Ludus1
Hiei estava deitado em sua cela com os olhos fechados quando ouviu passos. Decidiu permanecer como estava já, que pelo cheiro, percebera que era a Guia Espiritual que trabalhava para Koenma.
- Hiei. – Ela chamou e ele abriu um dos olhos para fitá-la.
- Quem é você? – Perguntou indiferente. Sabia que isso, provavelmente, iria irritá-la.
- Já se esqueceu de mim, Hiei? – O youkai lhe lançou um olhar de desdém. – Eu estava junto com Yusuke, ajudando ele a impedir que você matasse a Keiko... – Ela explicou frustrada.
- Me lembro de uma Baka Onna barulhenta que achava que estava ajudando e não percebia como era inútil. – Botan o encarou com uma expressão de mágoa.
I know I'm unloveable
(Eu sei que sou impossível de amar)
You don't have to tell me
(Você não precisa me dizer)
I don't have much in my life
(Eu não tenho muito na vida)
But take it's yours
(Mas pode ficar, é seu)
- Eu devia ir embora imediatamente, seu arrogante. – A jovem disse lhe mostrando a língua.
- Devia aprender a tratar melhor seus superiores, onna. – Ele respondeu se levantando e se aproximando das grades.
- Você nunca vai ser meu superior, seu... Bobo. – Hiei ficou tentado a rir ao ouvir o insulto que ela lhe dirigia.
- Diga logo o que veio fazer aqui, Baka Onna.
- Tenho uma proposta para você. – Ele olhou-a de cima a baixo como se a avaliasse.
- Espero que não esteja se oferecendo a mim. Você não parece ser grande coisa na cama. – Botan corou violentamente e Hiei deu um sorriso malicioso.
- Não é nada disso! – Ela respondeu indignada. – O senhor Koenma tem uma proposta de trabalho para que você pague por seus crimes em liberdade. – O koorime passou a prestar atenção ao assunto. Não queria prestar serviços ao Reikai, mas já estava cansado de ficar naquela cela.
- Estou ouvindo, onna.
- O senhor Koenma quer que você e Kurama ajudem Yusuke em suas missões como detetive espiritual. E assim suas penas irão se reduzindo até que estejam livres.
- Então o pirralho quer que eu seja o capacho dele até quando ele bem entender? Que proposta maravilhosa. – Ele comentou ironicamente.
- Você pode se recusar, Hiei, mas acho que isso é melhor do que ficar preso aqui. – Ele teve que concordar mentalmente com aquilo.
- E que tipo de trabalho devo fazer?
- Essa é a parte que achei que você mais ia gostar. – Ela disse sorrindo animada. – Você só vai ter que lutar, na maior parte do tempo. Pelo menos é algo que você gosta. – Aquela onna o conhecia melhor do que ele imaginava.
- Hm. E quando isso tudo começa? – A ideia de poder lutar realmente o animava.
- Você e Kurama vão começar a ajudar Yusuke na semana que vem, se você for aceitar, é claro. – O koorime deu as costas a ela e voltou para sua cama. Ficou surpreso ao ver que ela continuava parada olhando para ele.
- O que ainda está fazendo aqui? – Indagou com os braços cruzados atrás da cabeça.
- Você não disse se aceita ou não.
- Você disse que essa situação só começa na semana que vem. Não vejo motivos para responder agora. – Botan suspirou.
- O senhor Koenma tem um trabalho a parte que precisa ser resolvido logo. – Ela explicou. – Ele disse que posso chamar você ou Kurama. Já que você está cansado demais, vou procurar Kurama.
- Onna... – Hiei voltou a se levantar e a se aproximar dela. – Pare de fazer drama e explique logo tudo o que tem que explicar. – Botan deu um pequeno sorriso convencido.
- Viu como a arrogância não te leva a lugar nenhum?
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(Eu sei que sou impossível de amar)
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(Você não precisa me dizer)
Message received
(Recado dado)
Loud and clear
(Alto e claro)
- Onna... – O youkai já estava perdendo a paciência.
- Ok. Precisamos rastrear um youkai que está no Ningenkai.
- Nós? – Koenma esperava que ele ficasse por aí como guarda costas de sua Guia Espiritual?
- Eu vou junto como você.
- Para atrapalhar?
- Vou porque você não sabe que youkai vamos procurar. E porque o senhor Koenma não confia em você, obviamente. – A jovem cruzou os braços e olhou para o outro lado, só para não ter que encará-lo. Estava ficando com raiva das atitudes dele.
- Você também não quer que eu saiba que youkai é esse, não é? – Ele perguntou com um sorriso sarcástico, só para perturbá-la mais ainda.
- Não. Não quero. – Ela respondeu ainda virando o rosto para o outro lado e ficando emburrada como uma criancinha. Hiei deu um sorriso de canto.
- Ok, onna. Eu vou com você. Só espero que não pense que vou protegê-la.
- Não preciso de sua proteção. – Ela disse finalmente encarando-o, com raiva. O koorime continuava com seu sorriso sarcástico.
- O que estamos esperando então?
Hiei e Botan estavam no Ningenkai procurando o youkai. Conseguiram rastreá-lo até a região de Kyoto. Infelizmente já anoitecera e Botan começava a ficar preocupada sobre onde poderiam passar a noite. Ela não poderia dormir na rua com Hiei. Isso seria absurdo.
- Hiei, acho que devíamos nos hospedar num hotel. Está ficando tarde. – Ela disse tentando persuadi-lo de que essa seria a melhor opção.
- Faça o que quiser, onna. Eu vou continuar procurando pelo youkai. – O koorime respondeu num dar de ombros.
- Mas você nem sabe quem ele é...
- Qualquer coisa é melhor do que ficar com você. – Ele interrompeu-a e Botan soltou um suspiro, resignada. Ele podia fazer o que quisesse.
- Ok. Nos vemos pela manhã. – A jovem entrou no primeiro hotel que encontrou e pediu um quarto. Estava ficando cansada de todo esse mau humor.
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(Eu não tenho muito na vida)
But take it's yours
(Mas pode ficar, é seu)
Botan tomou um banho e pegou a muda de roupa que trouxera. Estava confortavelmente sentada na cama, comendo seu jantar, quando começou a chover. Apesar de tudo, esperava que Hiei estivesse protegido.
Foi nesse momento que viu um vulto numa das extremidades do quarto e deu um grito.
- Cale-se, onna. – Ele pediu sentando numa poltrona.
- Hiei? – Botan perguntou incrédula. – Você quase me matou de susto! Como entrou no meu quarto?
- Como entrei nesse lixo? Sou um youkai do fogo. Você realmente acha que aquela mulher na recepção sequer percebeu que eu entrei no edifício? – Botan começou a se acalmar e voltou a comer. Hiei olhava para seu prato com uma expressão faminta.
- Você está com fome? Quer que eu peça alguma coisa pra você?
- Se é que tem algo comestível aqui... – Ele respondeu tentando pensar em algo além de comida.
- Você pode olhar o cardápio. – Botan colocou um papel sobre a cama para que ele pudesse escolher o que queria comer. O koorime levantou emburrado. Não queria dar o braço a torcer, mas estava morrendo de fome.
Só para irritá-la, sentou-se ao lado dela na cama e ficou analisando o papel. Apesar de ficar um pouco nervosa com a proximidade, a jovem não se importava que ele sentasse com ela na cama.
- Vou querer isso. – Ele indicou a foto de um rámen e Botan solicitou a refeição para ele.
- É só esperar um pouco. – Ela voltou a olhar para a televisão e ficou assistindo ao filme que passava.
- Que idiotice. – O youkai resmungou ao ver uma cena do filme.
- Pare de reclamar, Hiei. – Ela disse sorrindo. A campainha tocou. – Deve ser a comida. – Hiei levantou para abrir a porta e um garçom entrou empurrando um carrinho. O jovem parou ao lado da cama e Hiei o seguiu. Quando o garçom ergueu a tampa da bandeja, Hiei viu que havia uma arma ali.
I know I'm unloveable
(Eu sei que sou impossível de amar)
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(Você não precisa me dizer)
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(Pois o recado foi dado)
Loud and clear
(Alto e claro)
- Onna! – Ele gritou pulando sobre ela na cama e jogando-a no chão, quando o jovem atirou. Em seguida o koorime levantou e deu um chute na mão do garçom, derrubando a arma. –Quem mandou você fazer isso? – O homem apenas riu e mordeu uma cápsula que estava em sua boca. Em seguida estava morto. Hiei observava a cena surpreso. – Você está bem, onna?
- Sim. – Ela disse levantando do chão com os olhos arregalados. – O que significa isso, Hiei?
- Significa que temos que ir embora agora. – Botan juntou suas coisas rapidamente e Hiei pegou-a no colo para que saíssem pela janela.
Aparentemente não era seguro eles se hospedarem em nenhum lugar. Teriam que passar a noite na rua, em algum lugar escondido. Hiei encontrou um templo e seguiu para lá. Todos deviam estar dormindo, levando em conta o horário.
- Vamos ter que ficar aqui, por hoje. – Disse Hiei entrando num armazém do templo. Os dois estavam encharcados. Botan sentou no chão tremendo.
- O que foi isso tudo? – Perguntou a jovem torcendo suas roupas. – Por que ele tentou nos matar?
- Provavelmente foi enviado pelo youkai que estamos procurando.
- Mas ele não é tão importante assim. – Ela explicou angustiada.
- A menos que Koenma tenha mentido para você. – Botan engoliu em seco. Aquilo era possível. Se fosse algo muito importante para o Reikai, sabia que Koenma estaria disposto a mentir para ela. – De qualquer forma, não podemos ir a lugar nenhum hoje com essa chuva. – A jovem assentiu. Hiei se aproximou da porta.
- Aonde você vai? – Ela perguntou ficando preocupada. Não queria ficar ali sozinha.
- Estou com fome. – O koorime respondeu entre dentes. Não queria dar satisfações a ela, mas não podia deixá-la ali sem explicação alguma.
- Eu tenho alguns sanduíches na minha mochila. Você pode comê-los, se quiser. – O youkai concordou e sentou perto dela.
Hiei comeu os sanduíches com avidez, como se não se alimentasse há dias.
- Nossa. Você estava faminto. – Ela comentou ainda tremendo de frio. Além de terem pegado a chuva, a noite estava muito fria.
- Os funcionários do Reikai não gostavam de levar comida pra mim. – Explicou o koorime. – Acho que se esqueciam de propósito. – Botan encarou-o, boquiaberta.
- Mas isso é horrível. Eles não podem fazer isso! – A jovem estava indignada. Como podiam permitir isso?
I wear black on the outside
(Eu uso preto por fora)
Because black is how I feel on the inside
(Porque preto é como me sinto por dentro)
- Devia dizer isso a eles. – Ele respondeu limpando os farelos das mãos.
- Eu vou! – Ela concluiu convicta. – Se sobrevivermos a isso tudo. – Botan se abraçou, tentando se aquecer. Hiei ficou calado, pensando, mas, por fim, se decidiu. Ele abriu sua capa e ergueu um dos braços.
- Onna... – O youkai chamou, envergonhado. Botan encarou-o, surpresa.
- Você...
- Não vou ficar assim o dia todo. – Botan assentiu e se aproximou dele. Hiei envolveu-a pelos ombros. Ele também pegara bastante chuva, mas sua capa era impermeável, portanto suas roupas estavam razoavelmente secas. Botan o envolveu pela cintura. Ele era bem quente e ela estava quase cochilando, aconchegada a ele, quando sentiu que sua mão tocava algo molhado. Ela ergueu a mão e viu algo vermelho nela.
- Hiei! – A jovem ergueu o corpo, assustada. – O que é isso? O que aconteceu? – Botan estava preocupada com ele. O youkai olhou para sua mão.
- Acho que fui atingido. – Ele respondeu tranquilamente.
- O quê? – A jovem não podia acreditar no que ouvia. – Você está dizendo que levou um tiro? E não disse nada? – A Guia Espiritual estava chocada.
- Não é nada demais. Foi um ferimento pequeno. – Ele deu de ombros.
- Não é pequeno, Hiei. Sua camisa está ensopada de sangue. – A jovem queria pegá-lo pela camisa e sacudi-lo. Como Hiei podia achar que um ferimento a bala não era importante o suficiente para ser mencionado?
- Até amanhã o ferimento vai estar fechado, onna. Acalme-se. – Ele estava tranquilo demais na opinião de Botan. Talvez essa atitude fosse culpa da perda de sangue.
- Vou ficar calma depois que fizer um curativo nesse machucado. – Ela se afastou dele e pegou um kit de primeiros socorros em sua mochila. – Tire a camisa, Hiei. – O youkai revirou os olhos, mas, com alguma dificuldade, fez o que a jovem pediu. – Meu Deus, Hiei! Como você pôde ficar calado estando machucado desse jeito? – Tinha um corte grande na pele da lateral da barriga dele, fora um tiro de raspão, mas vertia muito sangue. Se não fosse por isso, ela poderia admirar o corpo dele. Mas não poderia se dar a esse luxo naquelas circunstâncias.
- Já estou acostumado a esse tipo de coisa. – Ele explicou.
And if I seem a little strange
(E se eu pareço um pouco estranho)
Well, that's because I am
(Bem, é porque eu sou)
- Mas você não sente dor? – Ela perguntou enquanto preparava o curativo e o álcool para desinfetar o ferimento.
- A dor pode ser controlada. É só desligar. – Botan não sabia o que dizer. Que tipo de vida Hiei levara para acreditar que aquele tipo de ferimento e atitude era normal?
- Vai doer um pouco, Hiei. – Ele assentiu. Parecia cansado. Ela passou uma gaze com álcool sobre o ferimento para limpá-lo e Hiei se contorceu um pouco, mas não soltou um ruído sequer. – Desculpe. – Ela pediu e, em seguida, cobriu o ferimento com o curativo. – Pronto. Já pode colocar a camisa de volta. – Botan percebeu que o koorime estava tendo alguma dificuldade para se vestir. – Eu te ajudo.
- Não! – Ele disse arisco.
- Por favor, Hiei. Eu quero ajudar. Você levou um tiro por mim. – A jovem respondeu com lágrimas nos olhos. Hiei odiava ver mulheres chorando.
- Ande logo com isso, onna. – Rapidamente ela o ajudou a colocar a camisa e a capa; e voltou para sua posição anterior, abraçando-o.
- Tem certeza de que está tudo bem eu ficar aqui, Hiei? – Ele revirou os olhos.
- Onna, apenas durma. Não sou feito de papel.
- Ok. Obrigada, Hiei. – Botan disse encostando a cabeça no peito dele. Logo em seguida Hiei também caiu no sono, com a cabeça apoiada sobre a dela. Tinha que admitir que estava extremamente cansado e que se sentia fraco, mas não se arrependia de ter salvado aquela onna.
But I know that you would like me
(Mas eu sei que você gostaria de mim)
If only you could see me
(Se você pudesse me ver)
I don't have much in my life
(Eu não tenho muito na vida)
But take it's yours
(Mas pode ficar, é seu)
[Unloveable – The Smiths]
Início e Término: 16/12/2016.
1 Ludus era a ideia dos Gregos de amor divertido, que se referia à afeição divertida entre crianças ou jovens amantes. Todos tivemos um gosto dele no flerte e provocação nos estágios iniciais de um relacionamento. Mas também vivenciamos nosso ludus quando sentamos em roda em um bar contando piadas e rindo com amigos, ou quando saímos para dançar.
