O som alto, a multidão, o cheiro de álcool misturado com o suor e tabaco... tudo a incomodava. Aquela festa de aniversário, anteriormente tão válida de se esperar ansiosamente por, mostrava atingir o clima de um ambiente hostil após as duas horas da madrugada. Chihiro deixou de ficar encostada a um canto e resolveu pegar uma cadeira vazia perto de tantas outras ocupadas por casais se beijando para poder se sentar em um lugar em que pudesse, ao menos, conseguir ouvir a voz em seu pensamento.

Não, aquele definitivamente não era o seu hábitat natural. Estaria muito melhor dormindo em sua cama, seu vestido rendado guardado seguro no guarda-roupa. Porém, em casa, ela estaria sozinha. Não teria nem ao menos a presença daquele que ela passara observando durante toda a celebração, esperando um olhar recíproco.

Aquele lugar era o inferno. Queria amaldiçoar o infeliz aniversariante e seu péssimo gosto de amizades, sair de lá e voltar a enxergar os movimentos completos das pessoas. Mas algo a prendia. Estava crente de que havia sido correspondida – senão, já estaria no aconchego de suas cobertas. Mas não poderia ter certeza. Sempre que o encarava, se encontrava com seus próprios olhos assustados, refletidos pelas lentes do seu belo par de lentes escuras.

Seus olhos não eram medrosos; eles davam medo. Talvez fosse por isso que o lugar ao seu lado ainda estivesse vago.

— Posso me sentar aqui? — tremulou uma voz masculina, logo acima do seu ombro.

Chihiro se virou parar ver. Lá estavam seus olhos, agora surpresos.

— Po-pode...

Ela se remexeu dentro de suas rendas tão rosadas quanto suas bochechas. Não poderia levantar a cabeça; não poderia olhá-lo com medo; não poderia engasgar em sua fala... ficaria quieta, eternamente fixa em sua cadeira, pra sempre postada a olhar seus próprios joelhos.

— Meu nome é Hideki — iniciou.

Se ao menos não houvesse o barulho da música ao fundo, ruídos de copos quebrando e de namorados ao redor, teria pairado um silêncio desconcertante no ar.

Barulho desconcertante.

— Você é a Chi? —resolveu terminar.

Não conseguiu. Abandonou os joelhos e respondeu pelo nome.

—Chihiro...

—Então, pra mim você é a Chi.

Novo barulho desconcertante.

Joelhos.

—Você está muito bonita.

Seus joelhos saíram correndo, e tudo o que ela podia ver era seu próprio rosto, radiante — refletido nos óculos escuros. O barulho acabou.

"Unmei wa tsukamu mono kono te jiyuu ni nobaseba ii

Kimerareta ashita wa nai

Damatte ite mo wakaru ano hi deai wa guuzen janai

Tooi hitomi ni eien kanjita..."

A música foi sugada por seus ouvidos, dissolveu-se e ficou martelando em sua cabeça. Destino? Destino? Seria o destino que a encarava com aqueles olhos assustados?

— Não quer viver um pouco? — e ela nadou em direção à superfície daquele mar de versos. Quando retomou o fôlego novamente em sua mente, via-se o perdendo no meio de um sorriso, enquanto seu corpo e o de Hideki embalavam-se num ritmo incessante.

De repente o inferno transformou-se em paraíso, de repente as bochechas vermelhas de vergonha tornaram-se coradas de dançar, de repente a longa noite pareceu curta demais. Seu reflexo não mais lhe importava; imaginava-lhe os mais diversos olhares, todos cobertos de paixão e felicidade —assim como os seus.

Na verdade, aqueles eram os seus.

Mas... ah, tudo era tão loucamente empolgante...

E quando ele a apertou para junto de si, aproximou seu rosto ao dela e tirou as lentes que o escondiam, ela simplesmente não pôde parar de pensar:

"Persocom."

Seus lábios inconscientemente moveram-se aos trejeitos da palavra.

— O que foi que disse?

Tudo parou.

A música, a dança, o movimento, a empolgação, o sentimento, o olhar, os sorrisos, as pessoas, o mundo, tudo, tudo, tudo escorreu para um ponto ínfimo longe dali, deixando-lhe apenas um pensamento bizarro e uma dor de cabeça entorpecente.

Persocom.

Persocom.

Persocom.

Não queria saber o que era. Só queria que parasse.

Viu um borrão de Hideki estendendo-lhe algo, e enfiou-o garganta a baixo. Era líquido, gelado e pesado. Num segundo momento, pronunciou um "Chi", igualmente pesado.

— Módulo de segurança X, chobits.

Foi tudo o que ouviu antes que os borrões de pensamento e realidade se confundissem, e tudo a sua volta fosse tragado pela escuridão.