Serenade in Blue
When I hear that serenade in blue
I'm somewhere in another world, alone with you
Sharing all the joys we used to know, many moons ago.
Once again your face comes back to me
Just like the theme of some forgotten melody
In the album of my memory, serenade in blue
Tudo tinha acontecido em outro tempo – outro mundo – mas você lembrava bastante bem do que acontecera, de quando seus olhos forasteiros encontraram os dela naquele baile – O Baile de Primavera – poucos meses antes de ser despachado junto com o resto dos rapazes para o continente e a Guerra.
Ela não poderia nem desconfiar de sua verdadeira identidade, e seu falso nome era algo com o que já estava tão acostumado que às vezes chegava a se esquecer de quem realmente era e largar-se às pequenas delícias do companheirismo rude e fácil dos soldados – até mesmo Potter, a quem sabia que precisaria entregar.
Agora você vê aquilo como um tempo dourado – e vermelho, no final – ainda tão jovem e confiante, seu cinismo mais uma graça do que realmente parte de si. Talvez só tanto tempo depois pudesse perceber o quanto aquele disfarce era uma benção: porque não era em absoluto um disfarce, você nunca tinha sido tão você mesmo, preso eternamente em seu papel de instrumento para a subida e a glória do Reich.
Ali, nos campos verdes e férteis da Inglaterra você tinha sido mais Draco Malfoy do que fora em todos os dezenove anos antes, e nem mesmo a sombra da guerra e da traição que se aproximava poderiam abalar sua animação. Ali, preso em um mundo idílico onde seus ideais mal pareciam existir, você foi tolo o suficiente até para se apaixonar.
Talvez naquele momento sua traição tenha realmente começado, pois nem mesmo a amizade que tinha construído com Potter era mais forte do que a loucura que parecia se apossar de você a cada vez que via aqueles cabelos ruivos brilhando em algum lugar do vilarejo. Hoje, você imagina se aquilo não era a providência divina tentando te salvar através da perdição que eram os olhos castanhos de Ginevra Weasley.
Que importava que Harry Potter fosse o primeiro amigo que tinha feito na vida? Dizia a si mesmo que sempre estivera mais que disposto a traí-lo, sempre soube que o faria. Ao mesmo tempo, você sabia que aquilo não era verdade, e em parte temia o momento em que deveria entregá-lo. De alguma forma a idéia de entregar aquele que tinha lhe oferecido a mão quando era um forasteiro -- um estranho completo e excluído do resto da companhia – sentia como se uma águia bicasse seu coração e tomasse sua coragem, apenas para tornar a decidir-se por não decepcionar seu pai.
Mas por ela... ah, por ela! Neste caso você não hesitaria; o primeiro movimento que ela fizesse te dando espaço, você aceitaria sem olhar para trás ou pensar em qualquer outra coisa. Você a tomaria para si com o ardor de um homem que caminha no deserto com o cantil vazio, com o arrebatamento um sacerdote em comunhão com seu Deus, como um músico que se deixa perder nas notas que toca e esquece-se da platéia. Talvez, o tempo até parasse de correr se seus lábios se encostassem.
E então, você sabia, estaria salvo e se perderia naquele momento sem olhar para trás ou para frente.
Aquilo eram sonhos de outro tempo, outra vida, outro mundo – que não existia mais nem mesmo nos pesadelos das vítimas, há tanto tempo em silêncio. Mas ainda estavam vivos em seu coração, que insistia em continuar a bater apesar da idade, insistindo em atravessar para o século seguinte embora em sua mente todos os sessenta anos entre aquele dia e este parecessem desaparecer.
It seems like only yesterday, the small cafe, a crowded floor
And as we danced the night away, I hear you say forever more
And then the song became a sigh
Forever more became goodbye
Os poderosos olhos castanhos tinha se voltado para você, em certa ocasião. E sem saber exatamente como, você a convidou para dançar. As noites enluaradas em que você atirava pequenas pedras na janela para acordá-la, e fugiam juntos para cidades vizinhas, para dançar em cafés escuros onde não seriam reconhecidos.
A sua verdadeira traição a Potter se consumou em uma destas noites, quando antes de tornar a entrar escondida em casa, Ginny tocara seus lábios com os dela, trazendo o céu e o inferno para uma coisa única, uma benção e maldição ao mesmo tempo. E seu corpo inteiro parecia pegar fogo enquanto via o sorriso travesso cruzar os lábios dela, sabendo o que tinha feito.
Em seu coração, você sabia que Ginevra jamais deixaria de amar Potter de alguma forma, mas aquele momento era seu. Aquele momento era o mundo inteiro, e toda a realidade, fazendo com que o resto ficasse opaco e esfumaçado. Ainda hoje você conseguia sentir aquele toque em seus lábios e a chama que parecia te consumir, a lembrança é tudo que resta de Ginevra Weasley.
As semanas seguintes iriam lhe parecer parte de um sonho durante a guerra e, no entanto, hoje em dia, parecem que ser a coisa mais verdadeira que já te aconteceu. A ousadia marcante da garota, os olhares roubados enquanto estavam na presença de Harry ou algum dos outros. Você [i]quase[/i] disse a ela a verdade de seus planos e das ordens que receberam.
Agora, quando você dorme e os sonhos dobram o tempo à sua vontade, você ainda se vê ali, confessando tudo para ela, que o aceitava mesmo assim. Mas eram apenas sonhos – e mesmo que você tivesse a chance de alterar o passado, sabia que você jamais o faria realmente. Sessenta anos depois, e você ainda é um covarde que não suportaria a censura daqueles olhos.
Você, com a inocência típica dos jovens, acreditou que aquilo jamais acabaria: as fugas noturnas, os beijos suaves, a risada debochada de Ginny perto de seu ouvido, sua pequenina mão esquerda pousada em seu ombro durante a dança, as palavras sussurradas. Nem mesmo o pesado treinamento de guerra era capaz de te lembrar que aquilo não deveria acontecer, e nem um grama de culpa se intrometia em seu relacionamento com Potter. Você ainda não via os reais perigos de amar Ginevra.
Você ainda não vê.
Tudo que houve depois – antes? Durante? O que é o tempo agora? – foi alterado por aquelas pequenas semanas. Entregá-lo não era mais uma questão de agradar seu pai, mas de ter o caminho livre. Você não precisava que ele se fosse para ter chances com ela, é claro, mas não podia suportar a idéia de que um dia Ginny se tornaria esposa dele.
Você não imaginou que o simples fato dela fugir contigo a cada chance para dançar em cafés era uma indicação que ela ousaria deixá-lo. Imaginar nunca foi seu forte, ao menos não aos dezenove. Hoje em dia, você pode reinventar aquele tempo para ser mais do que foi, mas essa é apenas uma das bênçãos da idade.
Você se perdeu no que poderia ser sua própria salvação, excluindo todo o resto da sua cabeça, afundando-se em um mar de Ginevra, em um mar de amor e perdição em doses iguais. Você esqueceu até mesmo da guerra, até mesmo de sua missão, tudo que importava era viver aquilo ao máximo.
Mas o tempo é inexorável, e nunca pára a pedido dos jovens. E veio o Baile da Despedida, o momento de ser enviado para o centro do conflito, a última chance que teria de vê-la em toda sua vida. E naquela noite, contra todo o costume, você tirou o par de Harry para uma dança.
Uma dança contra o tempo, ou talvez através dele, uma dança para lembrarem-se do que tinham, para esquecerem-se do que não mais teriam. Uma dança com os risos debochados e conversas sussurradas, ecoando os sussurros do salão ao vê-los ali, em um abraço próximo demais para a dança, os passos fora do ritmo, em uma cadência que não acompanhava o mundo de lado de fora, apenas o coração de ambos.
Harry nem notou, claro. Ele jamais veria qualquer falha em você ou em Ginevra até que fosse tarde demais. Você sussurrou o nome dela diversas vezes, em um frenesi. E aquela noite, você foi até a janela dela uma última vez: um último beijo, um último abraço, uma última noite de segredos gravada através do tempo dentro de seu coração traidor, tão próximo da salvação e já tão condenado.
Você foi à guerra e fez o que deveria fazer, sem que ninguém desconfiasse. No momento adequado, seu nome falso apareceu entre os desaparecidos de um determinado ataque, junto com o de Harry. Você sumiu, realmente, fugindo tanto dos ingleses quanto dos alemães, junto à sua família; por tanto tempo que sequer soube quando a guerra terminou – foram semanas até descobrirem que o pior passara e podiam respirar aliviados.
Você continuou sua vida, claro, e casou com uma jovem escolhida por seus pais, sem nenhuma ligação com a Alemanha, para limpar o nome da família. Astória teria sido tudo que você pediu a Deus – mas não poderia, nunca, ser Ginny. Os anos se passaram e você sequer procurou saber notícias – era covarde demais até para isso.
Mas agora, na velhice, você pensava nela a todo o momento, desejando voltar atrás e se deixar ser salvo. Você tentava dobrar o tempo sob a sua vontade poderosa, e imaginar o que poderia ter sido. E em seus devaneios, você e Ginevra eram novamente jovens e inconseqüentes, eternamente felizes como naquela primavera.
E foi durante um destes devaneios que você partiu para onde o tempo não tem qualquer significado.
But you remained in my heart, so
Tell me darling is there still a spark?
Or only lonely ashes of the flame we knew
Should I go on whistling in the dark, serenade in blue.
