Essa fic será dividida em sete capítulos, cada um deles retratando conversas decisivas entre Remus e Dumbledore. Nesse primeiro capítulo eu faço referência a uma fic que escrevi há um bom tempo atrás, sobre a noite em que o Remus foi atacado por Greyback ("Dez de Março de 1968 - O dia que não terminou"). Não é necessário lê-la para compreender essa história, mas é claro que eu recomendo. xD

Espero que vocês gostem e, por favor, não esqueçam de comentar!


Capítulo I – Uma segunda chance

22.03.1971

Os sons retorcidos de madeira envolviam cada página que Remus virava. A casa inteira parecia estremecer toda vez que um sopro revigorado de vento castigava a construção envelhecida. Isolada pelo lago – inconveniente – que cortava o vilarejo, a Residência dos Lupin oscilava próxima à orla da floresta que se estendia montanha acima. A princípio, tal localização privilegiada em meio à natureza poderia soar ideal para um casal jovem, prestes a ganhar o primeiro filho e certos de que o criariam de forma saudável. Quanta ironia.

Equilibrada precariamente na beirada do criado mudo, um toco de vela servia como fonte absoluta de iluminação. Mesmo sendo um quarto pequeno, a solitária chama alaranjada era incapaz de sobrepujar a soberania das trevas; tendo o seu alcance limitado ao jovem deitado de borco na cama, que por sua vez não demonstrava nenhum tipo de desconforto diante do risco iminente de ser engolido pelas sombras – era como se estas fossem, para ele, antigas companheiras. Remus esfregou os olhos com as costas da mão, voltando a apertá-los em busca de uma melhor visualização dos quadrinhos. Já havia lido todos os seus exemplares de As aventuras de Martin Miggs, o Trouxa Pirado várias centenas de vezes, e, nessa noite, vinha encontrando dificuldade em manter a concentração. O pai prometera comprar a nova edição assim que saísse do trabalho, uma recompensa pelo bom comportamento de Remus na última semana. E foi por isso que Remus largou a revista em cima da cama e desceu, afobado, o estreito lance de escadas até a sala de Estar assim que ouviu a porta bater. A capa de viagem de seu pai se juntara a decoração, pendurada precariamente no braço da poltrona. Remus seguiu a trilha de ruídos até a cozinha, onde achou o pai com metade de um pão preso entre os dentes e um embrulho de papel na mão direita.

– Puxa vida! Me esqueci da revistinha! – John Lupin exclamou, dando um tapinha na própria testa.

Remus sentiu os ombros despencarem.

– E o que é isso? – Perguntou, referindo-se ao embrulho plano e quadrado na mão do pai.

– São nabos para o jantar.

– Não são não!

– Remmie, vá lavar a mão para jantarmos. Você pode ler sua revistinha depois – Helena Lupin disse, curvada sobre a bancada entre panelas e facas. – E você me ajude com isso – ela jogou um nabo de verdade na direção de John, tendo um pálido sorriso a enfeitar-lhe os lábios.

O sorriso desapareceu no segundo seguinte, levado embora pelas três batidas na porta que ressoaram num silêncio tenso.

– Fiquem aqui – John largou o nabo e a revistinha, puxando habilmente a fina varinha que trazia presa ao cinto.

Helena apertou com força os ombros do filho, guiando-o silenciosamente em direção à porta dos fundos. Seus dedos tremiam.

– Identifique-se!

A voz de John se elevava na sala. Uma segunda voz respondeu, porém a distância fez com que as palavras chegassem abafadas e indistintas aos ouvidos de Remus.

A porta abriu com um rangido.

– Professor Dumbledore! Entre, entre!

A julgar pelo tom agradável do pai e a exclamação de surpresa da mãe, Remus adivinhou que o nome era sinônimo de boas notícias; ainda assim, permaneceu onde estava.

– Peço desculpas pela minha falta de modos, mas tive que vir assim que li a sua carta – o homem, Dumbledore, disse.

– É uma honra recebê-lo, professor, obrigado por ter vindo. Sente-se!

Escoltado pela mãe até a sala, Remus chegou a tempo de ver o pai apressando-se para recolher a capa de viagem e conjurar um fogo serelepe na lareira.

– O senhor aceita alguma coisa? Chá? – Helena perguntou numa voz tímida.

– Chá seria ótimo, obrigado. Mas primeiro, se não for incômodo, eu gostaria de conversar com Remus a sós.

E foi assim que Remus se encontrou sentado no sofá, frente a frente com o homem mais excêntrico que já vira na vida. Como se não bastassem as vestes roxas e o chapéu pontudo, o homem ainda cultivava barba e cabelos esbranquiçados que prometiam, muito em breve, alcançar a linha da cintura. Mas talvez esta pudesse ser uma aparência comum entre bruxos daquela idade. Remus não tinha como saber. Praticamente não saía de casa.

– Você sabe por que eu estou aqui, Remus?

Eu nem sei como você sabe meu nome.

Remus sacudiu a cabeça.

– Você sabe quem eu sou?

– O senhor é amigo do meu pai? – Respondeu com uma pergunta, não querendo passar a impressão de que não sabia de absolutamente nada.

– Eu fui professor do seu pai, e atualmente sou diretor de Hogwarts. Já ouviu falar em Hogwarts?

– A escola para bruxos.

Remus fez o que pôde para esconder a tristeza por trás das palavras. Podia imaginar qual era o motivo daquela visita: completara onze anos algumas semanas atrás, e nenhuma carta chegara. O diretor viera avisar que ele não poderia ir para a escola por causa da maldição.

– Exatamente. Você quer estudar em Hogwarts, Remus?

Remus arregalou os olhos. Os olhos azuis de Dumbledore sorriam.

– Eu não posso – afirmou. Seria algum tipo de teste?

– Por que não?

Ele não sabe. Com o coração retumbando dentro das costelas, Remus perdeu-se em meio aos próprios pensamentos por instantes infindáveis. Eu posso mentir. Eu posso ir para Hogwarts e me esconder durante as luas cheias. Antes do ataque o pai havia contado tudo a respeito de Hogwarts. Falara sobre o jardim, o lago, o Salão Principal, o Salão Comunal da Corvinal, a floresta. A floresta! Eu posso me esconder na floresta, ninguém saberia.

Sentindo um arrepio escorregar-lhe pela espinha, ele lembrou a última vez que se vira sozinho na floresta. E do que encontrara lá.

– Porque eu sou... eu fui mordido por um lobisomem quando era criança.

Os olhos azuis o fitavam com uma intensidade tão perturbadora que Remus achou muitíssimo mais simples contar a verdade para os próprios joelhos.

– Eu sei disso. E você disse ao seu pai que produziu chamas azuladas para se defender durante o ataque.

– Eu não sei como isso aconteceu – Remus nunca esquecera aquela sensação mágica em meio ao desespero. Aquele poder lhe lambendo os dedos num jorro de luz azul. Tentara várias outras vezes reproduzir as tais chamas, sem sucesso.

– Em Hogwarts você vai aprender a controlar sua magia e, principalmente, vai aprender a usá-la.

– O senhor não entende. Quando a lua está cheia eu não tenho controle, sobre nada, nem mesmo depois dos tratamentos. Eu poderia machucar alguém.

Durante os últimos três anos Remus visitara tantos médicos, curandeiros e especialistas que já não conseguia mais manter uma contagem crível. Os tratamentos variavam entre rituais bizarros e terapias de choque, que serviam apenas para enchê-lo de esperança – e dor. O tratamento mais recente baseava-se em sangrias regulares e doses de vitaminas nojentas que prometiam limpar seu organismo da maldição. Remus sangrou e engoliu cada uma das vitaminas, incentivado pela promessa do pai de comprar a última edição de Martin Miggs. Tudo ocorrera como o planejado, menos a parte em que o tratamento o curava para sempre. Essa parte sempre estava fora de alcance.

– É esse o seu medo?

Os joelhos continuavam no mesmo lugar, e Remus recorreu a eles mais uma vez. Fez um aceno mínimo com a cabeça.

– E se eu dissesse que podemos resolver esse problema? Eu tive uma ideia que pode mantê-lo seguro durante as transformações, num local onde ninguém correria perigo. Mas as coisas não serão simples. Você vai ter que manter este segredo, e as aulas vão exigir toda sua dedicação. É por isso que eu pergunto, Remus: Você quer estudar em Hogwarts?

– É tudo que eu sempre quis.

Os olhos azuis brilharam. Num gesto tão simples e casual, Dumbledore tirou do bolso uma carta meio amassada e entregou-a para Remus.