Observava cansada a mãe lhe dar mais um sermão por ter chamado suas amigas "estranhas" mais uma vez para casa, desligara a voz enjoativa de sua mente fazia muito tempo, apenas a mãe não percebera. Viu pelo canto dos olhos o pai balançando a cabeça negativamente, ele sabia que ela não estava prestando atenção em nada do que sua esposa dizia. Também viu suas irmãs no canto da sala lançando olhares mortais aos pais, elas a entendiam, sabiam o quanto ela tinha raiva de momentos como esse em que a hipocrisia dos pais se sobressaia.
Segurava-se para não deixar escapar o que realmente pensava, queria evitar os gritos que provavelmente viriam caso abrisse a boca. Tentou se focar em balançar a cabeça para que a mãe não percebesse o quanto não ligava para uma palavra que a mulher de face cansada dizia.
- Demetria! – foi tirada de seus pensamentos pela voz rude – me ouça sua idiota! Não estou aqui pra palhaçada – apontava o dedo na cara da filha que não tirava a cara de tédio do rosto, arrancando risadas de suas irmãs – e vocês? Acham isso engraçado? Já pro quarto!
As meninas saíram correndo, pareciam mais duas crianças, Madison e Dallas realmente não tomavam jeito, pensou a irmã do meio. Demetria se dirigiu ao quarto ignorando os gritos da mãe, sabia que ela não tentaria a agarrar depois do braço quebrado na última vez. Sorriu amarga, mal podia esperar para se formar e finalmente desaparecer da vida de todos que a fizeram assim. Fria.
Entrando no quarto podia se perceber de cara que a garota cursava medicina, o jaleco pendurado na cadeira, o mural das partes do corpo humano, o esqueleto próximo ao armário e os livros jogados em cima da cama a denunciavam facilmente. O quarto tinha um tom claro, o que não combinava nenhum pouco com a personalidade de Demetria, mas a garota gostava dele daquela forma, se sentia menos solitária assim.
Poucos minutos depois de se acomodar em sua cama e iniciar sua série de revisões para a última prova do curso escutou batidas na porta, fracas, mas ainda assim audíveis, segundos depois suas duas irmãs estavam jogadas ao seu lado na cama.
- Então médica, tudo bem? – a expressão preocupada na face de Dallas trazia calor ao coração da irmã do meio. Sorriu e assentiu tentando se concentrar nos papeis a sua frente.
- Sabe, acho que você vai ser uma grande médica, você é realmente dedicada Demi – a irmã mais velha se pronunciou novamente. Demetria virou a cabeça tão rápido que os cabelos pretos voaram em sua face a deixando agoniada. Ergueu a sobrancelha e riu fraco.
- Tudo bem Dallas, o que você quer?
- Você realmente me conhece, bem, queria que me desse uma carona até a boate Skin. Combinei de me encontrar com as garotas lá e você sabe que papai e mamãe iriam suspeitar se saísse com meu carro – interrompeu a irmã, sabia onde tudo aquilo iria dar. Suspirou irritada, porém assentiu.
Dallas era a típica puxa saco, fazia tudo que os pais queriam mesmo sendo contra, a única vez em que levantou a voz foi quando afirmou que queria fazer faculdade de dança. Formou-se a pouco tempo e já conseguiu um lugar como dançarina de uma dessas artistas famosas a qual o nome Demi não fazia nem questão de lembrar mesmo com a irmã tendo falado durante pelo menos uma semana sobre a famosa.
- Tudo bem Dems, marcamos para daqui uma hora, Madison – virou-se para a irmã mais nova que pela primeira vez tirou os olhos do celular em suas mãos – você também vai?
- Jade disse que pode ser então vamos.
- Ótimo, sendo assim vou me encontrar com Hanna em uma hora nessa boate também então melhor se arrumarem – anunciou a irmã do meio depois de travar a tela do celular e levantar se dirigindo ao armário a fim de procurar uma roupa descente para sair.
(...)
Logo na entrada podia se ver que a boate Skin estava lotada o que já era de se esperar, afinal faziam poucos dias desde sua inauguração. A placa piscando com o nome da boate dava um ar de simplicidade ao local mesmo com todos sabendo que por dentro o estabelecimento exalava tecnologia e sofisticação, e é claro, exalava uma Demetria falida até o final da noite. Isso que a garota pensava enquanto seguia as irmãs a procura da entrada VIP que Dallas dizia ser onde suas amigas a esperavam.
- As coisas que não faço por vocês – Madison e Dallas riram do comentário da irmã até que logo depois avistaram cada uma suas respectivas companhias deixando a irmã do meio sozinha, como sempre.
Acostumara-se com a solidão, poderia até mesmo dizer que essa era sua melhor amiga, a única que lhe escutava e dava carinho, mas naquele momento a solidão era perturbadora, estar naquele lugar cheio, vendo tantas pessoas rindo e se divertindo a perturbava de forma que a garota cogitou matar todos apenas para não ter que lidar com o fato de ser tão triste, tanto a situação quanto sua alma.
Passou os olhos pelo local agradável, achava estranho o fato de não estar tão lotado, porém não questionou, afinal, essa era a primeira vez que vinha à boate. Sentou-se no balcão vazio encarando o barman que sorria fraco para ela, controlou a vontade de revirar os olhos e respirou fundo antes de se dirigir a ele:
- Um cosmopolitan, por favor – a voz séria e o olhar matador pareceram assustá-lo, pois se retirou rapidamente fazendo com que a garota desse uma risada fraca.
- Sex and the city? – virou-se para onde vinha a voz e encontrou uma mulher com chapéu sentada ao seu lado, seu rosto oculto pelo chapéu e pela luminosidade do local deixaram Demi curiosa. Levantou a sobrancelha ainda séria e soltou uma risada fraca com a idiotice que saiu da boca da mulher ao seu lado.
- Bem, você acha que eu tenho cara de quem vê isso?
- É, pergunta boba – a mulher riu para si mesma e a Lovato quase quis rir, porém se impediu e passou a fitar seu drink que tinha acabado de chegar.
- E você senhorita, o que quer? – ouviu o barman perguntar a mulher de chapéu.
- O mesmo que essa bela moça aqui – revirou os olhos com a tentativa de cantada ridícula e tomou um grande gole de seu copo tomando o cuidado de não derramar, sabia o quanto podia ser desastrada.
- Parece que você está tentando se engasgar com a bebida.
- Acredito que seria o ponto alto do meu dia – riu sarcástica.
- Dia ruim?
- Todos são, estou acostumada – surpreendeu-se por estar contando sobre sua vida para uma desconhecida, mas precisava se livrar da solidão por pelo menos alguns minutos.
- Problemas no trabalho? Escola? Namorado? – riu das tentativas da mulher. Brincou com a borda do copo por um tempo antes de finalmente responder:
- Quem me dera, não trabalho, faculdade não é um problema e digamos que eu nunca vou ter um namorado.
- Você não faz nada da vida?
- Faço sim, medicina, estou no último mês – suspirou antes de pedir um refil.
- Medicina é um ótimo curso! Nunca iria imaginar que você faria esse curso.
- Nem eu imaginaria, mas estou ansiosa para começar a trabalhar.
- Por que você fez esse curso? – sentiu a curiosidade em suas palavras. Suspirou profundamente e bebeu um gole ficando em silêncio – não sabia que essa seria uma pergunta tão difícil.
- Eu só... – suspirou novamente – acho que quis fazer medicina porque já que não posso salvar minha vida, devo ao menos tentar salvar a dos outros.
Silêncio. Mesmo com a balada lotada, gritos e uma música de batida chiclete tocando isso foi tudo que podia ouvir. Então sentiu uma mão sobre a sua que se encontrava em cima do balcão, Demetria não gostava de muitos contatos físicos, e disso todos sabiam, mas de certa forma se sentiu segura e feliz, coisa que só se sentia quando estava com Dallas, Madison ou com suas duas melhores amigas, Taylor e Marissa.
Observou a mão sobre a sua antes de fitar os olhos escuros que a encaravam, ela havia tirado o chapéu, mas continuava uma incógnita para a jovem, tudo que se podia ver eram os seus olhos, que Demetria tinha quase certeza de que eram castanhos escuros, e seu cabelo também preto, ou talvez castanho, a luminosidade não ajudava na distinção. Seus olhos brilhavam e por um momento pensou ter visto lágrimas ameaçando cair, queria poder limpá-las, porém apenas tirou sua mão de debaixo da mão quente e voltou a tomar sua bebida.
- Não devia estar me abrindo assim para uma desconhecida – falou séria sem coragem de olhar para a mulher ao seu lado.
- Desculpe – ouviu um leve fungar e conteve sua vontade de virar-se novamente para a intrigante mulher ao seu lado – sou Marie.
- Sou Demetria – tomou mais um gole da bebida, pedindo um refil logo em seguida – o que faz da vida Marie?
- Digamos que viajo muito.
- Interessante, mas por quê? – se via curiosa em saber sobre a mulher, a solidão já esquecida, a única coisa em sua mente eram os olhos brilhantes que a encaravam.
- Pelo simples prazer de viver meu sonho.
Não vou poder ir, prova de Direito Constitucional amanhã princesa – Hanna
Encarou a mensagem antes de enviar um simples "ok" voltando a encarar Marie, a mesma a fitava com curiosidade, um meio sorriso, que parecia forçado, no rosto.
- Namorada?
- Não – respondeu surpresa com a pergunta e quase deu graças a Deus que o lugar era escuro o suficiente para que Marie não visse suas bochechas vermelhas.
- Ótimo, fico feliz que ainda tenho minhas chances – Demi riu alto, até que percebeu a face séria de Marie e logo sentiu suas bochechas quentes novamente.
A garota ficou calada, não sabia como reagir a isso, e nem queria se envolver com ninguém, sem pronunciar nenhuma palavra, acenou por um refil e quando o mesmo chegou caminhou para o meio da multidão a procura de Dallas e Madison deixando uma Marie confusa ainda sentada no balcão. Demetria precisava esquecer os olhos brilhantes como as estrelas o mais rápido possível.
