Em algum lugar branco
Veio a explosão, e quando ele abriu os olhos outra vez, na esperança de encontrar seus homens preparados para a ofensiva, mas tudo o que conseguia enxergar era a brancura estéril. Talvez estivesse morto e isso não seria um privilégio. Foi a dor generalizada que lhe deu as respostas que procurava.
A claridade do quarto quase o cegava. Ele piscou algumas vezes, numa tentativa de colocar as imagens em foco. Em algum lugar no quarto, alguém disse que ele estava acordado e logo vieram checar seus sinais vitais o que só serviu para deixá-lo ainda mais atordoado, antes que ele perdesse a consciência outra vez.
Só conseguiu se manter acordado por um período considerável de tempo dois dias depois do incidente. Deitado numa cama qualquer, num hospital de campanha qualquer, cercado por outros feridos e patentes, sem mencionar o sotaque americano. Desde que os americanos entraram na guerra aquele sotaque estava em todo lugar.
Sua cabeça girava, como se ele tivesse acabado de cair do alto da Torre de Babel e agora todos a sua volta falassem um milhão de línguas diferentes, as quais ele tinha dificuldade para entender completamente.
Tentou se levantar da cama, mas antes que pudesse ter qualquer êxito, um par de mãos o empurrou de volta para o leito.
- É melhor ficar deitadinho ai, ou vou ter que amarrar você, Alteza. – a voz feminina disse de forma convicta. Era forte de mais para ser uma mulher, ou talvez fosse ele quem estivesse muito debilitado.
- Não sou "Alteza". – ele resmungou um pouco antes de sentir a borda de um copo ser pressionada contra seus lábios. Ou ela queria matá-lo afogado num copo de água, ou queria desesperadamente que ele calasse a boca. Ele riu baixinho.
- É uma pena. Mas você é meu único paciente inglês, então vou chamá-lo de Alteza do mesmo jeito. – ela respondeu enquanto forçava alguns goles de água pela goela dele – Eu sou a enfermeira Lewis, a propósito.
- Aonde eu estou? – ele perguntou – Que dia é hoje?
- Está num hospital de campanha da Cruz Vermelha e hoje é dia onze de outubro. – ela respondeu checando o curativo que ele tinha na cabeça - Se Sua Alteza Real me permite, eu tenho que checar os outros pacientes.
- Odinson. – ele disse mais alto do que se imaginava capaz – Capitão Loki Odinson. – sabia que ela estava sorrindo quando ele se apresentou, mesmo sem ver o rosto dela claramente. Ela apenas balançou a cabeça.
- Como quiser, Alteza. – e então deixou o quarto.
Levou algumas horas até que ele estivesse alerta e alguém viesse lhe explicar o que havia acontecido.
Era um milagre ele ter escapado com vida. Baleado de raspão no tórax, uma bala havia atravessado seu ombro e outra o acertou na perna esquerda. Luxações e escoriações por todo canto, mas ele era um sortudo. Estava muito melhor do que a maioria e a cirurgia para remover as balas havia sido um sucesso. Com um pouco de descanso e tempo, ele voltaria a andar normalmente.
Novos pacientes pareciam chegar aos montes e nenhum deles parecia mais vivo do que um cadáver nas trincheiras. Aquilo o deixava ansioso para sair dali o quanto antes e ceder seu lugar para um daqueles pobres diabos.
Um dos rapazes com ferimentos graves parecia-se terrivelmente com seu irmão. Era com uma pontada de alívio que Loki se lembrava que Thor estava seguro em Cambridge e seus pais confortavelmente refugiados Valhalla. Só ele era louco o bastante pra abrir mão de sua posição na faculdade pra se juntar ao exército.
O desconforto pelos ferimentos era generalizado. Aos poucos todas as posições viáveis no leito se tornaram insuportáveis. Tinha receio de que acabasse abrindo os pontos, ou causando um sangramento desnecessário, mas não podia evitar.
A dor em sua perna era alucinante. O efeito da morfina já estava no fim e ele estava tentando não gritar, mas aquela logo seria uma batalha perdida. O suor brotava de sua testa e o desconforto era indescritível. Pelo canto do olho ele avistou a silhueta de uma das enfermeiras zanzando pelo quarto escuro.
Ela se virou para encará-lo e ver qual era o problema.
- Preciso de algo pra dor. – ele disse com a voz arfante – Rápido!
Ela o empurrou de volta pra cama. Antes que ele pudesse processar o que estava acontecendo, a injeção o acertou de uma vez e ele teve de se esforçar pra não gritar.
Aos poucos ele foi relaxando e ficar na cama já não parecia um esforço tão grande. Sua respiração estava voltando ao normal aos poucos. A mão da enfermeira foi até a testa dele, avaliando se havia algum sinal de febre. Em seguida a mão foi substituída por uma toalha úmida. Ela ficou sentada ao lado dele por alguns instantes em silêncio.
- Melhor, Alteza? – a mesma enfermeira de antes.
- Já disse que não sou da realeza. Poderia simplesmente usar meu nome, ou minha patente? – ele resmungou.
- Já tem um capitão aqui, e sinceramente você me parece menos irritante do que Steve Rogers. O todo poderoso "Capitão America". Um dia eu vou estar sem paciência e ele vai recitar o juramento a bandeira. Será um homicídio, sem dúvida, mas não podem me culpar se eu tiver perdido a sanidade por causa desse homem. – ela respondeu bem humorada. Aquilo era algo raro em tempos de guerra - Eu não devia fazer isso, mas vou ser boazinha com você e dividir. – ela puxou de dentro do bolso do avental uma garrafinha, abriu e pressionou contra os lábios dele. Loki bebeu sem pensar duas vezes, sentindo a garganta queimar.
- Deus a abençoe por isso. – ele disse ainda sentindo o gosto do uísque em sua boca.
- Não há de que. Imaginei que gostaria de sentir o gosto da sua terra natal. – ela retrucou satisfeita – A perna está melhor?
- Melhorando. – ele respondeu – Pode me dizer o que está acontecendo?
- Nada de mais. Feridos chegam aos montes, não há tempo para respirar direito, mas dizem que as coisas estão melhorando. – ela disse otimista – Dizem que é questão de tempo até o Eixo se render.
- Estou ouvindo isso há quatro anos. – ele respondeu – Queria que fosse verdade, mas não é.
- Homem de pouca fé. – ela disse dando a ele mais um gole do uísque.
- É uma tola se acredita nisso. – ele disse ríspido.
- Não pode me culpar por ter esperança. Você devia tentar. – ela disse secando a garrafa de uísque – Não tem ninguém que queira ver? Família, amigos, namorada?
- Queria ver meu irmão. Já faz quase um ano desde a última vez. Meus pais também, mas acho que eles não gostariam de me ver. – ele respondeu seco.
- Sem namorada? – ela perguntou com um leve toque de surpresa.
- Sem namorada. – ele respondeu – E você? Tem alguém pra quem voltar?
- Meus pais, eu acho. – ela disse sem dar muita importância – Mas não tenho certeza se quero voltar. Não há muito pra se fazer no Novo México além de casamento e filhos.
- Sem namorado? – ele rebateu.
- Sem namorado. – ela não parecia muito entusiasmada - Talvez eu consiga um emprego como enfermeira num hospital qualquer depois que a guerra acabar e fique por aqui. Eu adoraria ver Paris. Dizem que é a cidade mais linda do mundo.
- É bonita sim, mas devia pensar em visitar Londres. É uma visão e tanto. – ele disse satisfeito pela mudança no rumo da conversa.
- Seria uma beleza. Sua Alteza poderia me escoltar pela cidade. Isso ia ser sensacional. Um escândalo. – ela riu um riso abafado.
- Seria um prazer. Eu mostraria o melhor de Londres. – ele disse rindo – O Tamisa, o Museu Britânico, a Exposição do Império. Há tanto para ver!
- Talvez eu aceite a oferta. – ela riu – Vive em Londres?
- Não, mas minha família tem uma casa lá. – ele respondeu – Sou de Kent.
- Oh, então você é um daqueles lordes que tem uma casa em Londres para a temporada de festas? – ela perguntou entusiasmada – Achava que era coisa de livro.
- Eu não sou um lorde. Meu pai é. – ele disse desanimado.
- Pode se tornar um, um dia. – ela tentou animá-lo.
- Não vou. Meu irmão vai. Eu serei só um filho mais novo, que vai tentar voltar pra faculdade e virar um advogado. – ele disse desanimado.
- Talvez a vida não seja tão ruim. – ela disse se levantando da cadeira – Você vai ser um herói de guerra, um homem de uniforme. Milhares de garotas vão cair aos seus pés. Eu tenho que ir agora e Sua Alteza tem que dormir.
- Loki. – ele respondeu – Meu nome é Loki. E o seu?
- Eu já te disse, mas acho que você esqueceu. – ela disse rindo – Darcy Lewis. – foi a primeira vez que ele reparou nos lábios fartos dela, enquanto eles se inclinavam naquele sorriso discreto.
Nota da autora: Já fazia tempo que eu estava ensaiando pra escrever algo com esse casal, mas nunca saia do jeito que eu queria, em parte pq a Darcy é um ser aleatório e em parte pq o Loki é fodastico de mais pra mim controlar. Mas eis que eu assisto Cavalo de Guerra e não consigo mais tirar a visão de Tom, usando um uniforme inglês, na primeira guerra mundial, isso mais a segunda temporada de Downton Abbey me fizeram ver a luz. Então é isso, Loki é capitão do exército britânico e Darcy uma caótica enfermeira americana. Espero que gostem.
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Bjux
Bee
