NOTA: Eu não criei Deltora Quest nem nenhum de seus personagens. Eles pertencem a Emily Rodda. Também não criei a música que acompanha esta fic; ela é uma tradução livre de "Father and Daughter", de Paul Simon.
Esta é minha primeira fanfic que torno pública. Foi escrita há algum tempo e espero que gostem. Songfic, oneshot.
A noite nas Florestas do Silêncio era assustadora. Dezenas de rugidos, passas e os sons das criaturas se arrastando subiam pela escuridão e chegavam a casa na árvore. E em noites de tempestade como aquela as coisas eram ainda piores. Jarred não podia culpar a filha de quatro anos por estar chorando. Com um gesto para que a esposa voltasse a dormir, ele se levantou e foi com cuidado até o quarto da menina. Jasmine estava encolhida sob o cobertor, soluçando. Quando viu o pai, tentou disfarçar as lágrimas, o que fez Jarred sorrir.
_O que houve, pequenina?_ perguntou carinhosamente, agachando-se ao lado da filha.
_ São as criaturas da noite, papai. As árvores estão dizendo que elas estão muito agitadas por causa da chuva.
Por mais improvável que fosse Jarred já começava a acreditar que sua filha realmente estava aprendendo a falar com as árvores. Ele a via conversar com elas por horas e depois aparecer com histórias que simplesmente não podia ter descoberto ou inventado sozinha. Soltou um suspiro e perguntou:
_E você está com medo?
A princípio Jasmine não respondeu, mas como o pai continuava a fitá-la, acabou assentindo. Jarred pegou-a no colo e começou a embalá-la devagarzinho.
_Está tudo bem, filha. Eu estou aqui e não vou deixar nada te fazer mal.
Com as pálpebras quase fechadas, a menina ainda perguntou:
_Você nunca vai me deixar sozinha, papai?
_Nunca, querida, nunca.
"Eu vou assistir você brilhar
Vou assistir você crescer
Vou pintar um sinal
Então você sempre vai saber
Tão certo como um e um é dois
Que nunca poderá haver um pai
Que ame sua filha mais do que eu amo você"
E as coisas teriam sido assim. Até que veio aquele dia...
Quase 13 anos depois...
... O fogo, cada vez maior, consumia a casa na árvore. Ao longe ainda se ouviam as gargalhadas dos Guardas Cinzentos. Ela continuou escondida entre os arbustos, esperando. Por que eles não voltavam? E ela esperava, esperava, esperava...
Jasmine acordou com um pulo, os olhos cheios de lágrimas. Olhou para os lados, esperando por um momento ver as árvores da floresta e a casa em chamas. Mas ela estava em seu quarto no palácio, tremendo sob as cobertas macias. "Aquele pesadelo de novo", pensou. "Sempre o mesmo".
"Se você acordar de um salto no espelho de um sonho ruim
E por uma fração de segundo não conseguir se lembrar onde está"
Sem perceber, devia estar soluçando alto o suficiente para ser ouvida do corredor, pois foi interrompida por batidas na porta, seguidas pela voz de Perdição.
_Jasmine? Posso entrar? Está tudo bem?
_Tudo bem, pode entrar, Perdição. _ respondeu enxugando as lágrimas.
Ele entrou no quarto e fitou-a com a expressão preocupada.
_O que houve?
_Não foi nada, só tive um pesadelo._ falou num tom que pretendia ser casual.
O homem sorriu. Era óbvio que ela estivera chorando. Nunca dava o braço a torcer. Hesitou um momento, pensando se devia fazer o que passara por sua cabeça. "Oras, ela é minha filha afinal de contas.", pensou. Aproximou-se e, sentando na beirada da cama, abraçou-a.
"Apenas abra sua janela e siga sua memória
Para o prado na montanha onde nós contamos todas as estrelas cadentes"
A surpresa de Jasmine foi tão grande que por um momento a moça ficou sem reação. Dizer somente que Predição não era do tipo que demonstra afeto e distribui abraços seria um eufemismo exagerado. "Mas ele é meu pai, apesar de tudo", pensou ela. Lentamente abraçou-o também, apoiou a cabeça sobre seu ombro e deixou as lágrimas escorrerem pelo rosto.
_Não quer falar sobre o sonho?_ ouviu o pai perguntar.
_Foi... com o dia em que os Guardas Cinzentos levaram você e a mamãe. _ respondeu após breve hesitação.
Perdição estremeceu. Mesmo depois de tudo o que vivera nada o incomodava tanto como a lembrança de como sua família fora destruída. E Jasmine era só uma criança na época. Ele mal conseguia imaginar o quanto aquilo devia ter sido traumático para ela.
A moça soluçou e deixou as palavras escaparem:
_Será que esses sonhos nunca vão ir embora? Nem agora que Deltora está livre? Vou ter que viver com eles para sempre?
Perdição apertou ainda mais o abraço.
_Talvez. Há coisas que nos deixam marcas profundas demais para serem esquecidas. Pode ter certeza que sei do que estou falando. _ Sorriu amargamente e acrescentou _Mas você é corajosa o suficiente para enfrentar isso.
"Eu acredito que a luz que brilha em você brilhará em você para sempre
E embora eu não possa garantir que não há nada assustador escondido embaixo da sua cama"
Jasmine parou de chorar e soltou o abraço, enxugando as lágrimas. Sabia que o pai tinha razão e que, ainda que fossem um tanto frias, aquelas palavras eram seu estranho modo de demonstrar carinho.
_Está melhor? Ótimo! _ exclamou ele quando a moça assentiu _Então agora faremos como quando você era pequena._ E diante do olhar confuso dela, levantou-se, puxou uma cadeira e sentou-se ao lado da cama. _Vou ficar aqui até você dormir de novo.
"Eu vou ficar de guarda como um cartão postal de um Golden Retriever
E nunca partir até deixar você com um doce sonho em sua cabeça."
_Você não precisa... _começou ela zangada.
_Prefere ficar sozinha com suas lembranças?
Jasmine não soube o que responder. Perdição sabia do que estava falando. Com um suspiro, deitou-se e acomodou-se para dormir. Levou alguns minutos até ela quebrar o silêncio, a voz num tom suave:
_Obrigada, pai. Boa noite.
Perdição sorriu.
_De nada, filha. Boa noite.
Ela virou-se na cama e ela continuou a observá-la no escuro. Sua filha, sua menininha, já era uma mulher afinal de contas. Agora ela era a heroína que ajudara a libertar Deltora, estava noiva de Lief, o melhor marido que poderia ter desejado para ela, e prestes a se tornar rainha da terra pela qual tanto havia lutado. Mas ele não a tinha visto crescer e o pouco tempo que haviam passado juntos, não tinham vivido exatamente como pai e filha. "Talvez não seja tão tarde para recuperar isso", pensou.
"Eu vou assistir você brilhar
Vou assistir você crescer"
Entretanto, nem bem esse pensamento lhe passou pela cabeça, e Perdição percebeu que não havia nada a recuperar. Se tantas coisas não tinham sido ditas entre eles era porque não eram necessárias.
"Vou pintar um sinal
Então você sempre vai saber
Tão certo como um e um é dois"
Percebeu que por trás de toda aquela ausência e daquela estranha relação que mantinham, eles sabiam que se amavam, sabiam o quanto eram importantes um para o outro. E isso era suficiente.
"Que nunca poderá haver um pai
Que ame sua filha mais do que eu amo você"
Com um pequeno sobressalto despertou de seu devaneio e se deu conta de que Jasmine já estava dormindo. Levantou-se da cadeira e, surpreso consigo mesmo, beijou a filha na testa.
"Confie na sua intuição
È exatamente como ir pescar
Você joga sua linha e torce para haver uma fisgada"
Encaminhou-se para a porta. Ela ia se sair bem. Com ou sem ele. Já havia se virado muito bem até ali. Sozinha. Exatamente como ele. Sua filha seria uma grande mulher. Uma grande rainha.
"Mas você não precisa gastar seu tempo
Preocupando-se com o lugar do mercado
Tente ajudar a raça humana
Lutando para sobreviver a sua mais dura noite"
Antes de fechar a porta, olhou mais uma vez a moça adormecida e murmurou:
_Boa noite, pequenina.
