Item: Sanctuary
Shipper: Sirius/Bellatrix
Na escuridão que assoberbava o salão decrépito onde se encontravam sempre que a fome de veneração ultrapassava tudo o mais que eram, corpos procuravam outros corpos, bocas buscavam outras bocas e trocavam olhares por toques, mentiras disfarçadas de verdades por saliva, ideais por suor, erigiam altares ao amor no meio de lágrimas, sangue e semen. Naqueles instantes, o ódio era abafado em meio à violência com que se possuíam, tentativa de consumir a escuridão dentro de si próprio. Nunca foi fácil perceber o que os movia, até que nas ocasiões em que prata encontrava prata e o desejo de venerar qualquer coisa que fosse maior do que eles deixava de fazer sentido, tudo se tornava claro como cristal e eram afogados pela necessidade de expurgar aquilo que os distinguia. O turbilhão que eram finalmente serenava e só existia plenitude. Naqueles segundos só era possível vê-los como imagens especulares, confessando por gestos todos os pecados que nunca poderiam ser maiores do que aqueles encontros fugazes, aqueles tipo de pecados tornar-se-ia maior na proporção exacta em que o âmago deles era posto a nu, mais nu do que os seus corpos suados ainda entrelaçados pós-êxtase. Cada pedaço de escuridão que carregavam ia-se esbatendo à medida que encontravam uma réstia de serenidade no meio do caos que os consumia. Não haveria absolvição possível, a luta pelo que os dividia era uma religião cujo Deus jamais poderia permitir-lhes, ter conhecido o Paraíso através da violação de todas as regras estabelecidas. Permiti-lo-iam eles, em consciência, na solidão do seu quotidiano, na intimidade do seu pensamento? Pior ainda, admiti-lo-iam no recanto mais profundo dos seus sentimentos?
Perguntas respondidas através de acontecimentos, como invariavelmente são as perguntas importantes que nos esmagam. Inexoravelmente, à distância de celas, ouvindo os gritos, o medo, o silêncio, o terror por que o outro passava, uma a uma todas as recordações que tinham um do outro foram extraídas à força, dissecadas até que todo o seu sentido fosse perdido. Através da tortura, tentaram parar de guardar todos os sentimentos que os uniam. Por cada um destes que era eliminado, a linha que os mantinha entre a sanidade e a loucura tornava-se mais ténue, apodreciam todos os dias, hoje um bocadinho mais que ontem, menos que amanhã. Prata deu lugar a cinza, o turbilhão dentro deles silenciado pela obstinação de um ou dois pensamentos de que eram reféns.
Ano após ano, só algumas lembranças restaram, só por pura teimosia sobreviveram. O reencontro serviu para avivar as poucas lembranças que restaram, cientes por fim de que unicamente a dor podia pagar a dor assim como só o sacrifício podia dar lugar à recompensa. Por isso, quando a hora chegou e cinza defrontou cinza pela última vez, por instantes, puderam finalmente dar vida à memória daquela plenitude que os ancorou àquela imitação de vida, compreendendo o santuário que tinham construído um no outro, a plenitude preencheu-os por fim. Prata encontrou prata e as sombras de quem tinham sido morreram naquele dia, a escuridão pôde abrir caminho à luz.
