Disclaimer: InuYasha. Rumiko Takahashi. Sem fins lucrativos.
Um pouco de drama, de romance e uma tentativa leve de comédia. Tentativa!
Nota inicial:
I) Frasesem aspas e fonte normal.— Fala da personagem.
II) Frase comaspas duplas e letras itálicas : " — Pensamento da personagem. "
III) Palavras com 'aspas simples' ou em itálica:Palavra destacada. Ou. 'Ou.'
Here puppy, puppy! Come over here and die. (L)
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My Puppy
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Era mais um princípio de inverno como noutros anos. Na verdade, seria apenas mais um se não fosse esta a sua primeira e oficialíssima demonstração de habilidade de caça.
Seria exatamente neste inverno que mostraria seu potencial para que, finalmente, deixasse de ser visto como um filhote. Oras, ele já até conseguia controlar melhor sua forma mais humana!
Respirou fundo, tentando não rir. Não fosse emoção o bastante do momento, sua cauda havia ganhado nessa estação mais volume e um bonito tom de pureza para orgulho de sua mãe. Além do mais, já era longa o suficiente para dar uma volta completa no ombro direito, óh, sim senhor!
Com uma simples contração de músculos, suas garras marcaram a trigésima árvore, assinalando sua posição atual. Por alguns momentos, os grandes olhos observaram com satisfação a nova cicatriz do tronco enquanto olfateava o ar em busca de sua frágil vítima novamente. O havia perdido após um leve descuido e prometeu a si mesmo não mais repetir. Esgueirou-se sorrateiro pelas árvores, as órbitas fortemente douradas fixadas num buraco do chão, esperando a confirmação do que já sabia o que lá estava: A cabeça de sua presa emergiu da fenda, girando de um lado a outro conferindo a silenciosa paz ao de redor, um mau presságio.
Aproximando-se, a língua passou pelos lábios quando o imaginou em sua boca. Por milésimos de instante depois, quando deu por si que a presa não tinha percebido o acercamento, seu instinto possuiu mente e corpo. O pequenino nem piscava tamanha sua concentração. Caso falhasse outra vez, estava ciente de que passaria fome por outra noite e dificilmente conseguiria repor energia para mais uma tentativa. Na mais vergonhosa das suposições, teria que retornar para casa e aguardar pelo próximo ano. No way!
Era o momento.
Os obstáculos do cenário se tornaram irrelevantes; os ombros contraíram e seus pés alargaram as passadas na medida em que sua boca entreabrira para mostrar os caninos.
A ansiedade que passava por suas veias corria junto com seu coração acelerado e suas passadas continuaram rápidas mesmo quando a presa definiu uma rota de fuga em diagonal. A respiração parou em seus pulmões quando saltou contra sua preia¹ e rolaram na neve violentamente, os dentes cravados no pescoço ao tempo em que ignorava as patadas desesperadas do outro e a forte dor que surgiu em seu abdômen por consequência. Mas ele manteve-se firme com sua tarefa, não iria soltá-la, definitivamente.
Minutos depois, quando as patadas cessaram e o cansaço apossou-se de seu maxilar, sabia que tinha conquistado o seu prêmio. Separou-se do corpo mole da corça e cuspiu o sangue que se acumulou em sua boca com satisfação, sorrindo enquanto ofegava.
— Espera só quando meus pais te verem.— Articulou bastante eclético, pondo o cervídeo sobre um dos ombros.
Quando afundou os pés na neve, projetando seu caminho para o lar, algo estalou dentro de si e parou subitamente. Dilatou e contraiu as narinas a fim de pegar o cheiro que pairava no ar, não demorando muito em reconhecê-la ao instante em que seu rosto se contorceu numa careta franzida: Seres humanos. Evidente sinal de problemas, lembrou.
Deveria se manter distante desses tipos. Mamãe o havia advertido e contado o quão violentos e covardes poderiam ser na presença do diferente, por causa de suas crendices.
Contudo, ele podia sobreviver a um obstáculo desses, só bastava manter a calma e confiar em si mesmo. Girou nos calcanhares e o cabelo acompanhou graciosamente o movimento, os olhos buscando entre as árvores por uma nova rota.
Uma luz puntiforme arroxeada vagamente ao sul chamou-lhe atenção e uma sensação esquisita sacolejou-o pela espinha, no entanto. Ao longe. . . E era tão minúscula. . .
A cabeça pendeu de lado suave e candidamente, com seus olhos âmbares já fixados no ponto luminoso, fascinado, hipnotizado. — Que diabos. . . — Ele balbuciou entre pedaços de raciocínio. Parecia-se como uma das muitas estrelas das noites de verão. Negativo, parecia algo mais gracioso, mágico, retorto ou a junção de tudo isso, ele não sabia descrever.
Os flocos de neve reiniciaram a retocar o branco na paisagem e forravam sua cabeça e o corpo molengo da corsa ainda suspensa em seu ombro. O pequeno não pensou duas vezes quando começou a andar em direção ao seu enigma, distanciando-se colateralmente dos humanos que viriam em algum par de tempos do lado oposto ao percorrido.
O pontinho de luz foi se mostrando cada vez maior a cada metro extinguido entre eles. Surpreendentemente, havia chegado ao local muito mais rápido do que supunha, envolto num fervilhar de curiosidade mais forte do que os pedaços de bom senso que o alertavam para se afastar, devido a um vilarejo muito próximo dali. Ele tinha uma visão privilegiada do planalto onde estava; Finalzinho da vegetação, com árvores finas, curtas, bastante rochas e um vilarejo humano ainda em construção um pouco abaixo do relevo do bosque, com leve inclinação. E nem o mais simples sinal de vida. Hmm.
Bah, quê importava? Voltou-se para o centro das atenções, o motivo pelo qual o fizera seguir aquela rota.
Observando os detalhes de sua descoberta, ele sorriu, balançando a cabeça. Quando deu por si, uma careta torta já enrugava seu rosto ao encarar o responsável que efluía o tal brilho, num ar reprovativo.— Um poço? — Satirizou com desdém. — Um poço fedido, é só isso?
Sem dar por vencido, esticou o pescoço para averiguar a luz que vinha do fundo. Ainda assim, não era suficiente para saber como aquilo funcionava; Colocou a caça em seu lado esquerdo e juntou o corpo com a madeira que revestia a parede do poço. Esforçando-se para decifrar o mistério, içou na borda e espantou-se com a massa de energia que encontrou na cavidade do abismo.
Luz ou Matéria? Pureza não abstrata ou matéria luminosa ou magia ou. . . A cabeça dele não parava de pensar, mas espere. . .!
Uma idéia surgiu em seu pensamento, decidindo numa fração de instantes depois que levaria um pouco daquilo para seus pais. Tudo seria perfeito; um inverno marcante, uma caçada digna, e, agora, uma descoberta genial que fariam papai e mamãe felizes com certeza! Ah, e sua branca e peludinha cauda também.
Balançou a ponta do rabo em animação imaginando a reação de sua família. Os grandes e brancos cílios grudaram uns nos outros enquanto esticava as mãos para tatear a massa luminosa com um sorriso figurando seus lábios.
O seu coração, porém, suspendeu uma batida quando abriu os olhos novamente para perceber que de maneira assustadora uma mão violácea se formou ao redor de seu pulso puxando-o para baixo.
Um grito estridente saiu de sua garganta, sem hesitação.
Capítulo I
No fundo do poço
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Quatrocentos e dez anos no futuro
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O saco de dormir não conseguia conter a sua terrível agonia. Dias atrás, foi com muito constrangimento que tinha encarado a tabela de notas e visto que não havia conseguido média em cinco das nove disciplinas. Dos quarenta alunos da listagem, o seu nome, Higurashi Kagome, surgiu na quadragésima posição, acima apenas de sua própria sombra refletida no piso do corredor aceso.
No semestre anterior, quando estava no ultimo ano da Educação Compulsória, tinha passado por um fio, resultado de poucas noites de sono e de muito desespero exercendo força sobre as canetas esferográficas.
E, agora, nem mesmo isso podia fazer sem sentir uma forte onda de desânimo vir ao corpo.
Sob as estrelas, ela suspirou, prensando os lábios para conter o choro. Ela não queria contar aos seus amigos os problemas que possuía do outro lado do poço. Eles não poderiam compreender o peso que carregava uma folha de papel manchada em vermelho e nem ajudar se quisessem, o que tornaria a situação mais frustrante.
Não bastassem os problemas em seu espaço-tempo verídico, ela também acumulava um baú de pendências no feudalismo. Um deles, por exemplo, estava a quilômetros de distância, fazendo sabe-se-lá-o-quê ou com quem. Outro, tragicamente partido em milhares de pedaços, escondido nas sombras, sendo utilizado de forma impura por tantos corações sujos, parte dele pulsando ora e outra sobre seu peito.
Arrumou a franja que tentava entrar por debaixo dos cílios e virou de bruços, encolhendo-se.
Fechou os olhos, resguardando a visão por debaixo das pálpebras. Tinha que tentar dormir ou não renderia na manhã seguinte. Tão logo completara dois anos de convívio no Feudal a fizera perceber que seus amigos necessitavam de uma garota que soubesse dominar melhor seus poderes do que saber qualquer outra coisa.
De súbito,um pesar emergiu contra seu peito e um gosto amargo lhe veio a língua. Remexeu-se no saco uma, duas, três vezes e os olhos bem fechados foram postos a explorar as centenas de estrelas como fizera poucos momentos atrás.
De repente, um estalo surgiu em sua mente e sentou-se ligeira. Mal presságio.
Um segundo depois, de pé, ela admirava a discreta explosão de cores violáceas que ocorria não muito longe de onde estava. — O poço! — Deduziu para si, baixinho.
Num lance rápido, ela pensou em chamar pelos amigos, mas uma sensação desesperadora em seu peito impulsionou-a pegar o arco e suas flechas para correr em direção ao clarão. Descalça, seus pés iam contra a grama e os grossos grãos de terra lanhavam levemente os calcanhares, sem, contanto, muito incomodar; os olhos mantinham-se fixos no objetivo enquanto alguns fios contornavam os lábios entreabertos.
Ao chegar, piscou, umedecendo a vista, sem saber o que pensar sobre aquele estrondo fenomenal. Ficou parada observando ao tempo em que sua respiração agora ofegante lhe dava a sensação de que o coração pararia antes de descobrir o que ali se passou.
— O que é. . . Isso. . . ? — Se ela não sabia, quem poderia saber? Seria a primeira vez que via o poço nesse estado de cólera, uma matéria estranha que subia como se estivesse enraivecida, causando uma ebulição de cores lúgubres quase palpáveis, mas que tão logo sumiam ao se afastar do buraco, como se de fumaça tratasse. "— Ele não funciona mais?", cogitou rápido, sem coragem de testar a tese no entanto. Kagome podia não ser a garota mais normal do mundo, mas estava longe de ser a mais louca para tocar no que quer que fosse aquilo. Ou a mais ousada, o que viesse primeiro.
Então ouviu uma voz vindo de dentro, uma espécie de resmungo. Gelou, levemente trêmula. No reflexo do pavor, apertou o arco e uma flecha entre os dedos.
— Oi, alguém aí? — Questionou alto.
O vento soprou forte de repente, balançando as folhagens das árvores no entorno e alguns tufos pretos de cabelo caíram para frente do rosto. Ela pisou em uma folha seca, que produziu um som desagradável para a situação que estava, bem no escuro. E com um desconhecido. Osso se partindo, papel contorcido, pescoço estalando, o ruído apenas lhe trouxe uma série de pensamentos ruins. Torceu o canto da boca, concentrando-se na realidade: O resmungo perpetuava algo ininteligível.
Aproximou-se devagar, apenas o suficiente para tentar ver o que ali se escondia tendo cuidado de se manter distante daquela massa violeta que continuava a sair. Mas continuava a enxergar ninguém, raios.
Muito embora hesitante, respirou fundo e insistiu:
— Alguém?
Dessa vez, o choramingo cessou rápido como se a criatura houvesse se dado conta de sua presença e, de repente, silêncio de ambos os lados. Ela espremeu os lábios fortemente, aumentando a tensão do arco, o pijama tornando-se desconfortável por causa dos pêlos eriçados. E esperou.
Era inevitável não lembrar dos seus amigos quando sentia que estava perto de uma furada. Como essa, por exemplo. De todos eles. De Sango, de Shippou, de Miroku, de Kirara. Dele também, o pensamento mais forte na mera lembrança que nos demais. InuYasha. Ela queria recuar e se afastar como uma covarde, voltar para sua cama, mas não conseguia, as pernas não se moviam. Por que?
O coaxar de um sapo qualquer a pegou de surpresa no momento seguinte, mas não reagiu. Quem quer que fosse no outro lado também não, pois o silêncio perdurou. A garota encontrava-se com os olhos fixados no poço e uma respiração presa que saía rápido pela boca de tempo em tempo. Ela continuava a manter os companheiros em mente.
— Depende das suas intenções. — Uma voz ecoou, quebrando seu raciocínio anterior e confirmando as suspeitas. Não apenas isso, a voz soava infantil como a de um garotinho, analisou.
— Não quero machucá-lo.
— Eu também não. . .
Ela relaxou um pouco os braços, suspirando aliviada. O joelho estalou quando deu um passo para frente, se aproximando da borda de madeira. Içou e seguiu: — Você está bem, está ferido? — Um pontinho branco sobressaíra no meio de tanta escuridão, no fundo, finalmente.
— Eu caí aqui.
— Então deixe-me ajudá-lo a sair.
— Você é humano?
Confusa com o que escutara, contraiu as sobrancelhas, balançando a cabeça.— Isso faz alguma diferença agora? — Elucidando-o.
Por um período curto de tempo, apenas o suficiente para soltar o arco de suas mãos, a pequena figura conservou silêncio parecendo pensar no que ouviu.
— Certo, tudo bem. . . — Comentou. — Eu vou tentar subir, mas se você for mal, usarei tudo de mim contra você.
A jovem abriu a boca para responder positivamente, mas a aceitação parou na ponta da língua e por lá ficou. O tom preso na garganta converteu-se num parônimo entre o imergir e o emergir, assimilando de que aquilo se tratava de uma ameaça a muito que custasse parecer. Houve a dúvida no que estaria por vir à tona (era daí que a emersão surgia em mente) e na necessidade de se defender. Ela também daria tudo de si para sobreviver caso precisasse.
A linha da lógica novamente se partiu quando o escutara ofegando com esforço. Pequenas mãos apertaram a borda de madeira, chamando atenção de Higurashi. Segurou-o com cuidado e os olhares se encontraram distraidamente um no outro com alguma desconfiança.
Em qualquer momento da situação, a ebulição que vinha do poço havia parado e desvanecido junto com suas cores, mas nenhum deles havia percebido. Deixou o menino escorregar lentamente para o chão, observando como agora ele apertava as mãos contra a barriga manchada de sangue.
Ela agachou-se a fim de igualar a altura, os joelhos juntos e dedos das mãos recolhidos debaixo do queixo. — Dói muito? — Recebendo um aceno ríspido e sutil em resposta. — Deixe-me ver.
A criança petrificou com a petição e grunhiu imediato e perigosamente ao captar uma mão se aproximando. Mesmo envoltos na escuridão, ele podia vê-la e distinguir suas linhas de maneira perfeita.
— Não. — Pronunciou sério, fazendo com que a garota recolhesse a mão por reflexo. Esgueirou a vista sob a franja a fim de analisá-la; as linhas finas de sua feição, um corpo magricelo curvado, olhos escuros levemente arregalados e fixos ( ela tentava enxergá-lo? ), um arco precário próximo ao corpo, que parecia facilmente quebrável. Hipoteticamente quebrável. Um arco precário. Arco precário. Precário.
A sagacidade não o abandonou, mesmo sua consciência perdendo para as ondulações infinitas da palavra. Aquilo continuava sendo uma arma. Então, buscou pelo cenário o que tornava 'o precário' eficaz. Ah(!), lá estava jogado no lado oposto. Porra de flechas.
— Não vou te machucar. — Kagome voltou a se manifestar.
Ele estreitou os olhos, deslizando o olhar para a garota outra vez, tornando-se ainda mais pensativo. Ela não parecia perigosa mesmo com as flechas ali. . . Contudo(!), papai ensinou a não subestimar nenhum estranho pela aparência ou pelas armas por mais fracas que aparentassem ser. Era por isso que não deveria confiar nela!
De onde estava, usou seus pezinhos para se afastar, a dor palpitante em seu abdômen agora adentrando nas costelas a cada movimento feito. Gemeu sem querer, contrariando a sua própria ideia de não demonstrar fraqueza diante da desconhecida e apertou os olhos para evitar as odiosas lágrimas. Não queria chorar. Não na frente daquele ser ali parado. E para sua surpresa, a mão que momentos atrás tentou se aproximar, de repente, num piscar, já estava em sua cabeça afagando-o mansa. Isso o forçou a reagir, abrindo os olhos em primeiro lugar.
— Vá embora, sai daqui! — Batendo na mão feminina, gritou muito assustado. — Não quero você perto de mim!
— O que aconteceu pra você estar ali?
— Vá embora, humano!
— Eu só queri— Kagome não teve tempo para completar seu argumento. Um pavor lhe percorreu a espinha cortando a própria voz quando o ouviu grunhir alto e imprevisível e seu corpo pendeu para trás instintivamente. Os olhos dele brilhavam loucamente em contraste com o escuro como um par bem detalhado de esferas flavescentes perfeitas e saltadas do rosto.
Os braços de Kagome não conseguiram sair do lugar, a esquerda protegendo o peito e a direita entre a clavícula e a boca. Naquele mesmo dia em seus devaneios randômicos, ela se perguntaria por quê não buscou o arco e a flecha tão próximos de si, mas a única coisa que era possível prestar atenção agora era em sua respiração acelerada e pesada. Para cima e para baixo, para cima e para baixo, para cima e para baixo sem descompassar.
— Eu. Vou. — Reagiu, enfim. — Já estou indo. . . ! — Murmurante, completou.
-XXX-
Ele aguardou a reação de fuga dela. Ela aguardou que os nervos se ajustassem para correr dele. Mas nunca ocorreu. Eles continuavam no mesmo cenário, sentindo o mesmo clima de desconforto, com os mesmos mosquitos sobrevoando ora sim, ora não suas cabeças e quase a mesma inibição perpétua de coragem para montar um diálogo.
Eles se analisavam, ás vezes. Kagome mais do que ele. Eles se encaravam, ás vezes também. Quando algum deles se ajeitava melhor sobre a grama. Quando ele gemia de dor e reclamava para si, baixinho. E mesmo sem dizer nada, eles sabiam, ambos estavam com medo.
Quanto tempo aquilo havia durado? Vá saber.
O céu continuava estrelado.
-XXX-
— Seus pais devem estar atrás de você. Te farei companhia enquanto isso.
Pais. . . ? Os olhos estreitaram, quase fechando para não chorar. "— Mãe. . .!" — A imagem logo apareceu em sua mente como uma pintura muito bem feita ao mesmo tempo que a persistente sensação penosa na barriga aumentava, latejante. Sentia-se gelado e zonzo. Ele abanou fracamente a cabeça, auto reprovativo. Aquilo não estava certo. Não era normal pensar em sua mãe e sentir muita dor. Muita, muita, muita, muita, muita dor.
— Que dor! — Vociferou entre os dentes inconsciente do próprio ato.
— Eu posso ver seu machucado?
Ela esperou um pouco, porém a resposta não veio para a decepção total. Ou ele não havia prestado atenção ou aquilo era um 'não' mudo. Ela piscou um par de vezes enquanto voltava a apoiar as costas na parede do poço, em silêncio.
A primeira hipótese era melhor, pensou.
-XXX-
— Não virão. — Muitos pares de tempo depois ele comentou, a resposta soando desconexa do espaço-tempo.
— Quê?
— Não virão. — Repetiu num tom fraco e distante. — Meus pais não virão.
— Não seja bobo. Tenho certeza de que estão muito preocupados com você.
Ela bufou cansada da situação quando notou que o menino não responderia. Levantou-se, olhando um ponto inimaginável no mato, as mãos postas nos quadris. — Olha, eu gostaria de ajudá-lo. Mesmo. — Frisou forte a última palavra, respirando fundo. — Mas pra isso primeiro preciso ver seu machucado. Eu não consigo virar as costas para ninguém, desculpe por isso. Apenas deixe-me ver e prometo sair da sua vista.
Embora ainda desconfiado, ele cooperou diante desse argumento. Murmurou um monólogo curto e abriu o haori, permitindo que Kagome se aproximasse. Os olhos dela deslizaram pela ferida, mesmo não enxergando perfeitamente como faria se tivesse com uma lanterna, mas rascunhava para si que a ferida era profunda, pois havia sangue demais, que até mesmo ela podia sentir o cheiro. Contrário á sacerdotisa, os orbes dourados mantiveram-se firmes nos movimentos como se esperasse por uma traição, os dentes pontudos, mas pouco expostos, prontos para arrebentar-lhe a traquéia numa única mordida.
— Muito ruim. — Definiu. — O que tem feito?
A resposta saiu sem suspense. — Caçava.
— Preciso de um anticéptico para evitar que infeccione.
— De um o quê?! — Crispou nervoso, contorcendo-se.
— Venha comigo. — Estendendo a mão, ela sorriu, mas seu gesto não tinha sido recebido com a mesma ternura.
— V-você disse que iria embora. — O pequeno replicou se sentindo desarranjado e perdido. Suspirou angustiado e remexeu-se um pouco sobre a grama, recuando, sem ter idéia do que fazer. — Foi o prometido. — Ele queria sair dessa situação bizarra e ir para casa. Apenas isso.
— Se seus pais não virão para buscá-lo como você disse, então irá precisar se recuperar para tomar caminho por conta própria. Ficar parado esperando melhorar não vai adiantar, a ferida é muito profunda. Eu não vou te machucar. Se eu quisesse já teria feito, não acha?
— Não. . . ! Ouça, humano. . .— Bufando pesado, iniciou. — Você é uma estranha, não posso confiar. Isso não parece c — A palpitação do ferimento sacudiu o raciocínio e sua voz saiu cortada, enquanto praguejava mentalmente pelas lágrimas que derramavam mornas pelo pescoço. Ele chorava. Ela, por muito pouco, estava prestes também.
Os braços finos da jovem circundaram sua cabeça, voltando a acarinhar seus cabelos e proferir palavras de segurança e bondade, o lembrando dos afagos que sua mãe também fazia semanas atrás. Antes de tudo mudar e sua mamãe chorar por causa do. . . Não. Não era bom pensar sobre isso agora. Respirou suave, tentando se distanciar da dor. A garota estava ainda lá, aninhando e dividindo seu calor, mexendo em seus cabelos, o fazendo se lembrar do ser mais importante da sua vida. Então quando resolveu abraçá-la em retorno, com as mãozinhas apertando o pijama para pegar aconchego, os intentos de agir como adulto caíram por terra.
Teria que confiar nela.
— Me ajuda. . . — Pediu diminuto, afundando o rosto choroso contra o ombro feminino. — Não aguento mais essa dor.
Dentro de si, os ensinamentos que recebera de seus familiares sobre os seres humanos conflitavam com as novas informações recém-adquiridas. Recolhido no colo de Kagome, ele se convencia de que a garota podia não ser ruim e preferiu não refletir os motivos que a levara ser gentil com ele. Que a bondade fosse autêntica, desejou, fechando os olhos muito forte como se a intensidade da sua prece fosse medida pelo ato de privar-se da visão. Recostou a cabeça sobre o ombro tépido², sentindo a maciez da roupa exótica, a ouvindo assegurar de que tudo estava bem e de que logo sua mãe viria por ele.
Mas ele sabia que não viria. Ninguém buscaria por ele, porque aquele lugar não se parecia nada com a floresta em que estava antes. Não havia inverno, não havia corsa. Reabriu seus olhos, esperando chegar em algum lugar.
— Estamos chegando. — O comentário saiu abertamente, o que o fez tentar olhá-la sem muito se mover. — Assim que eu passar o remédio farei uma comida bem gostosa pra gente .— Sorriu para si, aguardando por resposta nenhuma. E de fato, o menino não respondera. Limitou-se, porém, a esfregar seu rosto entre a clavícula e o queixo da mais velha, produzindo movimentos agradáveis numa espécie de agradecimento. Kagome não soube fazer mais do que encolhê-lo mais para si.
Ele estava gelado. Fedia a sangue mais do que de sujeira. Franziu as sobrancelhas, porque não gostava nem um pouco em como sua própria franja tentava insistentemente atrapalhar a visão já comprometida pela falta de luz melhor. Isso desabava o raciocínio por inteiro. Ajeitou o que pôde com uma mão e logo voltou a passá-la pelas costas miúdas da criança, tentando aquecê-lo. A caminhada de volta ao acampamento foi rápida, felizmente. Tão logo chegou, esbarrou o olhar pelas figuras do acampamento antes de pôr seu novo protegido sentado em seu saco de dormir e alimentou a fogueira. Direcionando sua atenção para um ponto próximo a Kirara, pegou a mochila.
Ela temeu assustá-lo quando o zíper de sua bolsa protestou alto, tratando de deixá-lo aberto mesmo após pegar seus utensílios. Girou-se fazendo menos barulho possível e se reaproximou devagar do menino, admirada com os olhos fortemente alaranjados que miravam os itens em suas mãos, nitidamente curioso.
— Esse é o anticéptico que te falei. — A morena mostrou, permitindo que o albino pegasse na embalagem para investigar. — Agora deixe-me ver de novo . . .
Ele deixou que ela retirasse parte de seu haori para expor a barriga como fizera antes enquanto continuava a balbuciar qualquer coisa. Tinha uma novidade entre suas mãos e tentava formar um registro em sua memória, para se distrair em meio a dor: Observava cada pedaço da forma quadriculada sem se desapegar das listras verdes e uma linguagem avançada em preto num fundo amarelo, porém semelhantes com as que estudou, felizmente. — ' Este medicamento não deverá entrar em contato com os olhos'.— Leu mentalmente entre uma pontada e outra na barriga. Tinha uma forma interessante de dicção. Tão superior que ninguém deveria olhar, concluiu admirado. — "Este. . . ? "
Num lampejo rápido, parou, arqueando uma sobrancelha: Uma das mãos da criatura humana tocava em sua cauda peludinha e branquinha ( e maravilhosa ), os dedos magros afundando confortável e molemente na pelagem. Ele até tentou mover a extensão um pouco, mas não tinha domínio da parte final e a parte na qual tinha estava presa no ombro. Remexeu-se desconfortável.
— Deite-se, por favor. — Ele obedeceu, pendendo a cabeça para a direita, observando-a de soslaio, discreto, tentando ler as ações.
Kagome mergulhou um pano dentro de um recipiente com água. Ele acompanhava os movimentos e a mesma mão ousada que há pouco descansava sobre si ajeitava a franja preta que tentava forrar as íris castanhas para regressar à posição anterior. Em sua cauda. Bem, quase. O pequeno conseguiu movê-la alguns centímetros longe do toque a tempo, mas não desgrudou a vista de Kagome.
— Afaste os braços um pouco. Isso. Obrigado.
Uma fisgada o atingiu quando sentiu o pano úmido e quente ir de encontro com sua lesão. De forma inconsciente suas orelhas élficas se agitaram por dentro dos cabelos quando o barulho do pano torcido alcançou os tímpanos. Estava empenhado em passar sua caixinha entre os dedos pela quarta vez e contando. . .
Ela não havia feito de propósito, refletira conclusivo. Parecia ignorante demais, talvez nem soubesse que aquilo fosse seu rabo. Prendendo o ar, piscou algumas vezes tentando absorver aquele momento vergonhoso para si, discreto e quietinho, bem quietinho. Humano atrevido e abestado.
— Isso pode doer um pouco.
Mensagem processada tardiamente. A embalagem tombou de sua mão quando sentiu as forças esvaírem, tamanha ardência que sentira. Trêmulo, o grito que pensou em proclamar foi parar na boca do estômago, porém os olhos, estes desesperados por descobrir o culpado, logo se posicionaram para fazer a sentença; O antisséptico! A humana estava passando aquilo no ferimento.
— Um pouco você disse. . . ! — Reclamou entre os dentes enquanto voltava a sentar. Ele respirou fundo, buscando resgatar as forças com esse ato, em vão, porque seus olhos assoberbaram d'água para contrariá-lo novamente. Procurou por uma feição amigável na garota, todavia estava lá apenas uma cara triste, os lábios produzindo um leve sopro sobre a lesão ao passo que os braços percorriam de forma desajeitada a bandagem em sua barriga, amarrando-o para finalizar o drama dos infortúnios.
— Desculpa! Pode ter ardido, mas vai melhorar agora.
Ele não quis respondê-la nem encará-la. Com o coração aos saltos e a vista embaçada, deitou-se sobre o acolchoado com a ardência diminuindo progressivamente. A caixinha antes tombada ao seu lado se situava novamente entre as mãos.
Em paralelo, Kagome guardava os itens em sua mochila, satisfeita pelo bom trabalho que fizera. Rodou novamente os olhos sobre seus amigos e parecia inacreditável que nenhum deles havia despertado com a movimentação atípica no acampamento durante a madrugada. Eles deviam estar cansados demais ou o grau de stress das ultimas semanas decolou suficiente para levá-los a um desgaste mental incomum, ela analisou, lembrando de que também precisava dormir.
De qualquer modo, estava aliviada. Afinal, como criar um argumento aceitável de que sozinha e munida apenas de seu arco e flechas aventurara-se próximo ao bosque para checar o poço Honekui?
Abanou a cabeça afastando os pensamentos ruins. Ela havia ajudado uma pessoa. Embora suas ações pudessem ter sido um pouco irresponsáveis e precipitadas, ela havia ajudado uma pessoa e isso era bom. "— Isso é muito, muito bom." Frisou mentalmente.
Girou o corpo a fim de checar o menino e se assustou ao vê-lo de pé tão próximo a si, fitando-a imóvel e profundo com a cabeça levemente inclinada para a esquerda. Não estava ele há poucos minutos atrás urrando de dor? Como então. . ? Um calafrio lhe correu a espinha; visto assim aquela criança parecia ter saído de um filme de terror, ela não tinha ouvido os passos dele de jeito nenhum!
As mãozinhas já estavam tocando seu rosto com cuidado e deslizando para os cabelos escuros quando voltou a si.
Rindo baixo, questionou: — Você está me cheirando? — Encarando o rosto, mas não os seus olhos.
— Você não cheira mal como a maioria deles. Você é mesmo humana?
— Sou sim.
Ela conservou o silêncio que surgiu, esperando que a criança terminasse. Próximos, Kagome pôde conferir que seu rosto infantil possuía finas listras em grená e alguns caprichados tons de prata sobre muitos fios brancos, corte mediano, um pouco abaixo do queixo apenas. Ele aparentava ter no máximo doze anos, mas sua forma de agir e falar indicavam uma maturidade maior. Um déjà vú repentino se instalou em sua cabeça enquanto pestanejava, igualmente concentrada.
As mãos pálidas pararam de se mover no rosto da estudante. — Eu conheço você? — Sussurrando leve, a pergunta veio dele, não parando de estudá-la.
— Que engraçado. . . Eu tenho essa mesma sensação. . . De que já te vi antes.
—A humana possui nome?
— É Kagome. —Limpou a garganta e pôs uma madeixa por detrás da orelha, graciosa. —Higurashi Kagome. — Sorrindo, continuou. —E o seu é. . . ?
O coração acelerou ao ouvi-la, mas ele não sabia direito porquê. Ele se afastou vagarosamente antes de responder resoluto com ar orgulhoso, satisfeito por inspecioná-la. — Taisho Sesshoumaru. Herdeiro das Terras do Oeste.
Kagome empalideceu.
Meu Deus!
.
Continua
.
#Notas da Autora:
Oi, oi, voltei!
Então, o que achou? Eu sei que não é a atualização de E.E como alguns esperavam - ou não -. Eu tive essa idéia há muito tempo. O Office aponta 2014 como data de criação, mas parei e deixei dois anos de lado. Aí recentemente voltei a reler alguns mangás de InuYasha que tenho guardado e também a ver alguns episódios e vídeos de momentos engraçados do animê e o que eu iniciei para acabar com um tédio acabou reavivando o carinho que tenho pela série.
Ao invés de jogar, eu simplesmente escrevi e completei o que já tinha. A história não deve se alongar, será suave e não pretendo fazer rodeios.
No mais, eu espero responder reviews, mas se você não quiser deixar algum comentário, tudo bem, continuarei a escrever para você assim mesmo!
D. CupCake.
#Vocabulário e interpretações de texto:
Preia¹: Presa.
No way¹: Do inglês, 'sem chance'.
Tépido²: Pálido.
Por favor, percebam que logo no início, o pequeno Sesshoumaru insiste em usar 'humano' para se referir a Kagome, no gênero masculino mesmo,e só depois muda para 'humana'.
É um pequeno detalhe de gêneros, eu sei, mas posso explicar: Distância.
Gosto de levar muito em consideração o fato que Sesshoumaru é de outra espécie, que é youkai e que o original é um antagonista. E também, porque, mais importante de tudo, detesto personagens a la romance-miojo ( Da garota que se apaixona sem motivo aparente. Do cara que a primeira vista já quer casar. Alonguem a lista ). Detesto.
Sesshoumaru usou a palavra 'humano' (mesmo sabendo que se tratava de uma garota) para se referir a um bicho qualquer sem se importar com absolutamente nada. 'Macho, fêmea, quem se importa? Tudo a mesma coisa.' - Seria essa linha de ordem na cabeça do nosso pequeno Sesshoumaru -. 'Humana' embora seja ainda uma palavra nada amigável (HAHAHA) e que continua a denotar uma distancia enorme entre eles é algum reconhecimento, uma atenção. Digo, ele já está levando em consideração o gênero certo da garota pelo menos.
Provavelmente irão existir outros detalhes no decorrer da fic, que explicarei sempre através dessas notas, porque ninguém é obrigado a sacar essas coisas e que os menos exigentes nunca se importarão. C:
