Love-Lost Elegy

Prólogo - Antes do início.

Por um certo ângulo, uma vez pensei, que o mais infeliz seria aquele que sentia a desgraça em sua própria carne; porém, creio agora eu, que o tal desafortunado seria o que se propõe a suportar o "fardo", seja lá qual for a motivação que o levou a isso.

No meu caso é o atual relacionamento que tenho com um sujeito (para dizer no mínimo) peculiar: Feliciano Vargas.

Porque quem começa dando as cartas sempre começa na vantagem, e quem as recebe tende a ficar preso as suas regras. Seria fácil demais dizer que eu era uma vítima, quando tinha um histórico que me condenava. Sim, eu deveria estar pagando pelos meus pecados da juventude, só podia ser.

Aquele sábado tivera um acontecimento de fato confuso, pelo menos para mim ao primeiro momento, para depois acertar-me de forma a destruir o aparente equilíbrio de minha pessoa até então.

Meu nome é Arthur. Sou mais conhecido pelo meu cargo de professor, ensino história e inglês em uma universidade federal (e só tinha 23 anos! Olha como eu estava no lucro!), e há um ano procurava uma pessoa desesperadamente... mas, claro, tentava não demonstrar meu estado de espírito a ninguém.

O dia que procuro relatar se iniciou gelado, como vinha se apresentando São Paulo (Estado) de uns tempos para cá; Acordei sentindo um aroma forte de café e, imediatamente, fiz uma careta de desgosto. Preferia um bom chá, mas deveria me arrumar logo para sair – tinha que entregar uns papéis para meu amigo/colega de trabalho Afonso, então era melhor aceitar o que tinha.

Fui ao banheiro, lavei o rosto, e vi como a minha cara estava horrível. Bem, olheiras não eram novidade para mim (desde que me tornei professor); embora a causa nos últimos meses tivesse sido diferente, não liguei muito.

- Bom dia, Arthur-san - Kiku me cumprimentou, assim que sentiu uma presença "a mais" na cozinha.

- Bom dia. É raro você fazer café - para não dizer que nunca o tinha visto fazer, ele também era do "time" do chá.

Uma leve aura de irritação, quase imperceptível, se formou ao redor do meu colega de apartamento.

- Ah... isso... digamos que é uma "motivação a mais" pro dia...

- Problemas com o novo trabalho? - manipulei a xícara da forma como manda a etiqueta, bebendo seu conteúdo calmamente.

- Têm uma pessoa que está dando mais trabalho... - ele estalou a lingua, um sinal claro seu de irritação.

Fiquei imaginando, como seria essa pessoa que poderia causar essa reação nele (além do Yao)...

- Ah, Kiku. Você irá na festa?

- Farei o possível para estar lá - falou como se a "aura de irritação" nunca tivesse estado ali.

Eu só pensava em aparecer pela metade ou pelo final do evento... não era bem por estar ocupado, mas sim pelo fato da festa não ser destinada a mim.

Era uma "despedida" para dois funcionários de um restaurante que a família Kirkland, minha família, contribuía; Como sou o único membro desta morando no Brasil, eu meio que era obrigado a ir a quaisquer eventos e negociações que ali aconteciam.

"Ludwig Beilschmidt" e... "Feliciano Vargas"... os dois garçons do estabelecimento, pareciam ser muito queridos pelo proprietário; conhecia o primeiro apenas de vista, enquanto que não fui com a cara do segundo, quando este me serviu uma vez.

E eis as razões para eu não ter estado "empolgado" com esse evento, que aconteceria dali a algumas horas... mas logo eu mudaria de opinião, após um telefonema.

Estava voltando para o apartamento a pé - não tinha condições de ter carro (e teria sido de grande ajuda, pois a casa de Afonso era longe da minha), quando meu celular que parecia ser de gerações passadas (não que eu me importasse) vibrou no bolso da minha calça.

- Quem fala? - perguntei, procurando a chave na mochila que carregava em um dos ombros.

- Arthur!

Era Francis. Já que não conseguia provar ainda a existência de fadas ou unicórnios para preencher a vaga de "amigo", tinha que ser ele mesmo. Mas chega de graça. Ele estava com a voz alterada, transparecendo seu nervosismo.

- Ei, o que houv-

- Onde você está?

- No apartamento. - respondi, ficando tenso.

Parecia ser algo grave. Mudei a posição do celular, que estava entre minha orelha e ombro, e passei para uma das mãos.

- Vai até a minha casa e pega um envelope que eu tenho dentro do armário! - pediu, ouvi alguns gritos com reclamações.

- Agora!? Sabe que eu vou demorar para chegar lá, não é?

- Têm que ser você. Pegue e entregue o mais rápido possível ao Feliciano!

E, antes que eu pudesse falar alguma coisa (possivelmente xingá-lo por não dar mais informação), ele desligou. Pronto. Só isso bastou para eu passar a correr que nem um louco atrás do tal "envelope" pro tal "Feliciano", como aquele garoto com cara de bobo podia ser uma ameaça!? Para o Francis estar agindo daquele jeito... eu só encontrei com o italiano (parecia ser) uma vez só, e nessa vez ele tinha tropeçado e derramado o chá que pedi na minha cara! Poderia ser que ele estivesse em perigo... isso fazia mais sentido...

A paisagem turbulenta de pessoas caminhando, ou correndo como eu; carros atravessando o asfalto da rua; som de celulares, vozes; passei a escutá-los uma outra vez. Parei em um ponto de ônibus para recuperar o fôlego, e aproveitei para ver que horas seriam. Já havia começado. O "mais rápido possível", ele dissera.

Deixando bem claro: eu não era uma pessoa que normalmente fazia as coisas só pela "boa vontade". Pode soar terrível, porém a forma como fui criado me tornou uma pessoa que faz coisas apenas por algum ganho. Sinceramente, não entendia muito bem porque o tinha como uma de minhas poucas "exeções" a regra. Desde que nos conhecemos sempre brigamos, talvez porque o conhecia a muito tempo... quando cheguei a porta daquele sapo percebi, para o meu alívio, que ela estava aberta. Devia ter saído com a intenção de voltar rápido.

Entrei. A primeira coisa que pensei foi: "Mas que inferno!?". O local parecia ter sido alvo de algum furacão ou de alguma luta que colocava em risco a vida.

- O que andou fazendo...? - me senti como um detetive, só que amador. Mas minha confusão rapidamente fora substituída por revolta. Ah, então ele tinha feito aquilo antes!?

Ia dar meia volta, quando lembrei que tecnicamente havia dado a minha palavra.

- Maldição, Francis...! - fui ao armário, que estava caído no chão. - E eu ainda tenho que levantar isso! Estou cada vez mais revoltado! Inferno! Por quê têm que ser eu!?

E meu dia só melhorava... gradualmente me preparando para o Xeque-Mate próximo.