Pensei em seus lábios enquanto sentia o álcool queimar minha garganta. Em seus suspiros desesperados. Seus olhos presos nos meus. Na maneira como em um momento tudo estava bem e, no próximo, já não existia mais um tudo.

Pensei em seu sangue - ora escorrendo por entre suas coxas, ora unindo nossos lábios, ora sendo minha consequência, ora acabando com tudo.

Nossa história começou turbulenta, como tudo mais. Haveria qualquer outra maneira mais apropriada? Gritos, porcelana quebrando em meio a acusações, ossos quebrando em meio a variações, orgulho quebrado em meio a confissões.

O que foi puro? E o que deixou de ser, com o passar do tempo, com o passar de seus lábios nos meus, um tropeço ali, acordar com nossas pernas emaranhadas e nossas mãos entrelaçadas? Ah, e o terror. O terror da intimidade, o terror de saber que você, sempre, acordaria mais cedo, faria o café doce demais, o chá doce de menos; o terror de conhecer cada nuance de sua face jovial, de reconhecer sua repulsa quando o que me era interno virava externo, o terror de tentar reanimar olhos que costumavam me enervar e não receber nenhuma resposta que não meus próprios soluços desamparados.

Depois do tudo, o que existe senão o nada, o eterno e gigantesco conhecimento de que as noites passadas em claro virarão dias e os dias virarão noites, e, antes que você perceba, já não existem dias, existem semanas, semanas e depois meses, anos, a vista cada dia menos viva da vida janela afora, sua sanidade perdida entre o lodo e a lama?

Seria pedir demais, receber sem custos um passado pelo qual sou incapaz de implorar? E seria falha minha, permitir lágrimas por tanto tempo negadas quando me perco em lençóis esburacados de tão gastos, procurando por uma essência que já não existe mais, soluçando por partículas perdidas que já se foram, me deixaram, como todo o resto?

Encontro-me perante o eu e o (falecido) você. Morreu feliz, por minha culpa? Pois morreu sorrindo, criança maldita, razão de minha existência, cúmplice silencioso de meu oitavo pecado capital - a paixão sem o amor, o ser sem o ter, o afligir sem receber, a carta sem o vés. Lápide intocada, inexistente, e, em sátira de nossas varinhas unidas, vejo seus olhos translúcidos atravessarem os meus, firmes, vazios, (qual de nós? qual de nós foi e qual de nós ficou?).

Ergo minha mão.

Findamo-nos.


N/A: Dedicado a Voldie, para variar.