– Mais uma vez, Hyoga!

Camus não descuidava por um segundo do treinamento de seu pupilo, despertando, de certa forma, uma ponta de inveja nos outros cavaleiros de ouro que sofriam para manter a atenção de seus discípulos travessos.

Nada era diferente no santuário, não haviam ataques há muito tempo, e todas atenções dos cavaleiros era para treinamentos e suas vidas pessoais. Normalmente, os cavaleiros de ouro se reuniam após os
treinos para um happy hour e os cavaleiros de bronze costumavam sair e se divertir de acordo com o toque de recolher de cada mestre.

Isso era o que acontecia normalmente... Mas não em regra. Para Camus e Hyoga não existia nada além dos treinos. Sua rotina se reduzia a acordar de madrugada para meditação e exercícios de alongamentos seguidos por um desjejum reforçado para um dia intenso de treinamento físico.

Na hora em que todos iam se arrumar para se divertir, ambos se dirigiam para a casa de aquário para um banho e uma refeição que era sempre seguida de horas de estudos de física, química, matemática e história.

Hyoga nunca reclamava, aproveitava os breves momentos de folga para conversar com Shun ou algum outro cavaleiro. Não dava muita bola para as zombarias que ouvia dos mais endiabrados, como Ikki, sobre ser demasiadamente submisso ao seu mestre.

– Shun! - Disse Hyoga sorrindo ao ver o amigo enquanto descia as escadas para levar um dos livros que Camus havia emprestado e pediu que fosse buscar.

– Olá! Tudo bem? Sabe, amanhã será o aniversário do meu mestre Shaka e pensei que você e o Mestre Camus gostariam de jantar conosco...

–Duvido que meu Mestre concorde em sair de casa, mas posso tentar. - Disse Hyoga sorrindo para o amigo. Ele adorava aqueles momentos de contato social que seu Mestre nunca lhe proporcionara, mas jamais reclamaria, sabia que tudo que Camus fazia era para o seu bem.

Hyoga continuou o caminho em passos mais rápidos, temendo que seu Mestre notasse atrasos desnecessários. Chegou, seu Mestre lia, colocou o livro sobre a escrivaninha em que Camus se encontrava e sentou o fitando.

– Diga, menino, porque está me encarando? - Disse Camus sem tirar os olhos do livro que estudava.

– Er... - Hyoga ficou desconsertado – Sabe o Shun?

–Sim.

–Ele é... Sabe o Shaka?

Camus viu que aquela conversa estava estranha demais, levantou a cabeça, fechou o livro e ficou olhando para a cara de Hyoga esperando uma frase com mais nexo do que aquelas.

- O Shaka? Sim, conheço ele há muitos anos, Hyoga. O que está acontecendo? Você quer me pedir alguma coisa? Amanhã será aniversário do Mestre Shaka e o Shun nos convidou para um jantar na Casa de Virgem para comemorar – Disse Hyoga de uma vez vez, num só folego, com medo de perder a coragem.

Camus olhou para o lado pensando se não era rígido demais com Hyoga, achando um pouco de exagero o discípulo ter receio em perguntar algo tão simples enquanto os outros cavaleiros de sua idade quase
colocavam fogo no Santuário.

–Você quer ir, Hyoga?

–Sim Mestre! - Disse Hyoga sem conter a empolgação de fazer algo diferente ao menos uma vez e em poder ver seu amigo Shun.

–Ok então, pode confirmar nossa presença.

Hyoga deu em abraço em Camus e saiu em direção à porta até ouvir:

– Onde o Sr. pensa que está indo?

– Avisar o Shun que vamos... - Disse Hyoga que foi interrompido.

– DEPOIS da aula – Disse Camus apontando para a escrivaninha e frisando o tom da palavra depois.

Hyoga voltou, um pouco encabulado pelo ânimo desmedido. Pensava se seu Mestre havia percebido a ansiedade que ele tinha de ver seu amigo Shun, mas não, Camus nunca pensava nesse tipo de coisa. Passou a noite tentando se concentrar na aula, teve que ouvir uma ou outra chamada de atenção, mas por fim, se concentrou, avisando Shun
depois que iriam no dia seguinte.

Camus pensava no banho sobre atividades sociais e a importância delas na vida de um jovem, o assunto desviou para a sua própria vida social e, de repente, veio à sua mente a figura de Milo. Camus abriu os olhos tentando não pensar no moreno de cabelos azuis que tanto que atraía e foi de toalhas para o seu quarto.

Secou-se, colocou uma calça social e uma camisa, como de costume, pegou uma papelada em um dos armários e se dirigiu à sede administrativa para deixar alguns documentos e protocolos no escaninho. Era um fardo grande ser Mestre e tutor legal do Hyoga, professor de ciências na Universidade Metropolitana da Grécia, responsável geral e legal do Santuário e ainda ter que treinar seu condicionamento físico para uma batalha que poderia se iniciar a qualquer instante.

No caminho colide com outro cavalheiro, fazendo com que toda papelada de espalhasse pelo chão. Camus, preocupado em perder qualquer documento, começou a recolher papel por papel da maneira mais rápida possível quando começou a ouvir alguns risinhos.

– Nem me reconheceu, Camyu?

– Tinha que ser você aí, parado que nem uma árvore no meio do caminho! - Respondeu rabugento, enquanto recolhia os dois últimos papéis que caíram.

– Senti falta do seu humor – Disse Milo se jogando no peitoral de Camus, sabendo o quanto ele odiava aquela demonstração pública de afeto.

–Saia de perto de mim – Disse afastando o Cavaleiro de Escorpião de perto com um empurrão – Esqueceu o que aconteceu antes de sua repentina viagem à Espanha?

Milo parou, sem entender ao certo o que acontecia. Teve que fazer uma viagem de trabalho pelos interesses do Santuário, não se lembrava de algo que poderia deixar Camus mais bravo com ele do que o de costume.

– Eu posso ver no seu olhar rancor, Camus. O que eu fiz?

– Oh, como ele é inocente – Disse Camus que continuava a andar deixando o Escorpião falando sozinho.

–Camus! - Gritou Milo.

– Pense no que fez na noite anterior à sua viagem, Milo – E saiu, deixando o escorpião perdido em suas tentativas de voltar àquela
noite.

Milo estava perplexo, Camus parecia muito magoado com algo... Mas com o que? Milo se lembrava de beber na noite anterior, uma vez que fora novamente deixado de lado por Camus em virtude da exemplar educação que dava à Hyoga.

– Vamos ver, eu marquei uma bebedeira na minha casa mesmo, porque sempre que marco em bar acaba em merda. Todo mundo riu, se divertiu, enquanto o tonto do Camus ficou em casa com o patinho amarelo dele.

Milo tentava se lembrar, o que poderia ter deixado Camus nervoso? Todos foram, riram, se divertiram, até que restou apenas ele e Afrodite.

– Ficamos eu e o Dite que rimos muito, graças a Tequila, porque eu odeio aquela bicha afeminada.

Foi quando deu por si, será que Camus havia visto ele com Afrodite e tenha ficado com ciúmes sem motivo? Pensou sobre o quanto Camus era um imbecil e correu as escadas atras do amado, até que o alcançou
ofegante.

– Ah... - Tentou falar Milo, mas o fôlego lhe faltou.

– Para um cavalheiro de ouro, você está bem fora de forma – Disse Camus zombeteiro, enquanto começava a descer deixando Milo para trás.

– Pera lá, ô da Kibon!

Camus revirou os olhos e continuou descendo, odiava os apelidos que Milo lhe deva. Na realidade quase tudo no escorpiano o irritava, esse
jeito infantil o irritava, por vezes desejava ter sido Mestre dele, acreditava que tudo que vinha dele era fruto de má criação.

Camus, por favor – Disse Milo correndo e segurando o braço de Camus.

– O que foi? - Disse um Camus totalmente sem paciência.

– Porque você está bravo?

– Ah, não é nada Milo – Disse com sarcasmo.

– Não houve NADA entre mim e aquela bicha louca demente por rosas.

– Não? Engraçado, o que eu vi quando fui me despedir de você foi outra coisa!

– Mas eu JURO que nada aconteceu!

– …

– Você viu nós nos beijarmos? Nos abraçarmos? Transarmos?

– Por Zeus Milo, NÃO! - Disse Camus quase desesperado com a ideia de ver Milo fazendo algo do tipo com outra pessoa – Mas vi vocês prontos para fazer algo do tipo, apenas decidi não ficar como espectador.

– Camus... - Disse Milo quase feliz por ter despertado ciúmes, era a primeira vez que aquilo acontecia, e ele sabia que jamais veria uma cena dessas novamente.

Camus pensou um pouco, estava sendo um pouco irracional e se odiava por isso. Milo era o único capaz de deixar Camus fora do prumo, o único que desviava Camus de sua rotina quase que doentia cheia de horários e nenhum lazer, o único que despertava vida no olhar do cavaleiro gelado.

Foi quando Camus ficou com vergonha e disparou para sua casa, indo deitar. Não admitia aqueles sentimentos, não admitia, sequer, sua relação com Milo. Tinha muitas tarefas, muitas obrigações, não podia se dar ao luxo de ter outra criançona para criar.

Dormiu e acordou como se jamais tivesse pregado os olhos. Naquele dia, quem sofreu com sua tentativa de se concentrar foi Hyoga, com um treino extremamente puxado, até mesmo para os padrões de Camus.

– Ai, ai, ai – Começou a pular e gritar Hyoga.

– Preste atenção, Hyoga! Quer morrer? - Soou grave e séria a voz de Camus e a repreenção não chamou apenas a atenção do cavaleiro, mas dos demais da arena que pararam para observar.

– Me perdoa Mestre... É que... - Hyoga falava baixo, tentando esconder as lágrimas de vergonha. Foi quando Camus olhou no relógio e chamou Hyoga para perto de si.

– Hoje é o aniversário do Shaka, não é? Pode sair mais cedo e ir comprar um presente para ele e algo para levarmos na janta. Sei que
hoje fui muito duro com você, mas estou feliz com o resultado.

Camus se condenava por ter feito Hyoga sofrer, mas o sorriso do menino com o descanso o confortou um pouco. Chegou na sua cama e deitou, tentando controlar os pensamentos, quando vê um homem saindo de seu banheiro.

– Milo!

– Bu!

–Saia da minha casa!

– Mas e minha saudade? - Disse sentando-se no colo de Camus – O que eu faço com ela?

– Saia já daqui! - Disse Camus pulando e jogando Milo no chão com o impulso – Não quero você aqui, não quero você na minha vida
atrapalhando tudo e não quero que Hyoga o veja em meu quarto!

– Vi você dando dinheiro pro pato, ele vai demorar se foi fazer compras no centro. Porém se usar o dinheiro com alguma prostituta, aqui perto está cheio. - Milo sempre dizia essas coisas de Hyoga para provocar Camus.

– Cale-se, Milo!

Milo dobrou Camus, matando toda a saudade daquele corpo que tanto desejava. Por fim, Milo adormeceu no ombro de Camus que acabou por dormir também, esquecendo de tudo que o chateava.

Porém, dormiram tempo demais...

– MESTRE!

– O que? - pulou Camus acordando Milo – Hy-Hyoga!

– Mas o que... - Hyoga estava nitidamente nervoso, tenso e confuso sem conseguir falar nada. Apertava tanto a mão em punho que chegou a cortá-la com suas unhas de leve.