Capítulo um: Sem necessidade para o país das maravilhas

Nada parecia certo. Nem em um milhão de anos aquilo estaria certo. Era um sonho, uma alucinação, uma ilusão, qualquer coisa menos a realidade.

Ela sentiu a mente rodopiar. O homem continuava falando algo, outro homem apareceu, também falava, os gêmeos levantaram, até que tudo escureceu e silenciou.

Estava sentada nas pedras, no costão rochoso de uma praia. Os primeiros raios de sol haviam aparecido, e iluminavam seus cabelos negros. Bianca olhava o mar, pensativa. Havia ficado a noite toda ali, pensando. Deitou sobre as pedras frias, enquanto olhava o céu azul escurecido se misturando com o alaranjado do amanhecer. Suas pálpebras começaram a pesar, olhava os pássaros no céu e tentava imaginar como seria voar. Abriu os braços na pedra e fechou os olhos, saboreando a sua imaginação.

- O que ela tem irmão? – uma voz ao longe indagou, parecia estar rindo.

- Não sei. – respondeu uma voz igual, também naquele tom de deboche. – Estrangeiros são estranhos assim. Não há como entendê-los, irmão.

Bianca, escutando as vozes, que pareciam tão distantes, abriu os olhos, envergonhada de sua situação: deitada nas pedras, de braços abertos e sorrindo daquele jeito. "Vão achar que eu sou algum tipo de maluca.".Endireitou-se e olhou na direção de onde vinham as vozes.

Havia dois garotos, pareciam novos, e eram idênticos. "Gêmeos...?" Bianca encarou-os pensativa. Ambos tinham os cabelos escuros e curtos, porém o garoto com olhos azuis trajava roupas e boina azuis e o de olhos vermelhos, roupas e boina vermelha. Roupas estranhas para alguém ir dar um passeio na praia.

-Olá? – Bianca se dirigiu aos meninos, enquanto ambos pareciam entretidos rindo e conversando alguma coisa sobre um aumento. – Vocês estão precisando de algo? – Estava começando a se sentir incomodada pelo jeito que apontavam para ela. Ambos pararam e olharam para a garota. A garota se assustou com aquele repentino interesse nela. "Que pessoas estranhas, acho que vou embora.". Ela levantou devagar, botou suas sapatilhas douradas, deu um meio sorriso para os dois e virou as costas, pronta para descer das pedras.

- Você não vai a lugar nenhum, onee-san!

- Não vai ser divertido se você for embora, onee-san!

Os dois seguraram seus pulsos e um deles apontava um machado em sua garganta. Ela congelou. – Q-QUEM SÃO VOCÊS? Eu não tenho nada de valor comigo! – A garota falou assustada. Os dois a olhavam sorrindo. Ela podia jurar que não tinha visto nada com eles, principalmente aquele machado gigante.

- Você parece divertida, onee-san! Acho que o chefe vai ficar feliz! – Falando isso, o garoto de azul a jogou sobre os ombros e começou a andar pelas pedras.

-Sim, irmão!

Os dois continuaram andando, ignorando todas as perguntas da garota e suas tentativas, fúteis, de fuga. Afinal a garota era só um pouco mais alta que eles e com certeza perdia em massa muscular. Chegaram a uma piscina natural, formada entre as pedras do costão, ambos olhavam fixamente para o local, que era bastante abaixo da pedra em que estavam.

- Ali está a porta, irmão! – exclamou o garoto de vermelho. No meio da piscina, olhando através da água clara e límpida, tinha um buraco no chão. O buraco era grande o suficiente para duas pessoas passarem, e Bianca conseguia ver o que parecia uma luz vinda de dentro.

- Então vamos indo, irmão! – Dizendo isto, o garoto de vermelho pulou na água, sumindo através do buraco. Bianca imaginava o que eles queriam fazer, porém se recusava a acreditar. – Você vai pular certo? – perguntou sem esperanças que a resposta fosse não.

- Claro onee-san! Segure-se! – E ele pulou, com uma Bianca, gritando apavorada, nas costas. Ela sentiu a água batendo em sua cara, havia esquecido-se de prender a respiração, estava ficando sem ar. Debatia-se tentando escapar, porém o garoto só aumentou a força com que a segurava. De repente, não sentiu mais a água. Estavam... caindo! Abriu os olhos e viu que os três caíam e de um lado da parede estava uma pequena cachoeira. Outra coisa chamou sua atenção, as paredes eram claras, pareciam feitas de névoa e várias outras coisas caiam também, como: mesas, cadeiras, bules, xícaras e diversos outros itens, inclusive, um piano, onde ela tentou segurar-se, sem sucesso. Porém, olhando para o lado, viu que os dois garotos estavam se divertindo.

Depois de um momento, que pareceu horas, ela conseguiu enxergar o fundo, o que não era reconfortante. Fechou os olhos.

THUMP!

Os três caíram em cima de uma árvore, grande e densa. O garoto de vermelho a ajudou a descer, o que ela aceitou relutante.

- Onde estamos? – Bianca perguntou, apesar de não ter esperanças em receber respostas. Estavam na frente de um grande portão de ferro, que pertencia a uma grande mansão branca, com jardins imensos.

- É onde vivemos! Junto com o chefe e a lebre estúpida, não é irmão?

- Sim, irmão. Vamos entrar, vamos onee-san!

- Err...Chefe? Lebre?

- Oi pessoal! O que vocês estão fazendo aqui na torre! – Uma voz alegre veio de algum lugar das costas deles. Os dois garotos se viraram rapidamente, zangados. Bianca suspirou e virou devagar. Havia um homem lá, com um largo sorriso. Seu cabelos castanhos e curtos brilhavam ao sol, usava um pesado sobretudo vermelho, calças compridas pretas, sapatos pretos e um tipo de blusa preta de gola alta.

- Aqui é a mansão do Chapeleiro, seu idiota perdido! – vociferou o garoto de vermelho, apontando o machado para ele. O homem não pareceu se importar, continuou sorrindo.

- Então eu me perdi de novo, há há há há! – Coçou a cabeça e ficou rindo, enquanto os gêmeos gritavam um "ÓBVIO!" em uníssono. Seus olhos avermelhados viraram para Bianca, com um brilho de interesse. – Olá garota! Meu nome é Ace! – ele veio na direção dela, pegou sua mão e começou a cumprimentá-la.

- O-olá! – respondeu Bianca, incerta com a situação. – Meu nome é Bianca...Bianca Austen.

- Bianca...você é uma estrangeira? – Ace perguntou sorrindo, mas como a garota somente a olhou confusa, ele voltou a pergunta para os gêmeos. – Ela é uma estrangeira?

- O que isso importa! – falou o gêmeo de azul. – Você vai morrer! – E investiu com o machado, direto no pescoço de Ace. Bianca deu um grito, assustada e correu para trás da árvore em que haviam caído.

Ace se defendeu com a espada que carregava na cintura. O gêmeo de vermelho o atacou com um machado também, os três ficaram lutando: os garotos amaldiçoando Ace, e o homem rindo e provocando-os. Bianca olhou sobre as árvores e avistou uma torre, ao longe. Enquanto ponderava se sair correndo para a construção era boa ideia ou não, percebeu um homem vindo até o portão. Era alto, tinha cabelos pretos e compridos até os ombros, usava um terno creme, com colete da mesma cor. No terno havia detalhes de naipes do baralho e na cabeça usava uma cartola, preta, com os mesmos naipes, e rosas. Quando o perceberam, os três pararam a luta.

- O que é essa confusão na frente da minha mansão? – o homem perguntou para eles, com um tom de voz amigável, porém firme. Seus olhos pararam em Bianca, a garota desviou o olhar. – Ah, vocês a trouxeram, muito bem. Dificilmente os vejo fazendo o trabalho que eu mando. – Ele apontou a bengala que estava em sua mão para os gêmeos. Ambos sorriram, e foram até a garota. Pegaram suas mãos e a levaram para perto do homem de cartola.

- Achamos a estrangeira! Ela é divertida! Apesar de parecer meio magrela...

- Sim...tenho a impressão que ela vai quebrar a qualquer momento, irmão!

"Ei...o que..." - a garota pensou com raiva, sentia o canto de sua boca tremer.

- Entendo. – o homem pegou a mão de Bianca, e abaixou até seus olhos ficarem no nível dos dela. – Meu nome é Blood Dupre, sou o chefe da Família Hatter e dono dessa mansão.

- Meu nome é Bianca Austen. – a garota respondeu insegura. – Família? Vocês são parentes ou...- o homem apenas sorriu para ela, um sorriso sem emoção e sinistro que a fez sentir um arrepio bem no meio das costas. "Acho que não é o tipo de família que estou pensando."

- Mas algo aconteceu com Alice? – Ace perguntou. – E como e por que trouxeram outra estrangeira para cá?

"Outra? Alice?"

- Nada aconteceu com a jovem senhorita Alice. – Blood falou, naquele tom suave e ameaçador. - Recebemos um pedido de Nightmare querendo que trouxéssemos duas estrangeiras para cá...mandei esses dois e Elliot...ele ainda não voltou. Mas pelo o que eu entendi, serão quatro garotas trazidas.

- Quatro? Não são pessoas demais? – Ace indagou, surpreso.

- Também achei, mas ele disse que era o necessário para o evento. Não me olhe assim, não faço ideia do que ele está falando. Você o conhece, nunca responde nada diretamente. – O chefe da Família Hatter suspirou e massageou as têmporas. Bianca criou coragem, engoliu em seco e perguntou:

- Algum de vocês poderia me dizer onde eu estou?

Todos olharam para ela por um momento. Ela corou e abaixou os olhos castanhos-claros para a grama. Os gêmeos e Ace vieram rapidamente em sua direção, todos falando ao mesmo tempo.

- Parem com isso! – Blood ordenou. Todos pararam e viraram-se. Bianca suspirou aliviada. – Venha conosco para a mansão, senhorita. Posso tentar explicar o que sei. – Virou-se para Ace, que continuava segurando as mãos de Bianca. – Você, Cavaleiro de Copas, devia voltar para o seu castelo, ou seja lá aonde você esteja indo!

Ace deslizou as mãos pelo cabelo e olhou para a torre. – Então já vou indo! Tenho que falar com Julius. Nos vemos por aí, Bianca! – E acenou para a garota, enquanto entrava pela floresta, indo na direção totalmente oposta a da torre.

- Ei! Mffff...! – Bianca ia avisá-lo, mas Blood tampou sua boca. Em seu ouvido, o homem sussurrou: - Deixe-o ficar perdido.

A garota somente acenou com a cabeça, concordando. Ele esperou Ace desaparecer de vista e a soltou. Ele sorriu e foi a frente, Dee e Dum puxavam Bianca pelas mãos e assim foram todos entrando na mansão da Família Hatter.