Jane virou a maçaneta e entrou na casa de Maura. Havia muito tempo desde que a médica havia lhe dado uma cópia de sua chave. Olhou através da luz fraca, aquela luz que Maura sempre deixava acesa, a luz que geralmente emanava um brilho acolhedor, mas que hoje para Jane parecia apenas melancólico. Ninguém por ali. Silêncio. Ela adentrou na casa, caminhou a passos pesados até o sofá, jogou o corpo nele, agarrou uma almofada e a enfiou no rosto. Queria esquecer-se do mundo por um momento, a terra poderia engoli-la, ou sofá, tanto faz, o fato é que ela não iria se importar. Queria ignorar a dor latejante na cabeça, mas na mente surgiam um turbilhão de pensamentos que se faziam alto demais contra o silêncio da casa vazia. Jane precisava parar de pensar na médica, pelo menos por um instante. Precisava muito reorganizar os pensamentos, elaborar o que tinha acontecido naquele dia. Sentia-se tão culpada, tão responsável... Tinha falhado. Tinha falhado com a pessoa que mais... Amava? Como tinha deixado Maura ir desse jeito? Porque não estava lá com ela? Como não tinha previsto isso? Jane sentia um aperto no peito do tipo que não sentira desde... Desde quando? Nem conseguia se lembrar. A detetive respirou fundo na intenção de oxigenar o cérebro, assim como havia aprendido com a doutora. Oxigênio ajuda a pensar melhor, não era isso que ela sempre dizia? Jane, respira. E assim ela o fez.
E se arrependeu instantaneamente.
O cheiro de Maura, vindo da almofada, invadiu seu nariz lhe trazendo lembranças que agora fizeram os olhos lacrimejarem. Ela se lembrou de quantas vezes elas se sentaram ali naquele mesmo sofá, rindo das histórias uma da outra, confidenciando segredos, oferecendo um ombro amigo para chorar, dividindo bebidas, levando broncas de Angela por não comerem direito, assistindo a programas de TV, dividindo uma coberta... Jane sentiu falta de Maura. Do seu riso, do seu jeito envolvente e delicado. Sentiu falta de ver aquele cabelo perfeito caindo sobre o ombro e aqueles olhos cor de mel brilhando para ela enquanto os lábios de Maura se abriam no mais maravilhoso sorriso que já conhecera. Sentiu falta de Maura lhe censurando por dizer um palavrão, sentiu falta da médica espremendo os olhos por conta de seu sarcasmo.
Eram amigas há alguns anos, mas conheciam uma a outra como se tivessem nascido e sido criadas juntas. Jane nunca havia imaginado como seria a vida sem Maura por perto, essa hipótese jamais havia passado por sua cabeça. A ausência da amiga naquele momento provava a Jane o quanto ela precisava de Maura para se sentir completa, para não se sentir apenas mais alguém no mundo. Alguém que acordava cedo, que trabalhava o dia inteiro e voltava para onde morava, uma casa fria, sem ter alguém para te receber quando retornasse do trabalho, ou da padaria, ou de onde quer que seja. Jane vivera assim por um tempo, sozinha, sem se preocupar com ninguém, sem se preocupar consigo mesma. E então Maura aparecera na sua vida. A impressão que Jane teve de Maura na primeira vez que trabalharam num caso caso juntas era de que a médica era segura de si mesma, confiante, não admitia que metessem o dedo em seu trabalho e que fosse, talvez, um pouco arrogante por conta disso. A roupa elegante que usava, sem nenhuma ruga, sapatos de salto alto de marca e cabelo impecavelmente arrumado não deixava dúvidas de que a mulher era rica, vaidosa, ou em outras palavras, fazia com certeza parte da alta sociedade. Talvez seja esnobe também, foi o que Jane pensou ao fazer uma análise rápida, mas como boa detetive que era, não se deixou levar pela primeira impressão.
Bastou conhecer um pouco mais a médica para gostar dela, ainda que não tenha sido fácil chegar lá. Jane descobriu que na verdade Maura não era nem um pouco esnobe, mas sim, reservada. Respondia educadamente qualquer pergunta que a detetive fazia em relação ao caso, mas sempre contornava a conversa quando o assunto envolvia de alguma forma sua vida pessoal. Foi realmente muito difícil chegar até ela, mas Jane sempre foi empática, sempre soube ler as pessoas, e apesar de nunca ser muito paciente com ninguém, algo em Maura havia lhe chamado atenção, havia lhe deixado curiosa. Talvez o fato de querer explicar tudo através da ciência, ou de não entender o sarcasmo da detetive, ou de se mostrar educada em qualquer situação que fosse, principalmente nas situações em que Jane se segurava para não sacar a arma e atirar em alguém, ou de ser sempre solitária. Isso era o que Maura mais se sobressaía aos olhos de Jane naquela época: estava sempre sozinha. Ela parecia não se incomodar com isso, mas isso incomodava Jane. Durante duas vezes ela vira a médica almoçando sozinha na cantina da delegacia, e foi na terceira vez que a detetive resolveu se convidar para se sentar-se à mesa junto com ela. Maura era educada demais para expulsar Jane dali, ela sabia disso. Depois daquele dia passaram a almoçar sempre juntas, e foi quando fecharam aquele caso que desgastou todos os detetives envolvidos nele, que Jane convidou Maura para o bar para comemorar. Uma cerveja, um vinho branco. Ela se lembrava perfeitamente bem. E foi a partir daí que construíram uma amizade sólida, um vinculo forte, uma confiança inabalável entra elas. Tinham mais em comum do que poderiam ter imaginado antes e eram mais diferentes do que poderiam dizer. Jane havia integrado Maura no seu ambiente de trabalho, entre seus amigos e sua família. Dividia tudo com ela e Maura retribuía da melhor forma possível: deixando Jane também fazer parte de sua vida.
Jane suspirou e esperou até que a angustia que estava apertando o coração aliviasse. Tudo o que sentia durante o tempo que estava deitada variava entre angustia, medo e raiva. Sentar e esperar? Era realmente isso que Cavanaugh queria que ela fizesse? Como se ele não a conhecesse suficientemente bem. Foda-se. Ela poderia resolver aquilo, era a melhor detetive daquela delegacia e sabia. Ela não iria tolerar isso. Primeiro porque não conseguia com tudo o que estava sentindo naquele momento, iria enlouquecer se ficasse parada, e segundo porque, até onde tinha conhecimento, Maura não esperaria nenhuma outra atitude da amiga senão levantar e ir à luta.
Ela juntou todas as forças e se levantou do sofá olhando para a almofada que acabara de jogar ao lado, sentindo aquela mistura de medo e fúria crescente dentro de si. Ninguém tinha o direito de tirar Maura assim dela. Ninguém. Sua mãe não estava na casa de hóspedes, ela pôde se certificar olhando pela janela. A casa estava toda às escuras. Graças a Deus. Ela não estava no clima para interrogatórios e toda sua paciência havia chegado ao limite. Ela esfregou as têmporas com os dedos numa tentativa de afastar a dor de cabeça. Respirou fundo uma ultima vez e tomou a decisão. O pensamento havia lhe ocorrido uma hora antes, mas não estava assim tão certa. Agora, depois de ficar ali sentada sozinha naquela casa, sentiu que não era nada justo ser colocada naquela posição. Desde quando a vida é justa, mesmo, Rizzoli?
Pegou a arma e estava prestes a sair de casa para fazer uma besteira. Maura classificaria a atitude como 'um ato irresponsável', ela tinha certeza, e quase sorriu com o pensamento. Pegou a chave do carro e caminhou vorazmente em direção a porta. O furacão Rizzoli estava partindo de casa. Armada, furiosa e decidida.
E então o telefone tocou.
