coração disparou, as mãos trêmulas dificultando minha vontade de apagar aquela mensagem o mais rápido possível. Isso só podia ser brincadeira.
– É ela.
Mais uma vez Rima roubou minha atenção e não só a minha. O típico olhar desinteressado do casal foi tomado por fúria. Pude ver Shiki apertar os punhos com violência, quase machucando a si próprio. Fitei a causadora de tanto ódio que acabara de adentrar ao refeitório:
– Há algo errado com a novata? – Perguntei inocente, mas senti-me invadido por um presságio ruim.
– Não. Apenas fique longe dela.
Percebi Shiki forçar uma expressão indiferente, mas o estrago já estava feito, a curiosidade cravada em minha mente não se desprenderia facilmente. Meu irmão se aproximou animado, comentando sobre a garota que se encontrava rodeada de pessoas, principalmente, homens. Rima bufou ameaçando se levantar, quando teve sua mão segurada por Shiki. Eu presenciava toda aquela cena sem entender, mas de algo eu tinha certeza, aquela garota maldita estava acabando com meu querido silêncio...
