Lyre¹

Meu pai tinha me dado o comando aquele dia, de forma que toda a culpa recairá sobre mim. William, o incapaz; dirão os homens nos dias futuros; permitiu que William, o bastardo tomasse a Inglaterra.

Éramos homens simples, mas éramos homens do Rei. Harold contava conosco para manter seu reino, e nós o perdemos. Ele comandava seus homens, e tínhamos nós ficamos com a Ala Esquerda do Exercito. Hastings era o campo de batalha, e lutávamos por nossas casas, nossas mulheres, nossos campos. Eles eram sedentos de tudo isso, e nós deveríamos conte-los. Esperávamos ter sorte, porque tínhamos arqueiros e eles não, e arqueiros são terríveis em uma luta. Eram poucos, menos de cem, mas fariam o serviço. Meus irmãos gêmeos, Frederick e George eram arqueiros temíveis.

Nós esperamos que eles viessem, mas eles não quiseram se afastar do campo, então o Rei mandou que marchássemos. É difícil convencer um exército a marchar, pois todos temem o momento em que encontrarão a parede de escudos do inimigo. Só pensar nisso, os deixa cheio de terror. Tínhamos sobrevivido e vencido a batalha contra o traidor Tosting e Harald Hadrada; e marchado por quilômetros para encontrar William, o bastardo.

Nosso exercito estava cansado, molhado e com fome; porém confiante. "Temos arqueiros", dissera o rei "E eles não tem nenhum. Portanto abriremos sua parede de escudos e vamos trucidá-los!".

Eu estava confiante, mesmo sendo meu primeiro comando. Tinha estado em muitas batalhas antes e meu pai, adoecido, nos esperaria no acampamento para ouvir as glórias da guerra. Sentado em meu cavalo, eu olhei para as nossas tropas domésticas. Da primeira fila, meu irmão Charles sorriu pra mim, e eu sorri de volta. Ele era bom, e tínhamos sido treinados juntos. Ronald, ao seu lado, parecia quase verde de nervosismo e não me viu. Seria sua primeira batalha, e eu só podia esperar pelo melhor. A batalha contra Hadrada nos trouxera mortes demais e havia muitos jovens guerreiros nas fileiras.

Ele tinha dezessete anos, naquele outono.

Percival, junto à cavalaria, aproximou-se de mim.

"Talvez devêssemos ser mais humildes" ele falou, e eu fiz uma careta.

"Está com medo, Percy?"

Ele balançou a cabeça, sério, arrumando o manto.

"William pode ser implacável" respondeu, sem nenhum traço de admiração ou humor.

"Se não pudesse, não teria chegado aqui" disse, descartando a preocupação. "É só um bastardozinho e vamos acabar com ele."

"Eles estão descançados" comentou meu irmão, tocando sua cruz de prata. "E nós estamos marchando há dias na chuva."

"Teremos reforços pela manhã" tentava animá-lo, mas era inútil, por Percy sempre estava naquele humor soturno. Foi bom que tivesse entrado para a Igreja, pois não tinha coração para ser guerreiro.

Se ao menos isso tivesse o salvado.

"Qualquer momento agora" murmurou, olhando para o rei.

Sentei-me ereto sobre o cavalo, um senhor guerreiro, um herdeiro poderoso. Tinha cota de malha, botas de couro com reforços de metal, lança e espada. Usava o elmo de meu pai, para que os homens soubessem que era eu que os comandava e meu cabelo voava comprido e meio solto.

O rei mandou-nos marchar, e nós gritamos com nossas tropas. Passo a passo, relutantes, eles foram. E o estrondo do encontro dos escudos encheu o ar, e tudo ficou difícil de ser acompanhado. A cavalaria se reuniu, indo de encontro à cavalaria inimiga, que tentava assaltar nosso flanco.

A luta estava em todo lugar, e os arqueiros agora prendiam suas armas e colocavam espadas na mão para ajudar seu exercito. Fred riu para mim, enquanto eu recuava para me juntar a pequena cavalaria que mal tinha chance de resistir ao enorme exercito de William, o bastardo.

Como tudo aquilo deu errado? Acho que me perguntarei por toda a eternidade.

Provavelmente foi culpa dos arqueiros. Todos nossos espiões tinham garantido que, por maior que fosse, o exercito inimigo não tinha arqueiros. Eles surgiram, como um pesadelo, nos matando. Nós vencemos a primeira carga, matando homens demais, mas William não desistiria. E nosso rei não poderia desistir.

Longas horas se passaram em luta. As armas estavam cegas, e paramos algumas vezes, e talvez isso tenha mascarado a verdade por algum tempo.

Estávamos perdendo, sem chance de vencer a menos que resistíssemos aquele dia e os reforços chegassem em forma impecável.

Só chegaram para enterrar nossos mortos.

Percy foi acertado por uma flecha, vi George ser derrubado por um machado que cortou fora sua orelha e arrebentou seu ombro. Fred vingou seu gêmeo, mas não era um espadachim. Eu o achei morto, em uma das pausas, e chorei abraçado ao seu corpo, apesar das tripas se esparramarem para fora me enchendo de fezes e sangue.

Coloquei meus três irmãos menores em uma carroça, para serem levados para meu pai e enterrados em nossa propriedade. Quando retornei à luta, foi com toda a paixão e a fúria incandescente de um guerreiro, e acho que esse foi meu erro. Parei de pensar, só queria retalhar, cortar, matar. Perdi a cautela.

Foi rápido. Um giro bonito, perfeito, que destruiu pele, músculos e ossos, fazendo meu corpo tombar já sem vida no chão. O próprio William o desferiu. Bastardo sortudo.

Nunca descobri o que aconteceu com Ronald e Charles, mas não podem ter sobrevivido.

Ninguém sobreviveu.


Esta fic é UA e se passa no período em que os Normandos conquistaram Inglaterra. O chefe de tal empreitada foi William, o conquistador; e na minha cabeça nada mais natural que os Weasley serem uma antiga família inglesa, pré-colonização, já que o sobrenome deles é derivado de um termo anglo-saxão.

Ela, claro, foi escrita para o Across the Universe; inscrita aos 48 do segundo tempo; ela não será focada em batalhas, embora tenha um fundo político importante. Espero que vocês se divirtam, porque eu certamente estou me divertindo pesquisando sobre esse trecho da história inglesa que eu completamente desconheço.

¹ - Lyre quer dizer 'destruição, perda, dano, dor' no inglês desta época. ^^' (que, na verdade, tem pouquíssimo a ver com o inglês atual)