Lily já estava começando a se perguntar por quanto tempo mais aqueles gritos iriam se demorar ao seu redor. Já estava cansada e, francamente, não estava muito satisfeita em escutar aquela algazarra toda. Se pudesse mandaria que se calassem, mas estava impotente e não podia fazer nada além de permanecer imóvel.

Sim, pensou consigo mesma. Agora é certo de que estou no inferno e caramba! Como o inferno era barulhento e irritante!

—... PARA MIM BASTA DISSO TUDO! ESTOU CANSADA!

— CANSADA?! VOCÊ ESTÁ CANSADA DO QUÊ EXATAMENTE? DE SER MINHA MÃE?

A mulher parou de pensar em si mesma e focou-se em prestar à discussão acalorada que parecia tomar um rumo sombrio e sem volta. Palavras como aquelas nunca deveriam ser proferidas; causavam feridas incapazes de serem cicatrizadas. Sabia disso por que, dentro de si própria, havia algumas destas feridas que haviam sido feitas por as pessoas mais inesperadas que era possível imaginar. Aqueles a quem amava a haviam machucado profundamente – Alguns se arrependeram, deveras, outros, porém, não demonstraram nenhum resquício de remorso ou algo que se igualasse ao sentimento.

— É – A voz feminina hesitou por um instante e então tornou a repetir. – É. É ISSO MESMO! ESTOU CANSADA DE SER SUA MÃE!

— ISSO NÃO É NOVIDADE NENHUMA, SE QUER SABER. VÁ EMBORA!

— ÓTIMO, JÁ ESTOU INDO!

Houve um estrondoso bater de portas e então o silencio. Novamente o silencio, porém desta vez ele não se prolongou por muito tempo como o anterior, pelo contrário: foi curto e seu fim foi entristecedor. Alguém fungou ruidosamente antes de, com passos arrastados, se aproximar de Lily.

— Você ouviu, Moça Ruiva? Ela não gosta de ser minha mãe. Não estou muito triste com isso, sabe? Não é como se ela precisasse expor em palavras o que já me mostra nos atos – quando me ignora ou quando me fuzila com os olhos. Ela nunca me amou mesmo... – A voz que restava era fanha e pertencia, Lily podia afirmar com certeza, a uma menina. Sentiu uma breve caricia no cabelo. – Você seria uma mãe melhor que ela, tenho certeza. Você parece ser tão boa, tão gentil... Alguém deve te amar muito... Queria ser amada assim por alguém...

Em nenhum momento esteve em seus planos soltar um grunhido animalesco, apenas queria indagar à garota sobre o que falava, mas foi isso o que acabou lhe escapando e que calou tudo.

—Você fez esse barulho! Tipo, Você fez o barulho! VOVÓ, A MOÇA RUIVA REAGIU! Acho que está prestes a acordar. Oh céus, céus, céus!

Passos agitados e ágeis são ouvidos e em seguida uma respiração agitada se junta à da garota.

— Saia da frente, Cecily, preciso vê-la para ver se desta vez é verdade ou se é mais uma vez a sua imaginação. Então é verdade... – A voz que se faz ser ouvida é de uma senhora que possui perceptível idade avançada. – Lilian, querida Lily, pode me ouvir com clareza? – Outro grunhido, desta vez para confirmar o questionamento. – Excelente! Agora, não se aflija se não conseguir, tente abrir os olhos. Lembre-se do que falei: Não se aflija.

Abrir os olhos, Pensou preguiçosamente. Estavam fechados? Oh, Sim! Estavam! Eu os fechei quando morri. Curiosa com o pedido feito seguiu o que lhe foi ordenado: Abriu os olhos e os que estavam presentes no resinto viram dois orbes da cor de esmeraldas.

A claridade impediu que Lilian tivesse uma primeira visão perfeita, porém, quando esta se vai, ela se vê em um lugar desconhecido. Não está mais na escuridão e muito menos em sua residência. O quarto em que se encontrava era amplo, bem arejado considerando as grandes janelas que ali estavam e com aparente pouca mobília. Poderia ter continuado a estudar o lugar se uma senhora de face bondosa não houvesse se inclinado sobre ela. A senhora parecia estar extremamente ansiosa com algo.

— Consegue falar? Fale algo, querida, qualquer coisa.

Olhos esmeralda saltaram sobre a mente da jovem mulher. Não eram os dela, porém se pareciam muito com os da própria e isso era resultado de algo chamado genética.

— Harry – Disse estranhando o modo como sua voz havia soado. – Meu... Harry... Ele está bem?

— Está – Não pareceu ter muita certeza no que disse e por tal motivo ocupou-se em afofar o travesseiro onde a cabeça ruiva de Lilian estava repousada. – Aqui, beba um pouco de água. Seu filho é um bom menino, um pouco propenso a acidentes, claro, mas nada que...

Quase se engasgou com a água que bebia.

— Conhece meu filho?

— Fique aqui – Tomou o copo de água da mão da outra. – Não se agite, por favor. – Suplicou e antes de se direcionar a saída, olhou para a menina que encontrava-se encostada contra a parede. – Comporte-se, se limite a... Esquece. Mais tarde precisamos conversar.

A garota assente, séria, as Iris azuis em contraste com as madeixas escuras da cor de carvão e com a pele alva que mostrava resquícios de lágrimas secas ás pressas. Era um pouco magricela e as vestes que usava evidenciavam o inicio da adolescência.

— Então... Você se chama Lilian? É um nome interessante. Desde que cheguei aqui quis saber como você se chamava. Aliás, meu nome é Cecily, mas pode me chamar de Cecy: Detesto meu nome, é nome de velho se quer saber minha opinião. – Enquanto falava a garota mexia as mãos em um claro misto de nervosismo e empolgação. – Vovó nunca me contou nada sobre você, soltava coisas ocasionais que jamais fizeram sentido...

Içou o corpo para cima, quicando algumas poucas vezes sobre a cama até estar em uma posição que lhe agradasse. O movimento feito por Lily fez com que uma belíssima cascata de cachos acaju caísse sobre seu colo.

— Seu cabelo é lindo – O elogio é feito com cautela e, talvez estivesse ficando um pouco paranoica, talvez até mesmo um pouco de carinho. Sim, estava ficando paranoica. Por que, em nome de Merlim, aquela menina tão jovem sentiria algum tipo de afeição por ela? – Sempre quis que o meu cabelo fosse ruivo, mas, infelizmente, puxei o meu pai no quesito capilar. Nisso e no resto todo.

Mirou a janela que ficava oposta a cama onde sentava. O sol brilhava a pino, iluminando assim um vasto e encantador jardim. Algo que a garota dissera havia chamado sua atenção.

— Não compreendi algo que você falou e peço, por favor, que me explique: O que você quis dizer quando disse que "sempre quis saber meu nome"? Não é como se eu estivesse aqui há muito tempo, não é?

A mais nova comprimiu os lábios, novamente em conflito.

— Bom, eu acho que sim. Você tá aqui desde que eu era bem pequena. Não estou mentindo – Desesperou-se quando viu a mulher ruiva encarando-a com incredulidade. – É verdade, juro... você está aqui desde que eu tinha uns dois a três anos, acho...

Encarou a menina com firmeza. Ela, a menina, aparentava ter entre doze e treze anos e em nenhum momento titubeou com as próprias palavras.

— Cresci te vendo aqui, deitada nesta cama, imóvel...

— Cecily Marjorie Bouvier – A senhora de face bondosa está de volta e parece furiosa com algo que a menina fez. – Por que é tão difícil...? Deixa para lá, tenho que cuidar de você, querida – Voltou-se para Lily com um sorriso brilhante. – Como se sente? Cansada? Alguma dor ou sinal de incomodo?

Balançou a cabeça em negativa. Obviamente sentia algo, mas não este algo não poderia ser expresso em palavras.

— Confusa, talvez eu esteja confusa um pouco confusa – Franziu o cenho quando viu dois frascos lhe serem empurrados. – O que é isso? – A desconfiança lhe surgiu com uma rapidez impressionante. Quem a conhecesse saberia que esta reação não lhe vinha de modo natural, não, nada disso acontecia antes de Voldemort iniciar a grande guerra bruxa onde Lilian e os que ela amava haviam sido envolvidos sem piedade.

— Poção revigorante e um simples tônico para os nervos. Beba, vai ajudá-la a assimilar as coisas. Vai ser tudo tão confuso para você – Ajeitou os cabelos acaju de Lily que pouco pareceu se importar com a ação daquela senhora. – Pobre menina... Deveria descansar, é isso o que deveria fazer, mas eles querem tanto conversar com você e quem sou eu para impedi-los? – Voltou-se para a menina, Cecy, em um piscar de olhos. – Vamos, Cecily, precisamos ir.

Entregou os fracos, vazios, e viu Cecily ,ao lado da senhora de face bondosa, ultrapassar os limites da porta. Quando se viu sozinha conseguiu perceber algo importante que deveria ter notado mais cedo, acabou colocando a culpa de sua desatenção sobre os ombros do medo e choque que sentia desde que havia despertado. A senhora de face bondosa possuía traços que se assemelhavam aos de Papoula Pomfrey, a enfermeira de Hogwarts. Eram poucas as diferenças entre elas duas, para falar a verdade, a única diferença existente entre as duas seria a idade – A senhora de face bondosa era anos mais velha que Papoula Pomfrey que, como se lembrava com clareza, tinha por volta de seus sessenta e poucos anos.

Mas não conseguiu deixar de lado o fato de que ninguém pode se parecer tanto com outra pessoa, nem mesmo através de feitiços, sendo que estes sempre deixavam para trás algum tipo de erro perceptível aos olhos.

— Não é ela – Murmurou para si mesma. – Não pode ser ela. É impossível pensar que aquela mulher é a mesma Madame Pomfrey da qual me lembro. É, definitivamente, impossível.

— Nada é impossível nessa vida. – Não ousou olhar para a pessoa que havia dito estas palavras ou para os que o acompanhavam. – Você, mais do que ninguém, deveria saber disso.

Ergueu a cabeça só para ver que o único que arriscava-se a ostentar um sorriso nos lábios é o senhor de cabelo e barba prateadas, o homem de vestes esfarrapadas e a mulher de postura rígida não esboçavam qualquer tipo de sorriso. Alvo Dumbledore era o único a expressar algo que se assimilava a alegria, os outros pareciam compadecidos ou, como no caso do homem mais jovem, tristeza.

— Professor Dumbledore? – Ele sorri e assente, os olhos azuis cintilando de excitação. – O que está fazendo aqui? O que eu estou fazendo aqui?

— Estamos aqui para visita-la e esclarecer suas duvidas, Lilian. – O velho mago bateu palmas em um movimento floreado para que, logo em seguida, surgissem três poltronas materializadas ao redor de Lilian. – Você esteve aqui por muito tempo. – Se sentou e indicou para que os outros fizessem o mesmo. Eles não o fizeram, continuaram em pé. – Pessoas boas estiveram cuidando de você, tenha certeza disso. Agora, devo crer que se recorde de tudo o que lhe aconteceu, estou correto? Será que seria abusivo da minha parte lhe pedir que narre para nós os últimos eventos vividos em sua memória?

— Alvo... – A mulher de postura rígida possui um tom de advertência em sua voz, os olhos fixos sobre a ruiva.

Lily realizou um deselegante movimento com as mãos para dispensar a preocupação que recai sobre si. Se ele queria ouvir uma historia sombria, não seria ela que lhe negaria tal pedido. Ele queria, ele teria.

— Nos traíram – Ela diz e sua voz sai com uma força surpreendente. – A mim e James. Fomos descaradamente traídos por aquele em quem confiamos, literalmente, nossas vidas. O feitiço Fidelius se desfez, nossa localização revelada e então Voldemort nos encontrou. – Encarou Dumbledore com firmeza. – Ele matou James e depois veio atrás de mim e do meu filho. Tentei proteger o Harry, mas estava desarmada e nem mesmo pude lutar. Nem mesmo lutei com bravura pela vida do meu filho. Não fiz nada além de ser atingida por uma maldição da morte e morrer – Olhou para a própria pele, pálida pela falta de sol. Não era assim tão pálida. – Ou assim pensei que tivesse acontecido.

Viu Dumbledore acenar afirmativamente com a cabeça, nada impressionado com a história. Era como se ela tivesse dito aquele velho mago uma coisa normal de se ouvir, como se fosse normal ouvir uma mulher contar que morreu pelo filho por conta da traição de um ser desprezível.

— O Senhor provavelmente já sabia disso – O tom usado é "Levemente" acusatório. – Mas não me importa, por que o que eu realmente quero saber é do meu filho. O meu bebê, eu realmente preciso saber se ele está bem. Voldemort o feriu? Ele... Ele sobreviveu?

— Sim, ele sobreviveu. Você o salvou Lilian – O mago responde após um longo silencio. – Voldemort tentou mata-lo, como todos sabiam que o faria, mas não conseguiu concretizar tão maligno feito. Você se dispôs a morrer pelo seu filho e seu sacrifício criou ao redor da criança uma espécie de proteção que o salvou de um fim obscuro. Ele, Harry, é a criança mais famosa do mundo bruxo atual. O chamam de "O-menino-que-sobreviveu" por que, ao ver de todos, ele foi o único que sobreviveu aquela noite.

Lily puxou ar para dentro dos pulmões. O-menino-que-sobreviveu, pensou. Esse não é um bom titulo para uma criança carregar nas costas – Significa que ele já esteve diante da morte e já escapou dela.

— E eu? O que houve comigo?

— Você é uma peculiaridade quase, senão maior, que o seu filho. Naquela noite duas pessoas sucumbiram. Todos acreditam que tenham sido James e a Senhorit... Perdão, velhos hábitos costumam demorar a fugir. Que os mortos naquela noite tenham sido você e seu marido. Mas você está aqui; viva — Pelo canto de seus admiráveis olhos verdes, Lily viu a mulher de aparência séria se mexer em desconforto. – Duas pessoas, de fato, morreram naquela noite: James Potter e outro alguém. Saberia me informar quem era este Alguém?

A resposta que surge, involuntariamente, dentro da mente de Lily a enche de dor. Claro que desconfiava daquilo, mas nunca havia chegado a ter a confirmação do fato – Não durante aquela guerra impiedosa.

— Harry iria deixar de ser o único herdeiro Potter, sabia disso? – Murmurou um consternado "desconfiava". – Oh! Lamento estar jogando tudo isso em cima de você, mas é algo extremamente importante e que não pode esperar. A criança que esperava, a parte mais vulnerável, recebeu a maldição em seu lugar. Isso a exauriu, causou uma incomensurável exaustão que seu corpo se auto-desligou com aquilo, uma forma de autopreservação que lhe passou a imagem de que estava morta.

Concentrou-se em pensar. Se escuridão em que estivera não era algo parecido com o pós morte, o que era? Mas ela sabia muito bem o que era aquela escuridão maciça. Dizer que o corpo de alguém se auto-desligou por um tempo significa que por um determinado período de tempo este alguém havia deixado de funcionar como um devido ser humano. Só respirava e nada além disso. Em termos médicos, pode-se dizer com precisão que a mulher havia passado um bom tempo em estado de coma. Mal conseguia piscar com a ideia de ter estado anos em coma.

— Lilian... – A mulher de aparência severa que agora era reconhecida por Lilian como Minerva Mcgonagall é quem fala desta vez. – Sua respiração estava fraca naquela noite, quase inexistente. Foi o suficiente para mantê-la com vida, mas insuficiente para que o fato fosse anunciado. Aguardávamos uma reação sua durante anos.

Anos... Quem havia cuidado do pequeno Harry durante este tempo? Tranquilizou-se imediatamente quando se lembrou que o menino não havia ficado sozinho. Tinha o padrinho, Sirius Black, e ele provavelmente havia cuidado do afilhado a quem tanto adorava.

— Poderia especificar quantos anos?

A resposta a pegou desprevenida. Esperava que lhe dissessem dois ou até três, mas não o que veio a seguir. A resposta surgiu como uma facada dentro do coração de Lily.

— Doze anos, querida. Eu sinto muito...

Ela já não ouvia mais. E foi assim, através de uma simples resposta, que o mundo de Lily Evans Potter terminou de ruir. Perguntou-se se por mero acaso conseguiria erguer-se novamente.