Autora: Debí Kvothe
Shipper: Scorpius Malfoy/Albus S. Potter
Gênero: Romance/Humor
Classificação: M
Disclaimer: Não tenho os direitos autorais de Harry Potter. Apenas a história é minha.
1. Azul Escuro
Às vezes, a melhor maneira de se encontrar é se perder na vida de alguém.
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"Ouvi o pessoal comentando que a sua dupla em física avançada vai ser aquele garoto novato. Scorpius Malfoy."
Albus Potter olhou para o amigo Teddy Lupin com uma sobrancelha erguida no mesmo instante em que alcançavam o jardim do colégio.
"Scorpius Malfoy?" Pensando por alguns segundos, completou: "Aquele garoto loiro?"
"Esse mesmo" Concordou o amigo, colocando uma das mãos no bolso da calça enquanto observava, de longe, Lily Luna. Talvez se Albus olhasse melhor, pudesse perceber que não era um olhar qualquer.
"Contanto que ele seja inteligente e não prejudique minhas notas, por mim tudo bem" Dando de ombros, voltou o olhar para o pequeno panfleto que havia ganhado alguns minutos antes, contendo o horário de suas matérias para aquele bimestre. Mas Teddy notou que uma leve tensão tomou conta de seus ombros. Albus odiava ter que interagir com pessoas novas, ou sair da rotina que já tinha traçado. "Mas o que aconteceu com McLaggen?"
"Parece que ele foi transferido para uma escola em New York" Teddy explicou displicente, erguendo um pouco os ombros e balançando os cabelos quando passaram ao lado do grupinho de garotas do primeiro ano, amigas de Lily. Albus o olhou demoradamente, tentando entender alguma coisa.
"Você está com dor nas costas?" Perguntou delicadamente, colocando a mão no ombro direito do amigo como se assim pudesse fazer a dor passar.
"Oh" Teddy corou um pouco e sorriu amarelo, se afastando das mãos do amigo. "Não é nada."
"Malfoy..." Albus repetiu o sobrenome do garoto lentamente, sentindo-o deslizar em sua língua. "Meu pai já comentou sobre esse assunto em casa."
"Com certeza já" Teddy concordou, sorrindo de leve enquanto o amigo o olhava com atenção "Draco Malfoy, pai de Scorpius, estudou com Harry na escola, os dois são da mesma época"
"Oh" Fez Albus, franzindo o cenho. Tinha a impressão que deixara alguma coisa de fora. Teddy pareceu perceber também, pois sorriu novamente.
"Eles eram inimigos" Concluiu por fim, enquanto ambos saíam pela quadra de esportes e se desviavam de algumas bolas do time de basquete. "Se odiavam mutuamente, pelo que parece. O tio Ron me contou a história uma vez, enquanto mostrava umas fotos de um álbum que achou em algumas caixas antigas, na mudança."
"Mas porque eles se odiavam?" Quis saber o garoto, finalmente guardando os horários das aulas dentro do bolso.
"Não sei exatamente... Essa parte ficou meio implícita. Mas parece que o Harry se recusou a aceitar a amizade dele quando criança e desde então ambos vivem uma guerrinha"
"Que infantil!" Albus exclamou, imaginando seu pai discutindo com alguém por um motivo tão bobo. Harry raramente se irritava.
"Imagino que para crianças isso é motivo o suficiente" Teddy disse sabiamente.
"Mas era de se esperar que os dois superassem isso, com o passar do tempo."
"Sei que o tio Ron não gosta dele" Constatou, soltando uma exclamação exasperada quando uma bola quase o acertou. "Minha mãe comentou que esse Malfoy humilhava-o diariamente, por ser amigo do Harry. Despeito, em minha opinião. Mas é normal que você tenha ouvido o nome dele, os Malfoy tem sido assunto lá em casa todos os dias. Voltaram a pouco tempo da França, pelo que entendi." Teddy soltou um suspiro. "Mas concordo com você, eles já deveriam ter superado." E sorriu.
"O que eles foram fazer na França?"
"Não sei direito" Teddy falou, com ar pensativo. "Parece que o filho deles tinha algum problema sério de saúde, ou algo assim."
"Scorpius?" Albus perguntou curioso.
"Sim, é o único filho deles. Mas como você vai ser a dupla dele, pode perguntar."
"Não seria uma conversa muito animada, você não acha?"
Teddy riu, dando de ombros.
"Foi só uma idéia"
"Suas idéias são péssimas, Lupin. Guarde-as pra si da próxima vez."
Teddy o ignorou solenemente, e Albus soltou um gemido baixo, batendo na testa com uma das mãos.
"Acho que esqueci meu armário aberto" Disse antes de dar meia volta e correr para dentro do colégio.
Teddy suspirou, lembrando que Albus fechara o armário e o verificara pelo menos três vezes antes de acompanhá-lo para fora.
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"Você conhece Draco Malfoy?"
Albus observou o pai erguer os olhos do jornal que lia para olhá-lo expressão concentrada.
Naquele horário apenas ambos tomavam café. Harry se separara de Ginny fazia alguns anos e James estava dormindo profundamente no quarto, roncando tão alto que dava para ouvi-lo da mesa, do outro lado da casa.
"Sim, eu o conheço." Harry respondeu finalmente, fechando o jornal sobre a mesa e olhando para o Albus. Ele tinha essa mania, de sempre dar total atenção para os filhos quando estes o dirigiam à palavra. Albus tinha a ligeira impressão que era pelo fato de vê-los apenas nos finais de semanas e feriados, após o divorcio.
"É verdade que vocês dois são inimigos?"
Harry não disse nada por vários segundos, apenas fixou os olhos nos verdes idênticos aos seus.
"Bem" começou um pouco hesitante, como se pensasse em uma resposta apropriada. "Não é exatamente inimigos, se você entende. É mais como uma rixa infantil que tínhamos quando crianças, e apenas por sermos idiotas o suficiente para implicar um com o outro por coisas sem importância nenhuma. Mas respondendo a sua pergunta, nós não somos, mas já fomos. Draco é um conhecido de anos que se mudou pra França há algum tempo atrás-"
"Eu sei..."
"... porque estava passando por alguns problemas, e desde então" continuou Harry, ignorando a interrupção do filho "perdemos contato. Mas agora ele voltou e até tomamos um café juntos, porque somos homens crescidos e sem tempo pra briguinhas infantis."
"Por quais problemas ele está passando?" Perguntou curioso, observando o pai atentamente.
"É um problema com o filho" disse Harry sem se aprofundar muito. "Mas parece que já está tudo sob controle."
"Scorpius Malfoy?" Albus indagou, lembrando do garoto loiro de sua escola. Nunca havia realmente parado para pensar nele antes, era indiferente à sua presença. Se soubesse que ele não era apenas mais um novo garoto em sua turma, teria o observado melhor.
"Sim" Harry olhou para o filho sorrindo. "Vocês são amigos? Sei que ele está estudando na mesma escola que você..."
"Ah, não" Albus não notou que o pai parecia levemente decepcionado com a resposta. Mas franziu a testa, lembrando das palavras de Teddy. "Mas parece que ele vai ser minha dupla de física avançada."
"Isso é ótimo, Al! Seja legal com ele, sim? Seria muito bom se vocês se tornassem amigos. Ele se mudou há pouco tempo e não deve ter se estabelecido direito ainda."
Albus revirou os olhos e mordeu a língua antes de dar uma resposta mal criada. Seu pai, às vezes, agia como se ele tivesse cinco anos de idade e estivesse na pré-escola.
"Claro" Disse com indiferença calculada, mexendo seu café – já frio –, com uma colher de prata pela décima vez antes de desistir de tomá-lo e se despedir do pai, andando em direção ao banheiro para tomar um banho antes de voltar para casa da mãe.
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Albus entrou para a turma de física avançada porque queria trabalhar com Física Teórica e Experimental, o que era uma grande ironia, pois até seus treze anos de idade simplesmente não se interessava pela matéria. Sempre que possível, copiava os deveres de sua prima Rose ou de Teddy por simples desinteresse. Albus odiava novas experiências, odiava sair de sua rotina habitual – e não se importava quando as pessoas diziam que havia alguma coisa errada com ele por isso.
Ele descobriu, com o passar do tempo, que tinha uma memória incrível, fotográfica, pelo que ouvira dizer. Era um garoto muito inteligente, se comparado aos amigos de turma, e sabia disso. Uma Prof. de Química, na sexta série, também percebeu, e após fazer uma prova que para os padrões de garotos de quatorze anos era considerada praticamente impossível, surgiu a oportunidade de entrar para completar a escola em um curso avançado de um ano e ir direto para a Faculdade, aos quinze.
Seu pai o apoiou, como sempre, e parecia sinceramente orgulhoso do filho por esse feito. Era raro encontrar garotos superdotados como ele, mas Albus se recusou veementemente a entrar para faculdade aos quinze. Queria ser um garoto normal, completar o fundamental e o superior como seus primos – as únicas pessoas com quem tinha relações sociais, pois se conheciam desde pequenos.
Nem ele mesmo sabia o porquê, mas se sentia inquietamente mal sempre que estava na presença de pessoas que não eram de seu círculo social – como seus pais e primos. Suas mãos começavam a tremer, sua voz saía baixa demais, o sangue zumbia em seus ouvidos e não conseguia fixar o olhar de ninguém por mais de cinco segundos.
Albus dizia que era apenas timidez, quando seus pais e primos pareciam preocupados. E logicamente pensou no quão idiota era seu pai quando começou a desconfiar que ele fosse autista. Ele até riu de Harry (por mais mórbido que pudesse parecer) quando o médico dissera que Albus não poderia ser autista, uma vez que seu intelecto, fala e desenvolvimento comportamental (na medida do possível) eram normais e até mais afiados que a da maioria das pessoas. No fim descobriu ser outra coisa, e apesar de não ser pior que autismo, Albus achou o diagnóstico ridículo. Era apenas um garoto normal, melhor que os outros, sim, mas normal.
"Você vai se sentir bem com a sua dupla de física avançada? Se quiser posso pedir para o Prof. Snape que você fique sozinho..." Albus não notou a preocupação mais que palpável na voz do amigo, apenas olhava com desinteresse para o quadro de aulas fixado à parede, procurando seus horários de aula.
"Estou perfeitamente bem, Lupin." Albus respondeu com indiferença, passando a ponta dos dedos pelo quadro e confirmando pela quarta vez se a sala era mesmo a que tinha escrito em um pedaço de papel. Após guardar o lápis dentro do bolso de trás da calça, se virou para o amigo. "Qual o problema?"
"Nenhum" Teddy disse em um suspiro, passando as mãos pelo cabelo e observando o rosto impassível do primo com hesitação. "Quer companhia até sua classe?"
"Não" Respondeu o moreno imediatamente, sem perceber a expressão preocupação de Teddy. "Sei exatamente onde ela fica."
"Tudo bem então, Al. Até mais"
Teddy Lupin ignorou deliberadamente quando Albus torceu o nariz ao uso de seu apelido, sumindo de vista. Teddy se virou no corredor, procurando desesperadamente por uma cabeleira louro-platinada em meio ao caos de pessoas que passavam, em busca de suas salas e empurrando Teddy sem a menor cerimônia, que estava em frente ao quadro de avisos, tampando a visão.
Fez um agradecimento silencioso a Deus quando avistou Scorpius Malfoy com um ar de tédio, parecendo esperar que a aglomeração de pessoas em frente ao quadro diminuísse um pouco antes de tentar ver em quais salas ficaria.
"Sala 4B às 08h40, Física Avançada." Disse Teddy para o garoto, que se virou com uma sobrancelha erguida, como se duvidasse que as palavras tivessem sido dirigidas a ele.
"Pois não?" Scorpius olhou Teddy de cima a baixo antes de lhe dirigir a palavra, com um olhar crítico e o nariz torcido em desgosto. Talvez fosse apenas pela mania louca de sempre pintar os cabelos de cores vibrantes, ou apenas herança de família, pensou desanimado.
"Você será dupla de Física Avançada com um amigo meu" Falou Teddy com simplicidade, ignorando o ar avaliativo do outro. "E antes que você entrasse na sala, queria conversar com você sobre ele."
"Eu não sei quais foram as mentiras que te contaram sobre a minha família" começou Scorpius, com um ar ligeiramente revoltado "mas saiba que eu não trouxe uma faca dentro da mochila para esfaquear seu amigo durante a aula, então pode poupar sua saliva."
Scorpius estava prestes a dar as costas para Teddy quando ele lhe segurou pelo braço, o impedindo de dar mais qualquer passo.
"Sua família não tem nada a ver com o assunto, Malfoy" Teddy fechou os olhos alguns segundos à procura de paciência, enquanto o loiro se voltava, afastando a mão que o segurava com um tapa. "É sobre Albus."
"Estou atrasado" ele disse com voz arrastada, ajeitando melhor a mochila sobre os ombros e cruzando os braços sobre o peito "então fale logo."
"Albus é especial..."
"O que um deficiente mental faz na aula de Física Avançada?" Scorpius o cortou, parecendo curioso.
"Ele não é deficiente mental" Teddy disse com convicção, usando toda sua paciência para não socar o garoto e tirar àquele ar arrogante de sua expressão. "Há alguns anos ele foi diagnosticado com uma Síndrome e por isso pode parecer meio... indiferente as coisas ao redor. Eu só queria que você tivesse paciência com ele, e que não o julgasse quando ele fizer algo estranho, ou fora dos padrões convencionais. Você pode fazer isso?"
Scorpius parecia horrorizado agora.
"Ele é indiferente?" Scorpius olhou ao redor, como se esperasse ver Albus saindo de alguma sala de aula com uma arma na mão. "Como assim indiferente? Ele é perigoso? Porque, sinceramente, acabei de escapar da morte e..."
"Não, ele não é perigoso" Falou Teddy com indulgência, revirando um pouco os olhos. "Na verdade, eu duvido que ele troque uma palavra se quer com você, apenas não force, tudo bem? Você precisa ter paciência, apenas isso."
O loiro ainda parecia um pouco inseguro, olhando para Teddy como se ele fosse algum psicopata. "Eu só espero que ele não tente nada contra mim, vou apenas ignorá-lo."
"Perfeito!" Teddy parecia positivamente aliviado ao ouvir a sentença, e lhe piscou um olho antes de dar as costas e sumir entre a aglomeração de pessoas apressadas nos corredores da escola.
Scorpius suspirou baixinho, afastando os cabelos do rosto e andando em direção ao quadro de avisos. Sua vida não poderia estar melhor. Começar em uma escola nova no meio do ano não é exatamente o que ele chamava de excitante, e ter como dupla algum lunático na aula de Física Avançada piorava ainda mais sua situação. Era péssimo na matéria e contava com sua dupla para ensiná-lo, uma vez que seu pai fazia questão que ele a cursasse.
Suspirando mais uma vez, foi sua vez de se perder entre as pessoas em direção à sala de aula.
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Quando o garoto de cabelo multicor falou sobre o tal de Albus ser indiferente, não imaginou que fosse tão ao pé da letra assim. O garoto realmente era. Não dirigira um único olhar para Scorpius durante toda a aula – ou para qualquer outra pessoa além do professor –, e ambos estavam sentados lado a lado na mesa. Ele parecia inquieto, e o loiro notou que ele fazia alguns gestos repetitivos e quase obsessivos, como sempre colocar os tubos de ensaios sobre o mesmo lugar – nenhum centímetro a menos –, e deixar a letra em seu caderno cuidadosamente do mesmo tamanho, e a mania quase irritante de ajeitar o cabelo, mesmo não havendo nenhum fio fora do lugar.
Diferente de como Scorpius poderia imaginar de alguém como ele, Albus não fazia o tipo nerd. Pelo menos não diretamente. Ele se vestia como qualquer outro aluno, não usava óculos ou parecia ser algum tipo de viciado em videogames. Apesar de o loiro ter notado que sua mochila era do Flash, da Liga da Justiça. E mesmo achando notavelmente ridículo um garoto do terceiro ano usar uma mochila de Super-Herói, não achava tão estranho ele gostar de HQs. Até Scorpius tinha alguns! Tudo bem que estava em uma caixa em seu guarda-roupa e que não mexia neles há anos, e na mudança para Londres apenas voltou a guardá-lo, sem nem abrir... Mas mesmo assim ele tinha, e não conseguia nem pensar em jogá-los fora.
O Professor Snape, de Física, passou um trabalho para a dupla, ao fim da aula, e Scorpius suspirou. Que o multicores o perdoasse, mas não tiraria uma nota ruim apenas por seu amigo ser algum tipo de retardado mental. Virou-se para o lado, disposto a lhe perguntar como fariam o trabalho, e se surpreendeu ao dar de cara com os olhos mais verdes que já havia visto na vida.
Eram realmente verdes. Uma cor que Scorpius nunca havia visto antes. O garoto tinha olhos grandes e cílios longos, quase femininos, o que não fazia juz à sua aparência, uma vez que cada feição de seu rosto era bastante masculina e definida, como os maxilares firmes, as sobrancelhas grossas e uma barba rasa que crescia em seu queixo.
"Eu farei o trabalho sozinho" O moreno disse apenas, e ele não olhava nos olhos de Scorpius, mas sim para um ponto de seu pescoço, parecendo um pouco alheio. Scorpius ergueu uma sobrancelha quando o garoto saltou do banco, colocou a mochila sobre o ombro e lhe deu as costas.
Ele vestia uma camisa quadriculada que estava enrolada até seus cotovelos e uma calça jeans colada às pernas e quadris. Scorpius imaginou se alguém, ao vê-lo a primeira vez, pensaria que ele tinha alguma Síndrome.
Com um suspiro derrotado, pegou a mochila que estava no chão e saiu da sala, partindo para a próxima aula.
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"Pai"
Draco Malfoy levantou o olhar para o filho e ergueu uma sobrancelha. O loiro estava no jardim dando algumas instruções para o Jardineiro, já que Astória ainda estava na França resolvendo algumas poucas coisas pendentes.
"Olá, Scorpius. Chegou cedo..." Comentou, dispensando o homem com o aceno de mão. O Jardineiro já tinha certa idade, e Scorpius ignorou a expressão contrariada em seu rosto quando Draco lhe deu as costas. Não se achava mais empregados descentes, hoje em dia.
"Minha última aula foi cancelada." Disse enquanto seguia o pai para dentro de casa. "Queria perguntar algo."
"Pergunte" Incitou o pai, parando a meio caminho do corredor para olhar o filho.
"Você conhece o Sr. Potter, não é?"
Draco arqueou ainda mais a sobrancelha e seus lábios se crisparam levemente.
"Infelizmente."
Scorpius rolou os olhos.
"Você sabe se o filho dele sofre de algum problema, trauma, transtorno ou síndrome?"
"Os Weasleys sofrem de tudo isso, querido" disse Draco com falso pesar, colocando um dos braços em volta do ombro do filho e voltando a caminhar. "Mas não se preocupe, não é contagioso."
"Pai!" Repreendeu o garoto, e Draco riu de leve, as feições ficando mais suaves.
"Eu não sei se ele sofre ou não, mas sua avó, que é prima do padrinho dele, comentou uma vez que os Potter suspeitavam que ele fosse autista. Mas era apenas uma suspeita que se mostrou sem cabimento nenhum." Draco disse lentamente, franzindo a testa antes de continuar, como se lembrasse de algo intrigante. "Ele é superdotado, o Black adora dizer isso. Ele recebeu um convite para entrar na Faculdade aos quinze anos..."
"Qual faculdade?"
"Harvard."
Os lábios de Scorpius se partiram em incredulidade.
"Você tá brincando!"
"Estou falando muito sério, querido. Então autismo ele definitivamente não tem."
"Então ele é louco" Constatou Scorpius, ainda boquiaberto. "Porque ele recusou ir pra Harvard?"
"Isso você teria que perguntar pra ele..."
"Como você sabe dessas coisas?" Quis saber o garoto, erguendo a sobrancelha de uma maneira idêntica ao pai.
"Saiu no jornal alguns anos atrás..." Draco falou sem se aprofundar muito no assunto, fazendo um gesto de descaso com as mãos. "Sua avó me mandou o jornal com a notícia, estávamos na França."
"Inacreditável" Comentou o garoto, mordendo o lábio inferior. "Ele é tão esquisito."
"... Com o pai que tem..."
"Ele é minha dupla de Física Avançada. Um garoto de cabelo colorido me parou e disse que ele tem alguma Síndrome, mas não entrou em detalhes. Será que é algo sério?"
"Duvido que seja" Falou Draco com desinteresse, se afastando do filho e sentando-se em uma poltrona perto da lareira, observando Scorpius atentamente. "Potter vive pelas crias dele, e ele estava bem tranqüilo quando o vi. Deve ser só alguma crise adolescente..."
"Não sei, o garoto parecia realmente preocupado..."
"Para adolescentes tudo é o fim do mundo" Draco explicou, balando um pouco a cabeça. "Porque está tão interessado nele?"
"Sei lá" respondeu com sinceridade, deixando os ombros caírem. "Ele me pareceu tão... sozinho."
"Se ele é sozinho, Scorpius, é por opção. Ele tem mais primos do que os coelhos."
Scorpius sorriu indulgente.
"O que você tanto tem contra os Weasleys?"
Draco resmungou alguma coisa inaudível e pegou um livro que estava apoiado no braço da poltrona, o abriu e começou a ler, ignorando o filho. Scorpius pensou em lhe dizer que o livro estava de cabeça pra baixo, mas apenas deu de ombros e saiu saltitante da sala, o nome Albus momentaneamente esquecido.
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Scorpius se orgulhava por ser alguém considerado paciente.
Bom, ele era paciente, se comparado às outras pessoas de sua faixa etária de idade. Muitas vezes o loiro pensava que seu pai deveria agradecer todos os dias por ter um filho como ele.
Definitivamente deveria.
O filho dos Goyle era um demônio encarnado, na sincera opinião do garoto. Ele tinha um ar arrogante e passou a infância inteira implicando com garotos mais novos, assediando garotas que não lhe queriam e Scorpius chegou a descobrir, uma vez, que ele se metera com drogas e que quase havia sido espancado quando deu uma de valente pra cima do traficante com quem conseguira o pó.
Uma semana depois o homem estava morto.
Não que Scorpius ligasse uma coisa à outra, mas era muito suspeito.
Tinha a filha de Pansy, amiga de seu pai. Ela era notavelmente bonita, cursava faculdade de direito, tinha um estágio em uma empresa de prestigio e com certeza uma estrada de oportunidades.
Bem, na verdade elateria, se não houvesse engravidado a alguns meses de um homem que, como os pais descobriram, a espancava periodicamente. E o pior na visão de Scorpius, que simpatizava com a garota, era o fato de que uma mulher como ela, sempre tão independente, inteligente e com um filho no ventre, não conseguia deixá-lo e fugira com ele.
Essas eram coisas que ele não conseguia compreender. Ele acreditava no poder no amor, mas se ele fosse mútuo. Não era como se um cara que batia em uma mulher grávida soubesse o significado disso.
Scorpius, entretanto, nunca espancou ninguém (pelo menos não sem motivos), nunca se envolveu com qualquer tipo de droga (o que ele achava uma tremenda idiotice, com todas as informações que havia sobre o mal que elas causavam), nunca assediou alguma garota que parecia não lhe querer, nunca namorou alguém que lhe batia periodicamente e, Graças aos Céus, nunca havia engravidado.
Adicionando à lista que ele era um estudante com notas ótimas e um futuro fisioterapeuta, era de se imaginar que Draco Malfoy agradecia a Deus todos os dias por tê-lo como filho. Apesar de Scorpius ter suas dúvidas se ele acreditava ou não em Deus.
O fato era que, como todo bom garoto, Scorpius também tinha paciência, pois sem paciência nos dias atuais não se chegava a lugar nenhum.
Mas ele começava a mandar para o inferno todos os seus anos de treinamento de como não matar alguém que te irrita quando tinha aulas com Albus Potter. Ficar ao lado dele era mais frustrante que uma namorada virgem em começo de namoro. Mais frustrante do que o time adversário fazer um gol quando o seu está a um passo da desclassificação. Mais frustrante do que sua mãe quando briga com seu pai e desconta em você. Enfim, era basicamente isso.
Scorpius tentara, nas primeiras aulas, começar assuntos casuais. Como sobre o fato do Prof. Snape sempre usar preto e parecer algum tipo de vampiro que estuda em uma escola para conseguir a fixa de suas futuras presas (não nessas palavras), e em como o dia estava quente, ou frio, ou como o clima estava agradável para ir ao parque. Ou simplesmente encher o saco, perguntando se ele gostava de HQs para receber um olhar atravessado em seguida.
Basicamente, por mais infantil que fosse, Scorpius aprendera a tentar irritar Albus propositalmente, como reflexo de sua própria frustração. E não podia negar que era divertido, às vezes.
"Você percebeu como o Snape está inquieto e irritado hoje?" Indagou Scorpius para Albus, sentado a seu lado anotando algumas palavras que Snape dizia. Ele não se dignou nem a olhá-lo. "Eu poderia apostar um dos braços que aconteceu alguma coisa com sua futura presa e ele não conseguiu sugar o sangue dela. E agora ele tem que começar o trabalho todo desde o começo, descobrir tudo sobre a pessoa, sua rotina, e então... PÁ!"
Albus soltou um suspiro cansado, sem desviar os olhos de seu caderno.
"Hoje está sol, acho que amanhã vou jogar paintball com uns amigos que me chamaram" Scorpius comentou, com o inicio de animação na voz. "Você já jogou?" sem esperar resposta – que sabia que não viria –, continuou: "Eu sempre sou pego nos primeiros minutos e minha mira não é das melhores, mas é um bom desestressante. Você deveria tentar, sabe? Parece meio tenso."
"Não estou interessado, obrigado."
"Pois deveria, pegar sol é sempre bom. Você está muito branco. Qual foi a última vez que saiu pra se bronzear? Oh, não me diga que vocêtambém é um vampiro! Talvez parente do Snape...?"
Albus mordeu o lábio inferior e Scorpius sabia que estava evitando lhe dar alguma resposta mal criada. Seu sorriso aumentou a proporções assustadoras. "Eu sou meio obcecado por vampiros! Vampiros normais, se é que me entende. Não que vampiros sejam normais, mas, bem, esqueça. O importante é tenho uma amiga que é voluntária no St. Mungus e posso ver se ela consegue algum sangue coletado..."
"Eu não sou um vampiro" Albus finalmente respondeu, cruzando as pernas no banco alto do laboratório e apoiando o caderno sobre o balcão, se virando para Scorpius. "Você por acaso não se cansa de falar?"
"Bem... não exatamente"
Snape continuava a dar sua aula e Scorpius nem prestava atenção. Na verdade, não precisava, uma vez que Albus sempre fazia o dever sozinho. Não que ele gostasse disso, mas quando se ofereceu para ajudá-lo apenas recebeu um olhar atravessado.
"Você não deveria tentar puxar assunto com quem não está interessado" Constatou Albus sabiamente, tamborilando os dedos sobre o balcão.
"Mas eu sei que você está interessado, e que se diverte muito na minha companhia."
"Estou rindo por dentro, se quer saber." Falou o moreno, sério. Inclinou-se sobre o balcão e voltou a olhar para Snape, ignorando Scorpius deliberadamente.
"Você deveria vir jogar Paintball comigo" Scorpius disse lentamente, também se inclinando e brincando com os dedos no tubo de ensaio que estava sobre a mesa. Albus não respondeu, apenas afastou suas mãos do objeto e voltou a arrumá-lo da mesma forma que estava antes.
Scorpius queria aprender Física Avançada, e a única maneira de fazê-lo era se tornando amigo de Albus, assim os dois poderiam fazer os trabalhos juntos e, com sorte, o garoto poderia até lhe ensinar. Afinal, era superdotado e poderia estar na Faculdade agora, se quisesse.
"Eu posso passar na sua casa para te buscar, se quiser. Só não garanto que você vai chegar lá vivo, consegui minha carta recentemente." Continuou a falar, voltando a mexer no objeto apenas para irritá-lo.
Funcionou, pois o moreno afastou suas mãos com ainda mais determinação e lhe lançou um olhar raivoso. "Faça isso novamente e vou amarrar suas mãos."
Não que Scorpius estivesse com medo, mas preferiu deixar as mãos imóveis depois da advertência.
"Vamos, Albus. Prometo que pego leve com você"
"Não."
"O que você costuma fazer para se divertir? Talvez devêssemos ir a alguma loja de Gibis?"
Albus abriu a boca para responder, mas bem nesse momento o sinal do fim da aula tocou e ele pareceu realmente feliz por isso. Pulou da cadeira, pegou a mochila e antes que desse mais de dois passos, Scorpius disse:
"Estarei na sua casa amanhã às 16h00."
Albus não se virou ou deu qualquer indicio de tê-lo ouvido, mas não havia vitória sem luta.
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Scorpius ouviu por exatas duas horas sobre o quão indigno os Potter poderiam ser. Começou com Draco falando de Ginevra Weasley – ele realmente gostava de falar mal dela –, e o quanto a família Weasley era perturbada mentalmente. Uma família de retardados, em suas palavras. Primeiro porque o melhor amigo de Harry, segundo ele, era um homem que cresceu por causa da fama dele na cidade, que teve os pais assassinados quando ainda era um bebê e quando cresceu fez todo o possível para conseguir vingar a morte deles, indo atrás de cada pista, por menor que ela fosse.
No fim, os assassinos acabaram o seqüestrando junto com metade da escola, e Harry, de uma maneira heróica, conseguiu salvar todos eles e junto com Ron e uma tal de Hermione, renderam os homens maus e o final foi feliz para sempre. Típico conto de crianças.
Draco Malfoy gostava de falar mal especialmente de Harry Potter, e por mais que ele dissesse regulamente que já havia esquecido a rixa infantil que eles tinham quando crianças era óbvio que Harry ainda o irritava muito.
Scorpius nunca se incomodava com isso, achava até engraçado, na verdade. Principalmente quando ele ficava desnorteado após falar mal dele de todas as formas possíveis.
Mas ele reforçou tudo o que dissera ao longo dos anos quando Scorpius pedira seu endereço para visitar Albus Potter.
Após ouvir o pai por tanto tempo, Scorpius estava aborrecido. E ficou ainda mais aborrecido quando estacionou em frente à casa dos Potter – e só havia conseguido sair de casa de carro quando concordara em ligar o GPS para que o pai soubesse onde ele estava, caso algum Weasley o sequestrasse para fins malignos –, e não encontrou Albus o esperando.
Segundo Draco, nos fins de semana Albus ficava na casa de Harry, então ele tinha que estar ali. O loiro não havia feito tanto pra nada.
Esperou por quinze minutos e o moreno não deu as caras e Scorpius, com resignação, desceu do carro e parou em frente à porta, ponderando se era uma boa ideia bater e pensando que seria muito mais excitante atirar pedrinhas na janela do quarto de Albus.
Desistiu da ideia quando percebeu que não sabia qual era sua janela, e após pensar no quão gay isso poderia parecer. E definitivamente quebrar o vidro da janela dele não parecia um bom jeito de iniciar uma amizade.
Hesitante, bateu na porta, com a esperança que ninguém ouvisse.
Scorpius imaginou muitas vezes como Harry Potter era fisicamente. A primeira coisa que descobriu, quando ele abriu a porta e o olhou com expressão intrigada, foi que Albus herdara seus olhos.
Tão verdes que chegavam a deixar qualquer um sem ar. Mesmo por trás de lentes, eram intensos.
Scorpius sabia que ele tinha a mesma idade de seu pai, quarenta anos, mas o tempo não parecia ter lhe feito mal, assim como não fizera a Draco. Ele tinha algumas rugas ao lado dos olhos, que ficavam mais evidentes quando sorria, como descobriu quando disse que queria ver Albus e que era Scorpius, filho de Draco Malfoy.
Potter usava uma calça folgada de moletom e uma blusa branca, seus cabelos eram tão bagunçados que o loiro se perguntou se era proposital, apenas para lhe dar um ar descolado.
"Albus não comentou que você vinha visitá-lo" Potter disse alegremente, dando passagem para Scorpius e fechando a porta em seguida.
"Ah, ele deve ter esquecido..." Comentou com desinteresse calculado, dando uma olhada rápida pela casa. Era a típica casa de um homem solteiro.
"Deve ser isso" concordou, indicando as escadas para Scorpius. "Pode subir, ele está no quarto. É a segunda porta à esquerda."
"Oh, obrigado."
Scorpius desejou que Harry subisse também e o anunciasse antes, assim Albus poderia dizer que estava dormindo, ou que não queria receber visitas... Começava a se arrepender de ter ido até sua casa.
Quando parou em frente à porta do quarto de Albus, respirou fundo e com um arroubo de coragem bateu a porta.
"O que você está fazendo aqui?" Foi a primeira pergunta de Albus quando o avistou.
"Eu disse que vinha te buscar as 16h00" o loiro disse com simplicidade, dando de ombros. "Seu pai me mandou subir."
"Você não faz o tipo invasor de propriedades."
"Não tenha tanta certeza."
Albus ergueu uma sobrancelha, e após olhar o corredor, deixou Scorpius entrar em seu quarto. "Não toque em nada."
Scorpius arqueou ainda mais a sobrancelha ao olhar para o quarto de Albus. Era... estranho. A cama estava no centro do quarto, ao lado havia uma porta aberta que Scorpius identificou como o banheiro, do outro estava o closet e quase em todos os lugares da parede havia pôsteres de Super-Heróis. (Spiderman, Batman, Watchman, Capitão-América, Flash, Mulher-Maravilha, Hulk). Nos lugares onde não tinha nada colado era possível ver que seu quarto era pintado de um azul-esverdeado, e uma estante cheia de livros e gibis cobria quase toda uma parede, do lado contrário à cama.
"Acho que eu acertei ao perguntar se você preferia ir a uma loja de Gibis."
"Por mais surpreendente que possa parecer, Malfoy, eu não gostaria de ir a nenhum lugar com você." Disse Albus com indiferença, se sentando na cama.
"Nós combinamos de ir jogar Paintball!"
"Você combinou de jogar Paintball com seus amigos." O moreno o corrigiu.
Scorpius revirou os olhos.
"Porque você não quer ir? É só um jogo inofensivo." O loiro olhou fixamente para Albus, soltando um suspiro. "Por favor?" Insistiu.
"Eu não vou ir jogar Paintball." Albus disse lentamente, com expressão de tédio.
Scorpius respirou fundo, buscando paciência.
"Tudo bem então... Vamos para qualquer outro lugar, você pode escolher."
"Porque você quer tanto sair comigo? Eu não sei se ficou explicito ou não, mas talvez eu precise ser mais direto: eu não gosto de você."
O loiro se ofendeu, abrindo ligeiramente os lábios em descrença. Como alguém podia não gostar dele? Talvez Albus já tivesse tido algumas atitudes indiferentes, mas o multicor mesmo havia dito que era parte da Síndrome dele!
"Porque você não gosta de mim?" Resolveu perguntar por fim.
Albus pareceu pensativo por alguns momentos.
"Você é nariz em pé" constatou, olhando para Scorpius com curiosidade. "Fala demais..."
"... Isso não é exatamente um defeito..."
"É irritante na maior parte do tempo, não presta atenção nas aulas, é egocêntrico e inconveniente."
Scorpius discordava de tudo o que o outro dissera, mas preferiu não retrucar.
"Talvez você possa me ajudar a mudar." Falou o loiro com o inicio de um sorriso, tentando fazer uma expressão de cachorro sem dono que sempre funcionava com o pai. Albus não pareceu se abalar.
"Seria algo difícil..."
"Eu sei que você é capaz."
Scorpius perceberia, com o passar do tempo, que Albus adorava desafios.
"Tudo bem, eu aceito sair com você. Sem o Paintball, mas você escolhe."
"Pode deixar comigo." Piscando, Scorpius deixou-se guiar para fora do quarto.
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"Você falou sério quando disse que tirou sua carta recentemente?"
Scorpius identificou medo real por trás das palavras de Albus e quase sorriu, pensando em como seria legal tentar assustá-lo e inventar algumas mentirinhas para sua diversão particular. Estava quase abrindo a boca para responder algo bem assustador como eu ainda não tenho carta quando pensou melhor e refletiu que essa não era uma boa maneira para começar uma amizade.
"Faz pouco tempo, Albus, mas meu pai só me deixou pegar em um carro sozinho quando tinha plena consciência que eu sabia dirigir perfeitamente. Ele me ama demais, entende? Eu sou muito precioso."
"Egocêntrico" Citou Albus sabiamente, colocando o cinto de segurança.
Scorpius mordeu a língua para não retrucar. Havia mesmo sido um comentário egocêntrico.
"Mas então, do que você gosta de fazer...?"
"... poderia te responder o que eu não gosto, e definitivamente sair com Scorpius Malfoy estaria no topo da lista."
"Bom" ignorando-o solenemente, o loiro ligou o carro. "O céu é o limite!"²
"Isso não é algo legal pra se dizer quando se está no carro com alguém que não confia nos seus dotes como motorista e está relutante."
"Oh, então você acredita que quando morrer vai pro céu? Pensei que pra você, ao morrer seu corpo poderia ser exposto aos raios gama e então iria ressuscitar e, sem motivo aparente, uma aranha vinda do nada poderia te morder e transformar em algum tipo de super-herói que salva donzelas indefesas no topo de prédios, que mesmo com poderes incríveis seria alérgico a uma pedrinha esquisita chamada Criptonerca."
"Chama-se Kryptonita e seu comentário foi muito equivocado além de extremamente mal articulado. Inconveniente."
"Você agora vai jogar baixo, não é? Usar tudo o que eu falo contra mim mesmo. Isso não é algo que um super-herói faça, Sr. Potter."
"Mesmo? Porque tenho a ligeira impressão que você está sendo deliberadamente sarcástico comigo."
"Oh, mesmo? Como você desconfiou disso?" Scorpius perguntou irônico.
"No momento em que você juntou Hulk, Superman e Spidermanna mesma frase."
"Para sua melhor compreensão, venho sendo sarcástico muito antes disso."
Albus cruzou os braços e ficou em silêncio, e Scorpius teve a ligeira impressão que ele parecia emburrado.
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"Onde estamos?" Albus perguntou assim que desceu do carro.
Scorpius o olhou por alguns segundos, avaliando-o, antes de responder:
"Sei lá, eu apenas segui a estrada e achei que esse era um bom lugar."
"Quer dizer que quando você começou a dirigir não sabia aonde ia?"
"Não exatamente." Scorpius respondeu com espontaneidade, e Albus bufou, olhando ao redor.
O problema era que não havia nada ao redor. Havia a estrada, completamente silenciosa, e mais à frente um rio imenso, onde era possível ver uma floresta na outra margem. O chão era de terra e o cabelo de Albus parecia ouro à luz do crepúsculo.
Ignorando que o cenário era bem inspirador para assassinos e estupradores, Scorpius tentou relaxar.
"Onde eu estava com a cabeça quando aceitei sair com você?" Albus resmungou, esfregando os olhos com as mãos. Ele vestia calças jeans e um All Star surrado, sua blusa era verde e combinava com seus olhos. Scorpius pensou em dizer que ele parecia uma criança, mas guardou silêncio.
"Ah, vamos aproveitar esse tempo juntos para nos conhecermos melhor. Você me ignora noventa por cento das vezes que falo com você."
"Tenho motivos pra isso" Disse Albus com simplicidade, o olhando demoradamente. "Você não teria algum tipo de fetiche em transar no meio do nada, certo? Estou começando a ficar com medo de estar perto de você."
Scorpius sorriu.
"Não era pra você ter descoberto esse meu segredo ainda..." Os olhos de Albus se estreitaram perigosamente. "Pensando bem, Albus, você não deveria aceitar convites de garotos que não conhece direito e que aparecem na sua casa sem autorização. Eu poderia ser algum estuprador, ou um Serial Killer. Ou um médico louco a procura de órgãos saudáveis para vender no mercado negro."
"Meu pai não deixaria você entrar no meu quarto se não tivesse certeza que você não é perigoso. Ele era policial, mas abandonou a polícia depois que levou um tiro e quase morreu."
"Uau, Harry Potter era policial?" Scorpius indagou excitado. Era a primeira vez que arrancava alguma coisa de Albus.
"Sim" disse com desinteresse. "Ele comentou comigo que seu pai sabe disso, foi o Sr. Malfoy quem salvou a vida dele."
"Ah" Exclamou Scorpius com orgulho, estufando quase inconscientemente o peito. "Meu pai é um ótimo médico. Mas ele nunca disse que tratou do seu pai. Na verdade, ele não parece gostar muito dele."
"Eles eram inimigos quando mais novos" Comentou Albus, lembrando das palavras de Teddy. "Vai ver ele era tão irritante quanto você."
Scorpius revirou os olhos.
"Você não perde a chance, não é?"
Albus deu de ombros.
"Apenas para que você não se esqueça."
"Você vai acabar gostando de mim, vai ver só." Citou Scorpius com segurança, olhando o garoto fixamente. "Eu sou cativante."
"E absurdamente irônico." Falou, olhando para o chão de terra como se cogitasse a possibilidade de se sentar.
"Ei, eu não fui irônico! Eu realmente sou cativamente, minha mãe me diz isso todos os dias."
Albus crispou o lábio inferior e olhou para Scorpius, parecendo resoluto.
"Quando você teve a brilhante ideia de nos trazer até aqui pensou aonde íamos nos sentar?"
"Não" disse Scorpius com um sorriso. "Não vamos ficar muito tempo aqui. Só por algumas horas, até o Prof. Snape dormir."
"O quê?" Exclamou Albus, confuso. "O que o Prof. Snape tem a ver com isso?"
"Paciência é uma virtude, meu caro. Você achou mesmo que te conhecendo como já conheço iria te trazer para algum lugar sem um planejamento adiantado? Hoje irei te provar que Snape é realmente um vampiro."
Albus parecia positivamente aterrorizado.
"Onde eu fui me meter?" Gemeu, fechando os olhos.
"Temos dezesseis anos, precisamos ter loucuras para contar aos nossos filhos."
Albus o ignorou o resto da noite.
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"Todas as janelas estão apagadas, tenho noventa e sete por cento de certeza que ele já foi dormir."
Albus gemeu no assento ao lado, afundando no estofado do carro.
"Por favor, me diga que você não vai invadir a casa dele."
Scorpius estacionou o carro em frente à propriedade de Snape, que ficava perto da estrada onde tinham parado antes. A casa era razoavelmente simples, com um portão de metal e, Albus teve que admitir, parecia estranhamente fantasmagórica. Uma neblina suspeita cobria as redondezas e corvos voavam sobre o telhado, e a vegetação que crescia ao longo da propriedade dava um ar de Mansão Mal Assombrada a casa.
"Acalme-se, Albus, você está muito tenso." Aconselhou o loiro, soltando o cinto de segurança e olhando a casa pela janela. "Isso parece um filme de terror."
Scorpius abriu a porta do carro e saltou pra fora, dando a volta e obrigando Albus a fazer o mesmo. Seu All Star afundou na leve camada de lama que cobria a entrada e o moreno torceu o nariz.
"Lembre-me de nunca mais na vida sair com você." Vociferou Albus, com raiva. "Isso está virando um filme de terror. Literalmente."
"Shhh, quer acordar o Snape?" Censurou Scorpius, gesticulando com a mão. "Siga-me."
Albus o seguiu, mas Scorpius sabia que era apenas por falta de opção melhor, uma vez que ele parecia extremamente contrariado. Acabaram parando em baixo de um carvalho com folhas altas. Ao lado dele, havia um pequeno baú - do tamanho de um livro grosso - e uma pá.
"O que há aí dentro?" Perguntou Albus com curiosidade genuína.
"Está trancado, não vê?"
"O baú é seu" começou o moreno com objetividade "é de se supor que você saiba o que tem aí dentro."
"Bem, eu não sei. Comprei na internet. O anúncio era interessante, dizia que é um desmascarador de vampiros."
"Você está zoando com a minha cara, não é?" Albus perguntou, erguendo uma sobrancelha.
"Não, Albus. Estou falando sério."
Ele realmente parecia falar sério, e tinha uma expressão concentrada quando se abaixou e pegou o baú.
"E essa pá, porque diabo você precisa dela? Você não pretende matá-lo, certo?"
O corpo de Scorpius se sacudiu com uma risada silenciosa.
"É claro que não, idiota." Albus não parecia muito convencido, por isso Scorpius adicionou suavemente: "Pensei que seu pai soubesse que eu não era um assassino, serial killer e colecionador de órgãos."
Albus lhe lançou um olhar mortal.
"Vamos acabar logo com isso" disse.
O loiro concordou, circulando novamente a casa e parando em frente às grades.
"Vamos pular" disse lentamente. "Você precisa de ajuda?"
Albus parecia a ponto de desmaiar.
"Podemos ser presos por isso, você sabia? Isso é invasão de propriedade."
"Estou ciente" disse o loiro com desinteresse, e com movimentos fluídos jogou o baú e a pá para o outro lado da grade. "Você primeiro" ordenou sorrindo de leve, parecendo excitado.
"Se isso for algum truque para me deixar preso com o Prof. Snape, eu te mato, Malfoy."
Scorpius revirou os olhos, dando um leve empurrão em Albus. "Não é nenhum truque. Minhas digitais estão na pá e no baú, caso alguém chame o FBI"
"Isso não tem a mínima graça."
"Sério? Eu acho exorbitantemente engraçado." Falou Scorpius com divertimento. "E seu pai é um ex-policial. Caso aconteça alguma coisa, ele pode conversar com alguns caras corruptos e nos tirar de lá."
"Não é assim que as coisas funcionam e... Sabe, não vou perder meu tempo retrucando sobre esse comentário inútil."
"Essa conversa toda é inútil" observou Scorpius, colocando um dos braços sobre a cintura. "O que você está esperando para ir pro outro lado?"
Albus lhe lançou um olhar mortal antes de pular a grade, e Scorpius lamentou intimamente quando ele caiu de pés no chão, não de bunda ou de cara. Em poucos segundos, estava ao seu lado.
"Se o Snape nos pegar no flagra, você diz que queremos tirar uma dúvida do dever de casa" Scorpius disse com seriedade, lançando um olhar para a janela principal da casa.
"Você está falando sério?" Exclamou Albus, revoltado. "São onze da noite e invadimos a casa dele!"
Scorpius deu de ombros.
"Arranje uma desculpa melhor, então." Se abaixando para pegar os objetos do chão, Scorpius começou a cantar baixinho: "My friend's got a girlfriend, man, he hates that bitch..."
"Você quer calar a boca?" Sussurrou Albus, segurando o braço de Scorpius. "Eu espero, realmente espero, que ele não tenha cachorros."
"Relaxa, vampiros não gostam de cachorros. Pelo menos em Crepúsculo eles não gostam." comentou, apertando os lábios. "Não que eu assista, mas..."
"Eu realmente não me importo com a sua opção sexual no momento, Malfoy..."
"Ei, eu não sou gay! Eu apenas sei por que minha mãe assiste e..."
"Droga, será que você poderia falar menos uma vez na vida?"
Scorpius, contrariado, parou de falar e começou a andar pelo quintal da propriedade do Snape com passos hesitantes. "Vamos enterrar perto da porta de entrada. O anuncio dizia que, ao pisar sobre o local onde o baú está enterrado, o vampiro vira cinzas." Sussurrou o loiro para Albus, que o olhava com expressão de pura descrença.
"Você não acredita realmente nisso, acredita?"
"É claro que eu acredito, Albus. Paguei caro nisso." Confessou, puxando o moreno pela camisa até que estivessem perto da soleira da porta. As luzes da varanda estavam acessas e isso deixou Albus ainda mais hesitante.
Scorpius empurrou o baú para as mãos do moreno e enterrou a pá na terra, começando a cavar.
"Ele vai perceber que alguém cavou aí, Scorpius. E se ele desenterrar o baú? O que tem dentro dele?"
O uso de seu primeiro nome não passou despercebido ao loiro.
"Eu já disse que não sei o que tem aqui dentro, e ele não vai desenterrar o baú porque vai virar cinzas."
Albus bufou.
"Onde está a chave?"
"Não veio com chave" disse baixinho, e Albus sentiu uma súbita vontade de lhe bater com o baú que tinha nas mãos.
Algum tempo depois, quando julgou que já havia cavado o suficiente, jogou a pá ao lado.
"Droga, minhas costas estão doendo" Disse, gemendo de dor ao se erguer. "Vou precisar de uma massagem."
Albus não disse nada, apenas ergueu ligeiramente o nariz e torceu o lábio inferior.
"Você não está com raiva, está?"
Silêncio.
"Albus?"
Sem resposta.
"Tudo bem, desculpe-me sabe-se lá pelo quê. Não foi minha intenção chateá-lo." Scorpius exclamou, o olhando longamente. Albus se virou para olhá-lo.
"Você não tem mesmo a chave disso?" O moreno perguntou, indicando o baú.
"Não tenho." Mentiu o garoto, sem hesitar. Albus soltou um suspiro leve, se ajoelhando no chão para enterrar o objeto. "Espero que esteja ciente que acho isso foi uma total perda de tempo."
Scorpius sorriu enquanto começava a jogar a terra sobre o baú, que lentamente sumia de vista.
Era assim que amizades começavam, com certeza era. Armando contra pessoas insuportáveis pelo bem maior.
Talvez houvesse nascido algo entre eles no ano seguinte, um laço de amizade forte que era até difícil de compreender. Talvez houvesse acontecido enquanto corriam após Snape aparecer na porta e os flagrar. Talvez houvesse acontecido quando trocaram um olhar na delegacia, enquanto ouviam os pais gritarem um com o outro sobre quem fora o mau exemplo para quem.
Mas talvez àquele laço houvesse nascido quando Albus dissera para Scorpius que tinha Síndrome de Asperger e que demorara anos para conseguir ser razoavelmente igual aos os outros. Ou quando Scorpius confessara que passara metade da vida em hospitais e da fortuna que seu pai pagou com remédios enquanto esperava por um transplante de pulmão.
Mas, talvez, houvesse nascido quando Albus lhe deu seu primeiro sorriso. E gestos espontâneos eram tão raros que Scorpius guardou àquele momento pra sempre. Podia ter nascido de todas as vezes que jogaram videogame, ou quando Scorpius deu toda sua coleção de Gibis para Albus. Mas também poderia ter nascido da rotina que ambos criaram, porque para Albus ainda era difícil experimentar coisas novas.
Mas Scorpius havia se acostumado.
Poderia ter nascido dos pequenos passeios no parque aos Sábados, ou da Pizza no jantar aos Domingos. Poderia ter nascido da cor rosada nas bochechas de Albus quando conhecera Draco Malfoy. Ou simplesmente poderia ter nascido da maneira como Scorpius aparecera na festa de aniversário de Albus, fantasiado de Superman. Poderia, entretanto, ter começado quando Astória Malfoy morreu e Albus ficara a noite inteira segurando Scorpius nos braços enquanto seu corpo tremia com soluços incontroláveis.
Nem Albus ou Scorpius sabiam, exatamente, como acontecera. Mas era um laço extremamente forte, daqueles que se leva a vida inteira.
E ali, naquela sala da delegacia, ouvindo seus pais gritarem até ficarem vermelhos, foi que Scorpius descobriu que os olhos de Albus eram capazes de lhe fazer sorrir sem nenhum motivo.
Nota da Autora: Síndrome de Asperger, no caso do Albus, é leve.
Obrigada a todos que leram!
