Título: Espinho e Rosa
Gênero: Yaoi
Casal: MdM X Afrodite
Autora: Jade Toreador
Status:: Incompleto
Sumário: Máscara da Morte e Afrodite lutam contra o destino traçado pelos senhores do Olimpo, rompendo as barreiras do que é justo ou injusto, correto ou incorreto. O amor entre eles é um poder mais forte do que a matéria ou o espírito: é os dois, unidos, transcendendo o universo material para expandir a imortalidade... Desafiam os dois o karma imposto pelos Deuses: O amor deles ensina que humanos podem ser mais poderosos do que imortais, quando protegidos pela força cósmica do amor!
ESPINHO E ROSA
- PRÓLOGO -
.:O:.
Afrodite nasceu das espumas
Elevou-se das brumas
e do mar
No ar,
um perfume de rosas!
Entre todas as formosas
era a mais perfeita.
Toda feita
para o amor!
O Olímpo reverenciou sua beleza...
A leveza
dos seus gestos!
Funestos
Porém eram os desígnios do seu destino!
O menino
que ela amava
era Ares,
Senhor dos ares,
e do sangue!
Homem de olhar vitorioso
O altivo e odioso
amo da
Guerra!
O senhor da terra
e do
pecado!
Ele o espinho,
sempre sozinho...
Ela a rosa...
mulher virtuosa...
Mas que foi dada a outro, Vulcano
um ser desumano e cruel!
Afrodite lhe foi infiel
porque falou mais alto o amor.(1)
Desafiou os Deuses na sua dor
e na sua paixão...
Estremeceu o Olimpo!
O casal de amantes deveria ser punido!
Ares foi banido
para a dimensão terrestre
como um simples campestre
e mortal!
Afrodite gritou aos ventos
lamentos
e lamúrias!
Deixaria as luxúrias
para ficar com o amado.
Mas Zeus, zangado,
impôs a ela a
máxima pena
de nascer
na terra sob o dilema
de ser um homem
preso no dólmen
da sexualidade dúbia...
Nasceria, agora ímpia...
Viveria no templo de Atena,
amargando
o eterno dilema
de sofrer o repudio
do homem
amado:
Espinho idolatrado
eternamente pela rosa!
Espinho e rosa, paradoxalmente,
unidos e separados
por Deuses irados
diante do amor.
.:O:.
- CAPÍTULO UM
-
A cada quatro anos, no dia de solstício, seguidos de mais quatorze dias depois dele, aconteciam as Olimpíadas do Santuário. Embora estivessem imbuídas do espírito das modernas Olimpíadas, comemoradas por atletas de diversos países para integrar os povos e promover os esportes, esta Olimpíada em particular, restrita a uma elite, tinha ainda o caráter sagrado das antigas, que era o de homenagear Zeus, pai de Atena, soberano entre os Deuses.(2)
Ao contrário das comemorações olímpicas atuais, públicas e notórias, essa olimpíada tinha um teor estritamente sagrado, cuja compreensão mística era restrita aos iniciados cavaleiros do Santuário.
Nenhum atleta, que não fosse iniciado na Ordem dos Cavaleiros, ou mesmo um simples aprendiz do Santuário, podia participar delas. Apenas os cavaleiros graduados na hierarquia das armaduras tinham a honra e o direito de adentrar o estádio onde eram realizadas as modalidades de esportes que eram as mesmas de quase três mil anos atrás: luta, boxe, corrida de cavalo e pentatlo (luta, corrida, salto em distância, arremesso de dardo e de disco).
Por isso, naquela semana, prévia à chegada do solstício de verão, todo Santuário estava num alvoroço atípico. Servas e amazonas preparavam com esmero as coroas de louros, único prêmio permitido aos vencedores. Ali, no grande evento que estava para acontecer, não se vencia por dinheiro, ou por orgulho próprio, mas para homenagear aos Deuses. Por isso, as coroas de louro e a mirra estavam sendo preparadas com fervor místico.
Também uma profusão de comes e bebes estavam freneticamente sendo elaborados na grande cozinha. As amazonas transpiravam sob suas máscaras de ferro, mexendo grandes lanças que prendiam leitões e frangos nas fogueiras que os assavam incessavelmente. Os jovens aprendizes carregavam caixas e caixas de frutas e legumes como se fossem formigas insanas no trabalho alimentar o grande formigueiro real.
E os vinhos, meses e meses maturados e guardados em dezenas de enormes tonéis, estavam prontos para ser distribuídos em homenagem a Dionísio.
Aquela época festiva era a única que permitia aos cavaleiros saírem um pouco da vida austera como a espartana, permitindo-se a eles excessos e conforto. Para um cavaleiro, o sabor do vinho e o prazer do amor eram mais do que excessos eram reverências aos Deuses Dionísio e Pan...
Sete dias de festas ininterruptas antecederiam à abertura do grande festival Olímpico. Os jovens cavaleiros, de bronze, ouro e prata recém graduados, inclusive alguns mestres e convidados seletos, chegavam dos mais diversos países, para participar do festival de abertura que agrava Apolo e suas musas: teatro, música, dança, artes.
Uma grande apresentação artística estava sendo ensaiada para o primeiro dia de festival, nos moldes do clássico teatro grego: os atores, de máscara e toga, interpretariam uma tragédia, bem ao gosto dos Deuses...
Normalmente, apenas homens interpretavam os papéis, mesmo os femininos. Porém, Saga, o falso Ares, decidira abrandar aquela lei, permitindo às amazonas participar do teatro, uma vez que as togas longas e as máscaras cobririam a feminilidade delas quase que completamente. Aquela atitude sua havia sido arquitetada mais por, para promover a sua imagem, do que propriamente por convicção na igualdade dos sexos, mas fora uma decisão astuta de qualquer forma, pois o entusiasmo das garotas era contagiante!
Era a primeira vez, em quase dois mil e quinhentos anos, que as mulheres do Santuário teriam o direito de participar do teatro, em pé de igualdade com os homens, como faziam nas competições esportivas e lutas...
Arremesso de disco, boxe e hipismo eram as competições favoritas... E nas modalidades artísticas, o teatro, ao lado das apresentações musicais, eram os eventos mais esperados.Todos treinavam, ensaiavam, brincavam e se alvoroçavam a espera dos festivais, sob a proteção da imensa estátua de Atena...
o0o
Afrodite e Shina faziam seus cavalos correrem desembestados na pista do grande anel. Shina, de Cobra, treinava Dite para as provas de hipismo. Ela estava na frente, com uma cabeça de vantagem. De repente, o cavalo dela assustou-se com um ruído, algo que nem mesmo os ouvidos aguçados de Afrodite souberam dizer o que era. O bicho empacou e a bela amazona saiu voando para o alto como se fosse uma bola de futebol chutada com força. Deu um espetacular giro no corpo delgado para escapar da morte. Caiu como uma amazona cairia, evitando atingir órgãos vitais na queda, mas, mesmo assim, o barulho da rótula do joelho em contato com o solo foi terrível... Afrodite estancou seu cavalo e correu para ajudar a amiga...
-Droga, mulher! Porque não se segurou direito?
Ela a muito custo tentava segurar as lágrimas, que teimavam em cair sob sua máscara. Aquilo doía pacas! Mas estava chorando mesmo era por um outro motivo...
-Dite, a apresentação do teatro é hoje a tarde, logo depois do desfile de abertura! Marin vai me matar!
Dite riu. Não por maldade, mas sabia que Shina tinha um fraco por Marin...Não sabia se a amazona de cabelos verdes era correspondida, mas que tinha esse fraco pela outra, ah, sim, tinha.
-Ora, tão machona, e agora chorando como uma garotinha...
-Está doendo! AIIIII
Dite ajoelhou-se ao lado da amiga e puxou a fratura para colocar o osso de Shina no lugar. Lançou sobre ela o seu cosmo quente e reconfortante. Um odor delicioso de rosas inundou toda a pista... O cavaleiro de Peixes deu um suspiro exasperado. Era verdade! Marin havia escrito a peça, planejado tudo, ensaiado a todos com dedicação total... Não ia ficar nada feliz quando soubesse que Shina, que fazia o papel principal da peça, não teria condições de ficar de pé! Nem Mu iria conseguir ajeitar aquela rótula em menos de três horas...
-Não tem jeito... Vamos ter que dizer a ela que a peça deve ser cancelada!
-Não! Pobre Shina - a voz dela soava agoniada - Dite, o próprio Ares vai ficar furioso, todo o Santuário está esperando essa apresentação!
-Oras, então você vai ser a primeira Helena de Tróia que vai aparecer numa cadeira de rodas!
-Não! Temos que achar um jeito!
-Não há jeito nenhum, olhe seu joelho, inchou que nem um balão! Nem meu cosmo ajudou na cura...
De repente, os olhos de Shina brilharam esperançosos atrás da máscara que lhe ocultava todo o rosto.
-Você!
Os olhos de Dite se arregalaram de espanto...
-Eu, o que tem eu?
-Oras, VOCÊ me ajudou a ensaiar as falas, sabe tudo, pode muito bem...
Afrodite entrou em pânico. NÃO, não iria contracenar com ELE! Justo COM ELE! Como aquele homem sem alma podia ter sido escolhido para um papel romântico como o príncipe Páris?
-Esqueça! EU NÃO VOU!
-Dite, por amor aos Deuses, Marin nunca mais vai falar comigo!
-Eu não quero, não vou, não vou, não vou!
-Isso não é justo! Você e Misty sempre fizeram os papéis femininos nas apresentações anteriores, não pode bancar o macho agora! Eu preciso de você!
-Não é por isso, eu não vou e pronto!
-É por causa do Marques de Sade, não é? Ele vai ser o Príncipe Páris...
Dite estremeceu ao ouvir o outro apelido que Shina dava a Máscara da Morte... Balançou violentamente a cabeça negando... Mas não teve coragem de olhar para amiga. Foi ela quem segurou o queixinho perfeito, obrigando o belo cavaleiro a olhar para ela... Shina sorriu. Sentia ainda uma dor horrível, mas seu coração se aqueceu com um carinho maternal...
-Dite... Escute-me. Sei que aquele bofe é um escroto com você. Aliás, ele é um escroto com todo mundo. Mas esse teatro não tem nada a ver com...
-Ele vai rir de mim!
-Ele não pode rir de você, porque não vai saber quem você é! Vou cobrir você com minha toga e lhe emprestar minha máscara. Um véu vai esconder seus cabelos azuis! Quanto à voz... Você afina, disfarça!
-Não, Shina, nem que você implore!
-Dite, ele não vai encostar um único dedo em você, é uma peça de oratória!
-Mas se ele descobrir... Vai zoar de mim pro resto da vida.
-Mas bem que se esfrega em você quando está bêbado como um gambá!
Dite corou. Ela tentou se levantar, mas gritou e caiu de novo. Ele a socorreu...
-Fique quieta!
-Só se me prometer me tirar desta enrascada!
-Isso não vai dar certo...
Ela exultou. Ele estava cedendo...
-Claro que vai! Vamos, me apanhe no colo e me ajude a montar o seu cavalo. Precisamos levar você para as amazonas prepará-lo. Um bom banho e, ah, e claro, nada de exalar esse perfume de rosas! É delicioso, mas é também a sua marca registrada!
-Eu não sei como evitar o perfume, ele é parte do meu cosmo!
-Vou jogar em você todos os frascos de perfumes que eu encontrar desde que não sejam de rosas! Pelo amor de Zeus, se concentre em não deixar esse seu cheiro encostar-se às narinas dele! Ou aí sim, o nosso plano vai por água abaixo...
Shina resmungava... Maldita hora que fora cair do cavalo:
-Marin estava louca quando deu um papel romântico àquele sádico...Ele é bonitão, mas...
-Shina, deve haver alguém, além de mim, que tenha decorado as falas... Por favor... Não me faça pagar esse mico. O santuário todo vai estar assistindo...
Dite quase choramingava, mas Shina estava irredutível. Iria levar seu plano adiante e transformar Afrodite numa belíssima Helena de Tróia!
o0o
Era tarde, mas, devido ao solstício, o sol ainda despontava alto no horizonte.
Os desfiles de abertura começaram após uma enorme revoada de pombos, que inundaram o céu da Grécia com suas asas graciosas.
A chama eterna do espírito Olímpico fora acesa pelo próprio Ares e ali permaneceria, próxima e grande estátua de Atena, durante as festividades esportivas. Dez cavaleiros (não estavam Sagitário, o irmão de Aiolia, morto por Shura e o mestre ancião) de ouro e 23 cavaleiros de prata desfilaram no grande anel com suas reluzentes armaduras, formando um espetáculo de rara beleza.As amazonas, vestidas como vestais, iam a frente, abrindo o cortejo e jogando pétalas de flores diante de uma platéia alegre e perplexa diante da majestosa solenidade. Estavam ali, no grandioso anfiteatro de pedra, aprendizes, mestres e funcionários do Santuário. Estavam ali também representantes de Asgard e da Ilha de Andrômeda. Um público seleto e requintado, mas nem por isso, menos eufórico... Aplaudiam calorosamente a solenidade de abertura.
O único que não conseguia curtir nada daquilo era Afrodite, tão nervoso que estava. Perguntava-se como se deixara levar pelos argumentos da amiga, aquela cobra, e se envolver na promessa de fazer a famigerada peça teatral!
Depois do desfile inaugural no grande anel, as atenções se voltaram para o muito jovem Mine de Benetach, de Asgard, um aspirante a Cavaleiro Deus especialmente convidado para o evento devido ao seu incomparável talento musical. Ele inaugurou a homenagem às musas, tocando na sua harpa uma melodia que era divinamente sedutora. Mas, mais uma vez, Afrodite não deu a mínima. Esgueirou-se por entre Aldebaran e Shura e saiu de fininho. Tinha menos do que meia hora para se aprontar antes que Mine terminasse sua apresentação!
oOo
O cavaleiro de Peixes desacoplou sua armadura e saiu correndo, rumo a ala feminina. Esgueirou-se pelos guardas com todo o cuidado, para não ser por eles visto... Adentrou o grande dormitório onde as meninas se preparavam. Nenhuma delas estranhou sua presença ali. Era comum às vezes Afrodite aparecer às ocultas para papear sobre maquiagem ou sobre culinária, como se fosse uma garota. Shina o esperava, cheia de ansiedade, a perna esquerda engessada, totalmente imobilizada...Disse para as outras:
-Depressa, ele tem que ficar lindo...
Uma delas comentou:
-Lindo ele já é...
-Lindo e irreconhecível!
o0o
Quando me olhei no espelho, senti, mais uma vez, orgulho da minha beleza. Sim, eu era bonito.Mas não era novidade isso, era? A novidade é que a máscara escondia razoavelmente o meu rosto. Por sorte, meus olhos azuis não iriam me denunciar. A máscara, branca como as do carnaval de Veneza, ocultava-os com lentes especiais, opacas por fora, translúcidas por dentro, como eram feitas as máscaras de luta das mulheres para proteger os olhos de um ataque inimigo. O problema era que, por causa da voz, que precisava chegar aos ouvidos da platéia fora feito uma meia máscara, que deixava de fora os lábios carnudos. Mudei a cor do meu batom, escondi os cabelos no véu, mas não estava lá muito seguro... O queixo e os lábios aparecendo era algo arriscado... Ah, não, aquele arrogante não iria perceber nada! Carlo estava lá para se exibir e só iria olhar o próprio umbigo...Não iria notar se a atriz do lado dele era homem, mulher ou macaco!
As meninas davam gritinhos em volta de mim, ajeitando a longa toga e elogiando as unhas recém pintadas. Pareciam um bando de colegiais e eu... Ah, eu também!
Excitação e pavor tomavam conta de mim de um jeito, que eu bem sabia, iria me levar a fazer uma grande besteira. Mas, aos poucos, o fascínio daquela aventura, de ser Helena de Tróia para Máscara de Morte por algumas horas, ia me seduzindo, me enchendo a cabeça de fantasias loucas que eu não conseguia evitar. Cinderela. Era assim que eu começava a me sentir. Não podia haver na minha cabeça um paralelo de situações mais ridículo do que aquele, mas eu não conseguia de jeito nenhum fazer com que meu coração não batesse descompassado, cheio de emoção, como se fosse sair pela minha boca!
As trombetas soaram, anunciando que a apresentação de Mine acabara e que o elenco deveria adentrar a grande arena circular onde desenrolaria a peça teatral. Eu e quatro meninas, figurantes, nos colocamos em fila. Respirei fundo e tentei disfarçar o meu cosmo e o meu inseparável odor de rosas. Tinha que me concentrar, pensar em Shina, tentar emanar a mesma vibração dela, o que era difícil. Cosmos eram como impressões digitais, inimitáveis... Mas eu estava me esforçando!
Ouvi Marin gritar ordens feito doida, ao mesmo tempo em que as servas abriam a grande porta do camarim que dava passagem para o grande palco...
Respirei fundo outra vez. Rezei para que os Deuses me fizessem entrar num palco de artes, não numa arena de massacre. Se algo desse errado...
o0o
O auge da peça era justamente o monólogo de Páris e Helena. Na platéia, agora que a atriz principal adentrara com as figurantes, fazendo um semi-circulo para o coro, havia um silêncio solene e respeitoso. O momento do encontro entre os jovens amantes era tão esperado que poder-se-ia sentir a emoção pairando no ar como um grande cosmo coletivo.
Os lábios de Afrodite tremiam quando fez sua primeira fala, tentando, as duras penas, imitar a voz de Shina.Transpirava por todos os poros por pura tensão. Aparentemente, tudo saia bem... Ninguém parecia notar que não era Shina quem estava ali, encarnando a bela Helena.
De repente, "Paris" adentrou. Afrodite quis sumir, abrir um buraco na arena para poder realmente se enfiar dentro dele. Não imaginara, nunca, em seus mais loucos devaneios, ter na sua frente Carlo (3) lindo daquele jeito, com a toga principesca, com as cores da realeza de Tróia.Os olhos escuros brilhavam sedutoramente, e sua voz forte soou, forte e cristalina como a de um tenor.
"Os Deuses estão perplexos
com os reflexos do teu olhar!
Seca o mar...
Param as constelações
diante das emoções
que me levam a ti!
Helena!
Tua voz é serena...
Teus lábios, libidinosos!
Ardorosos
são os pecados
que traçam nosso destino...".
Afrodite posicionou-se mais próximo a Carlo, conforme vira Shina fazer durante o ensaio, para responder. Recitou sua fala, a voz trêmula, o mais disfarçadamente que conseguiu...
Os olhos de Carlo estavam surtindo um efeito hipnótico sobre ele, Afrodite. Já nem conseguia perceber o que estava falando... Somente conseguia sentir seu coração disparado, as mãos frias e suadas, a pernas trêmulas como se estivesse a beira de um abismo... E estava. Admitir que o que sentia quando fitava Máscara era algo pior do que pular de cabeça dentro desse abismo.
No teatro de oratória não havia expressão corporal. O ênfase era dado a declamação épica. Mas, passional como todo italiano, no auge da sua declaração de amor, Carlo puxou "Helena" para si e lhe deu um beijo fugaz, mas cujo efeito foi, na mente e corpo de Afrodite, devastador como uma bomba.
Ele chegou a demorar bem mais do que alguns segundos para se lembrar do que diria na fala seguinte. Seus lábios queimavam e ele deseja desesperadamente poder sair correndo dali. Mas não podia.
Sentia sua própria excitação, o perfume revelador de rosas invadindo o ar, ameaçando revelar quem ele era.
De repente, uma ventania soprou na arena, anunciando uma provável tempestade para a madrugada.
Éolos, Senhor dos Ventos, pelo jeito havia resolvido brincar com Afrodite e Máscara da Morte. Bem na hora em que a peça finalizava, e os atores se abraçavam, o vento soprou ainda mais forte, fazendo alguns véus voarem pelo ar, inclusive, o do belo Afrodite. O cabelo azul era inconfundível. Máscara ficou hirto de espanto e ódio.
-VOCÊ!
-Eu posso explicar...
-Cale a boca ou mato você aqui mesmo!
Os aplausos abafaram as vozes deles dois. Para a platéia a peça havia sido perfeita. Mesmo os amigos do Cavaleiro de Peixes, que perceberam ser Afrodite quem estava ali, quando a ventania fez o véu voar, pareceram não se importar com a mudança dos atores, já que era comum no teatro grego homens emprestarem suas vozes aos personagens, fossem eles masculinos ou não.
Mas Carlo estava possesso por ter beijado Afrodite no meio de, pelo menos, oitocentas pessoas, entre cavaleiros e convidados.Lidava mal com a atração que sentia pelo belo Cavaleiro de cabelos azuis. Admitia-a até, ocasionalmente, desde que ela estivesse limitada ao desejo carnal, como o desejo de comer ou defecar. Beijar os lábios do outro diante de todos, ah, aquilo para ele era uma afronta imperdoável!
Arrastou Dite para fora da arena e o jogou com tamanha fúria na parede dos corredores que levavam aos camarins que a parede pareceu tremer.
-Hoje, eu mato você, seu efeminado dos infernos!
-Carlo, não!
Eram as Amazonas que chegavam para socorrer Dite.
-Não me incomodo de matar vocês também, suas cadelas!
Marin se pôs entre Dite e Máscara...
-Escute, cara, o menino não fez por mal... Shina não podia aparecer com uma perna fraturada! Se é mesmo tão machão, não devia estar abalado assim, foi só um beijinho!
Máscara chegou a brilhar seu cosmo dourado de Câncer, tamanha raiva que sentia. A verdade é que achara os lábios de Shina surpreendentemente desejosos. Agora entendia o porquê... Era o maldito Peixes!
-Muito bem, esconda-se atrás das garotas. É do seu feitio...
-Não estou me escondendo, se quer brigar, tudo bem!
-Nada disso! -Era Marin intercedendo de novo a favor de um entendimento. - Vocês dois sabem muito bem que durante as Olimpíadas é proibida qualquer manifestação bélica,ou cósmica, a não ser que o Santuário seja atacado! Máscara, eu mesma vou falar com Ares se você insistir nessa briga sem sentido!
Carlo respirou fundo. Por ele, colecionaria a cabeça de todos ali na sua casa. Inclusive a dele, Afrodite. Com certeza, seria a cabeça mais linda de todas...
-Afrodite. Se você não for lutar no boxe amanhã, pela manhã, eu mesmo vou buscar você na sua casa. Nem Atena vai me impedir que moer você inteirinho...
Máscara saiu, altivo, adoravelmente desprezível como sempre.
Dite tremia, não de medo, mas vencido pelas emoções conturbadas que sentia cada vez que se aproximava de Máscara da Morte. Uma das meninas sussurrou, preocupadíssima...
-Dite não vai ter a menor chance amanhã... Máscara é especialista absoluto no boxe...
Afrodite deixou as amazonas falando sozinhas e saiu quase cabisbaixo em direção a sua casa. Sentia o coração apertado e não gostava do que estava sentindo. Aliás, não gostava nada do que sentia quando o cavaleiro de Câncer estava por perto porque aquilo o fazia sentir frágil e... Vulnerável e ninguém em seu juízo perfeito se sentiria seguro estando... Vulnerável ao lado de Máscara da Morte... Nem mesmo seu melhor amigo, se é que ele, Máscara, tinha um...
-Dite...
Ele parou. Era Marin que tinha vindo atrás dele. Segurou o braço dele...
-Eu estou bem!
Disse ele, altivo. Não ia agora chorar suas dores nos ombros das amazonas, então fez sua carinha mais... "Fresca" e empinou o narizinho perfeito.
A máscara ocultou o sorriso de Marin. Afrodite era mesmo intragável quando queria, mas ela não podia deixar que ele sofresse as conseqüências por ter ajudado-as aquela tarde...
-Eu sei que está bem, mas só quero dizer que não precisa enfrentar Máscara da Morte na arena amanhã, eu posso...
-Está por acaso sugerindo que eu estou com medo daquele cretino, grosseiro, nojento?
-Não Afrodite eu só estou sugerindo que talvez você não deva...
-Então não sugira nada Marin, volte para sua guilda e deixe que eu cuido da minha vida!
Marin segurou-se para não dar uma resposta mal criada... Como era antipático aquele cavaleiro de peixes!
-Então esta bem, Afrodite! De qualquer maneira muito obrigada por ter ajudado a gente hoje!
Marin afastou-se e Afrodite deixou que um suspiro profundo saísse de seus lábios perfeitos, lábios que ainda sentiam o gosto de Carlo!
0O0
A noticia da luta, que na verdade tinha sido um desafio, entre Mascara da Morte e Afrodite, já tinha corrido todo o santuário e seus arredores. Muita gente se aglomerava ao redor da arena! Parecia que ninguém queria perder o espetáculo! Enquanto outras competições aconteciam quase vazias de público, por ali, onde haveria a luta de boxe, estava lotado de gente.
Vários cavaleiros também estavam por ali, esperando... As regras do boxe segundo as leis antigas eram que os lutadores simplesmente se surrariam até que um deles caísse nocauteado. A única coisa proibida era usar seus cosmos e poderes...
Máscara da morte, o cavaleiro de Câncer entrou na arena coberto por um longo manto vermelho. Seus olhos percorreram a multidão altiva e fixaram-se aonde ele sabia Afrodite entraria... Alguém disse no meio da multidão...
-Dizem que tudo isso é por causa de um beijinho, Máscara!
O Cavaleiro de Câncer sentiu seus nervos se enrijecerem, ia responder, mas nesse instante a multidão fez silêncio e ele próprio prendeu a respiração. Afrodite entrava na arena. Vestia uma típica túnica grega, curtíssima. Seus cabelos soltos caiam ao redor do rosto perfeito, a boca pintada brilhava convidativa e seus olhos semicerrados pareciam esconder segredos inconfessáveis... Por dentro, tremia, sabia que não tinha mesmo muita chance contra Carlo, mas não o deixaria saber que estava com medo.
Ergueu a cabeça e sorriu...
-Pois bem, Cavaleiro de Câncer... Aqui estou! É melhor acabarmos logo com isso...
Sem dar tempo a Máscara, Afrodite voou para cima dele, pois sabia que se quisesse ter alguma chance, por menor que fosse, era melhor não dar tempo para Máscara da morte pensar em nada...
Máscara, momentaneamente aturdido com a visão divina que era Afrodite ali, com o frescor das rosas e a beleza de um Deus, foi pego de surpresa, e não conseguiu reagir antes de levar um soco de direita perfeito que o fez cair na arena. Afrodite, que não esperava conseguir tal resultado, estancou de susto. Agora sim, estava frito...
Os cavaleiros e aprendizes, curiosos e agitados, soltaram uma exclamação de espanto.
Aiolia, aproveitando a chance de provocar o Cavaleiro de Câncer, gritou para ele:
-Ora, gostou tanto do beijo que agora resolveu apanhar em público do florzinha...
Máscara limpou o sangue da sua boca e se ergueu devagar. Na verdade, não ouvira o comentário jocoso nem o burburinho tenso da platéia. Aquela sensação ruim no seu peito, um calor forte e imperioso aquecendo o coração e provocando emoções loucas, era pior do que qualquer outro fato naquele momento. O que era aquela sensação louca, por aquele viado? Eros... Eros estava brincando com ele, Carlo!
-NÃO!
O grito de protesto soou alto como o de uma fera acuada e ele avançou para cima de Dite, como se fosse um touro enfurecido, mas ágil, senhor absoluto dos seus reflexos.
Pobre Dite! Defendeu bem alguns socos, mas a força de Máscara tinha agora uma fúria assassina! Sua agilidade era sobre humana e ele não parava de bater. Mesmo com Dite agora no chão, totalmente a sua mercê, ele desferia socos furiosos no rosto perfeito, como se quisesse deformar aquela beleza para sempre!
Marin deu um gritinho sufocado de aflição...
-Shina, faça algo, ele está ali por SUA causa!
-O que posso fazer? Bem que eu gostaria de ter um rifle aqui comigo para apontar para aquele Marquês de Sade escroto!
As duas sabiam que a única chance de Dite seria se fingir de nocauteado, mas, infelizmente, sabiam também que o belo cavaleiros de Peixes, por honra e orgulho, jamais faria isso. Apanharia feito cão sem dono até que, finalmente, desfalecesse. Fato que podia demorar um tempo eterno, no caso de um cavaleiro treinado...
Os socos não se tornavam mais brandos. Pelo contrário. Máscara bateu, bateu e bateu... O próprio juiz da luta, Shura, dono de uma insensibilidade assombrosa, parecia estar preocupado... Inferno, aquele assassino iria executar Peixes!
Havia um silêncio sepulcral agora na arena, todos pareciam muito incomodados com o rumo da luta, menos Misty, que sorria, sentindo um prazer imenso em saber que Afrodite ficaria com o rosto inchado e cheio de hematomas por vários dias... Com sorte, Dite teria um ou dois dentes quebrados, quem sabe o nariz também... Era bem feito! Ele, Misty, era o mais belo do Santuário, não aquele ridículo do Peixes... Máscara nem deveria se incomodar com aquele fedelho!
Shura, que estava só esperando a hora de poder fazê-lo sem infligir regras, adentrou a arena e segurou o braço de Máscara, no exato instante em que Peixes, finalmente, desfalecia.
-CHEGA, PORRA, CARA, CHEGA! Ele não tem culpa!
Máscara virou-se com ódio e catou Shura pelo manto externo da sua toga de juiz, como se fosse um colarinho, e quase o ergueu no ar. Só não o socou porque sabia que, se assim o fizesse, não apenas seria disciplinarmente punido, como também confessaria publicamente que a "culpa" a qual Shura se referia era o sentimento inadmissível que Peixes provocava nele, Máscara.
Soltou Shura com um tranco. Fingindo uma ironia que agora estava longe de sentir, abotoou nos lábios seu sorriso mais cínico...
-Bati pouco... Viado gosta de apanhar. Você vai ver, ele vem até a minha Casa pedir mais...
-Você não presta!
-Ah,ah,ah,ah... Moral é coisa para fracos!
Segurando a vontade louca de socorrer Peixes ele mesmo, Máscara saiu da arena, enquanto Shaka e o cavaleiro de Áries corriam para remover Dite para a enfermaria...
Um silêncio sepulcral permaneceu no ar depois da saída de Máscara da Morte, enquanto Shaka e Mu retiravam o corpo desfalecido de Afrodite da arena. As amazonas resmungavam entre si contra aquela luta injusta, dispostas a irem atrás do Cavaleiro de Câncer... Somente não foram adiante com essa intenção porque sabiam que Afrodite sentir-se-ia desonrado ao ser defendido daquela forma. Mas Marin, ainda disse para Shina, tremendo ainda de raiva por ter presenciado aquele "massacre":
-A culpa é sua!
-Minha! Ficou louca?
-Se não tivesse se machucado a toa e se não tivesse convencido Dite a ajudar você nada disso teria acontecido...
Marin saiu antes que Shina tivesse chance de responder...
0o0
-Ele está muito machucado!
Shaka passou suas mãos cheias de energia pelo corpo do Cavaleiro de Peixes...
Mu respondeu:
-Desde quando você viu Máscara da Morte ser "gentil" em uma arena? Ele não é gentil em lugar nenhum...
Mú, Cavaleiro de Áries, tomou lugar atrás da cama onde Afrodite estava desacordado...
Além de seu supremo oficio de ser capaz de concertar qualquer armadura de qualquer uma dos cavaleiros, esperava ser capaz de, juntamente com os poderes de shaka, ajudar Afrodite com o seu próprio poder... Juntos, elevaram seus cosmos para socorrerem Afrodite de Peixes. Durante alguns instantes, permaneceram concentrados na cura. Algum tempo depois, Mu disse:
-Fizemos o que poderíamos fazer! Vamos deixá-lo descansar agora...
-Pode ir, eu já estou indo.
O Cavaleiro de Áries assentiu com a cabeça e se retirou. Shaka colocou sua mão delicada sobre a fronte de Peixes e viu que ele ardia em febre, mas, pelo menos, percebia que as funções físicas de Afrodite estavam se normalizando... Além disso, por causa da fragilidade de peixes, ele, Virgem, conseguia sentir as vibrações cósmicas dele... E sentia a dor de Peixes por ter sido atacado por Máscara da Morte... Uma dor emocional tão forte que doía até nele, Shaka!
-Dite... Pode me escutar?
Afrodite tinha já recuperado a lucidez há algum tempo, embora fosse demorar muito a recuperar sua alto-estima... Abriu os olhos inchados e disse, de modo muito baixo...
-Não preciso de sua piedade! A única coisa que preciso que me deixem em minha casa, sozinho...
-Não seja teimoso Afrodite! Seus ferimentos inspiram cuidados...
-Se eu não for capaz de cuidar deles, Shaka, posso desistir de ser um cavaleiro sagrado!
-Afrodite...
-Não quero sua pena! Deveria prestar mais atenção em Leão e não deixá-lo sozinho, Virgem, em vez de ser assim tão... Prestativo, comigo, com os outros, com a humanidade inteira!
Shaka respirou fundo e disse, sempre com seus olhos fechados:
-Eu só quero ajudar! E o que eu e Aiolia vivemos...
Peixe o interrompeu:
-Se eu tivesse alguém como Aiolia me amando como ele ama você, não seria tão enrustido e ficaria mais tempo com ele! Você é burro! Pior do que Camus quando finge que não liga pro Milo!(4)
-Não se trata disso! É que nós, os cavaleiros, precisamos ter Atena como nossa meta principal, não... Nossos sentimentos... Eles devem ser controlados... Disciplinados...
-Você é mesmo um idiota. Continue pensando assim e vai se arrepender de não ter aproveitado o que os Deuses lhe dão...Esse amor, aliás, nem os Deuses têm... Apenas o coração de um homem pode amar daquele jeito!
-Olhe, Afrodite, eu não quero falar de mim, eu só quero cuidar de você... Como um amigo!
-Não sou seu amigo e não vou ser nunca, agora, me deixe em paz! Tenho dó de Aiolia por desperdiçar os sentimentos dele com alguém tão grandioso que se aproxima dos Deuses, mas esquece que é também um mortal... Sabia que isso é também uma forma de ser arrogante? Sua humildade é falsa, Shaka! Você não passa de um arrogante presunçoso!
Sofrendo, Peixes atacava os outros verbalmente ainda mais do que o normal. Tentou se erguer para voltar para sua casa... Queria mesmo lamber suas feridas sozinho, mas Shaka, como um enfermeiro zeloso, lançou seu cosmo poderoso sobre Afrodite, fazendo-o adormecer...
As palavras duras de Dite bailavam em sua mente... Seriam elas verdadeiras?
Ele deu um suspiro triste e chamou dois aprendizes para levar Afrodite até a casa de Peixes...
o0o
Quando, finalmente, Afrodite acordou outra vez, percebeu que estava em sua casa, sozinho.Não se recordava de como tinha chegado lá, mas sentia seu corpo todo dolorido e seu coração apertado ainda mais do que antes da sua discussão com Shaka. Aos poucos, a surra na arena voltou a sua mente.
Pelo menos não tinha dado o vexame de pedir clemência!
Reunindo todos as suas forças, ergueu-se do leito e foi para frente do enorme espelho, que, como o lago de Narciso, mostrava-lhe o reflexo constantemente... O rosto muito inchado e a boca disforme fizeram com que as lágrimas escorressem por suas faces... Estava feio demais e aquilo era horrível!
No fundo sabia bem que, se não fosse a sua beleza, jamais conseguiria chamar a atenção de heterossexuais como Máscara... Respirou fundo... De que adiantava pensar nele? Ele o odiava, agora mais do que nunca...
Procurou por gelo para colocar sobre os hematomas do rosto, mas não o encontrou. Voltou para seu leito e deixou que as lágrimas tomassem conta de sua dor... Murmurou baixinho, como se o outro pudesse ouvir...
-Por quê Carlo? Por quê?
As lágrimas escorriam soltas e tristes...
-Ah! Se você soubesse... Você é a única coisa pura da minha vida...
o0o
Marin deu falta de Seiya entre os jovens aspirantes à Armadura de Pégasus. Entre todos os jovens meninos que treinavam ali no Santuário, aquele, Seiya, era o de sua responsabilidade... Era um garoto dedicado, mas, às vezes, ele preferia ficar nadando no mar a se apresentar para os exaustivos exercícios físicos.
Irritada, Marin começou a procurá-lo. Sabia, porém, que o real motivo do seu mau humor não era a ausência de Seiya nos treinos daquela manhã, mas sim, o distanciamento dela e de Shina. Desde aquela discussão idiota por causa do teatro e da surra que Máscara dera em Afrodite, as duas não mais se falavam. Shina levara de capricho a briga delas e a colocara na geladeira. Não trocavam mais as confidências e as risadas e outrora...
Marin elevou o seu cosmo e sentiu a presença de Seiya próximo às praias que recebiam as carícias do mar Egeu a noroeste do Santuário. Usou a saída reservada apenas aos funcionários do lugar santo e, a passos rápidos, caminhou em direção ao local onde sentia a presença do seu discípulo. Para sua surpresa, próximo as rochas, viu a cadeira de rodas da qual Shina se servia, até que o joelho dela melhorasse. Seu coração disparou, enciumado. O que China estava fazendo com Seiya? Onde estavam eles? Ele a teria visto sem máscara? Não, não era possível...
Apressou os passos, conduzindo-se para o declive de pedras que terminava na areia do mar. Seus olhos aguçados, como os da águia que era seu animal guardião, a fizeram vislumbrar no mar, Seya e Shina. Ele, embora fosse um rapazola que mal entrara na adolescência, segurava a amazona de Cobra no colo sem nenhuma dificuldade, enquanto corria a beira mar, chutando a água com os pés descalços...
-Seya! O que você está fazendo aqui?
O tom de voz de Marin soou severo e irritado. O garoto pareceu não se importar. Correu na direção ela sorrindo, ainda com Shina nos braços.
-Ela estava cansada de ficar presa naquela cadeira!
As máscaras escondiam os rostos das duas, mas o de Marin, estava furioso, o de Shina, rubro como um tomate maduro.
-Shina - A voz de Marin soou cortante como uma chicotada - Esse pirralho adora quebrar regras disciplinares, mas VOCÊ, uma amazona graduada, deveria saber muito bem que o mestre de um discípulo rival não pode conversar com o adversário do seu protegido enquanto não houver a disputa final entre eles! Seiya, você vai ser castigado!
Shina se surpreendeu. Ainda não havia recebido notícias sobre quem seria o adversário final de seu discípulo, Cássius... Então seria o menino Seiya!
Seiya botou a amazona de volta na cadeira de rodas e ela defendeu-se, aturdida:
-Eu não sabia ainda quem enfrentaria Cássios pela armadura de Pégasus...
-Sei... E que Papai Noel não existe, você sabia? Escute, Seiya, eu vou...
-Deixe o menino fora disso, Marin, nós dois não falávamos nada relativo às lutas... Seya, pode deixar eu empurro a cadeira sozinha, vá treinar...
-Mas... – Sem jeito, o menino obedeceu... Coçou a cabeça e foi embora, chateado, sem entender porque sua mestra estava tão zangada... E agora Shina também parecia olhá-lo com hostilidade...
Shina olhou para Marin, ressabiada...
-Agora que estamos só nos duas, podemos conversar...
-Ora, conversar? Não é você que não fala mais comigo? E agora fica aí, seduzindo garotinhos...
-Não ouse falar uma infâmia dessas! Seiya só quis me ajudar a respirar um pouco... A ver o mar...
Se a máscara de Marin fosse transparente, Shina iria ver o sorriso zombeteiro da outra...
-Sei, e, lógico, você aproveitou para ver que técnicas eu tinha ensinado a ele, para você ir correndo contar ao seu aluno Cássius... Correndo com a cadeira de rodas mesmo.
Shina se irritou. Mesmo com o joelho doendo, conseguiu se erguer da cadeira...
-Pois vou lhe dizer uma coisa, Marin. Não falo mesmo com você porque cansei de me magoar com seu egoísmo. Casei de amar você sozinha! Fala de Máscara, mas é igualzinha a ele! Repudia meu carinho, meu afeto, ataca de superior a tudo, e agora fica aí, reclamando porque percebe que eu posso começar a gostar de alguém sem ser de você! Isso é mesmo engraçado... Me repudia como seu eu fosse um traste, isso, desdenha o brinquedo, até que outra criança repare nele... É isso o que você faz! Estou farta de você!
-Está me dizendo que gosta de um molequinho? Ficou louca? Seiya é uma criança!
-Você não entenderia. Só sabe ver sujeira em tudo! Gosto de Seiya sim, e muito! Mas não com essa intenção torpe que você está insinuando: se Cássius ganhar a armadura de Seiya, será por mérito, não porque eu seduzi o menino e arranquei informações de treino dele... Eu não preciso me sujeitar a esse tipo de sordidez! Eu não sabia que ele era o rival de Cássius, e, agora que sei, vou tratá-lo como ele é... Um rival.
Marin estava mesmo com muita raiva. Mas talvez ciúmes fosse a palavra mais exata para o que ela sentia. Shina gostava de Seiya! E ainda jogava isso na sua cara, mesmo sabendo que Seiya enfrentaria Cássius!
-Olhe aqui, Cobra, fique longe do meu discípulo, e, de quebra, fique longe de mim também! Ou eu mesma vou exigir sua punição ao grão mestre!
Antes que a outra respondesse, saiu a passos duros, largando Shina ali, com o esforço de voltar sozinha para o Santuário... China deu um suspiro chateado e voltou seu rosto para o mar.
Certas pessoas não amadureciam nunca...
Esse pensamento a fez se lembrar de Afrodite e de seu amor complicado por Máscara. Depois daquele infeliz episódio nas Olimpíadas, Dite nunca mais conversara com ela... Como estaria ele?
o0o
No ar um odor forte de suor, fumaça e sangue. Sim, sangue.Suas narinas estavam acostumadas àquele cheiro, por mais sutil que ele fosse!
Os olhos azuis de Afrodite perscrutaram a penumbra, enquanto seus ouvidos aguçados captavam gemidos, gritos e sussurros... Um leve sorriso bailou no canto dos lábios, enquanto ele caminhava rapidamente entre as sombras, aproveitando que a luz fraca o deixaria incógnito, mais um pedaço de carne na sala escura.
Usava apenas uma calça de couro justíssima que mais mostrava do que escondia, botas e um quepe estilo militar, tão apreciado entre os amantes do sado-masoquismo.
O tórax nu exibia um chicote pendurado ao dorso, como se fosse um colar exótico e perigoso. Entrou na câmera escura, a sala onde era feito sexo grupal. Havia logo na entrada todo o tipo de parafernália sexual: vibradores, preservativos, luvas de borracha, grampos para beliscar, vaselina... O cavaleiro de Peixes ignorou tudo. Para ele, bastava o seu chicote e alguns corpos ávidos pelo seu. Mais nada!
Logo, várias mãos ávidas o procuraram... Ele se sentiu bolinado e tocado, apalpado atrevidamente.
Sorriu.
Percebia muito mais com seus olhos treinados do que os outros que estavam ali. Apesar da escuridão, via os vultos que o tocavam: eram fortes, musculosos, exatamente como ele, Afrodite, gostava. Logo estariam comendo na sua mão, apanhando como cachorros e achando aquilo muito bom!
Afrodite se deixou tocar. Foi se esfregando em um, enquanto tocava o outro. Exalou propositadamente o seu perfume de rosas que, bem sabia, tinha um forte encantamento sobre as reações masculinas. Os dois homens ficaram excitados como dois lobos furiosos. Começaram a morder com força as costas bonitas.
Um deles arrancou a roupa de Afrodite com um tranco, deixando o corpo nu a mercê deles dois...Dite reagiu rapidamente. Apanhou o chicote e estalou, fazendo um deles, ao receber a primeira chibatada, cair extasiado no chão. Enquanto sentia um fungar nas suas costas, batia no outro, alucinadamente... O que apanhava gozou, quase que de imediato! Dite riu, aquela voz cristalina ecoando entre os gritos, xingos e lamúrias...
-Já, bofe? Espero que o outro aqui seja mais resistente do que você...
Sem avisar, Dite empurrou o homem no chão, subindo sobre ele como uma fera faminta. Fez suas nádegas pequenas e firmes se encaixarem com precisão no membro do estranho, enquanto puxava o sexo do outro para perto de seus lábios. Começou um sexo oral ousado, enquanto gemia de dor e prazer por sentir o sexo do que estava agora deitado arrebentar suas nádegas. Doía, mas ele não se importava. Era ele próprio quem dava o ritmo da cavalgada. Era o maestro ali, os outros dois, meros coadjuvantes da orquestra erótica!
Seus lábios friccionavam o sexo de um enquanto seu corpo satisfazia o outro... Não iria parar até ficar inundado com o sêmen daqueles dois desconhecidos... E de quantos mais aparecessem!
o0o
Estava já a madrugada morrendo. Como um vampiro que sente o despertar iminente do sol, Afrodite escapou da sala escura, dolorido, sujo, exaurido e satisfeito!
Conhecia Kinthos, o dono da espelunca. Este, um gigoló do baixo meretrício, lhe devotava uma adoração ímpar! Era mais um tolo nas suas mãos.
Primeiro, Kinthos achara o máximo ter aquele menino lindo e dissoluto ali, se deixando usar e usando todos, porque, com certeza, aquilo lhe traria mais clientela, mas depois, acontecera o inevitável! O gigoló ficara apaixonado pelo jeito altivo e antipático do garoto!
Totalmente enfeitiçado, estava!
Mas Afrodite não lhe dava a mínima atenção! O máximo que se permitia, era se deixar mimar, usando o quarto do gigoló quando sua noitada acabava. Tomaria uma ducha antes de sair sorrateiramente para o caminho que o levaria de volta ao Santuário...
E foi o que fez: tirou o uniforme sado-masô, tomou um banho rápido, vestiu as roupas comuns, jeans, camiseta e jaqueta, que trouxera numa mochila cuja segurança, deixara aos cuidados do proprietário do lugar. Depois de se mirar no espelho do quarto, se deu por satisfeito. Iria embora...
Kinthos, que estava ali admirando aquele corpo quente para o sexo, mas cuja alma era fria como uma estátua grega legítima, resmungou, inconformado:
-Fique comigo, um pouco... Pelo menos me diga o seu nome...
-Não comece, Kinthos, pode escolher qualquer nome para mim!Eu não ligo!
-Diga me o seu, o verdadeiro.
-Não me amole. Tome, pra você não dizer que não lhe dei nada...
Dite deu um beijinho rápido nos lábios do homem, que chegou a dar um suspiro triste...
-Você é mais cruel do que o seu chicote! Me despreza só porque quero conhecer você de verdade, e não o rapaz promíscuo e alucinado da sala escura... Quem magoou você, afinal?
Os olhos de Dite brilharam, irritadíssimos. Ele chegou a fechar a mão para dar um soco no outro, mas se conteve a tempo. Ah, pobre diabo! Se o soco de um cavaleiro atingisse aquele infeliz, ele iria direto para o túmulo!
-Escute, seu escroto, eu não vou inventar uma estória de novela do tipo "faço porque sou recalcado". Faço porque quero, gosto e NINGUÉM, me ouviu, NINGUÉM me magoou! Eu não gosto de ninguém a não ser a mim mesmo! Não encha o meu saco!
Afrodite saiu rápido dali, montou na sua moto, que o aguardava do lado de fora da boate e ganhou velocidade, dando um cavalo de pau barulhento, para chamar a atenção mesmo.
Diabos! Não, não, ninguém o havia magoado e ele não dava a mínima pra nada, nada!
Correndo com sua moto, subitamente, Afrodite sentiu um cosmo tremendamente familiar. Estava dentro dos limites da zona do baixo meretrício de Atenas, ainda. Seu coração se apertou quando a imagem de Carlo de Angelis se formou em sua mente. Por Hades... Não era possível... Se fosse, seria o cúmulo da coincidência!
Fez uma curva fechada, de 360 graus, fazendo a moto se inclinar perigosamente, a ponto da sola de sua bota esquerda soltar faíscas no chão de asfalto. Voou baixo até a próxima esquina, onde a sensação do cosmo ficava mais forte e, de súbito... Viu-o.
Seu coração disparou, alucinadamente, guardando cada detalhe do vulto que estava encostado displicentemente no poste, acendendo um cigarro: calças de couro tão justas quanto a dele, Dite, camisa branca de linho, uma jaqueta jogada nas costas... O suor havia molhado o tórax e os cabelos. Provavelmente havia dançado na boate e agora, saíra para fumar e olhar as estrelas, antes de ir embora...
Sabia que era hábito de Carlo caminhar pela noite como uma alma errante...
Como se também sentisse o cosmo de Afrodite, Os olhos escuros se desviaram do cigarro e lentamente se fixaram sobre a figura de Afrodite, exatamente como o de uma fera espreitando sua presa.
Afrodite sentiu um nó na garganta, mas ignorou-o, e ergueu o rosto da maneira mais altiva que conseguiu. Desceu da moto e caminhou para junto do cavaleiro de Câncer.
-Olá.
Máscara estava aturdido com a visão linda e perigosa daquele menino promíscuo.
Percebia nos lábios inchados, e no pescoço, as manchas arroxeadas de um sexo alucinado. E aquilo... Excitava-o. Afrodite era o próprio demônio da tentação.Só de imaginar o que ele havia feito até agora, sentia seu pau doer, querendo explodir dentro da maldita calça de couro!
-...
-Não pode nem mesmo dizer um oi pra mim?
Mais uma vez Máscara não respondeu. Aquilo fez o sangue de Afrodite subir. Ele desceu da moto e se aproximou. Acariciou o tórax cuja camisa exibia vários botões abertos... Máscara sentiu o toque como uma forte descarga elétrica em seu corpo.
Empertigou-se, mas, mais uma vez, não disse nada. Afrodite riu, um riso que era de mágoa e tristeza, mas que soou com falsa leviandade...
-Ora, ora, então os boatos são verdadeiros... O soldo minguado que nós os cavaleiros de ouro recebemos do Santuário para nossos gastos pessoais não é o suficiente para um ambicioso canceriano... Ele precisa de mais dinheiro! O que diria o grão mestre se descobrisse um sagrado cavaleiro de Ouro vendendo seu corpo como um mishe ordinário?
Carlo olhou desafiador para Afrodite, um brilho de raiva nas íris escuras o deixava ainda mais lindo:
-O mesmo que diria se eu contasse a ele que o cavaleiro de ouro de Peixes foge do Santuário para se comportar com uma cadela sem dono!
Afrodite riu, um riso estridente, sofrido, que ocultava seus sentimentos atrás daquela parede de narcisismo que lhe era característica.
-Touchet, meu querido, mas talvez... Ele já saiba... E até goste disso...Talvez eu faça para ele um espetáculo particular...
Máscara sentiu no peito uma sensação ruim, que não ousava definir como ciúmes, mas que era exatamente isso!
Sim, Ares, o novo grão mestre, era um ditador dissoluto, não duvidava nada de que os rumores sobre as orgias que ele fazia nas câmaras secretas fossem verdadeiros...
Afrodite seria mais uma das distrações dele?
-Você está blefando, Peixes...
-Você arriscaria sua sagrada armadura para descobrir? Não, eu acho que não... Você precisa dela, como precisa daquelas nojentas cabeças na sua casa para se auto-afirmar...
-Não me provoque, viado, ou...
Afrodite se colocou diante dele, lindo como Adonis, fazendo com que Máscara até se esquecesse das ameaças e imprecações que bailavam em seus lábios...
-Ou o quê? Agora estamos na rua! Somos somente nós agora, sem regras, sem juízes, sem leis, sem rótulos... E numa luta onde eu possa usar o meu cosmo, sou tão forte quanto você! Não me provoque VOCÊ, Carlo, porque, dessa vez, vou reagir à altura, nem que eu tenha que explodir toda essa maldita cidade!
Embora os dois trocassem palavras hostis, as bocas estavam muito próximas. Havia uma eletricidade no ar tão intensa quanto os cosmos de ambos que se faziam sentir!
Afrodite chegou a dar um gemido baixo de excitação quando percebeu que Máscara aproximava mais sua boca da dele, ensaiando tomar seus lábios nos seus!
Bem nesse instante, o encantamento foi interrompido por uma voz feminina áspera e estridente.
-Carlito... Oh, você está ai, eu te procurei a boate toda, vamos, vamos dançar...
Afrodite arregalou os olhos azuis de puro espanto. A megera tinha uma aparência bem tratada, de quem tinha muita grana, mas deveria ter pelo menos o dobro da idade de Carlo!
-Eu já vou...
-Mas eu quero...
-Eu já disse que já vou! Pegue uma garrafa de vinho e me espere na mesa! Eu... Não demoro.
A mulher resmungou, mas a idéia do vinho a agradou, ela deu meia volta para comprar a garrafa. Afrodite estava totalmente pasmo...
-Não acredito nisso... Ela é feia como a medusa!
-Não se meta nos meus assuntos, Afrodite!
-Não me meter? Por Hades, então é com essa megera que você conseguiu aquele carro do nada? E também aquela viagem para Roma?
O silêncio de Carlo e os olhos brilhando uma raiva perigosa significaram para Afrodite um hediondo "SIM".
-Não acredito que você se deite com essa lacraia!
P-elo menos a feminilidade dela é legítima, Afrodite, não é fabricada, como a sua!
Aquelas palavras doeram... Mas Dite estava furioso. Ergueu o rosto com altivez...
E-u não imito as mulheres, sou superior a qualquer rótulo sexual, seu tapado, e vou lhe dizer mais: você me quer. Me quer alucinadamente! Trepa nessa vadia ricaça pensando em mim!
Carlo chegou a abrir a boca de espanto com a ousadia de Peixes. O pior de tudo, o que o deixava realmente furioso, era que uma voz bem lá dentro dele dava razão aos absurdos que acabara de ouvir!
-Você não passa de um...
-Pode dizer. Gay, viado. Sou, sou mesmo, assumo, e mais: um cara como eu quando ama, e quer, ele não se esconde, ele não foge, ele não finge uma vida que não é a dele! EU DESEJO VOCÊ, CARA, E NÃO NEGO!
Ficaram se olhando, totalmente aturdidos, os dois...
Máscara, Afrodite notou, parecia agora ser tão somente um garotinho assustado. As palavras de Afrodite haviam surtido um efeito mais devastador do que qualquer golpe cósmico!
Afrodite tomou coragem. Iria jogar uma cartada alta, talvez a mais alta de toda a sua vida...
-Carlo, me escute.. Eu sou um órfão, como todos os cavaleiros do Santuário. Mas tenho uma coisa que os outros não têm... Dinheiro. Muito dinheiro. Meus pais, quando morreram naquele maldito acidente, me deixaram uma fortuna tão grande quanto a da Deusa, acredite! E meu tutor não se cansa de multiplicar essa fortuna! Sou um cavaleiro, não posso sair fora das regras do Santuário, mas posso dispor do meu dinheiro e gastá-lo como bem entender nos dias de folga...
-...
-Fique comigo - Afrodite engoliu em seco - Posso lhe dar mais dinheiro e mais coisas do que aquela bruxa... Seria um segredo nosso e você... Teria tudo o que sempre quis... Teria inclusive... A mim!
Tensão... O silêncio era quebrado apenas pelo ruído da música que vinha de dentro da boate. De repente...
-Carlitooo...Carlitoooo...
Oh, Zeus, dessa vez, iria mandar uma rosa branca bem na garganta daquela vaca!
Com quem ele pensava que falava, Charles Chaplin?
A mulher apareceu cambaleante, com uma garrafa já quase vazia nas mãos... Caramba, além de velha, e feia, era alcoólatra!
-Ele já vai, "santinha", estamos aqui só discutindo a venda da minha moto pra ele...
-Oh, que linda, vou adorar passear nela...
"Vai passear num caixão, piranha"
-Oh, meu querido, vamos, vamos, está tocando a "nossa" música.
Afrodite se sentiu enjoado. "Nossa" música? Máscara agüentava tudo aquilo por causa de um pouco de grana? A ambição daquele carcamano o deixava cego e insensível?
A mulher dessa vez estava decidida a arrastar aquele italiano lindo com ela. Segurou-o pelo braço com ambas as mãos, como se fossem garras, e não o soltava mais de jeito nenhum... Puxava-o, com insistência...
-Vem, meu benzinho... Venha dançar com sua gata...
Gata? Gata onde? Ele, Dite, só estava vendo uma ratazana velha ali!
Oh, Atena, era melhor ir embora antes que seu desaponto ficasse grande demais...
Carlo também não estava nada satisfeito.
Via nos olhos lindos de Afrodite um brilho de mágoa intensa e aquela situação acabara se tornando para ele muito vexatória.
Diabos... Ele, Carlo, nascera numa vila paupérrima da Sicília, perdida em miséria e pobreza... Passara fome, muita fome... Ainda se lembrava quando seus pais, ele, Carlo, e mais dois irmãos haviam entrado num navio, como clandestinos, para a América. Buscavam o sonho dourado...
E para quê? Sua mãe e a caçula haviam morrido de malária, durante a viagem. O pai, ah, trabalhara feito alucinado, em sub empregos, tentando ser empregado por alguma família mafiosa, enquanto ele, ainda muito pequeno, ficava jogado com o irmão no cortiço onde moravam os italianos... E o que haviam conseguido, afinal? Nada!
Seu irmão, uma família havia adotado! Seu pai o entregara, porque dizia que iriam cuidar bem dele... O menino havia sido jogado fora como um gatinho novo... E ele próprio somente ficara com o pai porque, mesmo pequeno, já tinha braços fortes o suficiente para lavar carros e mendigar. Não. Não podia dizer a Afrodite o que eram aqueles sentimentos. O que sabia ele, Peixes, da pobreza? Nascera em berço de ouro, e nunca, além dos árduos treinamentos do Santuário, conhecera a vida difícil do mundo lá fora...
O que acontecera com o sonho de uma vida melhor na América? Oh ruíra por terra... Tudo se desmanchara como pó... O pai morrera afogado no mar, num dia idiota, porque tentara salvar o filho de um amigo que estava se afogando... O menino fora salvo, mas seu pai... Nunca esquecera daquele dia... Seu pai sendo retirado da água... Roxo e inchado, como um balão muito feio... E o tal amigo, o pai da criança salva...
Ah, ficara tão agradecido ao finado colega por aquele gesto heróico que entregara ele, Carlo, o órfão, para o serviço social... "Não posso ter mais uma boca para comer...".
E fora esse o argumento do homem cujo filho seu finado pai salvara. Ele, Carlo, fora deportado de volta para um orfanato da Itália até que um representante do Santuário o tirara de lá...Para treinar como cavaleiro...
O que entendia Afrodite da traição humana e da miséria? Nada. E era isso o que a humanidade valia: Nada. Ele, Máscara, perdera toda sua família para aprender essa lição, mas não a esqueceria nunca mais...
-Depressa, meu querido, peque um cartão desse menino lindo e depois você fala com ele sobre a moto...
Afrodite deu um sorriso frio...
-Ele não precisa do meu cartão. Carlo, pense no que eu lhe falei. Encare isso como o que é. Um negócio. Vantajoso para nós dois.Eu lhe garanto que você vai sair ganhando, e que eu não vou voltar atrás, de jeito nenhum. Dou a minha palavra sagrada...
A voz solene de Afrodite e o brilho intenso do olhar lindo fez Máscara sentir um calafrio de emoção. A mulher, por sua vez, nem percebeu que negociava-se vidas ali, achou que era realmente a moto o objeto daquela conversa...
Meio sem jeito agora, quase ruborizado, Máscara segurou a mão da acompanhante e disse, num tom neutro, quase tímido...
-Muito bem, eu prometo que vou pensar...
-Ótimo, e mais uma coisa...
-O quê é?
Dite se aproximou de Máscara e falou junto ao ouvido dele, num sussurro tão baixo, que apenas os ouvidos treinados de um cavaleiro ouviriam...
-Vou me tornar um membro da Kripteia. Eu juro.
Máscara ficou lívido.
-Ficou louco? Falar disso...
-Preciso falar. Está entalado na minha garganta. Vou provar a você que sou tão valoroso quanto qualquer machão que está sob suas ordens. Em breve, a seita vai ter que me aceitar, porque vou ser mais eficiente do que qualquer um dos assassinos de Ares...
CONTINUA...
1) Gente, aqui está a inspiração para o poema, a estória mitológica de Ares e Afrodite. Isso vai servir de base para a trama, que não conto qual é pra deixar vocês roendo as unhas, eh,eh,eh. Notem que interessante! Ares nunca gostou de Atena, a Deusa, eles eram sempre rivais, a ponto de brigarem um com o outro! DICA: Talvez isso explique, rsrs, porque MdM é tão irreverente diante da Deusa e tão seguro de si, como um verdadeiro Deus...
ARES: Uma das doze divindade gregas do Olimpo, filho de Zeus e Hera, Deus Grego da Guerra, personificava o aspecto sanguinário e selvagem das batalhas, bem como o terror imposto pela carnificina. Identificado pelos romanos como Marte, mas apesar das similaridades, o Deus romano teve importância maior que o de seu par grego, sem possuir nada da inconstância ou da leviandade deste. Apesar da sua inclusão entre os doze maiores Deuses da Grécia, seu culto não era muito difundido pela Grécia, sendo seu maior legado o Aerópago ateniense. Eram realizadas celebrações em honra ao Deus no Egito, na cidade de Papremis, citadas por Heródoto como o sexto festival em ordem de grandeza naquele país, onde também existia um oráculo do Deus. Também era venerado na Scythia, guerreava pelo simples prazer de fazê-lo e não possuía nenhuma das qualidades nobres de alguns outros Deuses. Encontrava-se sempre no meio de qualquer batalha sem se preocupar com qual dos dois lados estava a razão. Era freqüentemente desafiado por Atena, que se divertia, vencendo-o e/ou envergonhando-o. Quando ele se queixou a Zeus, seu pai, que Atena havia ajudado Diomedes a feri-lo na guerra de Tróia, Zeus chamou-o de renegado e chorão e só permitiu que sua ferida sarasse porque ele era seu filho. Em certa ocasião, lutou com Atena para se vingar dela por ter ajudado Diomedes. Mas ele perdeu de novo porque Atena jogou-lhe uma rocha com tanta força que ele foi projetado fora do céu, caindo na terra e levantando uma nuvem de poeira. Gemendo sem parar, foi socorrido por Afrodite, que o levou de volta para o céu, carregando-o em seus braços.
AFRODITE: Uma das doze divindades gregas do Olimpo, Deusa da beleza e do amor correspondente à romana Vênus, porém, ao contrário da última, não representava apenas o amor sexual, mas também a afeição que sustenta a vida social. Ela tinha o poder de inspirar amor nos corações humanos ou destruí-los. Encarnava a perfeição da beleza feminina. A famosa estátua, a Vênus de Milo, e a mais conhecida e apreciada peça da escultura mundial, hoje, se encontra no Museu de Louvre, em Paris. Nascida da espuma do mar caminhou nas águas até chegar a ilha de Chipre e assim Kypris ( cipriota) foi um dos vários adjetivos que lhe foram atribuídos. Criada e educada pelas ninfas do mar em suas cavernas, a Deusa da beleza e do amor foi levada pelo mar, de ilha em ilha, encantando a todos com sua beleza e graça. As Horas e as Graças titilavam grinaldas para os seus cabelos e teciam vestidos com as mais belas cores. Essas fatiotas enchiam o ar com as mais inebriantes fragrâncias florais. Então se dirigiu ao Monte Olimpo, onde um trono a esperava e os Deuses aguardavam-na, de modo ansioso. Ela conquistou seus corações, mas recusou suas propostas de casamento. Zeus, para recompensar Hefaístos, que lhe havia fabricado o trovão, deu-a em casamento ao feio e deformado Deus do fogo. Dizem que ela foi amante de Ares, Deus da guerra. (http/www.sobiografias.hpg. Em cerca de 2500 a.C., os gregos realizavam festivais esportivos em honra a Zeus no santuário de Olímpia - o que originou o termo olimpíada. O evento era tão importante que interrompia até as guerras. Os nomes dos vencedores das competições começam a ser registrados a partir de 776 a.C. Participavam apenas os cidadãos livres, disputando provas de atletismo, luta, boxe, corrida de cavalo e pentatlo (que incluía luta, corrida, salto em distância, arremesso de dardo e de disco). Os vencedores recebiam uma coroa de louros. (http/paginas. Gente, seguinte, Carlo di Angelis é um nome criado pela Pipe, como gosto muito do jeito cool da escritora, pedi a ela permissão para utilizar esse nome em minhas fics, criando um contexto virtual entre personagens, ok?
4) Essa fic interliga-se com algumas outras. O personagem faz aqui menção do amor de Aiolia por Shaka (veja Constelações) e de Camus por Milo (veja Tempestade e outras deliciosas fics da Kaho Mizuki)
5) Quem quiser comentar algo (por favor, queiram, rsrssrs) é só mandar um e-mail pra mim, vou responder a todos, sem exceção!
