PARTE 1 - RACHEL BERRY-LOPEZ SEM CORCORAN

ALGUMAS APRESENTAÇÕES

Toda vez que assinava o meu nome, colocava uma estrela dourada em seguida. Trata-se de uma metáfora. E metáforas são importantes. No caso da estrela, ela simbolizava o meu destino em ser uma grande atriz da Broadway. Para tal, já tinha planos muito bem definidos desde os onze meses: eu me destacaria no colégio com notas estonteantes, faria atividades extracurriculares, teria treinamento qualificado em dança, coreografia, dramaturgia e canto. Só precisaria ter um coral decente para poder ser descoberta pelos grandes diretores.

Acreditava que corais de escolas têm alcance maior do que o teatro comunitário de Lima, que só se apresenta para a vizinhança do bairro. Por isso me dedicava tanto a ele. Posso dizer que sou uma pessoa benevolente, pois a única exigência que fazia para a maioria dos meus respeitáveis companheiros de clube é que cada um desempenhe bem os respectivos papéis e, mais importante, não me atrapalhassem.

O coral era também um meio de sair de Lima e viajar para outras cidades e até estados. Era a minha chance de mostrar aos diretores da Julliard o quanto o meu talento é ofuscante. Imaginava que um show bem realizado e, mais tarde, um convite para uma audiência regional deveriam bastar para poder carimbar a minha entrada na maior escola de artes do mundo. Claro que tinha um plano "B" caso Julliard, de algum modo bizarro, me deixasse escapar entre os dedos: iria ingressar na escola de artes de New York University. Minhas altíssimas qualificações não podem exigir nada menos do que isso.

No meu caminho ao estrelato iriam surgir diversas pessoas que gostariam conhecer a minha biografia. São tantos programas na TV e especiais na internet que precisaria realizar que, desde já, acho responsável e ponderado deixar tudo organizado a fim de facilitar a vida dos dedicados pesquisadores que terão a gloriosa missão de investigar a minha carreira desde os primeiros passos. Eu sou Rachel Berry-Lopez. E esta é a história da minha juventude.

...

Sou filha de dois pais que tiveram uma relação amorosa bonita e inspiradora. Papai, Hiram Berry-Lopez, tinha origem judaica, era um botânico e se dedicava a ensinar cursos na universidade comunitária local. Ele era muito agradável, sensível e dividia comigo a paixão por musicais. Nossa única divergência é que acho que Barbra Streinsand um ser divinal, e ele é fã da Judy Garland. Quando nos desentendemos, papai coloca o dueto Barbra-Judy, "Happy Days Are Here Again", e fazíamos as pazes.

Papai casou-se com um jovem médico que na época fazia residência para ser cirurgião no Hospital Metropolitano de Lima: doutor Juan Lopez. Meu pai era quase o oposto de papai. Ele é alto, moreno, atlético, bem-sucedido e confiante. É o tipo da pessoa que faz as mulheres suspirarem. Ele teve muitas namoradas, mas quis a ironia do destino que fizesse um casamento duradouro com um homem gay. Meu pai adora ver esportes na televisão, ele próprio é um ex-atleta de futebol americano: foi o wide-receiver de Carmel e depois jogou três temporadas como halfback nos Buckeyes em OSU. Tirando o fanatismo esportivo, meu pai é extremamente culto e sofisticado. Foi ele que me ensinou apreciar a fina arte da música clássica. E também a ler os melhores autores do teatro universal.

Meus pais decidiram que queriam ter uma família grande, mas não pensavam em adotar. O plano era ter os próprios herdeiros. Por isso pesquisaram uma mãe biológica com base em sua beleza e inteligência. Foram três anos até encontrarem a mulher perfeita. Eles misturaram o sêmen porque não queriam saber quem seria o pai biológico. E pronto! Aqui estou! Hoje, somos tão bem integrados que não tenho idéia de quem seja o meu pai biológico.

Mas a operação in-vitro teve suas complicações. Infelizmente, outro óvulo fertilizado acabou gerando a minha irmã gêmea má: Santana Berry-Lopez. Ela fazia parte do esquadrão de líderes de torcida da escola e era a imediata da capitã e abelha rainha, Quinn Fabray. Mas ela assumiu o topo da pirâmide (como ela mesma diz) depois que Quinn engravidou e foi expulsa. Todo o esquadrão me odiava por alguma razão. Atirava slushies no meu rosto quase todos os dias, me chamava por apelidos. Quinn era a pior de todas e Santana não fazia nada para impedi-la. Minha irmã nunca jogou um slushie sequer em mim, por outro lado, não se furtava em contribuir com a farta lista de apelidos além de me ignorar sumariamente. A única exigência que fazia para me defender era que ninguém na escola encostasse o dedo em mim porque dizia ser a única que podia me bater.

E ela me batia! Ou tentava. Estapeava as minhas costas e meus braços toda vez que me atrevia a entrar no quarto dela sem uma árdua negociação prévia. Eu não deixava barato e tentava me defender, contra-atacar. Mas Santana era mais forte fisicamente... e mais alta. Ela sempre vencia e me obrigava a pedir desculpas. Isso valia até mesmo quando ela entrava no meu quarto para pegar sem pedir meu ipod, computador, câmera ou qualquer coisa em que precisasse no momento e estava com preguiça em pensar onde poderia ter deixado os dela. Na lógica de "Satan", por ser a mais velha (por 29 minutos), ela tinha esse direito. Só não pegava minhas roupas e sapatos porque considerava horríveis.

Santana nunca se olhou no espelho. Verdade seja dita: o uniforme de cheerio a salvava de constrangimentos da moda. Em casa, ela usa roupas e pijamas velhos. Quando saia, vestia roupas decotadas para se exibir, principalmente para Noah. Ou Brittany. Santana achava que não, mas todo mundo na escola sabia que as duas eram meio namoradas, só que ninguém tinha coragem de comentar muito alto porque ela estava no topo social. Eu sei que Brittany e Santana faziam sexo lá em casa, principalmente quando meu pai estava trabalhando, porque papai não implicava... tanto. Vez ou outra, eu as flagrava no maior amasso na piscina.

Santana leva uma vida sexual tão ativa que os meus pais desistiram de repreendê-la e passaram a se preocupar em garantir que ela não engravide até se formar na escola e nem pegasse DSTs. Meu pai exigia que ela fizesse teste de AIDS a cada seis meses. Era isso e a quantidade de preservativos que eles compravam todos os meses. Como se isso não bastasse, Santana ainda tinha um diafragma caso fosse necessário. Existiam também algumas regras. Uma delas é que garotos não dormiam lá em casa nem sobre súplicas (embora isso não se aplique a Brittany). Eu achava que era por isso que Santana só levava Noah lá em casa quando meus pais não estavam. Nunca a vi levando alguém diferente de Noah e Brittany. Achava que ela fazia sexo com outros garotos em casas alheias ou em motéis. Repugnante.

Meus pais não tinham esse problema comigo e se dependesse da minha disciplina em seguir o roteiro planejado, nunca teriam o desgosto. Claro que precaução nunca era demais e eu também tinha preservativos. Ganhava um por mês "porque nunca se sabe e é preciso estar preparada". Meu plano era perder a virgindade apenas para o meu primeiro grande affair na universidade. Deve ser um estonteante e charmoso estudante de artes cênicas que vou cruzar pelos corredores de Julliard. Isso estava decidido, embora não sacramentado. Pensei uma vez em reconsidera o plano com Jesse, mas o meu bom-senso falou mais alto.

A casa Berry-Lopez fica num setor de famílias abastardas financeiramente. Não chega a ser uma mansão, mas é uma casa grande suficiente para abrigar três carros na garagem, uma enorme biblioteca e sala confortável de televisão, a suíte dos meus pais, o meu quarto e de Santana, mais um quarto de hóspede, banheiros, cozinha espaçosa, piscina aquecida e uma espécie de salão de festas que fica no quintal. As festas dos Berry-Lopez são feitas todas ali, o que é bom, pois preserva a casa principal livre de estranhos e da bagunça. E preciso mencionar também a pequena estufa e o jardim maravilhoso que papai cuidava pessoalmente. Santana gostava de ajudá-lo nessa tarefa, mas se eu contasse pra alguém a respeito, estaria morta.

Apesar de vir de uma família católica, meu pai não tem religião, mas respeitava as tradições de papai e não se importava em participar as festividades judaicas mais importantes. Santana e eu somos judias e falamos um pouco de hebreu, o suficiente para deixar nossos avós felizes. Santana fala espanhol perfeito. Ela e meu pai costumam conversar neste idioma. É uma coisa deles. Eu também falo espanhol com fluência, ou pelo menos, bem o bastante para acompanhar uma discussão e conseguir me expressar. Papai ficava perdido quando minha abuela e os outros Lopez se reuniam, principalmente no aniversário de abuela, um dia depois do natal. O inglês é esquecido nessas ocasiões.

Em McKinley High, tirando os xingamentos e slushies quase que diários, minha rotina era bem comum. Meus amigos se resumiam aos meus companheiros do coral: Novas Direções. É um nome ruim, eu sei, e constantemente éramos chamados de "novas ereções" pelos garotos do time de futebol, de hóquei, de basquete por várias líderes de torcida e até pelo time feminino de vôlei. Eu, Kurt, Mercedes, Artie, Finn e Tina éramos os membros originais. Depois entraram Quinn, Santana e Brittany. Por último, vieram Mike, Puck e Matt. Bem depois, veio Jesse.

Quinn entrou porque na época queria ficar de olho em Finn, o então namorado dela, e arrastou junto Santana e Brittany. É que Finn e eu fazíamos um dueto espetacular. Não que ele seja um cantor excepcional. Tem um timbre bonito, é verdade, mas revela muitas fraquezas quando faz solos. Comigo, Finn melhora substancialmente e a voz dele é um ótimo suporte para a minha. Nossa boa sintonia começou a ganhar força romântica, o que foi um impacto. Quinn não aguentou a idéia do namorado ter encontrado uma parceira mais interessante do que a líder de torcida clichê que ela era. Por isso entrou para o coral e arrastou minha irmã (que dizia preferir morrer a entrar no coral) e Brittany.

Não é que Santana fosse tão amiga assim de Quinn. As duas andavam juntas por conveniência, porque eram as garotas mais desejadas da escola: ambas top cheerios e estavam acima dos demais na hierarquia da popularidade. Só por isso. A verdadeira amiga de Santana sempre foi Brittany. Desde crianças! Brit passava as tardes lá em casa e a gente brincava de casinha: Santana era o marido, Brit a esposa e eu era a filha. Sempre! Quando a puberdade chegou, Santana passou a gostar de ficar a sós com a amiga e aí de mim se ficasse por perto. Logo me mandava ir para o meu quarto fazer a tarefa de casa ou qualquer outra coisa. Não entendia porque dessa ruptura. Passei um tempo odiando Brittany por roubar Santana de mim. Mas a loira não tão esperta, academicamente falando, é uma criatura amável demais para se detestar. Missão impossível. Passei a odiar Santana na maior parte do tempo.

Naquela altura dos acontecimentos, só me lembrava ter visto Quinn na minha casa por duas ocasiões: uma por causa de um trabalho da escola que ela fez com Santana e a outra numa reunião de cheerios. Reunião vírgula. Era mais uma festinha ao redor da piscina. Uma que eu não participei e nem me atrevi a observar da janela do meu quarto ou, no outro dia na escola, poderia ser acusada de pervertida e sabe-se lá que mais. Quinn morava em Dudley Road, um bairro de classe média alta vizinho ao nosso, dominado pela comunidade presbiteriana. A sociedade que estava inserida não aceitava que ela pudesse freqüentar a casa de homossexuais (mesmo um deles sendo o chefe do centro cirúrgico do hospital), com duas filhas de proveta e judias... era melhor a "amizade" ficar na escola.

Quando Quinn engravidou de Noah, minha irmã furiosa no primeiro momento. Depois Santana simplesmente deixou de se importar. Irada mesmo ela ficou quando Noah e eu namoramos por uma semana. Não disse uma palavra diretamente para mim, mas eu conheço aquele olhar muito bem para saber que estaria morta caso me aproximasse.

Ao contrário de Santana, nunca levei amigos para casa antes de integrar o Nova Direções. Às vezes penso que a grande quantidade de atividades extra-curriculares visando a minha carreira ocuparam minha vida a tal ponto que não tive tanto tempo assim para fazer amigos. Talvez tenha sido isso mesmo.