Ainda resta uma esperança
Capítulo I
Reencontros
"O tempo passou. Dizem que o tempo é remédio para tudo. O tempo faz a gente esquecer. Há pessoas que esquecem depressa. Outras apenas fingem que não se lembram mais...". ¹
O verão mal começara, no entanto parecia que estava no ápice. O calor na capital japonesa era tanto que era impossível deixar o ar-condicionado desligado. E havia tanta gente na saleta, movendo-se ao seu redor... Abanou-se com a folha que trazia nas mãos. Já estava cansada de esperar.
— Com licença, senhorita Shina.
A moça, que estava diante da janela, voltou-se para a porta. Era alta e esguia, os longos cabelos que lhe chegavam às costas, eram anelados. Estava vestida com uma calça marrom e um terninho idem. Parecia ter uns vinte anos, mas não se podia ter certeza. O nariz arrebitado, cheio de sardas, e olhos de um verde profundo. Sorriu.
— Sim, Akiko?
— Acha que este arranjo está bom? Foi o pessoal do bufet que o trouxe para a inspeção da senhorita Kido. Mas ela nos disse que, na ausência dela, a senhorita poderia decidir.
— Onde Saori foi?
— Saiu muito cedo com a senhorita Marin, foram até os escritórios da Fundação resolver algumas pendências jurídicas. — a empregada sorriu — e quanto ao arranjo?
Shina suspirou, enfadada. Não nascera pra aquelas coisas.
— Por mim, poderia haver mais destas pequenas... vermelhas, e deviam ser maiores para as portas principais. E o terraço... se não me engano, Saori pediu uma paisagista para reformar e decorar. Ela já apareceu aqui? — a serviçal fez que não — é... Vai ver só vai vir no dia da festa! Hunf! Há tanto que se fazer — tocou de leve a testa "Este calor está me matando". — Oh! Céus! Há toda uma lista de coisas, Akiko... Mesas, cadeiras, toalhas... — suspirou — Pelo jeito terei de ir a Yokohama, nesta empresa contratada por Saori... Estão muito devagar! Ou será que me enfado muito rápido? Se todos cumprissem sua parte, não estaríamos tendo atrasos... — reclamou a moça, abanando-se.
— Fique calma, senhorita Shina! A cerimônia vai ser daqui a duas semanas! – riu a empregada.
Shina olhou-a divertida e assentiu com a cabeça.
— Está certa – pegou a bolsa. Antes, tirou o terno – agora estou pronta pra sair do ar. – sorriu – por favor, vamos tomar o café da manhã. Estou faminta! Depois, com Saori e Marin, veremos o que fazer hoje! Nem sei o que faríamos sem você, Akiko! – agradeceu.
— Disponha senhorita. Venha comigo, por favor. E o hotel, está a seu gosto?
— Sim, obrigada!
Enquanto seguiam pela mansão, Shina se maravilhava com a opulência dos corredores e do salão principal, onde seria a cerimônia. Sentiu-se até meio tonta no mio de tanta riqueza. Surpreendia-se de Saori gostar de ir ao Santuário, um lugar tão humilde, em comparação com isso aqui... Ela mesma não fora criada assim, com tantos luxos. Vinha de uma família humilde da Toscana, na Itália²... Se fechasse os olhos, poderia ver os outeiros dourados da infância. Passara muitas provações e privações. Quando seus pais morreram, ela decidiu que não ia morar para sempre com sua avó. Não que ela fosse ruim... Só que... Queria partir... Ver outros lugares... Sempre fora muito corajosa e impetuosa, meio atrevida também, refletiu, com um sorriso nos lábios.
— Sente-se, por favor. Já trarei seu café.
A jovem assentiu, mas ao invés de sentar-se, encostou-se à janela, que dava para um extenso jardim.
Lembrou-se de quando decidiu que iria à Grécia². Seu jovem coraçãozinho estivera tão triste e apertado, e, para sobreviver neste mundo ela o escondera eficazmente para sempre. Seu mais íntimo pensamento só ela mesma conhecia. E foi nesta época que conheceu o então Mestre do Santuário. Era ainda tão menina... Mas tinha o sangue quente! Este a vira brigando com alguns aldeões, e viu além da menina italiana briguenta. Sua garra, ousadia e coragem tocaram-no, e ele perguntou se ela não gostaria de se tornar uma amazona, lutando por Atena, que viria a esta terra. E ela, de pronto, aceitou. Já no Santuário, treinava arduamente para ser a melhor de todas. Foi-lhe dada uma máscara que ocultava seu delicado rosto. Quando Shina lutava, era feita de aço. Em seu coração, porém, guardava muitas coisas.
Não era de muitas amizades, mas tinha alguns fãs no santuário: alguns soldados rasos e alguns cavaleiros de Prata, como o pobre Jamian e Perseu (ambos mortos há tempo). E ela nunca mais teve um acesso direto ao Mestre, já que coisas estranhas começaram a ocorrer misteriosamente um ano depois de ela chegar ao Santuário. Quando concluiu seu árduo treinamento, recebera a Armadura de Cobra, tendo sua própria constelação protetora. Imaginava se teria sido escolhida por ela... Estava claro que tinha sido escolhida para algo bem maior do que antes jamais imaginara. E nada teria acontecido se tivesse ficado na Itália. Logo teve discípulos para treinar, além de Cassius e Jisti, e ambos também estavam mortos...
Sempre lutara por tudo em que acreditava, vencera inimigos ferozes, e nesse meio tempo descobriu o verdadeiro valor da amizade e confiança. Fizera amigos leais, sinceros. Entre eles, estavam a Amazona de Águia, Marin, que por anos odiara, por causa de Cassius e pelo preconceito aos de outras raças; o valente cavaleiro de Leão, Aioria (que ela suspeitava ter uma queda pela Águia), e a dona desta mansão, Saori Kido, a própria Atena. A princípio a temera e detestara um pouco, mas, com o tempo, percebera que por baixo daquela capa "inglesa", ela possuía um coração bondoso, e era muito relaxante estar com ela. Mesmo que fosse aqui, no Japão.
Seu semblante anuviou-se. "É, o tempo passou para mim e meus amigos. O tempo pode mudar tantas coisas... No entanto, outras coisas continuam exatamente iguais." Tocou de leve, no pulso direito, uma finíssima cicatriz, dentre tantas outras que possuía. A despeito de todas as outras, essa nunca fora curada. "Por que será que certas marcas não se apagam como mágica?" Suspirou fundo. Esta maldita marca ainda a queimava. Enfim, subjugara a uma simples 'amizade', amizade esta que tinha se mostrado muito leal e duradoura. Mas... Dirigiu o olhar novamente para o jardim iluminado pelos raios de sol de junho... Um brilho mais intenso perpassou rapidamente por seus verdes olhos. "Seiya".
Ah, essas coisas do coração eram tão complicadas, egoístas e caprichosas! Às vezes, como agora, pensava nisso e se sentia meio vazia, como uma estrada escura e solitária no meio do deserto... "Como pude..." Levou a mão ao rosto e viu que a empregada falava com ela para que tomasse seu café.
— Ufa! Chega disso! — sussurrou para si mesma, sacudindo a cabeça, balançando os cabelos. Prendeu-o num coque e sentou-se à mesa — Ainda haverá muito pra fazer para esta festa de Saori...
Continua...
¹ Trecho do romance O tempo e o Vento, de Érico Veríssimo, que é dividido em três partes: O continente, O Retrato e o Arquipélago.
2 - Conjecturas...
N.A.: Esta é minha segunda fic com personagens de CDZ. Eu a tenho na cabeça há muito tempo, faz anos... Então, resolvi escrevê-la. Espero que gostem e que me dêem suas opiniões. Elas sempre são importantes.
Fanfic editada e reavaliada em 12 de abril de 2008.
