01:13 am, em alguma cidade do Japão.

A maior parte dos cidadãos já tirava proveito de seu tão merecido descanso ás altas horas da madrugada, depois de um longo dia de trabalho durante a semana. Apesar de ser hora de repouso, as luzes da cidade, coloridas e berrantes, nunca se desligavam, cada qual querendo chamar a atenção de forma que apenas criava uma poluição visual diante uma pessoa desacostumada. A vida noturna, composta principalmente de jovens, continuava ativa.

Porém, em um submundo oculto entre aquela parafernada, composto por trevas e locais agourentos, havia um bar. De longe, distinguia-se as luzes cromáticas e chamativas que emergiam de lá, e também se escutava os gritos e exclamações eufóricas vindos do local. Os homens atarefados ou ditos "canalhas" iam lá para saciar o mais profundo de seus desejos: a volúpia, por um corpo quente de mulher. Um bar de strip-tease.

Não se podia dizer que lá prevalecia a escória. Apesar de tudo, era um ambiente limpo, e lá não só freqüentava ladrões sem lar como também homens ricos que já não se satisfaziam com um relacionamento sincero com suas esposas. E, entre garçonetes mais nuas do que vestidas, e mulheres dançando com volúpia e luxúria sobre canos de metal sobre as mesas, estavam Mello e sua gangue.

Muitos dos homens da gangue de Mello freqüentavam sempre que podiam aquele ambiente. Lá, eles poderiam se expressar como legítimos machos da espécie, poderiam tocar e beijar uma "mulher de verdade", poderiam beber e ter a reconfortante certeza de que eram os melhores.

Mas Mello estava indiferente á todas as luzes e atrativos que o local proporcionava. O único objeto que tinha sua total atenção era seu copo de vodka, que bebia em pequenos goles, enquanto focava o olhar em uma parede, como se aquelas mulheres não o atraíssem. Se ele não tivesse tanto respeito da gangue, já haveria ocorrido comentários sobre sua opção sexual, mas nenhum membro seria tão ousado.

Mello não era fraco e não cedia á volúpia nem a desejos se não o desejasse. Naquele momento, ele estava ansioso, esperando por...

Um outro homem, com cabelos tão intensos quanto o ambiente vermelho, entra no bar com um cigarro já parcialmente tragado na boca. Mello imediatamente ergueu a cabeça para ele. Todas as outras pessoas pareciam absolutamente indiferentes com sua chegada, exceto por uma loira que, praticando o trabalho de garçonete por puro prazer de se sentir desejada, se aproximou dele:

- Ruivinho...Quer uma bebida, ou prefere colocar sua boca em outro lugar? - ela disse com um sorriso de pura malícia infantil, apertando seus braços de modo que o volume dos seus seios, já quase a mostra, ficasse ainda mais evidente.

- ...Tão fácil assim, perde a graça. – disse ele com aspereza, olhando o ambiente como se tivesse dito isso á todas as mulheres de lá.

- Hum... – disse ela, com o orgulho visivelmente ferido – então porquê veio aqui?

- Com certeza não foi por... – Se calou ao ver o loiro sentado em uma mesa próxima, que fingia não ter visto o ruivo entrar. Ele riu, sabendo disso. – Com licença, sim? – disse, indo em direção á ele.

Sem cerimônias, o recém chegado sentou-se do lado de Mello. Ele virou o olhar lentamente, como se tivesse notado-o somente agora.

- Ah, olá, Matt.

- Como você é bobo. – Matt soltou uma risada. – Pra começar, sei que não curte muito presas fáceis. Porquê marcou aqui?

- Bem, o resto do bando tem suas necessidades. – o loiro disse indiferente, acenando com a cabeça para dois homens da gangue que beijavam selvagemente duas mulheres na mesa á frente. – Mas você fala como se eu não gostasse de mulheres.

Matt olhou-o por baixo dos seus óculos coloridos, um olhar extremamente significativo. Mello corou suavemente, mas conseguiu manter sua posição impassível.

- Eu não disse nada á respeito disso. Fico feliz que a sua gangue esteja...hum...distraída demais para me notar aqui. Eles decididamente não gostam de mim, e nem eu deles. Você poderia relacionar-se com pessoas muito melho...

- E quem disse que eu me relaciono com eles? – vociferou Mello. - Eles são uns idiotas. Quase escravos. Fazem tudo que eu mando, acreditam muito em mim.

- Nem todas as relações são entre chefe e subordinado, Mihael. Você sabe muito bem que não só precisa ter pessoas que confiem em você, mas também alguém em que você possa confiar...

- Mello olhou-o de modo analítico. O ruivo apenas sorriu.

- O que está sugerindo?

- Que você tenha ao seu lado alguém que possa confiar...

- Não se faça de bobo.

- Eu...

- Matt, pare com isso, é sério. Eu estou...confuso.

- ...Confuso? – o ruivo repetiu. Mello pareceu extremamente desordenado.

- Não, o que eu quis dizer foi que...Ah...Ei, você! – Gritou em tom de desespero para a loira que Matt rejeitara mais cedo, que estava próxima a mesa – Vem cá gatinha, gamei no seu...hã...corpinho de boneca!

- Porquê não beija essa bicha do seu lado? Só sendo viado pra me rejeitar! – Disse ela, ainda lívida, dando as costas e empinando a bunda com um pompom de coelhinho. Matt caiu na gargalhada. Mello tinha uma expressão abobada e constrangida.

- Ei...Não...

- Mello... – Disse o ruivo, sorrindo calmamente pro outro.

- Matt... – rosnou Mello em resposta.

- Você ás vezes é tão infantil...Mas é engraçado ver suas tentativas. – Matt pegou mais um cigarro de seu maço.

- Argh...É tão difícil pra você entender que aquele dia foi aquele dia? Saiba distinguir o temporário do eterno, pelo amor de Deus!

Ele pareceu se abater um pouco com o que Mello disse.

- Pare com isso, e é sério. Não estou falando do dia em que a gente se beijou... – Mello soltou um grunhido desesperado, o que piorou a expressão de Matt – Se...se você odiou tanto aquilo, problema. Mas eu tenho consideração por tudo que a gente passou no orfanato, e eu queria manter aqueles laços. Se...se eu fui tão estúpido em fazer aquilo, porque não me impediu? – ele ficou irritadíssimo ao ver que o loiro tentava ignorá-lo - EU NÃO QUERIA AFETAR A NÓS! Á NOSSA AMIZADE!

A essa altura, todos do bar estavam olhando-os. Até algumas das mulheres pararam de dançar para ver aquilo. Mello parecia acuado com tudo que o outro disse e, ao mesmo tempo, confuso.

- Olha o que você fez... – o loiro murmurou.

- NÃO ME INTERESSA! AGORA VOCÊ PRESTA MAIS ATENÇÃO NESSE AMBIENTE ENCARDIDO DO QUE Á MIM? QUER SABER, QUERO MAIS QUE VOCÊ SE FODA COM UMA QUALQUER AQUI, PRA MANTER SUA IMAGEM DE "HOMEM", E ME ESQUEÇA, MAS ISSO VAI SER FÁCIL, NÃO É? VOCÊ JÁ NÃO TEM A MENOR CONSIDERAÇÃO POR...

Matt não falou mais nada, foi acertado no rosto por um copo aleatório. As duas mulheres, que antes beijavam os caras da gangue de Mello, gritavam lívidas:

- IDIOTA! ENCARDIDO É O SEU CÚ, FILHO DA PUTA!

Houve um brevíssimo momento em que Matt ameaçou tirar algo do bolso, mas largou-o e colocou a mão sobre a face ensangüentada. O sangue escorreu pela sua luva negra. Por baixo dos óculos coloridos, Mello temeu aquele olhar tão significativo e severo. E sem dizer mais nada, o ruivo partiu, sobre o som de vaias do bar.