Jornada nas Estrelas – Borgs, o Início
por Rogério P. Vieira
"Se você não consegue suportar um nariz um pouco ensanguentado, talvez devesse engatinhar de volta para debaixo de sua cama."
Q para Picard, em "Q Who"
1
[2374 d.C., Estação Espacial 9 (todas as datas informadas nesta história usam como referência o planeta Terra, utilizando-se a forma de datação corrente)]
Há dois dias não passava uma nave pela fenda espacial que ligava os quadrantes Alfa e Gama. Mesmo estando-se no auge a guerra contra o Dominion, não eram incomuns esses períodos de aparente tranquilidade, como os que antecedem a erupção de um vulcão. No turno em operações da Estação 9, estavam o capitão Sisko, a primeira oficial Kira, o tenente Worf, a subtenente Jadzia Dax, além de outros oficiais auxiliares. O'Brien estava agachado atrás de um painel, com diversos chips isolineares pelo chão, procurando por um desajuste que reduzira o desempenho que ele esperava.
Dax era a que estava mais calma. Não haveria como ela saber que, nas próximas semanas, um rápido encontro com um cardassiano tomado por um espectro seria mortal para ela, mas não para o simbionte que hospedava. Um sinal acendeu no painel que Dax monitorava. Seu monitor imediatamente saiu do estado de repouso. Ela leu as informações.
— Benjamin, estamos recebendo um pedido para abertura de um canal de comunicação de acesso restrito.
— De Bajor?
— Não. A origem não está identificada.
Worf afastou os olhos de seu painel, olhou para Dax. Retornou os olhos ao painel e pressionou alguns pontos, comandando que fossem exibidas todas as identificações das naves ao redor.
— Vamos ver do que se trata, disse Sisko. Abra um canal, Dax.
— Canal aberto. Na tela, senhor.
A tela permaneceu escura, mas podê-se ouvir um forte chiado.
— Interferência nas comunicações, Dax?
— Não. O computador está analisando a mensagem... São dados, capitão. Milhares de informações chegando em código padrão. O computador já interpretou... Estou pondo na tela.
O'Brien levantou-se, por curiosidade, para ver que informações eram essas. Na tela, apareceu o desenho da estação, um desenho esquemático em três dimensões, com alguns pontos em cor vermelha assinalados. O'Brien sentiu uma familiaridade naquela disposição de marcações.
— Senhor, parece que reconheço esses padrões, disse O'Brien, enquanto tentava lembrar-se onde já havia visto aquela configuração de pontos. — Há mais telas?
— Muitas, disse Dax.
— Dax, disse Sisko, avance as telas devagar.
Worf disse, preocupado:
— Senhor, não estou conseguindo triangular a fonte do sinal com exatidão. Está nas proximidades da estação. Recomendo entrar em alerta amarelo, senhor.
— Execute, senhor Worf.
Vários esquemas diferentes da estação preencheram a tela enquanto as imagens eram trocadas. O'Brien observava com atenção, foi até o console para verificar os dados de perto. Começou a reconhecer os pontos que estavam sendo assinalados.
— Capitão, esses esquemas estão assinalando os reatores de anti-matéria da estação, os conduítes de plasma e diversos outros pontos vulneráveis. O acesso a essas informações é reservado.
O semblante do capitão Sisko mudou para o de preocupação.
— Dax, algum sinal de que estamos sendo sondados?
— Não. A fonte de transmissão está em movimento. Os sinais transmitidos revelam efeito Dopler, mas não consigo marcar sua localização. Definitivamente, está nas proximidades da estação; pode ser uma nave camuflada.
— Alerta vermelho! Postos de combate!, ordenou Sisko.
Os escudos da estação passaram a operar totalmente ativos. Armas foram energizadas. Torpedos foram carregados automaticamente para alguns dos lançadores.
O'Brien comparou os padrões e com nitidez ele via a precisão dos pontos assinalados, que, se atacados com alto poder de fogo, levariam ao colapso dos escudos e dos sistemas de armas.
— Senhor, disse Worf, podemos disparar salvas de torpedos e fasers aleatoriamente, assim algum pode atingir essa nave.
— Não é necessário, Sr. Worf. Dax, o canal de comunicação ainda está aberto?
— Sim, Benjamin.
— Aqui é o capitão Benjamin Sisko, comandante da Estação 9. Seja bem-vindo, capitão Mark.
Uma nave começou a descamuflar-se logo acima da estação espacial. Vagarosamente ela se delineava. Primeiro via-se contornos, que foram ficando sólidos, parecendo vidro. De incolor, quase cristalina, passou à cor laranja, depois foi assumindo um tom dourado. A transparência foi diminuindo até que se via claramente uma nave da classe Defiant com o casco dourado.
Os painéis do Worf alertaram, logo que a nave começou a se tornar visível, quanto à localização dela. Worf passou a visão dela para a tela principal. Todos da ponte observavam. O'Brien o fazia de boca aberta. Do seu console, acessou os sensores externos da estação. "Classe Defiant," pensou. "Não conheço essa liga metálica..." Pôs no seu painel a imagem da nave. "Muito bonita, como se fosse revestida de ouro." Ampliou a imagem até poder ler a identificação: NX 85122 USS Szabo.
Sisko e O'Brien aguardavam, na doca de atracação quatro, o desembarque.
— Capitão, montarei uma equipe para verificar como a USS Szabo conseguiu penetrar nos nossos sistemas de segurança. Só quero dar uma olhada rápida no interior dessa nave, já que me permitiram.
— Fique tranquilo, Chefe. Não foi nenhuma falha de segurança em nossos computadores. A Szabo pode fazer a mais sensível sondagem passiva, apenas lendo informações, radiações emanadas, troca de mensagens internas e externas. É o novo projeto de nave de espionagem e reconhecimento em conjunto com o império romulano. Está em fase de teste em campo. Provavelmente estava há horas circulando a estação e coletando informações.
— Nesse teste com a estação passaram com louvor.
A porta se abriu.
— Capitão Sisko, não nos vemos desde que assumiu o comando desta estação. Naquela época você tinha mais cabelo.
— E você continua tão branco quanto uma cabra de Allus II.
Ambos sorriram e trocaram apertos de mão.
— O'Brien, apresento-lhe o capitão Mark.
O'Brien apertou firmemente a mão do capitão Mark, cumprimentando-o. Mark estava nos seus 45 anos. Era um pouco mais alto que Sisko. Ambicioso, subiu no comando através de amizades, influência de parentes, sorte. Sabia usar o trabalho dos outros para se destacar. "É preciso saber mandar", seria uma frase que resumiria seu modo de agir.
Mark apresentou-lhes o restante da tripulação que estava naquela comitiva. Sisko iria visitar a USS Szabo mais tarde, mas O'Brien já estava pronto para isso naquele instante. A engenheira-chefe da Szabo, Mirian, acompanhou-o à nave, enquanto Sisko, Mark e comitiva iriam conhecer a estação.
— Capitão Sisko, perguntou Mark, você acredita que o pedido da Frota de que parássemos na estação pôde animar o pessoal da estação, mostrando que estamos desenvolvendo tecnologias para vencermos o Dominion?
— Espero que isso não tenha atrasado sua ida ao espaço romulano. Se bem que chegaram aqui no horário previsto, informado na mensagem confidencial da Frota.
— Também mandaram alguns convocados para a minha tripulação de teste aqui para sua estação, os que estavam em sistemas solares nas proximidades.
— Odo, nosso chefe de segurança, havia apontado num relatório a chegada de gente da Frota sem motivo aparente.
Odo verificou as informações de segurança. Seguindo as instruções do Capitão Sisko, a estação ficaria fechada para outras naves por duas horas. Era o tempo suficiente para as verificações e o abastecimento da USS Szabo, que estava recém-saída do estaleiro, evitando olhos suspeitos e alheios e algum ataque surpresa do Dominion ou dos cardassianos. "Eu sabia que esse pessoal da Frota que chegou ontem estava envolvido em alguma coisa", pensava, enquanto visualizava na tela a ficha de cada um dos três especialistas da Frota. Dois rapazes e uma moça. A moça era da área de computação; os rapazes, um era engenheiro de holodeck e o outro era da área de cartografia.
— E o que tem de especial nessa nave? Perguntou Bashir a O'Brien, levando o copo de rakpujino à boca.
Estavam no bar do Quark.
— Para começar, somente eu e o capitão fomos autorizados a entrar nela. Só posso lhe falar que é uma nave de espionagem que nunca vi igual.
— Achei que ela demorou muito no processo de descamuflagem. Assisti ao vídeo da chegada. Se demorar também tudo isso para se camuflar, dará tempo de receber uns três torpedos no casco...
— O desenho é o mesmo da nave Defiant, mas ela não é para combate. Esse sistema de camuflagem desenvolvido junto com os romulanos é o que há de mais avançado em invisibilidade. Retiraram da nave a maior parte do sistema de armas para comportar o equipamento de camuflagem e os novos computadores. Ficaram uns poucos bancos fasers e lançadores de torpedo. E o motor de dobra é menor do que o original.
O'Brien terminou seu drinque.
— Deixa pra lá. Vamos mudar de assunto, senão falo o que não devo sobre a nave. E daí terei que matá-lo.
Ambos riram. Mas Bashir ficou mais curioso ainda. O proibido tem esse poder. Porém, por mais que insistisse, O'Brien não disse mais nada sobre a nave.
Sisko e Kira observavam a USS Szabo por uma das janelas da estação.
— Gostei da cor, acho que o Quark gostaria mais ainda desse dourado, disse Kira.
— Está difícil controlar o Quark, ele anda procurando saber do que se trata essa nave. Provavelmente quer ver se há oportunidade de lucro.
— O Garak também anda perguntando. Não sei se foi uma boa ideia ela ter atracado na estação.
— É bom circular a informação de que a Frota não está parada, que nossos engenheiros estão também atuantes nessa guerra contra o Dominion, que estamos desenvolvendo tecnologias para vencer essa guerra, disse Sisko.
Kira continuava olhando para a Szabo, notando as semelhanças com a USS Defiant. Virou-se para Sisko:
— É um pecado deixar os tripulantes isolados do pessoal da estação.
— Isso é só por segurança. Eles sabem muita coisa e a Frota quer se prevenir.
O comunicador de Sisko se ativou. Sisko tocou-o:
— Capitão Sisko.
— Capitão, aqui é o tenente Worf. Há uma nave da Federação solicitando autorização para entrar no espaço da estação e atracar. Dizem que estão transportando quatro técnicos da espécie binária. Os sensores de longo alcance confirmam a configuração da nave e os códigos de identificação conferem.
— Estão autorizados, Sr. Worf. Serão parte da tripulação da Szabo.
— Estou transmitindo a autorização, capitão. Worf desliga.
Kira tentou se lembrar quem eram os binários. Não conseguiu e perguntou ao capitão.
— Major, é uma espécie que se comunica através de códigos binários, em alta velocidade. São especialistas em computadores. Se me recordo bem, a Federação havia proibido a presença deles como tripulação técnica desde um incidente com a Enterprise D. Parece que os tripulantes binários usaram sem autorização a nave para proteger sua espécie de alguma ameaça.
— A Federação não pode mesmo desperdiçar recursos nesses dias de guerra.
Enquanto isso, O'Brien estava sentado sozinho no bar do Quark, decidindo se deveria aceitar a proposta de auxiliar no teste da Szabo, fazendo parte provisoriamente da tripulação daquela nave. O capitão Sisko havia permitido. Não queria admitir a si mesmo, mas ainda sentia saudade dos tempos em que estava na Enterprise. Mas como ele conseguiria constituir uma família dentro de uma nave espacial tão ativa?, perguntava-se.
Sisko e Kira caminhavam de volta ao Centro de Operações. O'Brien decidiu se distrair numa holosuíte. Na USS Szabo, uma das mais quietas tripulantes embarcou. Era uma das que aguardavam na estação a chegada da nave, Lucy, a moça da área de computação. Entrou no alojamento que lhe foi reservado e onde já estavam suas malas. A Szabo possuía alojamentos individuais, embora pequenos, já que a tripulação para uma nave de espionagem era menor e precisava mais de tranquilidade durante as folgas. Sentou-se na cama. Tinha na mão um PADD. Na tela apareciam dados sobre ela mesma. Parecia que os analisava. Ficou assim por trinta minutos. Cansada, desligou o aparelho, levantou-se, pegou uma das malas. Abriu-a e tirou dela um recipiente parecido com um balde. Pôs no chão. Comandou ao computador que a porta deveria ficar trancada. Olhou o relógio. Aproximou-se do balde, fechou os olhos e sua forma começou a se alterar, como se liquefizesse. Essa massa disforme depositou-se no balde, ficando toda no estado líquido, da mesma forma que Odo fazia para seu repouso obrigatório.
Worf olhou a Szabo e ficou a pensar que não era honrado, escondido como um rato aldebariano, ficar a espionar o inimigo.
— A Federação deveria é investir em naves de guerra. Uma guerra se vence com batalhas gloriosas. Klingons se forjam em batalhas gloriosas.
O'Brien balançou a cabeça, não concordando.
— Worf, acho que não vamos ganhar essa guerra se depender só da força bruta.
— E nunca vamos ganhar se não lançarmos uma grande ofensiva. Você já decidiu se vai com a Szabo?
— Gostaria de ir, aprenderia muito sobre essas novas tecnologias. Mas sou mais útil aqui na estação. O principal da nave, a tecnologia de camuflagem, está toda blindada por exigência dos romulanos e os dados sobre ela não podem ser acessados senão pelos próprios romulanos.
Wilson, especialista em cartografia, e Sergei, engenheiro de holodeck, entraram pela primeira vez na USS Szabo. Ambos, humanos. Wilson gostava de brincar de espião quando criança e daí, por uma malabarismo de considerações que fez, concluiu que seguiria a atividade de cartografia na vida adulta. "Cartografia é muito importante em missões de espionagem", dizia. Já Sergei, uma palavra que o definiria seria "simples", muito simples. Ele tinha vício pelo holodeck, mas não era como o vício que o tenente Barclay, que servira a bordo da USS Enterprise, tivera. Era uma paixão por criar os holoprogramas. "Só é possível criar mundos perfeitos no holodeck" era seu pensamento.
— Ainda com cheiro de nova... – disse Wilson.
— Minha primeira missão numa nave e pego uma que é praticamente zero quilômetro...
— Você trabalhava nos simuladores da academia?
— Trabalhei um tempo lá, depois vim para Bajor ajudar na reconstrução. Cuidei de parte dos sistemas, nada de holodecks. Foi bom para variar um pouco, mas, no meu tempo livre, via-me envolto na criação de holoprogramas.
— Por que uma nave pequena como esta precisa de um engenheiro de holodeck? Deve ter só dois holodecks aqui.
— Foi a primeira pergunta que fiz quando fui convocado para o posto. Daí me mandaram os detalhes técnicos dos holodecks instalados. Rapaz, você não acreditaria no que dá para fazer nesses holodecks!
— Duvido que o capitão Mark nos deixe à vontade no uso deles.
— Pelo que disseram - não falaram muito - eles serão usados em simulações sofisticadas para treinamento. O capitão depois me passará os detalhes, daí começo a montar os holoprogramas. Vou também ser o responsável pelos sintetizadores e por alguns sistemas não essenciais.
Dois técnicos estavam trabalhando no dispositivo de camuflagem na USS Szabo, conferindo cada conexão dele com a nave e sua calibragem quântica, conforme os esquemas e as especificações passados pelos romulanos.
— A tripulação será de vinte e cinco nessa fase de teste.
— E quantos que comporiam uma tripulação completa?
— Trinta. Na classe Defiant original seriam 50.
— Por que reduziram o número na Szabo?
— Há um novo desenho dos sistemas que requer menos tripulantes. Até melhoraram as cabines da tripulação. Uma cabine para cada um, embora pequena. Alguns tripulantes acumulam mais de uma função.
— Pelo que vi, não designaram nem um primeiro oficial.
— Com essa guerra, está difícil preencher os postos.
— Mas alguém vai assumir o posto de forma provisória, não?
— Acho que será o oficial de ciências, acumulando as funções. Nem o posto de médico foi preenchido. Temos que nos virar com o holograma médico de emergência.
— Hoje esse holograma é melhor do que muito médico por aí.
— E nem dá para perceber que é um holograma.
— Só se você tentar pegar o pau dele. Não vai encontrar.
— Do jeito que eles estão avançados hoje, posso até ter uma agradável surpresa.
E os dois riram, beijaram-se brevemente e retomaram o serviço.
