(...)

Was a long and dark December
From the rooftops I remember
There was snow
White snow
Clearly I remember
From the windows they were watching
While we froze
Down below

Michael não sabia ao certo se o silêncio o incomodava ou o ajudava a relaxar; por muitas vezes viu-se distraído pelo barulho produzido pelas xícaras sendo enchidas perto de si, ou da louça repousando, depois de goles sonoros, que costumavam cessar pouco tempo depois. Era difícil imaginar o que se passava pela cabeça do rapaz, mas o desconforto era gritante, aparente demais. E ele não gostava disso.

Desconfortável. Desconfortável era a palavra perfeita para descrevê-lo. A claridade do ambiente, o silêncio e as pessoas que observava através da janela o faziam se sentir ainda mais ansioso. Censurava os próprios pensamentos, falhando vez ou outra e acabando por descobrir que, ao invés de se encontrar ali, preferiria estar em casa, acordando. Acordando, sem pressa, depois uma longa e bem dormida noite de sono. Tirou os olhos da xícara de chá quase vazia, como se acordasse de um sonho, sentindo o olhar do outro sobre si, levando uma das mãos até a garganta, massageando o pomo-de-adão de forma inconsciente, e observou o rapaz que se sentava do outro lado da mesa, respirando fundo ao abrir um sorriso... igualmente desconfortável, e constrangido.

- Então, como é que andam os seus...

- Não. Você não quer ir por .

When the future's architectured
By a carnival of idiots on show
You'd better lie low
If you love me
Won't you let me know?

Jeremy odiava aquele sorriso. Era caridoso demais, agradável demais e lhe parecia falso demais, mesmo sabendo que não era. Odiava como ele aparentava estar morrendo, mais magro cada vez que se encontravam, com uma aparência febril que deixava suas maçãs do rosto coradas e os olhos vermelhos, o que combinava com ar sonolento e descuidado do rapaz. E também se censurava, lembrando que gostava de tudo isso, de sua infantilidade. Mas não hoje: só ele sabia o quanto lutava contra o ímpeto de pegá-lo pelos ombros e chacoalhá-lo em procura de alguma reação de verdade, em busca de praticidade e clareza, que sobrava em si mesmo e faltava no outro.

Sabia que parecia ameaçador; por mais que tentasse suavizar ou amenizar a expressão, todos os olhares pareciam soturnos e acusadores, impacientes, exigentes, críticos, intimidadores, e não havia nada que pudesse fazer quanto a isso. Era algo involuntário, que não tornava a situação mais fácil, mas que atestava que era ele, ele mesmo, ridiculamente familiar aos olhos do moreno, e que iria continuar assim. Não desviou o olhar de Michael ao tomar a caneca de café em mãos, levando-a aos lábios e fazendo uma careta ao notar que já se encontrava frio, e ergueu o rosto, largando novamente o recipiente sobre a mesa, se mexendo de forma desconfortável na cadeira. Ah, ele também odiava aquele lugar.

Was a long and dark December
When the banks became cathedrals
And the fog
Became God
Priests clutched onto bibles
Hollowed out to fit their rifles
And the cross was held aloft

Michael começava a se perguntar a quanto tempo se encontravam ali - uma hora, talvez? Os minutos de silêncio pareciam passar devagar demais, e a sensação de estar sendo observado fazia o rapaz se sentir sufocado; queria falar alguma coisa, mas não conseguia.

Bury me in honor
When I'm dead and hit the ground
A love back home unfolds
If you love me
Won't you let me know?

- Você não vai terminar de comer isso aí?

Os olhos do rapaz se reviraram e passaram por cada objeto próximo de si, murmurando qualquer coisa enquanto se ocupava em voltar a conversa, esquecendo-se de qualquer pensamento anterior e demorando um tempo considerável para pousar o olhar no pedaço de torta à sua direita, quase inteiro, e no garfo que repousava ao lado dele, produzindo um som irritante ao empurrá-lo na direção do outro, novamente esboçando um sorriso, mais singelo dessa vez.

- Você pode comer, se quiser.

- Não. Come isso de uma vez, vai.

Jeremy começava a se sentir impaciente, as orelhas fervendo ao observar o sorriso do outro lado da mesa aumentar; assim como não parecia ter controle sobre a expressão, as palavras escorregaram por seus lábios em um tom desnecessariamente irritado, como se estas estivessem guardadas no fundo de sua garganta há um bom tempo, e tivesse achado somente agora uma forma de libertá-las. Ele odiava como os mais simples gestos do outro transformavam suas ações em algo cômico, ao invés de simples reações mal-humoradas, do jeito que deveria ser. De certa forma, se sentia ridicularizado, exposto, e não gostava daquilo. Os olhos antes pregados em sua companhia agora admiravam um ponto qualquer entre os dois, preferindo esquecer-se da presença de outros por ali.

I don't want to be a soldier
Who the captain of some sinking ship
Would stow, far below
So if you love me
Why'd you let me go?

Michael, por sua vez, não havia simplesmente se acostumado com o mau-humor: ele gostava daquilo, achava apropriado e cabível às situações pelas quais passavam corriqueiramente. E conhecia a pessoa com a qual lidava - bem demais, chegava a pensar, vez ou outra. Ou, pelo menos, era assim antes; transparecia ao sentir o peso sobre os ombros depois da fala do outro, podendo ouvir claramente algo estalando dentro de si, flagrando-se ao notar os olhos ardendo e as maçãs do rosto ficando mais quentes, largando um suspiro baixo que acompanhava aquele sorriso um tanto perturbador que contradizia o que os olhos pareciam dizer. Era como se algo o tivesse atingido em cheio, como se as palavras ditas por Jeremy tivessem conseguido convencê-lo que fingir não ia melhorar aquilo entre os dois - era um sorriso de desespero que não cabia ali.

I took my love down to Violet Hill
There we sat in snow
All that time she was silent still
So if you love me
Won't you let me know?

Jeremy viu-se privado de pensamentos, e antes que pudesse voltar a si e parar de formular diálogos para o saleiro e qualquer outro adorno da mesa, seu acompanhante voltava a se mexer. Era como se pudesse prever, sentir aquilo vindo: o suspiro em resposta, cansado e um tanto irritado assim que observou o Longden deixou claro que ele também sabia com quem lidava e, mais que isso, que aquilo não lhe agradava.

- Aff, o que é qu...

- Eu não consigo, Jeremy. Não dá.

O sorriso se amenizou ao rapaz se levantar, quebrando o contato visual não correspondido ao fazer qualquer movimento em falso em relação à mesa, produzindo um barulho duvidoso ao esbarrar nessa, com as xícaras e o garfo vibrando perigosamente, e desviou o olhar com pressa, deixando os fios de cabelo escuro caírem sobre o rosto; escondendo a face enquanto passava uma das mãos no olho esquerdo, esfregou-o demoradamente, soltando um pigarro alto enquanto voltava a encarar o loiro que ainda permanecia sentado, munido de mais um dos sorrisos duvidosos e doloridos de se observar, os olhos mais vermelhos do que nunca. Retirou do bolso do jeans uma nota amassada e atirou encima da mesa, apalpando na mão oposta o jornal que trazia consigo, dando um passo largo de costas, afastando-se da mesa. E tomou seu tempo para voltar a falar, fazendo-o com um tom descontrolado e sarcástico de fundo claramente ofendido, e mais que isso, decepcionado, cuspindo as palavras ao dar mais passos na direção oposta. – Mas foi... ótimo... te encontrar, sabe? A gente devia fazer isso mais vezes. Com certeza. Certo.

If you love me,
Won't you let me know?

Evans sentia o sangue pulsando em suas veias de maneira perigosa e sua expressão se mantinha tão impassível quanto a de uma estátua, mas ele simplesmente não ouvia mais. Por mais que seus olhos quisessem acompanhá-lo até onde pudessem alcançá-lo e suas pernas doessem com a vontade de se levantar e seguí-lo, não cedeu aos próprios impulsos, ocupando-se em cutucar a própria nuca, gesto obviamente nervoso e feito com mais agressividade do que o necessário, e continuou a ignorá-lo.

(...)

Fazia bons minutos que ele havia ido embora, e antes que pudesse se deixar levar por mais pensamentos que afloravam, viu-se falando mais uma vez - agora, com um sorriso estampado no rosto, incontrolável, como qualquer uma de suas outras expressões.

- Ei, sweetheart, você pode me servir um pedaço dessa torta aí? É, essa mesmo. E, por favor, mais uma xícara de café, sim? Sem açúcar.