Devo começar dizendo que se alguém me falasse que isso aconteceria um dia, mandaria o babaca pro inferno.
Sei que não sou uma pessoa fácil de se lidar, sou egocêntrica, admito, gosto de me sentir superior, mas isso é uma proteção que criei, preciso me fazer de forte para que ninguém perceba minha fragilidade, minha insegurança... Meu coração que grita desesperadamente pedindo por alguém que me entenda, que me aceite, um alguém que veja o que trago por dentro e não apenas o exterior. E esse alguém estava tão próximo...
Beth já havia nascido há alguns meses, e por mais que tentasse negar, um certo remorso me abatia em certas ocasiões, eu não seria capaz de cria-la? Não seria uma boa mãe? Mas logo espantava esses pensamentos, ela estava melhor com Shelby, teria uma ótima mãe, uma boa vida. E eu tinha o meu futuro pra me preocupar.
Larguei Puck logo após o nascimento, apesar de ter demonstrado um pouco de sensibilidade, ele não passava de um garoto com os hormônios a flor da pele, disposto a entrar no meio do primeiro par de pernas que aparecesse.
Ter sido mãe me fez amadurecer muito, isso é verdade. Mas é claro que voltaria ao colégio disposta a pisar em todos aqueles que riram de mim. E consegui, minha volta foi triunfal, voltando ao topo das Cherrios.
Mas mesmo voltando a ser popular, decidi permanecer no Glee Club, era difícil de explicar, mas estar com aquele bando de "perdedores" me fazia bem. E logo na segunda semana, nosso professor, Will Schuester, nos passou a lição de casa que mudaria minha vida... Para sempre.
E é aqui, que a história começa de verdade.
Estávamos aguardando o inicio do ensaio. Me encontrava sentada ao lado de Mercedes, não sei se conseguiria ter vencido a fase mais difícil da minha vida sem a mão que ela me estendeu, havíamos nos tornado grandes amigas. Eu também observava Finn, que estava mais afastado, em um canto, cabisbaixo. Sabia do mal que havia feito a ele e não esperava que me perdoasse tão cedo. Isso me fazia mal, era realmente um boa pessoa, e eu tinha por ele um carinho muito especial, o que me levou a olhar - com todo o meu desprezo - para Rachel, que se achava sentada mais a frente, obviamente ela tinha algo a ver com o mau estar de Finn, e isso me irritava profundamente. Foi então que (finalmente) Sr Schue chegou:
- Bom, pessoal, como todos sabem, logo teremos as seccionais. Vimos o ano passado que não é tão fácil... Bem, e eu, particularmente, percebi que muitas vezes o maior desafio que temos que enfrentar não esta no adversário, e sim nessa mesma sala.
Nesse momento, Rachel virou e me fitou profundamente, me deixando totalmente desconcertada, quer dizer, é certo que somos rivais, gostamos geralmente dos mesmo caras, mas o que aconteceu com aquele papinho de "Eu não te odeio" do ano passado? Bem, não tive outra escolha a não ser devolver o mesmo olhar.
- O que proponho à vocês, tem como objetivo acabar ou pelo menos tentar acabar com as rivalidades dentro do Novas Direções. Para isso, vou dividi-los em duplas, da minha escolha, e nas próximas semanas vocês trabalharam juntos. Nessa primeira semana quero que vocês se aproximem, visitem a casa um do outro, conheçam a familia, a vida, os problemas! Na quinta e na sexta-feira cada um cantará uma música que exemplifique suas impressões sobre o outro. Não para por aí, na próxima semana apresentarão um dueto, nos mostrando se algo mudou... Ou não.
O clima da sala ficou um tanto tenso, era certo que Sr Schue não escolheria 'amiguinhos' para formarem as duplas. E instintivamente olhei na direção daquela que imaginava que seria "minha parceira", e percebi no olhar confuso que Rachel me lançava, que ela também imaginava isso.
E não deu outra...
- Bom, vamos as duplas, Finn e Puck, Mercedes e Santana, Quinn e Rachel...
Não consegui prestar atenção no resto das duplas, a medida que Sr Schue ia anunciando os nomes, o coro de desaprovação ia aumentando, e é claro que me juntei a ele. Conviver mais do que o necessário com Rachel Berry era algo que não conseguia nem imaginar. Mas quando olhei pra ela, estava calada e olhando para os pés. Não sei bem o por que, mas nesse momento também me calei e permaneci sentada com os braços cruzados.
É engraçado, por mais que cada um tivesse um desafeto dentro do clube, quando paramos para pensar no conjunto aquilo se tornou válido. Pode não fazer sentido, mas foi só ai que percebi que todos estavam ali por que realmente gostavam daquilo. Não nos sentíamos perdedores quando estávamos juntos. Por mais que nos odiássemos.
Quando Sr Shue nos dispensou, todos sairam quase que imediatamente. Todos, exceto Rachel, que permanecia sentada no mesmo lugar. Bom, já que não havia outro jeito, fui em sua direção, não esquecendo, é claro, a rotineira hostilidade com que a tratava:
- Numero um, não pense que a partir de agora nos tornaremos amiguinhas. Numero dois, faremos isso da forma mais profissional possível. Se isso é para o bem do grupo, farei de bom agrado, descubro que a sua vida é mais insignificante do que eu imaginava, e depois canto uma canção que lhe diga o tamanho da minha pena. Numero três...
- Você não cansa disso?
- O que? - Você está sempre pisando em mim...Tentando me ferir... Olhando a sua amizade com a Mercedes, pensei que você tivesse mudado, mas não...
- Não sei se você lembra, mas você roubou meu namorado. Foi por causa da sua língua grande que o Finn terminou comigo!
- Ele terminou com você, por que você mentiu pra ele! Eu só contei, por que ele era tapado demais pra descobrir sozinho!
Um coisa que sempre me irritou na Rachel, era o fato dela sempre se sentir por cima, em qualquer discussão ou mesmo quando levava uma raspadinha na cara. Mas seu tom naquele momento demonstrava certo cansaço, ela não me encarava diretamente, e aquilo me deixava incomodada, o que me levou a diminuir meu tom. Suspirei. Essa foi a primeira vez que ela desmontou minhas defesas, ou no caso, meus ataques.
- Eu sei disso. Sei que ele não mereceu o que fiz a ele. E que não mereço seu perdão - Me sentei a o seu lado, olhando para o nada. Não havia motivos pra hostilidades naquele momento, de certa forma eu tinha que me aproximar, então era melhor tornar o clima entre nós ao menos suportável. Rachel pareceu surpresa com minha atitude e pela primeira vez me olhou.
- Todos erramos, mas é preciso coragem pra admitir e seguir em frente, com a cabeça erguida.
Então encarei seus olhos. Se eu tivesse que definir o momento em que tudo começou, votaria nesse. Havia algo diferente naquele olhos, mas do que o ar sonhador de sempre, havia um brilho... Um brilho triste é verdade, porém... Era lindo! Senti um incomodo no peito e, desconcertada, me levantei.
- Bem, você pode começar? Digo, quer "me conhecer" primeiro?
- Pode ser...
Raios! Onde estava o ar autoritário e mandão que aquela garota sempre teve? A velha Rachel já teria feito todo cronograma, e estaria torrando minha paciência nesse momento.
- Ah, Rachel, qual o seu problema? Era pra você estar bancando a chata mandona, com toda a "nossa" programação pronta já...
Nesse momento ela se levantou, me encarou de frente, olhando-me nos olhos:
- As pessoas mudam, era pra você estar la fora agora, pisando em quem quer que entrasse no seu caminho, e você está aqui, no clube dos perdedores, conversando com aquela que você sempre considerou a mais inferior do colégio.
- É você tem razão, mas todo mundo erra não é mesmo? E todo mundo tem o direito de seguir em frente...
Ela baixou os olhos, e eu continuei:
- Bem, você pode ir lá em casa hoje, te apresento minha mãe, minha casa e como eu vivo, se temos que fazer isso quero que seja o mais rápido possível...
Rachel apenas confirmou com a cabeça. Me dirigi até a porta, e antes que eu pudesse me segurar, virei-me e disse algo que nem mesmo tinha me dado conta até o momento:
- Eu não te acho inferior... Não mais!
Então ela sorriu, e eu me dei conta que fazia muito tempo que não a via sorrir, ou melhor, eu nunca havia visto-a sorrir, de verdade. E indo contra todos os meus princípios retribui o sorriso e sai, sem entender quase nada do que tinha acontecido ali.
