O meu nome é Samantha Keynes e o diário da minha jornada deveria ter começado anos atrás. Sete anos para ser mais exacta. Na região de Kanto ao atingir os dez anos de idade qualquer jovem que deseje vir a ser treinador recebe das mãos dos responsáveis locais o seu pokemon inicial e um pokedex para recordar todo o progresso e tirar qualquer dúvida que possa surgir ao longo da sua jornada. É aí que começa. As despedidas, as promessas de trocar e-mails com os amigos que nunca vamos esquecer, os conselhos dos mais velhos, ex-treinadores e homens da ciência que dedicaram toda a vida à arte de apanhar, treinar e estudar algumas das criaturas mais enigmáticas que partilham connosco o mesmo planeta.
A minha jornada, no entanto, teve um início diferente.
Nasci em Goldenrod City, na região de Johto. Com poucos meses de vida o meu pai recebeu um convite por parte do comité da liga para ocupar uma vaga no ginásio de Veridian, em Kanto. O antigo líder de ginásio, membro de uma organização criminosa, havia desaparecido e o ginásio ficara temporaneamente ao cargo de um dos elementos da elite. Veridian não tinha voltado a ser a mesma. Estava na altura de a vida voltar ao normal. Como o Ginásio tinha um rendimento generoso, fora um subsídio dado pela liga, a minha mãe acabou por ficar em casa. Era responsável por alimentar e tratar dos pokémon do Ginásio e dos que os meus pais haviam apanhado durante as suas jornadas.
Assim fiquei em casa até ter idade suficiente para frequentar a escola primária para a formação de jovens treinadores onde para além da aprendizagem básica entravamos em contacto, alguns pela primeira vez, com vários tipos de pokemon especialmente treinados para auxiliar na educação de crianças e jovens. Lembro-me do espanto de alguns colegas de turma que nunca tinham visto um pokemon em carne e osso (ou neste caso, rocha) quando conhecemos no primeiro dia de aulas o ónix que ia ser usado para a nossa formação. Eu era uma privilegiada. Com a quantidade de pokemon que tinha em casa não me conseguia espantar com o tamanho "generoso" do ónix da turma.
Quando acabei o ensino básico estava mais do que pronta para receber o meu primeiro pokemon. Ia ser só meu. Não eram os pokemon do Ginásio, nem os da jornada dos meus pais nem o ónix da turma. Tinha pensado sobre isso (como é que podia não pensar?) e tinha decidido que ia começar com um charmander. Sempre tinha gostado dos tipo fogo. Era só preencher o requerimento que nos deveria ser entregue no último ano de formação e enviar para o cento pokemon da cidade.
Acho que nunca vou esquecer o dia em que cheguei a casa com o requerimento, com a certeza do pokemon que queria e pronta para ir no dia seguinte ao mercado comprar pokebolas com o dinheiro que tinha poupado nos últimos aniversários.
Nessa noite os meus pais pediram para ficar na mesa depois do jantar. Não gostei da maneira como olhavam para mim. Fiquei com a sensação de que tinha acontecido alguma coisa e de que tinha feito algo grave. O meu pai foi o primeiro a falar. Começou por falar na responsabilidade de ter e manter um pokemon. De como não pode ser feito de animo leve. "São criaturas vivas. Tem necessidades tal como nós. Antes de poderem proteger o seu treinador tem de ter um treinador que tome conta deles. São como crianças.". Quando ouvi esta última frase e vi a maneira como olhava para mim tive uma sensação de queda livre embora ainda não soubesse bem porquê. Não ficou por aqui.
Desta vez foi a minha mãe que falou. Percebi que, o que quer que fosse dizer a seguir, não ia ser fácil para ela. "Não tens de partir agora. Podes entregar o formulário em qualquer altura". Eu não sabia o que dizer. Acho que por essa altura ainda não tinha entendido, ou não queria entender, o que se estava passar. Acho que o meu pai percebeu porque não tardou a preencher as lacunas que a minha mãe tinha deixado: "Achamos que ainda não tens maturidade suficiente para teres um pokemon a teu cargo. Não podes levantar um pokemon e sair de casa sem mais nem menos. Quando acharmos que tens maturidade suficiente devolvemos-te o formulário e ajudamos nas primeiras despesas. Por enquanto o melhor é continuares os estudos.".
Não me lembro de ter reagido.
Um mês depois acabaram as aulas e alguns dos novos treinadores partiram em direcção á floresta de Veridian. No mês seguinte tinham partido todos. Nesse ano tinha havido um número anormalmente grande de treinadores. Regra geral não chegavam a dez. Uma boa parte das crianças decidia entrar para uma das várias academias de Kanto e prosseguir os estudos para desgosto dos pais. Miúdos pequenos, com demasiado medo do escuro e dos Gengar que se escondiam debaixo da cama. Eu queria partir e era forçada a ficar. Dois dos novos treinadores que vi partir levavam um charmander. Um deles devia de ser o meu.
O tempo foi passando. Para prosseguir os estudos deram-me a escolher algumas das academias da zona oeste de Kanto. Escolhi ficar por Veridian. Não que não faltasse vontade de sair da cidade e mostrar aos meus pais que tinha capacidade para tratar de mim mas se partisse tinha receio que se esquecessem de que eu ainda estava à espera de uma resposta positiva, de um salvo-conduto para partir. De entre as duas academias que Veridiam disponibilizava optei pela "Academia de Estudos Avançados para Futuros Criadores ". Se pensavam que não sabia como cuidar de um pokemon, depois de completado o curso já não podiam dizer o mesmo, certo?
O curso básico tinha uma duração de cinco anos, sete para quem quisesse tirar especialização em "Enfermagem e Assistência" e oito para "Medicina e Intervenções de grau III". Não exageremos, mas tirar um curso de medicina para começar uma jornada também era demais, não?
No final dos cinco anos fui buscar um novo requerimento ao centro. Com quinze anos já tinha um atraso considerável em relação aos meus antigos colegas de turma. Ainda queria chegar à liga antes dos vinte! Aposto que por essa altura me iam forçar a assentar e tomar conta do Ginásio ou pelo menos a ficar como pupila. Como é que eu ia adivinhar que a ideia era precisamente pôr-me como pupila do meu pai mal acabasse o curso?
A verdade é que nos primeiros anos o Ginásio tinha sido o "brinquedo novo" do meu pai. Era um posto alto, dado pelos membros da elite em pessoa, mas com o passar dos anos o meu pai queria mais. Sempre fiquei com a sensação que para ele tudo o que ficasse abaixo da elite era pouco. Portanto o plano B era declinar a oferta assim que tivesse um substituto e esperar uma nova missão que o levasse mais longe.
No final do curso fui informada de que teria o privilégio de ficar pelo Ginásio para ganhar experiencia para a minha futura jornada. Acho que foi nessa altura que percebi que não ia haver futura jornada.
Os dias que se seguiram não foram propriamente calmos. Os meus pais não aceitam facilmente um não como resposta ou ideias contrárias aos planos que tem traçados para os outros. Disseram-me que podia ficar como aprendiz e herdar o Ginásio e ter um mínimo de prestígio ou teria de financiar a minha própria jornada. Estava por minha conta.
Acho que é praticamente tudo até aos dias de hoje. Neste momento estou a trabalhar no mercado de Veridian no atendimento ao público. É assim que pretendo financiar a minha jornada. O ordenado não é o de nenhum líder de Ginásio (irónico não?) mas vai ter de chegar para os primeiros tempos. As batalhas oficiais e combates de rua devem financiar o resto. Á dois dias tive o meu primeiro pokemon. Tive de esperar mais um pouco para ter um charmander, pelos vistos estavam esgotados. Esta é a versão oficial. Mas eu sei que por detrás deste atraso está a influência do meu pai, sempre a espera que eu mude de opinião e volte a correr para aceitar a proposta.
Por agora vou ter de desligar. A minha hora de almoço acabou e o gerente não vai achar piada se estiver no pc com os clientes à espera.
O meu nome é Samantha Keynes e amanhã começo finalmente a minha jornada com 7 anos, 3 meses e 21 dias de atraso.
