Fuckin' Perfect

By: Jubs.

To: Debs-chan, por todos as reviews, pelo carinho e pela amizade.

Music by: Pink


[1º Tomo – O Acidente e suas conseqüências.]

I

Abriu os olhos âmbares. Por que sua cabeça latejava tanto? E aquele quarto todo branco? Lembrava-se que voltava para casa, a viagem estava sendo exaustiva, mas não dormiu no volante, nunca dormiu no volante e Sara o acordaria caso o tivesse feito. Então por que aquele espaço vazio em sua memória? Sesshoumaru se sentou na cama e finalmente percebeu a extensão do quarto: hospital. E a memória voltava.

Às oito da noite saiu do hotel e pegou seu carro, mas ainda não chovia, aliás, a temperatura ainda estava alta naquele odioso calor. Jantou com o pai e com a madrasta, no café Sesshoumaru conversava com Taishou sobre as novidades enquanto Sara e Izayoi brincavam com Yume, voltaram para o carro e falou que iria voltar para seu apartamento, tinha coisas para avaliar e preferia que fosse no conforto de sua própria casa, ninguém se opôs a decisão. Despediram-se e, às 22h30 saiu da cidade do interior. O limite de velocidade era de 110 km/h, Sesshoumaru não ultrapassava o limite, tinha os olhos presos na estrada, dirigia como sempre. Então o que aconteceu de errado?

- Oh... – Sussurrou, mas antes de complementar seus pensamentos com a imagem do acidente, uma enfermeira entrou no quarto.

- Bem vindo de volta, Taishou-san. – Ela sorriu, mas o homem pareceu ignorá-la. Checou os aparelhos no quarto.

- Onde estão Sara e Yume? – Foi seu primeiro questionamento, mas a enfermeira simplesmente não quis responde-lo. - Que dia é hoje?

- Ah, Taishou-san, você dormiu por três dias inteiros. – O sorriso não se abalava. – Seu irmão esta aqui, posso deixá-lo entrar?

Acenou positivamente com a cabeça. Três dias inteiros perdidos, mas tivera sorte. Não iria levar Sara e a filha consigo para a viagem, mas como ela era basicamente de negócios, iria deixar as duas para ir sozinho... mas elas estavam no carro, nunca iria se perdoar se tivesse sido fatal. Ouviu a porta sendo aberta e notou que a enfermeira saia no mesmo tempo em que um rapaz entrava. Tinha cerca de 27 anos, da mesma estranha beleza que o homem deitado, mas não tão marcado pela tristeza e arrependimento.

- Inuyasha. – Sua voz saiu séria. – Esteve aqui todo esse tempo?

- Não, eu, Kagome e Miroku fizemos turnos na porta do quarto. – Era tão estranho ouvi-lo falando tão calmo. Levantou os olhos e denotou a tristeza nos olhos do mais novo. – Agora me conta exatamente o que aconteceu, sabe, eu tinha acabado de conseguir dormir!

- Não sei exatamente. – Ignorou o tom de voz que se tornava irritado. – Estávamos na estrada, Yume dormia no banco de trás e Sara cantarolava uma música qualquer no rádio, não sei o que aconteceu depois e a enfermeira não quer me falar sobre o estado de Sara e Yume.

- Deixe esse assunto quando estiver melhor. – Falou rispidamente. – Vou ligar para Kagome e Miroku, os médicos me deixaram entrar só pra ver que você estava realmente vivo, mas vão vir te examinar.

- Inuyasha. – Aquele tom sombrio fez o rapaz parar na porta. – Me responda.

- Feh, apenas melhore.

Sesshoumaru ficou sozinho, apenas fechou os olhos momentaneamente. Passou a mão direita sobre o rosto, tentando afastar aqueles maus pensamentos e, ao tentar mover o braço esquerdo, não conseguiu. A situação apenas piorava. Estava começando a ficar zonzo pelos medicamentos, mas um médico entrou no quarto. Sesshoumaru tentou ficar atento, talvez conseguisse algumas respostas.

- Bom dia, Taishou-san! – Os cabelos do médico estavam presos e ele sorria. – Sou o doutor Kojima Suikotsu e tenho cuidado da sua saúde. Como se sente?

- Onde estão Sara e Yume? – Perguntou novamente.

- Sua esposa e filha? Ninguém te contou? – O médico sentou na poltrona ao lado da cama, assumiu uma postura séria.

- Eles ficam falando que vão me contar quando estiver mais forte, mas posso agüentar a noticia que for.

- Se é o que diz. – Folheou os exames que havia trazido e ficou alguns minutos em silencio. – Sara Taishou, 29 anos, advogada, chegou na emergência com baixos batimentos cardíacos, tinha o lado direito do corpo paralisado e os ossos quebrados, tinha problemas na respiração. Faleceu 5 horas depois que a avaliamos, tentamos tudo o que podíamos, mas não foi o bastante. Yume Taishou, 6 anos, fratura nas costelas e traumatismo craniano, apenas agüentou até chegar na emergência e faleceu.

Tinha perdido tudo, absolutamente tudo. Ele e Sara estavam com problemas, mas a amou e Yume... tão pequenina e risonha, tão diferente do pai. Tinha perdido todos os seus tesouros, as duas eram as únicas duas coisas que havia feito certo em sua vida o resto fora apenas erros atrás de erros, mas aquela vida havia acabado quando conheceu Sara. Agora essa vida calma e feliz também havia acabado, baixou a cabeça, perdido em pensamentos.

- Elas... sofreram?

- Nós demos anestésicos. – Foi a resposta de Suikotsu.

- Não foi o que perguntei. – Sesshoumaru levantou o rosto, os olhos estreitos. – Elas sofreram?

- Sara sofreu bastante, Yume não. A pequena chegou serena. – Se levantou e pegou a ficha dele. – Desviando o assunto. O acidente, se lembra de algo?

- Um caminhão bateu no lado direito do carro e saímos da estrada, acredito que o carro tenha capotado, mas não me lembro mais do que isso. – Sua voz era ríspida.

- Quando o caminhão bateu, esmagou sua perna direita e tivemos que operar, está com dois pinos, mas não é tão sério. Sua cabeça bateu fortemente e o deixou inconsciente por todo esse tempo, agora, seu braço esquerdo... – Avaliou a ficha novamente. – Quando o carro capotou, seu braço ficou preso e quase foi arrancado, você teve sorte. Um de nossos cirurgiões plásticos o 'arrumou', mas vai precisar de fisioterapia. Amanhã terá uma entrevista com a psicóloga e depois com a psiquiatra do hospital, de tarde a entrevista com a fisioterapeuta, mas por enquanto apenas descanse.

Suikotsu saiu do quarto e deixou Sesshoumaru novamente sozinho, mas agora com aquela torturante agonia comprimindo seu peito. Não fora erro seu, o caminhão veio do nada, mas porque sentia-se como o culpado? Ah sim, elas não deveriam ter ido, mas Sara insistiu tanto e Yume queria tanto ver os avós, será que sua vida seria apenas aquela maldita seqüência de erros? Mas não iria ser fraco, não seria fraco nunca mais. Olhou pela janela e, antes de desmaiar, viu a chuva.

Made a wrong turn
Once or twice

Ainda chovia lá fora. A dor ainda angustiava e torturava seu coração, mas o médico disse que teve sorte. Sorte do que? De perder a sua família? De se mostrar fraco em tudo aquilo? Com a mão direita, socou o colchão, era impotente naquela situação, em qualquer situação. Agora teria que fazer terapia, tomar remédios? E o que traria sua família de volta? Aquilo só servia para fazê-lo esquecer! Não queria esquecer todas as coisas certas que fez quando estava com Sara, se fosse antes, se fosse para esquecer todos os problemas da sua juventude, que fosse! Mas não elas! Não estava pronto para superar tudo aquilo.

- Sente-se melhor, Taishou-sama? – A mesma enfermeira do dia anterior estava no quarto, anotando os resultados dos exames e dos aparelhos.

- Você se sentiria melhor? – Respondeu ríspido, a jovem se encolheu.

- Não, Taishou-sama. – Se voltou para a porta. – Me perdoe sobre a pergunta.

Saiu rapidamente do quarto. Sesshoumaru queria abrir a janela, mas não conseguiu se levantar, sentia nojo de si mesmo, quando se tornou tão fraco? Socou novamente o colchão, pelos deuses, se aquilo fosse um pesadelo, que Sara o acordasse para ir trabalhar. Nem o som da porta se abrindo o despertou de seus devaneios. Pela primeira vez rezou para um Deus, para todos os deuses, que o acordassem logo, aquela tortura já era bastante. Jogou a comida que estava ao seu lado no chão, a fúria o tomou e não enxergava mais nada. Suspirou e, quando voltou a sondar o quarto, encontrou um calmo olhar chocolate.

Era uma moça baixa, longos cabelos negros e olhos chocolate. Ela parecia analisá-lo, tomou a ficha dele e analisou também. Quando finalmente levantou os olhos para ele novamente, sorriu. Ela deveria saber, como todos os outros, então porque diabos sorria? Iria perguntar a mesma coisa que aquela enfermeira estúpida? Não conseguia se controlar e a jovem percebeu a raiva nas orbes âmbares dele, ainda assim continuou sorrindo.

- Taishou Sesshoumaru, certo? – Ela se aproximou da cama e se sentou na poltrona. – Sou Sekime Rin, sou uma das psicólogas do hospital e tenho um horário livre para atendê-lo. Suikotsu-san me pediu pessoalmente para acompanhar seu caso. Vamos começar nossas sessões amanhã, pois hoje você vai se encontrar com os outros profissionais da equipe.

- ... – Apenas a olhou, tentando ocultar a raiva com um olhar indiferente, ela apenas sorriu maliciosamente.

- Estou ansiosa para trabalhar com você. – Se levantou e fez uma referencia. – Meu trabalho não é fazê-lo esquecer do que aconteceu, mas escutá-lo e ajudá-lo a sobreviver com os fatos. Não digo que vai viver como antes, pois ficarão seqüelas em sua alma e você nunca vai esquecer, mas estou aqui para ajudá-lo.

A jovem sorriu, Sesshoumaru continuou impassível, como se o que a mulher falasse não tivesse sentido algum, mas ela parecia não se importar. Não tinha motivos para querer a ajuda dela, o que aconteceu com ele era uma punição por seus longos anos de delinqüente, nada do que ela falasse – ou ouvisse – o ajudaria. Rin fez uma reverencia e abriu a porta, continuava a sorrir.

- Até amanhã, Taishou, espero que fale mais. – Saiu, mas deixou a porta aberta.

Escutou ela falando com uma pessoa do lado de fora da porta, usava um tom sério e cauteloso, parecia passar mais alguns detalhes sobre o caso do youkai. Ouviu a voz da enfermeira se juntando ao grupo, usava um tom triste, mas logo ouviu um homem a elogiando e Rin fazendo uma piada qualquer. Como eles podiam rir daquela forma enquanto ele sofria lá dentro? Médicos realmente não tinham coração, então porque deveria confiar neles? Se bem que Sesshoumaru também escondia o fato de ter um coração. Mas rapidamente seus pensamentos se voltaram para um homem baixo, gordo e de olhos e boca muito grandes. Não simpatizou com o sorriso travesso do homem, para falar a verdade, não simpatizou com nenhum dos médicos que havia conhecido até aquele momento.

- Taishou-sama, sou Asai Mukotsu o psiquiatra deste andar. Todos me conhecem como envenenador, apenas não me confunda com os anestesistas, eles são apenas os homens do gás. Trabalharei diretamente com Rin-san e o visitarei bem raramente. Teremos que marcar consultas, mas isso apenas depois de alguns meses de terapia para decidir se realmente será necessário medicamentos.

- Não quero nada relacionado a isso. – Falou simplesmente.

- É o que todos dizem, senhor. – O homem continuou sorrindo. – Bom, só vim me apresentar formalmente, tenho mais pacientes para tratar.

Da mesma forma repentina que chegou, se foi. Todos pareciam querer ficar naquele quarto o mínimo de tempo possível, apenas Suikotsu pareceu agüentar manter uma conversa com ele, ao menos era forte o bastante para contar-lhe a verdade. Rin também pareceu ficar bem à vontade no quarto, se bem que o olhar e a atitude de Sesshoumaru a afastaram. Aparentemente teria que ver aquele sorriso irritante mais vezes. Ligou a TV e tentou desanuviar todos aqueles pensamentos negativos.

- Finalmente Sesshoumaru-sama! – Ouviu uma voz animada e conhecida. Encarou os olhos escuros do rapaz que entrava. – Inuyasha me ligou ontem, mas quando cheguei você já estava dormindo...

- Me entupiram de remédio. – Respondeu irritado.

- Miroku! Já falei para não ficar correndo pelo hospital! – A voz de Kagome também se fez presente e Sesshoumaru quase sorriu quando Inuyasha apareceu e socou o amigo. – Ah, desculpe Sesshoumaru, sei como não gosta quando gritam, mas ele é impossível!

- Kagome-chan, não foi por mal. – O rapaz sorriu enquanto acariciava o galo que se formava em sua cabeça.

- Não a chame assim. – Inuyasha o socou novamente.

- Parem de brigar, estão me irritando. – Sesshoumaru sibilou, fechando os olhos.

- Mas e ai, o que ta assistindo? – Miroku roubou o controle e se sentou na poltrona. – Esse programa é tão chato, vamos ver se tem algum filme de ação passando.

- Miroku é tão folgado. – Kagome e Inuyasha falaram juntos.

A enfermeira entrou com uma bandeja cheia de comida, antes mesmo que ela conseguisse atravessar o quarto, Inuyasha roubou a bandeja e se sentou nos pés da cama de Sesshoumaru. Começou a devorar a comida do irmão mais velho.

- Inuyasha também é tão folgado. – Kagome baixou a cabeça envergonhada.

- Precisa que eu traga mais, Taishou-sama? – A enfermeira perguntou ainda magoada.

- Estou sem fome. – Respondeu e observou a mulher saindo.

- O que fez para uma mulher tão bela? – Miroku nem desviou o olhar da TV.

- Ela faz perguntas estúpidas, apenas respondi a verdade. – Respondeu friamente. – Inuyasha, avisou otou-san?

- Sim, - A boca estava cheia de comida de hospital. – ele vai chegar no final de semana com a okaa-san. – Engoliu rapidamente. – Feh, comida de hospital é tão ruim...

- Ainda assim você comeu tudo, seu idiota. – Kagome quase gritou.

Sesshoumaru sentiu falta daquela bagunça, era quase como se nada tivesse mudado, mas nem aquilo conseguia cobrir o vazio que tomou conta dele. Os três discutiam e tudo o que Sesshoumaru podia fazer, era observar, era tentar sorrir, mas não conseguia. Acreditava que se sorrisse, estaria manchando a lembrança de Sara e Yume e não queria isso, queria passar a vida inteira de luto. O estranho é que se sentia como se nada daquilo tivesse acontecido, como se os quatro no quarto nunca tivessem seguido em frente na vida e tomassem decisões importantes. Eram os quatro amigos que se trancavam no quarto para jogar videogame, ou que se reunião no templo em que Kagome morava para passaram nos festivais.

- Aqui está bem movimentado, não é? – Uma voz feminina se fez presente.

Parada na porta estava uma mulher séria, olhos e cabelos castanhos, com uma prancheta na mão. Ela não sorria, mas seus olhos sorriam ao ver a bagunça que se realizava no quarto, mas seus olhos se estreitaram quando Miroku a tomou pelas mãos, deixando a prancheta cair. O rapaz colocou seu melhor olhar sedutor e quase sussurrava para a mulher, que estava assustada demais para ter qualquer reação.

- Você gostaria de ser a mãe dos meus filhos? – Um vento frio passou pela sala, mas logo Kagome e Inuyasha socaram Miroku, Sesshoumaru iria fazer o mesmo, mas não conseguia se levantar.

- Ignore-o. – Sesshoumaru sibilou. A moça encarou Miroku caído no chão, com um bobo sorriso nos lábios, mas se voltou para Sesshoumaru.

- Sou a ultima que vai precisar conhecer hoje. – Sorriu. – O resto da sua equipe são cirurgiões, mas eles apenas cuidam do açougue, deixam a recuperação com os outros, e os anestesistas, que só se preocupam com seus baldes de dinheiro e em ser o homem do gás. – Pegou a prancheta do chão. – Sua equipe se baseia na minha pessoa, em Suikotsu-san, Rin-san e Mukotsu-san. Sou Matsuo Sangô e serei sua fisioterapeuta. O resto de sua recuperação física é comigo.

- Certo. – O youkai sussurrou.

- Não se preocupe, a sua perna logo voltara ao estado de antes e, bem, o braço, faremos o possível que retorne a alguns dos movimentos.

- Ele não voltará a ser o que era antes?

- Tudo depende de seu esforço e de seu próprio corpo, não prometo nada. – A voz dela era suave.

- Não se preocupe, Sangô-sama, faremos Sesshoumaru se empenhar! – Kagome falou animada o que fez a fisioterapeuta voltar a sorrir.

- É necessário que ele tenha um grupo de apoio. Bem, antes de ir vou te deixar uma lista de nossa programação para os próximos meses, nossos horários e atividades. – Se aproximou e entregou uma grande lista. – Não se assuste com o tamanho, quando perceber já terá acabado. Meu número de telefone e celular estão nesta lista, qualquer duvida pode me ligar.

- Ele não vai ligar, é muito orgulhoso pra isso. – Inuyasha falou quase que irritado.

- Então vocês podem me ligar.

- Posso ligar para conversarmos, te chamar para sair e outras coisas? – Miroku já estava de pé e voltou a pegar as mãos dela. Inuyasha e Kagome voltaram a socá-lo. Sangô o ignorou e voltou para Sesshoumaru.

- Descanse um pouco, pois Suikotsu vai vim vê-lo e te levar para fazer exames. – Fez uma reverencia para todos, ainda sorrindo. – Até.

A morena saiu do quarto e deixou o grupo brigando com Miroku, rapidamente os ânimos se acalmaram, bem, se acalmaram até Miroku perguntar sobre a outra mulher na equipe e levar novos socos. Sesshoumaru encarou a janela, a chuva estava cessando, talvez estivesse se cansando como ele, porém era bom saber que aqueles três estavam ali. Ah Sara, Yume, porque não ficaram em casa esperando por ele?

- Eles já te contaram, Sesshoumaru? – Kagome perguntou minutos depois, sentada na cama.

- Sim.

- E como está lidando? – Desta vez fora a voz de Miroku que se pronunciou.

- Como acha?

- Feh, não é a toa que tem um psicólogo e psiquiatra na sua equipe. – O rapaz falou se levantando. – Quem sabe você não resolve os problemas que criou desde pequeno?

- Inuyasha! – Agora era a vez de Inuyasha ser socado, tanto por Kagome quanto por Miroku. – Desculpe, Sesshoumaru. – Kagome se levantou da cama. – Quer descansar até os exames, não é?

- Não. – Ele falou fechando os olhos. – Fiquem até o ultimo minuto.

Nenhum deles esperava aquela decisão do mais velho, mas voltaram para seus lugares e começaram uma conversa animada. Tentavam distrair o youkai, mas ele ficava calado, apenas observando a cena com um estranho brilho no olhar. Estava extremamente mal, só que eles aliviavam o peso. Suikotsu apareceu algumas horas depois, conversou com o grupo e falou que se um deles quisesse, poderia dormir lá. Miroku se prontificou a falar que dormiria lá e não aceitou não como resposta, assim que conseguiu, o médico pediu para que esperassem na sala do lado de fora enquanto levava Sesshoumaru para alguns exames.

Era apenas o segundo dia, mas percebeu que aquela psicóloga tinha razão: teria que aprender a sobreviver.


II

Sangô deu novamente um tapa na testa se Sesshoumaru, que estava surpreso com a atitude da mulher. Kagome tinha ligado para ela depois de ouvir todas as reclamações silenciosas de Sesshoumaru, ele tentava e tentava mexer o braço, mascarava a dor com rosnados. Não agüentando aquela tortura, a moça não agüentou e ligou para a fisioterapeuta, assim que teve tempo, as mulheres conversaram e agora ela estava ali. Batendo nele.

- Não quis ouvir Suikotsu ou se fez de surdo? – Estava irritada. – Não force esse braço enquanto estiver com os pontos, eu sei que passou um mês, mas seu braço estava literalmente por um fio.

- Mas se eu não tentar mexer, atrofia. – O homem respondeu no mesmo tom irritado.

- Pare de tentar ser uma criança mimada. – Ela o deu um tapa novamente. – Fazemos estimulação muscular todos os dias, estamos sempre checando para ver se a circulação esta normalizada.

- Eu. Quero. Mexer. O. Meu. Braço. – Sesshoumaru parecia explicar para uma criança.

- E eu quero ganhar na mega-sena, para isso sou paciente e espero a hora de jogar. Não se faça de estúpido, se continuar fazendo isso, vai realmente perder o braço.

- Ótimo, um braço inútil só me atrap- - Calou-se ao sentir um novo tapa.

- Vou falar com seu cirurgião amanhã e tentar apressar o processo, afinal, você é um youkai e se recupera mais rápido. Mas você tem que me ajudar, Sesshoumaru e parar com essas infantilidades. – Fechou o cenho. – Vou falar com Rin-san e obrigá-la a começar o processo terapêutico, quem sabe isso te dá paciência.

- Sa-Sangô-sama... – Kagome falou com um sorriso amarelo ao ver a testa vermelha de Sesshoumaru.

- Quando tirarmos os pontos do braço, ele vai receber alta, então não poderei ficar vigiando, você vai ser meus olhos fora desse hospital e, Kagome, se ele voltar a agir assim, me ligue imediatamente. – Pegou um papel e caneta, anotando algo rapidamente. – Ligue para Rin-san também. – Se voltou para o homem que permanecia sentado na cama. – Se atrapalhar meu sábado de novo, vou fazer mais do que simples e leves tapas.

A moça se virou e saiu. Todos haviam se afeiçoado com a fisioterapeuta, até mesmo Sesshoumaru, ela era dura e a única médica que o youkai escutava. Ela havia conquistado a confiança do grupo no ultimo mês, o que era bom, pelo menos uma aliada eles tinham naquela equipe. Kagome começou a brigar com Sesshoumaru, mas ele estava muito cansado para escutar, acabou adormecendo depois de um tempo. Ao menos os dias estavam passando mais rápido e Sesshoumaru conseguia desviar seus pensamentos do acidente, mesmo sendo quase impossível quando fixava seu olhar no braço ou na perna. No domingo, não quis visitas, queria ler um livro e dormir, mas os três apareceram.

- Vamos jogar cartas! – Miroku falou animado.

- O que podemos jogar? – Kagome ficou pensativa.

- Pôker! – O rapaz de olhos azuis falou prontamente.

- Houshi quer ficar pobre hoje? – Pela primeira vez no dia, Sesshoumaru se manifestava, arrancando um olhar sem graça do amigo.

- É hoje que eu ganho de você! – Inuyasha pulou e tirou as cartas das mãos de Houshi.

A tarde se passou animada, na medida do possível, mas Kagome logo se cansou do jogo e ficou lendo uma revista no quanto do quarto. O jogo apenas foi interrompido para comerem e quando a pequenina psicóloga entrou no quarto, Miroku já ia se aproximar para flertar com a mulher, mas estava do lado direito de Sesshoumaru e recebeu um soco do mesmo.

- Estou interrompendo?

- Não. – Porque era sempre ríspido com ela? – O que quer?

- Sangô-san me ligou ontem e contou o que você anda aprontando. – Sorriu. – Brinquem bastante hoje, pois amanhã começamos nosso processo. Te dei tempo demais para refletir e se auto-depreciar, agora está na hora da intervenção.

- Faça como quiser.

Uma sobrancelha de Rin ergueu-se, mas fez uma reverencia e se despediu de todos. Ao sair do quarto, Inuyasha a seguiu, puxou a psicóloga pelo braço, ele estava mais sério do que o normal. A largou quando ela se virou e sorriu para ele.

- Não ligue para ele. – Confidenciou. – Ele sofreu e errou muito, você vai precisar conquistar a confiança dele.

- Eu percebi...

- Mas não desista, ele tem medo de revelar tudo para alguém e nós só podemos fazer algumas coisas. – Ele a olhou profundamente. – Faça o que não podemos fazer.

- Farei o meu melhor, mas ele também tem que cooperar.

Inuyasha apenas concordou e se despediu. Voltou para o quarto, como se Sesshoumaru e o resto não tivessem ouvido a conversa. Jogaram até algumas enfermeiras reclamarem do barulho, afinal, ainda estavam no hospital e outros pacientes precisavam dormir. Seria a vez de Inuyasha dormir lá, mas o dia seria cheio e Sesshoumaru não quis, queria se preparar para o confronto com Rin. Se despediram quando o horário de visitas terminou, mas ele não conseguia dormir. Quando finalmente conseguiu, o sol já havia se levantado.

Dez horas da manhã em ponto Sekime Rin entrou no quarto, abriu as cortinas e as janelas, o que irritou profundamente o youkai que finalmente havia adormecido. Ela o concedeu um tempo para organizar as idéias, passar um tempo com os familiares antes de lhe impor a terapia. Iniciou a terapia depois que Sangô apareceu lá e brigou com o youkai, se ele estava fazendo aquilo era necessário intervir com a terapia. Era segunda-feira e estava na hora, quer ele quisesse quer não. Sesshoumaru se sentou na cama e tomou o suco com canudinho que a enfermeira havia trago.

- Pronto, Taishou-sama? – Rin perguntou ao se sentar na poltrona.

- Não tenho nada para conversar com você. – Sua voz saiu ríspida.

- Não te forçarei a conversar comigo, mas virei todas as segundas e quartas, ficarei sentada nesta poltrona por 50 minutos. Se quer ficar calado, é livre para isso.

Sesshoumaru não se dignou a responder. Os 50 minutos se passaram com os dois se encarando, Rin sorria serenamente e parecia não se importar com o silencio do homem. Já tivera casos piores, conseguiria lidar com o silencio dele e tudo o que ele pudesse lhe contar, isto é, se conseguisse ganhar a confiança dele. Ao fim da sessão, Rin simplesmente se levantou e fez uma reverencia.

- Até quarta-feira.

Agora que começaria as reais recuperações, mas estava realmente pronto para se recuperar e deixar todo aquele sofrimento para trás?

Dug my way out
Blood and fire

Conversou longamente com Suikotsu na terça-feira para discutirem sobre os pontos que estavam no braço e sobre os pinos na perna. Os arranhões e machucados menores já estavam bem melhores, mas estava ficando mais agoniado por apenas sair daquele quarto para exames de rotina. Segundo o médico, por Sesshoumaru ser um youkai, os pontos poderiam ser retirados na sexta-feira, mas a papelada de alta apenas estaria pronta na segunda-feira. Inuyasha estava no quarto prestando atenção na conversa.

- Mas, Taishou-sama, mesmo tendo recebido alta, terá que continuar com a terapia e seguir a risca a fisioterapia. Uma vez por mês terá que se encontrar com Mukotsu e marcaremos seus exames, a retirada dos pinos nas pernas está marcado para daqui a três meses, mas terá que se exercitar, acredito que Sangô-san te explicou tudo isso.

- Sim. – Concordou com a cabeça. – Mas não pretendo continuar com a terapia.

- Não existe discussão, Taishou-sama. – Suikotsu se levantou.

- Pode relaxar, doc. A gente força ele a ir, coloca ele no carro, leva e o tranca dentro da sala com Sekime-sama. – Sesshoumaru se revirou incomodado na cama enquanto Suikotsu ria.

- Acho que não se pode forçar alguém para fazer terapia, mas ao menos trazê-lo contra a vontade é permitido.

- Então pronto, Sesshoumaru. Toda segunda e quarta a gente te prende e... alias, se ele vai receber alta, a gente ainda traz ele pra fazer a terapia aqui?

- Acredito que Rin-san vai discutir isso com vocês, ou Sesshoumaru continua o processo no escritório que ela tem aqui no hospital ou no escritório particular que ela divide no centro. – O médico se encaminhou para a porta. – E você, Sesshoumaru, tem alguma duvida?

- Não. – O youkai estreitou os olhos, fazendo com que o médico desse um sorriso amarelado e saísse do quarto.

- Feh, vou comer alguma coisa na lanchonete. – Inuyasha saiu do quarto.

No mês que passou no hospital, Kagome organizou o funeral e enterro de Sara e Yume, mas Sesshoumaru não pode ir. Suikotsu estava pronto para assinar uma liberação, porém os amigos não permitiram que o youkai se levantasse. Sesshoumaru não queria admitir que ainda estava extremamente fraco e todos sabiam que não estava se alimentando direito. Queria ao menos ter se despedido da forma apropriada, mas seu pai falou que poderia ser pior. Alias, quando seu pai o visitou, tiveram uma longa conversa sobre tudo o que havia acontecido, Sesshoumaru o fez conhecer a equipe médica, mas o homem não quis dar sua opinião. Afinal, ele não era médico, então tinha que confiar naqueles que se especializaram e entendiam aquela área.

Mas desde que acordou, Sesshoumaru mais parecia uma criança teimosa, queria ir embora, tinha acessos de raiva. Mas apenas era rude com Rin, pois ela era a única que estava realmente preparada para ouvi-lo e ajudá-lo aonde mais doía. Era até por isso tentou prolongar aquela tarde com Inuyasha, mesmo com o irmão se irritando por qualquer comentário, talvez fosse por isso que o meio-youkai quis trocar de turno com Miroku. O homem acabou dormindo lá e tentando se aproveitar de todas as enfermeiras que apareciam. E quarta-feira chegou. Rin fez as mesmas coisas que segunda-feira, abriu as cortinas, as janelas, acordou os dois homens adormecidos.

- Bom dia Taishou-sama, Miroku-san. – Os cumprimentou alegremente.

- Ah, Rin-chan, é sempre bom te ver. – O moreno se levantou e pegou nas mãos da psicóloga.

- Sempre tão galanteador. – O sorriso de Rin aumentou.

- Quer que eu vá dar uma volta por 50 minutos?

- Não precisa. – Encarou Sesshoumaru. – Descobri que Taishou-sama tem se recusado a sair do quarto, apenas sai para os exames.

- O que pretende fazer? – Perguntou ríspido.

- Verá. – A resposta fora acompanhada de um sorriso travesso. Voltou para a porta e gritou docemente – Kouga-kun, Jinenji-kun!

Dois rapazes entraram no quarto. O primeiro era um youkai lobo que rapidamente ganhou a inimizade de Sesshoumaru, pelo simples fato de que era um youkai lobo. O rapaz tinha olhos maliciosamente azuis e encarava Rin com admiração, enquanto ela sorria sem-graça. O segundo era um grande meio-youkai, que mantinha um olhar sereno e ingênuo, para Sesshoumaru foi um tanto quanto indiferente.

- Taishou-sama, estes são os enfermeiros disponíveis no andar e eles vão te colocar nessa cadeira. – Mostrou uma cadeira de rodas. – Vamos dar uma volta pelo lado de fora.

- Não quero.

- Sua atitude infantil não vai funcionar comigo. – Ela manteve o sorriso enquanto Kouga e Jineji o colocavam na cadeira, mesmo sob protestos. – Miroku-san, se quiser ir à lanchonete comer alguma coisa ou visitar Sangô-chan, estará livre por 50 minutos.

- Sangô-chan! – O rapaz saiu rapidamente do quarto.

Rin os agradeceu e passou a empurrar a cadeira pelos corredores do hospital, Sesshoumaru se manteve calado por todo o percurso, a psicóloga o respeitou e não emitiu um som. Saíram para o lado de fora do hospital, era um dia quente e bonito, mas o olhar de Sesshoumaru se prendeu em um bar do outro lado da rua. Queria encher a cara no momento, talvez uma boa bebedeira o fizesse esquecer-se de tudo, baixou o rosto. Não se reconhecia mais.

- O bar...

- Hum… - Rin se sentou em um banco ao lado dele. – Geralmente os parentes e os médicos vão para esse bar para esquecer os pacientes do hospital.

- A bebida é mais eficaz que o seu trabalho, ao que aparenta. – Novamente o tom rude, não conseguia se controlar.

- Realmente, mas faz esquecer por quanto tempo? – A voz dela foi morrendo aos poucos, seguiu o olhar dela, ele viu um rapaz correndo para o hospital, ela se levantou. – Hakudoushi!

- Rin-chan! – Ele parou a corrida e sorriu. Agora, como Hakudoushi conhecia sua psicóloga?

- Esta fugindo de brigas de novo? – Ela perguntou com um olhar irritado.

- Poxa Rin-chan, até parece que eu sou esses delinqüentes... – Ela ergueu a sobrancelha. – Na verdade eu vim visitar o meu primo, ele sofreu um acidente e... Sesshoumaru?

Aquilo estava se tornando divertido, não para Rin, apenas para o youkai na cadeira de rodas. Hakudoushi se aproximou do primo, sorria de forma sacana.

- Não vim antes porque estava ocupado, mas tive uma folguinha hoje e vim te visitar.

- Ainda está trabalhando com Hachi? – Sesshoumaru perguntou, se divertindo quando Rin franziu o cenho e virar o rosto ao ouvir o nome daquele malandro.

- Nah, Rin falou que eu deveria encontrar um emprego de verdade. – Deu de ombros.

- Hakudoushi, - A psicóloga começou. – tem como esperar no quarto de Taishou-sama? – O rapaz começou a rir.

- Ta fazendo terapia, Sesshoumaru? – O youkai virou o rosto enquanto ouvia a risada.

- Contra a minha vontade. – Sussurrou como uma boa criança teimosa, Rin apenas estreitou os olhos para o recém-chegado.

- Antes que Rin comece a me bater, vou entrar. – Ele se aproximou da morena. – Desculpe.

- Não se preocupe. – Ela passou por ele e voltou a se sentar. – Eu ia te levar para outro lugar, mas acho que precisamos conversar sobre um assunto.

Hakudoushi se foi, deixando Rin e Sesshoumaru naquele estranho ambiente. O youkai percebeu que a moça estava extremamente irritada, poderia ele se arriscar e perguntar? Ela suspirou e baixou à cabeça, a terapia podia estar arruinada agora... Como seu namorado podia ser primo de Sesshoumaru? Agora que estava completamente interessada no caso, mas... bem, podia fazer o mesmo acordo que fizera com os outros, não é? Mas e se no processo Sesshoumaru revelasse coisas que Hakudoushi não tinha lhe falado? Aquilo seria extremamente perigoso e, de certa forma, anti-ético.

- Como conhece meu primo? – A jovem levantou o rosto para ele e sorriu sem-graça.

- Taishou-sama essa é uma situação completamente inesperada, se quiser requisitar outra psicóloga o senhor é livre para fazê-lo. –O sorriso murchou, tinha que fazer a coisa certa. – Eu e seu primo já estamos juntos há um tempo e, por ele ser da sua família, é fortemente recomendado que procure outro profissional.

- Não. – Ela o encarou surpresa. – Quero continuar esse processo com você.

Havia ganhado a confiança dele, mas como? Ele conseguiu ler os pensamentos dela.

- Sara me falava que se o psicólogo não revela certas coisas ao paciente, ele pode ser processado. – Sorriu fracamente. – Ela era uma boa advogada e conseguia ler as pessoas como ninguém, eu o fazia – faço – também e ler você é fácil. Consegui ver que estava em duvida se falava alguma coisa ou não, mas acabou por falar, aprecio isso.

- Entendo.

Não falaram mais nada pelo resto da sessão, Rin o levou de volta para o quarto e conversou com Hakudoushi, explicando a situação e fazendo com que o namorado prometesse nunca contar nada de Sesshoumaru. Ela nunca contava nada dos pacientes então não precisava ouvir nada de terceiros. Deixou os três amigos para trás, agora que ganhou a confiança dele, o que descobriria? O sorriso que mantinha nos lábios se fez aumentar, era a primeira vez que ele falava diretamente de Sara e a primeira vez que havia aberto um sorriso.


III

-Está doendo? – Sangô perguntou enquanto movimentava a perna direita dele.

- Já disse que não. – Respondeu indiferente.

Estavam em uma das salas de recuperação da fisioterapia. Assim que ganhou alguma força, começou a fisioterapia com Sangô, mas apenas para fortalecer a perna que estava cheia de pinos. E doía, pinicava, era extremamente incomodo, mas já havia se desviado muito de sua personalidade naquele mês. Precisava erguer novamente sua barreira de indiferença e não se mostrar mais fraco, mas ainda se torturava. Com todas as atividades impostas por Suikotsu e Sangô, havia se tornado mais fácil desviar seus pensamentos do acidente e de suas perdas, mas aquilo ainda doía. Sangô beliscou sua perna.

- Pare de sonhar. – Ela sorriu ao ver o olhar assassino que Sesshoumaru lançou a ela.

- Próxima vez que fizer isso, vou chutar sua mão. – Rosnou.

- Se tiver força para isso. – Sangô riu ao ver o olhar dele se estreitando mais. – E não tente mais me enganar, se ficar se esforçando tanto e isso te machucar vai ser pior, tem que saber seus limites. Agora vamos continuar.

Sesshoumaru continuou com os exercícios, sendo amparado por Sangô. Por mais que tentasse controlar aquele gênio impulsivo, às vezes não conseguia, culpava a batida na cabeça. Era tudo culpa daquele acidente, tudo. A fisioterapeuta soltou sua perna no colchão, o observou longamente, ele não estava conseguindo reprimir todos aqueles sentimentos. Sentiu-se envergonhado pela mulher perceber tudo aquilo.

- Use esses sentimentos como motivação. A raiva para se esforçar, a tristeza para saber descansar, se esconder tudo isso não vai valer a pena. – A voz dela era calma. – Bom, nos vemos na sexta-feira então, certo?

Não respondeu, apenas deixou-a ajudar a se sentar na maca. Aquilo era tão estranho, Sangô não ganhou apenas a confiança de Sesshoumaru, mas ganhou a amizade de todos os seus parentes e amigos, principalmente de Miroku. O youkai até mesmo se sentia confortável em conversar com ela sobre as duas sessões de terapia que havia feito. A morena chamou dois enfermeiros que o colocaram na cadeira de rodas, mas os dispensou, falando que preferia levá-lo de volta para o quarto.

O caminho fora silencioso, Sesshoumaru refletia sobre as palavras da morena, se perguntava por que ela não havia se formado em psicologia. Entraram no elevador e apertaram o terceiro andar, mas acabaram parando no quarto andar para alguns médicos entrarem, bem ao fundo, viu uma moça baixa correndo com uma criança com a cabeça raspada. Ambas usavam fantasias de super-heróis e corriam como se não estivessem em um hospital, gritavam também. Ao levantar o rosto para Sangô, ela apenas ria. A porta se fechou e finalmente desceram no terceiro andar.

- Quem era aquela mulher? – Estava mais calmo do que na sessão. – Nem parece que estão perto de gente doente.

- Era Rin. – Sangô riu da expressão dele. – Ela é a principal psicóloga da ala de oncologia infantil deste hospital, até me surpreendi quando ela foi direcionada para o seu caso.

- E porque elas estavam correndo e fantasiadas?

- Psicoterapia com crianças é um processo bem diferente, mas eficaz da mesma forma. – Entraram no quarto. – Houshi-sama, voltou do lanche?

- Rin-san falou que só ia demorar 50 minutos, mas fiquei uma hora lá na lanchonete. Quando voltei, ele não estava aqui ainda.

- O levei logo depois que voltou. Bom, me ajuda a colocar ele na cama? Quando ia chamar o Kouga ele brigou comigo.

- Que coisa mais feia, Sesshoumaru. Brigando até com os enfermeiros? – A porta do banheiro se abriu e Hakudoushi saiu.

- Quando voltou? – Miroku estava surpreso e quase deixou Sesshoumaru cair.

- Não sai de Tokyo nos últimos tempos. Agora deixe que eu ajude a Matsuo-sama. – Hakudoushi o empurrou e colocou o primo na cama.

- Mais um para a bagunça? – A fisioterapeuta estava divertida com a cena.

- Estou cercado de idiotas. – Sesshoumaru sussurrou enquanto tomava um suco de canudinho.

Estreitou os olhos ao ver os três rindo da cara dele. Sangô tentava segurar o riso e ficava repetindo o quão fofo aquela cena era, já Hakudoushi e Miroku riam abertamente, pois o lord Sesshoumaru que conheceram em outra época nunca estaria parecendo com a criança mimada que acabava de ganhar seu suco favorito. A morena deu uma desculpa para sair e Sesshoumaru apenas ouviu as gargalhadas dela ecoando pelos corredores. Emburrado, continuou tomando seu suco.

Enquanto os dois homens conversavam sobre Hachi, aquele homem suspeito, mas que era velho amigo de Miroku e Hakudoushi, olhou para o sol que brilhava do lado de fora. Tinha escolhido a coisa certa quando quis continuar a terapia com Rin? Afinal, ela ficava brincando com crian- Oh, ela era melhor do que ele imaginava. Era por isso que sorria tanto, por isso estava desinibida quando entrou no quarto pela primeira vez.

Fechou os olhos e se ajeitou na cama, estava desconfortável com seus pensamentos, mas continuou sua reflexão. Sekime Rin lidava com a morte de seus pacientes todos os dias, com a morte de várias crianças com que havia se afeiçoado, ainda tinha que ajudar os pais destas mesmas crianças. Era exatamente por isso que ela tinha o sorriso sincero quando entrou em seu quarto, seria um dos primeiros pacientes que não veria morrer. A confiança que ela havia conquistado naquela manhã estava se tornando em uma pequena afeição.

- No que está pensando, Sesshoumaru? – O primo se virou para ele enquanto impedia Miroku de roubar o controle de suas mãos.

- Em Rin... – Disse sem nem mesmo pensar.

- Pô, ela é minha, okay? – Hakudoushi socou o amigo que avançava contra ele.

- Não estou pensando nesse sentido. – Sesshoumaru sorriu e atiçou o rapaz. – Se bem que ela é bonitinha...

Miroku gelou e chamou os enfermeiros do andar para segurar Hakudoushi, que tentava avançar para bater no primo enfermo. Era de conhecimento de todos os médicos e enfermeiros: aquele quarto estava sempre muito agitado...

Bad decisions
That's alright
Welcome to my silly life

Miroku gargalhava quando os enfermeiros confundiram Hakudoushi com um paciente da ala psiquiátrica e o sedaram, Sesshoumaru apenas sorria diante da imagem, mas ainda não conseguia rir. Nunca fora muito de sorrir e rir, mas o fazia em momentos engraçados e, mesmo que aquela fosse uma situação hilária, ele não conseguia. As sombras de sua esposa e filha ainda estavam a sua frente, conseguiu sorrir, mas talvez aquele fosse o máximo que conseguisse naquela nova vida. Sobreviveria depois do trágico acidente, mas só e tinha que agradecer por ter a possibilidade de receber uma terceira chance. Talvez tivesse feito algo de errado durante seu tempo casado ou até mesmo como pai, poderia não ter se esforçado o bastante, ou não ter sido bom o bastante e por isso recebeu aquela punição, que era apenas uma mascara para a sua verdadeira salvação.

Era estranho e irreal pensar daquela forma, mas Sara o salvou de si mesmo, foi quem o deu uma segunda chance. Ela o ajudou e curou as feridas que ele não sabia que existia, ela passou por sobre o gênio forte e conquistou o inútil coração dele. Havia batalhado por aquela mulher, lutado contra seus próprios demônios apenas para vê-la sorrindo e mesmo quando conseguiu fazê-la sorrir, se empenhou ainda mais para manter aquele sorriso. Abandonou aquele passado, do qual ela não se atrevia perguntar, e se tornou um novo homem, mas ainda tinha suas faltas e seus defeitos, por isso recolheu uma força sobre-humana para se regenerar de tudo aquilo e foi quando Yume nasceu. Uma meio-youkai, depois de todos aqueles anos implicando com Inuyasha ele tinha uma criança que pisava entre os dois mundos a qual chamava de filha, a qual amou imensamente, que fazia parte do homem que ele queria se tornar. Todo o empenho usado, toda a força, todos os sorrisos de Sara e Yume não foram o suficiente para inocentá-lo de seus crimes? Precisava realmente perder tudo e começar do zero?

Sentiu dor no braço esquerdo, era realmente a primeira vez que sentia o braço em todo aquele tempo, não era um peso morto como pensava. Ao abrir os olhos para encarar aquele fardo cheio de cicatrizes e pontos, notou a confusão que ignorou por vários minutos. Hakudoushi, mesmo sedado, se segurava em seu braço para impedir que os enfermeiros o levassem para a ala psiquiátrica.

- Pelos deuses... – Sussurrou e levantou o olhar para o primo, que gritava que não era louco. – Miroku, ligue para Rin e mande ela vir imediatamente para cá.

- Rin-chan esta atendendo agora... – Gemeu Kouga, que tentava puxar o homem.

- Não me importo. – Com a mão direita segurou Hakudoushi. – Se ela atestar que esse homem não é louco, vocês serão obrigados a solta-lo.

Ao ouvir a ordem, Miroku correu para o corredor e ligou para o celular de Rin. Os gritos podiam ser ouvidos ao longo do corredor, o que assustava alguns dos pacientes, outros já estavam acostumados com a bagunça que aquele quarto fazia. Os segundos que se passaram pareciam torturar o rapaz de olhos azuis, mesmo admitindo que quando tudo acabasse, iria rir como um louco.

- Ah, Rin-san! Está muito ocupada agora? – Miroku falou rápido quando percebeu que alguém tinha atendido.

- Vou tomar um lanche agora, acabei de sair de uma sessão... – Suspirou cansada.

- Tem como a senhorita descer? – Ela não sabia se o tom dele era aflito ou divertido.

- O que aconteceu, Miroku-san?

- Er... bem... acabaram de sedar Hakudoushi e estão tentando levá-lo para a ala psiquiátrica, mas acho que o sedativo não fez efeito ainda, pois ele está se segurando, feito um lunático, ao braço de Sesshoumaru e... – A ligação fora finalizada.

Ninguém imaginava aquele desfecho. A cena continuava igual, Kouga e Jinenji puxavam Hakudoushi pelos pés, o mesmo se agarrava ao braço esquerdo de Sesshoumaru, enquanto o youkai – e agora Miroku – o segurava pelos ombros, até que chegou uma super-heroína. Realmente, havia acabado uma sessão e não tivera tempo de se trocar para resolver a situação, por isso estava um pouco descabelada e suada.

- Soltem esse homem imediatamente! – Ela até soava como um herói.

Todos a olharam dos pés a cabeça e uma nova onda de gargalhadas ecoou pelo quarto. A mulher baixou a cabeça sem graça, estava vermelha e com um sorriso tremulo, Sesshoumaru era o único que não ria e também era o único que a achou bonitinha naqueles estranhos trajes. Kouga e Jinenji soltaram o rapaz, saíram para o corredor rindo, ao mesmo tempo o youkai e Miroku também soltaram Hakudoushi, que caiu no chão ainda rindo. O rapaz de olhos azuis se aproximou e a abraçou pelos ombros.

- Rin-chan esta parecendo uma criança. – Mas seus dedos saíram do ombro e partiram para uma área macia.

- Não me chame assim!

- Não toque nela assim! – Em perfeita sincronia, Rin e Hakudoushi o socaram, deixando Miroku cair no chão. – Mas ele tem razão em uma coisa, você realmente parece uma criança que acabou de voltar de uma festa a fantasia...

Rin também o socou e, com sorte, os sedativos deram efeito e o rapaz apagou, agora ela realmente se sentia envergonhada. Aquela situação... e ainda na frente de um de seus pacientes? Tentando ignorar o olhar de Sesshoumaru, arrastou o namorado e o deitou na poltrona, o observou por alguns segundos e meneou a cabeça, se voltando para o youkai.

- Me perdoe. – Fez uma reverencia.

- Não se preocupe, você fez bem. – Ele sorriu imperceptivelmente.

- Bom, descanse agora. – Ela sorriu também. – Tem que estar descansado e com energia para retirar os pontos na sexta-feira. – E sem esperar respostas, ela se foi.

Pelo resto daquele estranho dia, ficou jogando cartas com Miroku, até que o outro youkai acordasse e se juntasse a eles. No inicio da noite Inuyasha e Kagome se reuniram com o grupo, queriam saber se Miroku havia se comportado durante o dia e riram quando souberam que o maior incidente do dia fora causado por Hakudoushi, mas ninguém lhes disse o motivo para o estranho surto. Se despediram no fim do horário de visitas, quando se iniciou uma nova discussão de quem iria dormir lá, mas Hakudoushi havia ganhado. Sesshoumaru acabou jantando sozinho, pois o primo fora avisar a namorada sobre a situação, se ajeitou na cama e cerrou os olhos.

Tudo estava silencioso, era quase como um sonhos, talvez fosse realmente um sonho. O quarto estava inundado por escuridão e Hakudoushi ainda não havia voltado, o rapaz havia pedido para dormir ali naquela noite, afinal, não havia visitado o enfermo por um mês, o mínimo que podia fazer era pegar um dos turnos. Mas ele havia saído para conversar com Rin fazia meia hora, ou queria fazer Sesshoumaru pensar que estava nervoso – ainda – pelo comentário feito mais cedo? Não, Hakudoushi não era tão estúpido como os outros, não era a toa que além de serem primos, mantinham uma amizade invejável. Ouviu passos no corredor e sussurros, percebeu claramente a voz do primo e de sua psicóloga, ela parecia claramente chateada com alguma coisa.

- Pare com isso. – Sesshoumaru percebeu que ela estava quase chorando. – Ela era uma paciente muito querida, mas eu vou conseguir dormir bem, fique aqui com Taishou-sama.

- Rin, eu sei como você fica quando perde um de seus pacientes, deixe eu te ajudar... – Nunca havia ouvido aquele tom carinhoso e preocupado de Hakudoushi.

- Ele é seu primo, esteve internado neste hospital por um mês e você não veio visitá-lo. – A irritação tomou posse da voz dela. – Seja homem e enfrente essa situação, é difícil, mas imagine como é difícil para ele. O que Sesshoumaru mais precisa nesse momento é do apoio daqueles que considera sua família, se você realmente gosta tanto dele como diz, apenas fique. Durma na poltrona, tome um café-da-manhã, converse sobre alguma coisa e vá para o trabalho, mas o ajude.

Sesshoumaru fechou os olhos por um momento, o silencio voltou a inundar tudo. Ela tinha perdido um paciente naquele dia? E ainda estava brincando com uma criança pelos corredores? Se apenas tivesse ouvido isso de terceiros, acreditaria que médicos e derivados são seres realmente sem coração, mas aquele tom de voz... era incrivelmente triste. Mas ela ainda mostrava sua força, enquanto Hakudoushi, aquele delinqüente juvenil que se tornou trapaceiro e, agora, era um homem direito, estava com medo por ele. Por Sesshoumaru. Não ouviu o resto da conversa, pela primeira vez em todo aquele tempo, dormiu rapidamente. Um sono sem sonhos.


IV

Sexta-feira chegou rapidamente, iria tirar os pontos no fim do dia e dormir logo em seguida. Havia conseguido regular seu organismo, estava comendo direito (mesmo que Inuyasha acabasse por roubar suas refeições quando ia visitá-lo), conseguia dormir bem e nada o torturava em seus sonhos. Com essas pequenas conquistas, estava finalmente domando todas aquelas emoções que, até aquele acidente, nem se lembrava que tinha. Além de domar os sentimentos, estava os direcionando na sessão de fisioterapia daquela manhã. Sangô parecia impressionada que apenas duas boas noites de sono fizeram com o youkai.

- Não vai mesmo me falar o que foi aquela bagunça de quarta? – A mulher perguntou enquanto observava o youkai movendo a perna.

- Uma besteira qualquer... – Não queria conversar enquanto se esforçava daquela maneira.

- Uma besteira que acabou sedando seu primo e deixando Rin furiosa? – Ela riu. – Foi uma besteira e tanto... – Ele revirou os olhos.

- Se quer mesmo saber, eu fiz qualquer comentário sobre Sekime e Hakudoushi teve um ataque de ciúmes e tentou me atacar. – Abaixou a perna. – Apenas uma besteira qualquer.

Sangô ficou pensativa por longos minutos, apenas se pronunciou para chamar os enfermeiros que o colocaram na cadeira de rodas. Podia ter pedido para um deles levar Sesshoumaru de volta para o quarto, mas estava com um tempo livre. O empurrou pelos corredores e, ao invés de descerem para o terceiro andar, foram para o térreo, desta vez Sesshoumaru não teve a imagem de Rin brincando com alguma criança.

- Conheceu o jardim que tem no hospital? – Ela finalmente voltou a falar. – Não é bem do hospital, mas na parte de trás, atravessando a rua, tem um belo jardim. Pacientes são autorizados a ir lá, mas não ficar muito tempo e são apenas pacientes que estão prontos para receberem alta.

- Eu sei. – Sesshoumaru respondeu meditativo. – Kagome me contou sobre esse lugar.

Rin havia mencionado que iria levá-lo para outro lugar, mas pela inesperada aparição de Hakudoushi, ela decidiu que seria melhor terem aquela conversa o mais rápida possível e Sesshoumaru não expressou a curiosidade de visitar o lugar que ela tinha planejado. Kagome também havia visitado o jardim, ouviu duas senhoras conversando, nos corredores, sobre o mesmo e decidiu investigar, mesmo sendo dentro da cidade, era um local bonito e silencioso. Mas porque Sangô estava o levando ali?

Atravessaram a rua e viu um campo florido, com algumas arvores cheias, realmente era um lugar bonito, apenas não entendia o porque havia tão poucos pacientes ali. Levantou o rosto para o céu muito azul e, pela posição do sol, constatou que era perto do meio-dia, os pacientes e familiares deveriam estar almoçando ou fazendo algum exame. Fechou os olhos e respirou aquele ar purificante, e pelos minutos que passou no silencio, é como se nada tivesse realmente acontecido. Quase conseguia ouvir a risada de Yume, quase conseguia sentir Sara sentada ao seu lado, sendo envolvida pelos seus braços, por um instante, era como se nada tivesse mudado. Mas abriu os olhos. A cadeira parou em frente a um banco de madeira e Sangô se sentou lá, parecia mais pensativa que o normal. Queria acordar daquele pesadelo, no qual tinha como amiga uma médica que mal conhecia e que não tinha sua família.

- Aqui é um bom lugar para esquecer das coisas, não é? – A voz dela saiu em um quase sussurro, era um timbre macio.

- Sim. – Sesshoumaru fechou os olhos novamente e quase conseguia sentir o cheiro dos cabelos de Sara. – Mas assim que lembramos as coisas parecem um pouco piores.

- O que acha de Rin-san? – A pergunta foi uma surpresa desconfortável para o youkai.

- Ainda não formei uma opinião. Por que?

- Eu conheci a Rin quando ela começou a trabalhar aqui. Isso já faz uns 4 anos, nos tornamos boa colegas e amigas muito próximas, não conhecíamos ninguém na cidade e acabamos nos aproximando ainda mais. – Sorriu calmamente diante do olhar interrogador de Sesshoumaru. – Ela me contava coisas teóricas e praticas da psicologia e eu falava sobre a fisioterapia, sempre trocamos muitas informações sobre a área, mas nunca sobre nossos pacientes.

- O que isso tem a ver comigo? - Estava impaciente.

- Existe um fenômeno que ocorre entre paciente e analista: transferência e contratransferência. Se a transferência é positiva, o paciente acaba por confiar e criar um afeto pelo psicólogo, o que melhora a relação entre os dois e a terapia em si também melhora. Quando a transferência é negativa, o paciente acaba por se impedir, digamos assim, de falar sobre certos assuntos, esconde algumas coisas e a terapia meio que afunda.

- O que isso tem a ver com tudo?

- Eu sei que os comentários com Hakudoushi foram apenas para tirá-lo do sério, mas a transferência já começou, você confia nela, não é?

- Sim.

- Bom, eu não deveria revelar informações da sua psicóloga, mas ela tem um motivo para trabalhar especialmente com crianças. – Sango suspirou. – Ela tinha um paciente, e a terapia corria perfeitamente bem, mas a transferência positiva, ao invés de apenas criar um carinho, ou um respeito do paciente com a psicóloga – neste caso: Rin -, esse afeto virou em uma paixão platônica. Rin viveu um inferno por causa disso. Se perguntar para Hakudoushi, ele com toda a certeza vai saber do que se trata.

- Sangô, pare de enrolar.

- Tome cuidado. – Falou simplesmente. – Eu sei que vai rir da minha cara agora e que apenas está fazendo a terapia de forma forçada, mas tome cuidado. Você está frágil e se recuperando no momento e Rin vai ser a pessoa que vai te ajudar com as piores feridas, não confunda essa confiança e respeito que tem, ou terá, com algo a mais.

Sesshoumaru não riu, nem mesmo sorriu. Sim, podia existir esse fenômeno dentro da terapia, o que fosse, seus pensamentos pertencia apenas a sua esposa e filha, aquilo não mudaria. Porém Sangô tinha certa razão em preveni-lo, ela não o conhecia, não conhecia sua história e como ele realmente funcionava, ela não sabia o quão difícil foi ele se apaixonar por Sara, uma simples psicóloga estava ali para ouvi-lo, apenas aquilo. E, mesmo que o impossível acontecesse, se ele percebesse qualquer coisa a mais, era apenas pedir uma indicação e fazer terapia com outra pessoa, aquele não era um bicho de sete cabeças. Outra coisa, como se apaixonar por uma pessoa que nem mesmo se conhece? Que apenas o escuta? Como se apaixonar por uma pessoa quando não se existe a troca?

Sangô tinha outros afazeres, mas Sesshoumaru quis permanecer ali. Pediu para que se ela visse qualquer um de seus amigos, para que os avisasse, se não encontrasse ninguém era para mandar algum enfermeiro buscá-lo para retirar os pontos. A mulher concordou e se afastou lentamente, deixando o youkai encarando o céu, pela ultima vez, fechou os olhos. Queria a ilusão, queria quase ouvir Yume e queria quase tocar em Sara.

Mistreated, misplaced, missunderstood
Miss know it, it's all good
It didn't slow me down

Apenas às 5 horas da tarde Hakudoushi fora buscá-lo, o primo estava pensativo, mas Sesshoumaru nada perguntou, não era um problema dele e não queria lidar com aquilo agora, tinha muitos problemas para resolver. O homem contou que saiu mais cedo do trabalho para visitá-lo e que dormiria lá novamente. Desde que havia escutado a conversa de Hakudoushi com Rin, Sesshoumaru não queria causar mal-estar no primo, porém o mesmo dormiu lá na quarta e na quinta... não deveria se forçar a dormir ali novamente, porém não discutiu. Se ele havia decidido, Sesshoumaru não discutiria, apenas seguiria com a maré.

Ao chegarem no quarto, Suikotsu estava ao lado de uma mulher, por pouco não a confundiu com Kagome. Ela era pálida e de longos cabelos negros, os olhos eram impassíveis e frios, mas pareciam piedosos, era bem mais séria que sua amiga de infância e com olhos castanhos, tão diferentes dos olhos azuis e sinceros de Kagome.

- Gostou do passeio, Taishou-sama? – Suikotsu perguntou com um sorriso fino nos lábios.

- Consegui pensar. – Sua voz era indiferente, tudo estava voltando.

- Bom, esta é Sugawara Kikyou, ela é uma interna que está designada para os meus serviços nesta semana. Se não se importar, ela vai retirar os pontos.

- Faça como quiser.

Sesshoumaru podia se levantar, mas não forçar muito a perna, ainda doía. Sem precisar de ajuda, se levantou e sentou na cama rapidamente, sua agilidade parecia voltar junto com seu auto-controle. Kikyou colocou um banco e uma bandeja de instrumentos ao lado esquerdo de Sesshoumaru, Suikotsu nem parecia prestar atenção no que ela fazia, mas ao perceber a habilidade dela, não se preocupou muito. Diferente daquele olhar frio e da inexperiência de ser apenas uma interna, suas mão eram macias e rápidas, certeiras. Hakudoushi estava sentado na poltrona, lendo uma revista qualquer, parecia ignorar o que ocorria à sua volta, era a melhor forma do youkai lidar com tudo aquilo.

Não ouve dor, não ouve sensação alguma, os pontos foram tirados rapidamente, porém Kikyou acreditou ser melhor colocar uma bandagem, para o caso de sangramento. Suikotsu apenas concordou com a cabeça, o silencio naquele quarto estava dando nos nervos de Sesshoumaru. Havia se acostumado com a bagunça feita por seus amigos, não aquela seriedade de uma simplória interna, mas quando ela acabou de fazer o curativo, o casal de médicos saiu, fazendo o youkai suspirar de alivio. Abriu um fino sorriso.

- Tudo pronto?

- Sim. – O sorriso não se fora.

- Afinal de contas, por que ta sorrindo?

- Sabe quando a gente assiste aqueles seriados médicos e tem médico se apaixonando por internas, ou enfermeiros se encontrando em quartos e coisas do tipo?

- Sei. – Hakudoushi parecia incerto sobre o que o mais velho poderia falar.

- Não é só em seriados. – Olhou para a porta momentaneamente. – Eu escuto as enfermeiras fofocando e esse hospital está cheio de histórias.

- Me conta tudo. – Hakudoushi se sentou perto da cama, Sesshoumaru nunca o tomaria por um rapaz que gostasse de fofocas.

Não queria o silencio incomodo e sabia o quão Hakudoushi odiava hospitais, odiava vê-lo fraco daquela forma. Até aquele momento não teve que lidar diretamente com aquilo, mas como Inuyasha, Kagome e Miroku estavam longe, porque não? Ao menos não ficariam naquele silencio desconfortável até alguém chegar, baixou a cabeça. Sempre foram bons, grandes, amigos... como um acidente podia mudar tanto?

- Ao que eu sei, Sugawara Kikyiou é a melhor interna de sua turma, mas está tendo um caso com Suikotsu e com um cirurgião ao mesmo tempo. – Tentava se lembrar de todos os fatos. – Mas acabou engravidando de um e não sabendo quem era o pai – e até por não gostar de crianças – acabou 'perdendo' o filho, aparentemente os dois médicos não sabem.

- Que vadiazinha...

- Bom, uma das enfermeiras deste andar é apaixonada por Kouga, mas ele é apaixonado por outra pessoa e não dá atenção para a enfermeira, mas eles geralmente se encontram em algum quarto vazio.

- E por quem Kouga esta apaixonado? – Hakudoushi parecia aquelas senhoras que lêem revistas de fofocas.

- Ah, não importa agora. – Não podia contar para o primo que Kouga tentava investir em Rin, não é? – Tem até mesmo uma fofoca sobre Sangô!

- Sério? – Aquilo pareceu desviar os pensamentos de Hakudoushi.

- Sim, mas a dela é mais complicada.

- Conta assim mesmo!

- Bom, tem um médico chamado Takeda, ele é um anestesista. Bom, Takeda e Sangô-san acabaram se apaixonando e ele a pediu em casamento, ela aceitou e começou a fazer preparativos, até que descobriu que ele já era casado e a estava enganando. Bem, Takeda era casado com uma cabelereira que trabalha do outro lado da rua, uma tal de Yura, que ficou posessa com toda essa história e tentou avançar em Sangô, mas alguns enfermeiros esconderam Sangô-san.

- E eles ainda trabalham juntos?

- Não, essa caso foi levado para o diretor do hospital. O anestesista foi transferido para um outro hospital e Sangô-san continuou aqui, Yura desapareceu. Takeda fala que se separou da esposa e vive atrás de Sangô.

Hakudoushi parecia extasiado com tantas fofocas. Sesshoumaru deu todas as informações que tinha para o primo, apenas não revelou nada de Rin, ela era uma das únicas naquele hospital que ninguém mencionava, apenas era citada nas historias de Kouga. Porém nunca fez nada de errado, nunca havia se envolvido com nenhum funcionário e não era culpada por um enfermeiro que estava apaixonado. Ficaram por horas conversando e, quando Hakudoushi adormeceu, Sesshoumaru abriu um sorriso. O primo era realmente um rapaz de sorte, todas as loucuras que fizeram juntos ele estava redimindo com uma mulher como Rin, pela primeira vez, teve inveja do primo.

Não podia pensar daquela forma, ele teve Sara e tentou ao Maximo se redimir, mas talvez não tenha sido o bastante. Quem sabe Hakudoushi conseguisse? Talvez o primo não precisasse passar por tudo o que estava passando. Olhou para a janela e viu um céu sem nuvens, com a luz da lua brilhando, mas desviou o olhar ao ouvir passos e alguém entrando no quarto.

- Te acordei, Taishou-sama? – A mulher sussurrava.

- Não, Rin. – Seu tom era igualmente baixo.

- Hakudoushi vai dormir aqui de novo, certo? – O sorriso dela era mais calmante agora que a conhecia melhor.

- Sim.

- Ele tem se comportado?

- Acredito que ainda não consiga lidar com essa situação ainda, mas está fazendo o melhor que pode. – O sorriso dela aumentou, agora percebia o porque pacientes podiam se apaixonar por aquela mulher.

- Então já vou. Nos vemos na segunda, antes de ir para casa, tudo bem?

- Estarei acordado.

- Mas vai estar preparado?

- Mesmo que não esteja, esta na hora.

- Que bom que percebeu. Boa noite, Taishou-sama.

- Me chame de Sesshoumaru, é melhor.

- Como quiser. – Os olhos dela brilharam.

- Boa noite, Rin.

- Boa noite, Sesshoumaru.

Pacientes poderiam se apaixonar por ela facilmente, mas não Sesshoumaru, não depois de ter perdido o que perdeu, não ela sendo namorada de Hakudoushi. Porém, não negava o fato de que conhecê-la, confiar nela, aliviava um pouco o peso de tudo. Sentia-se da mesma forma em relação a Sangô, foi quando se lembrou.

- Rin, antes de ir, me responda uma coisa. Miroku conseguiu? – Ela abriu um doce sorriso.

- Conseguiu. – Sussurrou e se foi.

Agora entendia porque Miroku e Sangô não passaram em seu quarto pelo resto do dia, a fisioterapeuta provavelmente não queria revelar que havia concordado em sair com Houshi Miroku. Realmente, aquele hospital era cheio de relações complexas. Agora estava tudo bem, era hora de dormir e encontrar Sara e Yume e esquecer os problemas alheios. Muita coisa tinha acontecido naquele tempo e mesmo desviando seus pensamentos, nos raros sonhos que tinha encontrava seus entes amados. Era o bastante por enquanto.


Galera, era pra ser uma songfic curtinha e talz, mas comecei a escrever loucamente e começou a ficar muito longa. Pra não ficar cansativa, dividi em algumas partes, se não me engano são 20 partes. Então está e a primeira parte até a quarta parte.

Esse é meu presente de agradecimento para a Debs-chan, mas quero agradecer a todos os leitores que visitam minhas histórias, aos que comentam e aos que não comentam. Muito obrigada!