Uma breve introdução:

Bem, bem, bem...

"O crisântemo proibido" foi minha primeira fanfic (Aqui no eu a publiquei em inglês, acho que já faz um ano que comecei a publicá-la aqui. Na época, como eu estava muito verde ainda, comecei a sentir dificuldade em desenvolvê-la, já que era complexa e porque tinha muitos personagens. Já tinha recebido alguns toques, que me fizeram questionar sobre a qualidade da história em geral. E como toda virgianiana chata e perfeccionista, vi que poderia escrever algo melhor! Mas o que me decidiu mesmo a parar foi quando perdi o arquivo do capítulo mais recente. Daí, desisti de continuar essa versão e resolvi me amadurecer mais como ficwriter, já que esse é um projeto que eu gosto muito, e que me dediquei bastante em pesquisa e em outras coisas.

Pois bem, o tempo passou, peguei mais experiência com outras fics, e eis aqui essa nova versão do "Crisântemo", com menos personagens, muitas mudanças, mas com uma carga dramática mais centralizada.

Não sei se os antigos leitores que acompanhavam a primeira versão irão acompanhar essa nova fic, mas acredito que os que queiram ler vão gostar tanto (ou até mais) dessa fic quanto a outra.

Quanto aos novos leitores, sejam muito bem vindos! Espero que gostem de ler essa fic tanto quanto eu estou gostando de fazê-la.

p.s.: Como se trata de um universo alternativo baseado em uma época histórica, senti a necessidade de pesquisar sobre o assunto, mas isso não impede de você encontrar algumas "licenças poéticas" feitas para se adequarem melhor à fic. Mas garanto que não vai ter nenhum absurdo!

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Pousada sobre a flor

a borboleta escuta a melodia

do destino.

Issa

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Era uma bela noite em Edo, com a lua cheia a despontar soberana sobre o céu estrelado. O frescor dos primeiros crisântemos desabrochados anunciavam alegremente o começo do outono.

Nos conhecidos Distritos da Luz Vermelha, as noites eram sempre de festa. Um mundo de cores, beleza e sedução era descortinado para aqueles que cruzavam seus portões. Ali, todos os seus desejos eram realizados, bastando que tenha o maravilhoso brilho dourado das moedas nos bolsos. Um preço ínfimo em comparação as delícias de um paraíso na terra.

Um desses bairros destinados as diversões mundanas era Yoshi-cho (*). Ali, lindos garotos em delicados trajes femininos proporcionavam agradáveis e prazerosos momentos aos seus clientes. Esses garotos eram conhecidos por kagemas (*).

Frágeis lanternas de papel irradiavam um brilho avermelhado, alimentando os sonhos de luxúria dos homens. Havia música e dança, comida e bebida. O vai e vem de pessoas era intenso, até que um dos freqüentadores gritou admirado aos demais convivas, dando passagem ao cortejo que estava prestes a passar:

- Oh! É Ulquiorra da Ohana no Kikku!

Ulquiorra era o kagema número um na hierarquia da afamada kagemajaya (*) Ohana no Kikku. Seguindo atrás dele, um séquito formado pelos mais belos e populares garotos da casa, usando ricos e coloridos quimonos da mais fina seda. Os cabelos impecavelmente arrumados eram arrematados por crisântemos amarelos, a insígnia da casa de chá. Era um espetáculo de encher os olhos.

As pessoas observavam admiradas e comentavam acerca da beleza e da elegância altiva de Ulquiorra: os grandes e misteriosos olhos verdes, sua pele alvíssima ou os negros cabelos. Era no entanto, um prazer para pouquíssimos apreciadores. Somente refinados lordes feudais ou comerciantes muito abastados tinham condições suficientes para usufruírem de sua adorável companhia.

Atrás do cortejo, seguiam orgulhosos os donos da Ohana no Kikku : Kisuke Urahara e sua esposa Youruichi. Urahara herdara o negócio de um tio, e graças a seu talento para o comércio, aumentou consideravelmente o faturamento da casa, que apesar de ser uma das mais tradicionais e prestigiosas, andava em decadência. Era mesmo um matreiro Tanuki (*), sempre de olho nos bolsos de ingênuos e apaixonados clientes, e se divertindo às suas custas.

Youruichi foi uma famosa Oiran do bairro de Yoshiwara, que deixou a carreira para se casar com Urahara. Se ele era mestre em finanças e assuntos de dinheiro, ela era responsável pela administração da casa, organização de festas e encontros e tudo mais relativo à rotina de uma casa de chá. Controlava os garotos com pulso firme, e ela própria treinava os rapazinhos mais promissores nas finas artes do entretenimento, como música, dança, conversação, etiqueta e os pequenos "truques" dos relacionamentos amorosos. Poderíamos dizer que esse distinto casal era a síntese do yin yang, um complementava o outro no que lhe faltava, formando assim, uma harmoniosa dupla.

- Preste atenção na sua postura, Ichigo... – falava Youruichi discretamente entre sorrisos para um rapaz com uma incomum cabeleira ruiva que ia a sua frente.

Ichigo, a quem Youruichi se dirigia, bufava irritado, fazendo os enfeites em seu cabelo tilintarem com agitação. A aparente irritação não diminuía a graciosidade das feições juvenis de seus quinze anos. Algumas pessoas que assistiam o cortejo se perguntavam quem era aquele atraente rapazinho.

- Esse tempo todo que está em nossa casa e ele não se porta como se deve... Se acontecer um desastre na estréia do Ichigo, eu não vou ficar surpresa.

- Mas há quem goste de emoções fortes, Youruichi san... - respondeu Urahara entre sorrisinhos maliciosos a sua esposa. – E veja como tem gente interessada no Ichigo. Já vejo boas propostas chegando... Desfiles como esses sempre são ótimas propagandas!

A procissão seguiu até uma grande casa que se destacava entre as demais. Lustrosos detalhes em vermelho e dourado na construção de madeira indicavam que aquele não era uma kagemajaya comum.

Todos se perfilaram antes de começaram a adentrar na casa de chá. Ichigo fez o mesmo, mas ao passar pelo vestíbulo, alguém o arrebatou e o trouxe para junto de si. A maneira como havia sido puxado fez Ichigo julgar que se tratava de um homem bem forte. Respirou fundo e estremeceu levemente, quando sentiu que o homem enterrou o rosto nos seus cabelos cor de cobre e aspirou o perfume que emanava deles. Em seguida, ouviu uma voz grave, de hálito cheirando a sakê, sussurrar em seu ouvido:

- Que perfume... Será que posso despetalar essa flor?

O ruivo então conseguiu virar o corpo e deu uma cotovelada forte na altura do estômago do atrevido, que o soltou na mesma hora. Mas mal se desvencilhou , o rapaz foi puxado pelo braço.

-Me solte, seu ...- assim que viu o rosto de quem o agarrou, Ichigo arregalou os olhos castanhos em choque.

O homem era um samurai; não foi difícil supor já que carregava as duas espadas distintivas de seu status, a katana(*) e a tanto(*). Era jovem ainda, deveria andar pela casa dos vinte e poucos anos. Bem mais alto que a média dos habitantes de Edo, tinha no rosto feições diferentes das encontradas nos outros homens da região, com um nariz longo e afilado e os olhos de um azul límpido e brilhante, que lembrava o céu em um dia de sol pleno. Características tão incomuns, que eram difíceis de serem esquecidas.

O mais velho franziu a testa e ficou a olhar para o outro. O efeito do álcool estava se dissipando, e os pensamentos começavam a se reordenar. Será que ele já o tinha visto em algum lugar? Algo lhe dizia que sim, mas não sabia onde teria visto aquele garoto, que o olhava de um jeito tão intenso, como se o conhecesse. Ichigo abriu a boca com a intenção de lhe falar alguma coisa, mas a chegada dos donos da kagemajaya o fizeram desistir.

- Oh! Grimmjow dono! Que honra visitar a casa de chá deste humilde servo! Faz muito tempo que não aparece por aqui... - Urahara fez uma reverência solícita para o samurai, que ainda estava segurando Ichigo pelo braço.

- Não tenho tempo suficiente pra gastar como eu realmente queria. Meu senhor é um homem muito exigente.

Youruichi se aproximou dos dois e pôs uma das mãos no ombro de Ichigo. Com um sorriso, falou:

-Vejo que gostou de Ichigo... Mas devo avisá-lo que ele ainda não fez sua estréia. Estamos providenciando sua mizuage (*).

Mizuage. Só de escutar aquela palavra fazia o sangue de Ichigo ferver de raiva. Ao perceber o leve rubor na face do ruivo, o samurai deu um risada cínica:

- Ah, um virgem, eh? E com nome de fruta. Interessante... – soltou o braço de Ichigo devagar, passando-lhe a mão numa carícia um tanto rude.

- Ficaríamos muito lisonjeados se Grimmjow dono participasse com alguma proposta. Qualquer coisa,estarei em meu escritório!

- Irei pensar no caso, Kisuke san... – abriu um sorriso largo carregado de malícia, exibindo uma fiada de dentes perfeitos.

Num gesto rápido,o samurai tirou um dos crisântemos que enfeitavam os cabelos de Ichigo, guardando-o entre as abas de seu quimono.

- Só uma pequena lembrança!

Após isso, Grimmjow virou as costas e foi embora, sendo acompanhado por Ichigo com o olhar. Depois que o samurai desapareceu de sua vista, Youruichi ordenou que o rapaz entrasse.

- Ichigo, mandei que entrasse, não me escutou?- Youruichi aumentou o tom de voz para o ruivo, que bufou em desagrado e entrou depressa, fazendo barulho com os geta (*) no piso de madeira.

Ichigo ficou nervoso depois que viu aquele samurai, o coração batia num compasso acelerado, suas mãos estavam geladas, o corpo todo tremia... Precisava de ar, precisava se acalmar e organizar os pensamentos.

-Idiota! Por que não falou com ele? - ralhava para si mesmo, arrependido pelo repentino escrúpulo que o acometeu quando viu Urahara e Youruichi se achegarem naquela hora em que estava com ele. Foi mesmo uma surpresa do destino.

- O nome dele é Grimmjow... esse tempo todo e eu não sabia seu nome...

Ichigo sentiu um leve toque em sua mão e virou-se tão rápido que assustou quem o havia tocado:

-Ah! Ichigo san! O que aconteceu?

- Izuru nii san! P-perdão… não queria ter te assustado...

- Está tudo bem? Parece que viu um fantasma ou algo parecido... Você entrou tão depressa que nem ouviu quando te chamei.

Izuru pegou suavemente a mão de Ichigo e a apertou um pouco, como quisesse dar segurança e calma ao mais novo.

- Não... não precisa se preocupar Izuru nii san... Não foi nada! Mesmo!

Ichigo sorriu para Izuru para dar mais certeza de que tudo estava bem, mas o rapaz mais velho não se convenceu de todo. Passou um tempinho a encará-lo e por fim, achou por bem não lhe indagar mais nada.

- Em todo caso, se não estiver se sentindo bem para me acompanhar essa noite, posso dar uma desculpa qualquer para Youruichi san.

- Não! Eu juro que estou bem!

Kira Izuru foi o único da casa de chá que admitiu Ichigo como otouto(*) de bom grado. Nenhum outro kagema já estabelecido quis arriscar a reputação com alguém tão rebelde quanto o ruivo.

Kira era uma das pouquíssimas pessoas ali que se davam bem com Ichigo, desde que eram crianças. Na verdade, Kira foi o único que o tentou consolar de sua tristeza e da saudade que sentia de seu lar distante. Ele lhe ofereceu um pedaço de seu bolinho de arroz que uma das criadas lhe deu, e aquela gentileza tão simples e inocente os uniu na mesma dor do abandono que sentiam naquele lugar.

Essa ligação sincera entre os dois foi um fator decisivo para escolha de Izuru como Onii san de Ichigo. Kira era praticamente perfeito para isso: doce, muito educado e paciente, era o exemplo que o ruivo deveria seguir. Youruichi sempre recomendou Ichigo a não desgrudar os olhos de cima de Izuru, observando seu modo de falar, as maneiras e gestos suaves e quase femininos e a suas exímias apresentações de dança e música. Além de tudo, Kira tinha uma aparência delicada, arrematada por características incomuns: cabelos dourados como a aurora e olhos de um mimoso azul, que encantavam os clientes. Ichigo já tentou indagar de onde ele havia herdado aquelas características, mas o mais velho não se sentia muito confortável em falar de seu passado a ninguém, sempre desconversando ou se desculpando.

Os dois então seguiram para entreter um cliente regular da casa e seus convidados, que já os aguardavam em uma das muitas salas da casa de chá. Tudo estava indo a contento, Ichigo estava se comportando muito bem, para alegria de Izuru. Porém, um dos convidados, por ignorar as regras de etiqueta de uma casa de luxo, começou a fazer insinuações insistentes para o ruivo, dando a entender que queria muito mais do que uma simples conversa. Ichigo suportou até onde podia, sempre se desculpando educadamente.

- Mas o que é isso, meu bem? Não faça esse jogo duro... Eu pago o quanto você quiser...– falava sempre no ouvido de Ichigo, jogando o bafo forte do sakê em seu rosto.

- Já repeti que não estou apto, senhor. Estou aqui acompanhando Kira nii san, como seu aprendiz. Se quiser falar sobre dinheiro, que seja com Urahara Dono, afinal, é a especialidade dele.

O homem deu um sorriso com seus lábios visguentos e se lançou para junto de Ichigo, pondo uma das mãos na perna de Ichigo, bem próximo a sua intimidade.

- Deixe de falso pudor e aja como a puta que você é...

Aquilo foi a gota d'água. Ichigo levantou- se depressa e agarrando o homem pela gola do quimono, o empurrou de encontro a um dos painéis decorados de madeira com violência.

- Ichigo! Não! – Izuru correu depressa para segurar Ichigo e evitar que ele causasse mais dano ao inoportuno convidado.

O homem então levantou a mão para bater em Ichigo. Em contrapartida, o rapaz o pegou pelo braço e o atirou contra a porta de correr, quebrando-a com a força do impacto. O convidado passou a se contorcer e urrar de dor:

- AARRGH! ELE QUEBROU MEU BRAÇO! – gritava o homem em desespero.

- E eu vou quebrar o outro caso me falte com respeito de novo, seu porco!

Não levou muito tempo para que a confusão chamasse a atenção de outras pessoas, e os criados correram depressa para avisar os donos da kagemajaya. Enquanto isso, uma vozinha se fez ouvir entre as pessoas que assistiam ao homem de meia idade chorando no chão feito uma criancinha.

- Tsc tsc... Isso não é coisa que se deva fazer Ichigo... Tratando possíveis patronos desse jeito. Assim você não terá nunca um bom preço na sua mizuage. Ao contrário de mim, que fui sempre muito bonzinho. Consegui uma boa quantia para a minha estréia...

- Quando precisar de sua opinião, eu te peço, Luppi!

Luppi era um pouco mais novo que Ichigo, pequeno, de cabelos negros, se parecia com uma graciosa bonequinha de porcelana. Mas essa aparente fragilidade escondia uma precocidade perigosa. Escondendo parte do rosto com a longa manga do seu furisode, fez-se de magoado com a resposta de Ichigo:

- Não sei porque o aceitou como seu irmãozinho, Izuru san... Ichigo é muito mau! Mas Szayel nii san disse pra mim que é porque você é uma mosca morta, que agüenta qualquer porcaria que te empurram.

Ichigo ainda quis partir pra cima do moreno, mas foi impedido por Kira.

- Você não vai dizer nada, Kira nii-san?

- Não Ichigo, deixa ele falar... Não aceite suas provocações.

Nesse momento, chegaram esbaforidos os donos da casa de chá. Imediatamente, Youruichi ordenou aos criados que levassem o homem para receber tratamento, e juntamente com Urahara, se curvaram em desculpas para o cliente a quem Kira estava atendendo.

- Pedimos perdão por tamanho inconveniente, senhor. Não precisará arcar com nenhum gasto essa noite.

- Vamos ter que devolver o dinheiro? – Sussurrou Urahara para Youruichi, que deu um leve pisão no pé do marido.

- Ou isso ou você vai preso...

O cliente aceitou as desculpas educadamente e retirou-se em seguida, afinal não havia mais clima para festa. O casal então passou a olhar para o estrago daquela noite.

- Mas será que um terremoto passou por aqui, por Kami sama?- Urahara falava e se perguntava mentalmente sobre os prejuízos que deveria arcar.

- Ichigo... eu já podia esperar...

Youruichi se aproximou de Ichigo. Ela estava com uma expressão severa no rosto, coisa raríssima de se ver.

- Enlouqueceu de vez Ichigo? O que te passou pela cabeça pra agredir aquele convidado desse jeito?

- Ele me desrespeitou! Vai dizer que você aguentava isso quando era uma puta em Yoshiwara?

Yoruichi deu um tapa na cara de Ichigo, assustando a todos que estavam ali. Nem mesmo Urahara se aproximou dela nesse momento.

- Ao contrário de você Kurosaki Ichigo, eu sabia sair de situações embaraçosas com classe.

- Mas o que se pode esperar de alguém que saiu de um vilarejo podre do interior? Com certeza ele herdou esse sangue ruim da mãe dele, Youruichi sama! – falou Luppi estampando um sorriso com seus dentinhos brancos.

Ichigo então deu um grito de fúria e avançou em cima de Luppi, com um soco tão forte que lhe arrancou sangue do nariz. Foi preciso três criados para conseguir conter o enfurecido ruivo. O rapazinho moreno gritava horrorizado enquanto tentava aparar o sangue que escorria com as mãos , chamando Ichigo de monstro o tempo todo.

- Eu posso agüentar qualquer coisa que você diga de mim, mas não vou aceitar que ofenda a memória da minha mãe!

- Como é que você pode ficar ofendido por uma mulher que te vendeu pra esse lugar pra se prostituir? Que mãe maravilhosa a sua! – retrucou Luppi, venenoso.

- Cale essa boca! Você não sabe de nada!

- CHEGA! Já escutei demais por essa noite! Levem essa peste pra fora e dêem um corretivo nele!

- Mas procurem não deixar marcas na pele dele! Isso pode prejudicar a mizuage e..- bastou uma olhada de Youruichi para que Urahara calasse a boca e se voltasse para o escritório e seu ábaco.

Ichigo foi levado aos fundos da casa de chá, amarrado a uma das pedras que haviam por lá e em seguida, castigado fisicamente. Ao perceber a exaustão do rapaz, Youruichi mandou que parassem com a agressão. Então aproximou-se dele e o fez encará-la:

- Por que não procura encarar tudo isso com um pouco mais de dignidade, Ichigo?

O ruivo deu apenas como resposta um olhar incisivo e raivoso. A senhora da casa de chá retrucou:

- Acha que lá fora é melhor? Que engano... se mudar alguma coisa, é só pra pior. Estou pensando seriamente em convencer Urahara a te vender pra algum daqueles pardieiros imundos do baixo meretrício, caso você continue desse jeito. Imagino como os distintos clientes de lá iriam tratar um lindo rapazinho como você... Iriam te comer vivo!

Youruichi percebeu que Ichigo se encolheu um pouco, deixando transparecer o medo daquela ameaça se concretizar. Podia ser rebelde como fosse, mas no fundo era só um garoto.

- Isso foi só um lembrete Ichigo. Ande na linha e tudo será melhor pra você, caso contrário...

Depois da leve ameaça, Youruichi e os criados se retiraram, deixando Ichigo sozinho e amarrado. Só voltariam bem depois, com a certeza de que ele estaria mais "apaziguado".

Gemidos e gritos que vinham de algum aposento da casa podiam ser ouvidos de onde Ichigo estava, um tormentoso lembrete de sua condição. Muito em breve, seria obrigado a fazer a mesma coisa, a fingir prazer e fazer falsas juras de amor, dando a ilusão de que o cliente é o melhor ser vivente na face da Terra. Muitos kagemas se diziam aprendizes de ator, e isso ironicamente tinha um fundo de verdade. Tudo nesse mundo de prazeres passageiros era um grande teatro. Ao sentir os olhos ficarem úmidos pelo sentimento de revolta, imediatamente o jovem repreendeu a si mesmo:

- Não vá chorar Ichigo... você prometeu. Quer que ele ache que você ainda é um fraco?

Olhou para o céu salpicado de estrelas, rodeando a lua como uma corte de súditos celestes. Se perguntou se o samurai de olhos azuis estaria olhando esse mesmo céu, com a mesma admiração que ele. Lembrou-se também de sua mãe, tão serena a lhe afagar os cabelos acobreados como os dela, em uma noite semelhante... Era tão linda, que nem mesmo a doença que a consumiu conseguiu lhe arrancar a beleza de todo.

- Por favor mamãe, faça com que eu me encontre com ele... Eu preciso revê-lo!

Baixinho, Ichigo começou a cantarolar uma canção que sempre ouvia de sua mãe quando percebia que ele estava triste. Mesmo já crescido, aquilo sempre lhe aplacava a tristeza e o fazia esquecer momentaneamente do bonito inferno que era o Mundo Flutuante.

Notas do capítulo:

(*)kagemas: garotos que se prostítuiam no Japão da Era Edo. Geralmente se travestiam de mulher e tinham maneiras femininas. Essa modalidade derivou do teatro Kabuki, em que somente homens interpretavam os papéis, inclusive os femininos. Assim como as prostitutas daquela época,podiam ser educados nas artes do entretenimento como música, dança, etc.

(*)kagemajaya: casa de chá especializada onde os kagemas atendiam seus clintes. A maior concentração dessas casas ficava no bairro de Yoshi-cho ou Yoshimachi.

(*)Tanuki: texugo japonês. Aparece em muitas lendas do folclore japonês. O Tanuki místico é travesso e alegre, mestre no disfarce e na troca de formas.

(*)Oiran:cortesãs de alta cultas e refinadas, e somente poderosos ou muito ricos podiam patrociná-las.

(*)Yoshiwara: um distrito do prazer de Edo,com bordéis e casas de chá, licenciado pelo próprio governo da época.

(*)Katana: espada japonesa longa e curvada, era a arma padrão dos samurais e também dos ninjas para a prática do kenjutsu, a arte de manejar a espada.

(*)Tanto: espada curta,usada no ritual de suicídio chamado sepukku ou harakiri.

(*)Mizuage: Durante o Período Edo, a mizuage passou a ser historicamente ligada à perda da virgindade da maiko (ou a jovem protistuta) já que era patrocinado por um patrono que então obtinha o direito de tirar a virgindade da jovem aprendiz.

(*)Geta: sandálias confeccionadas com madeira.

(*)Otouto: irmão mais novo em japonês