Inglaterra, 1291
O gavião estava de volta.
Hermione o viu no instante em que abriu a persiana de madeira da janela do seu quarto para ver se o xerife e seus homens já tinham partido nos cavalos. O enorme pássaro marrom de olhar maligno estava empoleirado, o mais calmo possível, no topo do telhado de sapê do galinheiro. Ele tinha matado duas das galinhas favoritas de Gina na semana anterior e agora mirava a terceira, a que Gin chamava de Greta, enquanto a galinha malhada ciscava o chão enlameado do galinheiro em busca das migalhas que restaram da ração. Embora o gavião não se mexesse, mesmo com a chuva fria de primavera caindo constantemente sobre seu dorso, Hermione sabia que ele estava pronto para atacar.
Rápida como as gazelas premiadas do conde, Hermione pegou seu arco, que estava pendurado na cabeceira da cama, e as flechas, e mirou a ave de rapina, embora estivesse em um ângulo de visão ruim, pois as vigas de madeira do teto perto da janela que dava para o telhado eram baixas demais.
Forçando a corda do velho arco para trás, Hermione concentrou-se totalmente no alvo abaixo dela: o peito arrepiado do gavião assassino de galinhas. Não escutou a irmã subindo as escadas para o quarto que já tinham dividido, nem sequer o barulho da porta raspando no chão ao se abrir.
—Mione!
A voz horrorizada de Christina assustou Finnula, e ela soltou a corda cedo demais. Com uma vibração musical, a flecha atravessou a janela, arqueando através da chuva, e fixou-se inofensivamente no sapê aos pés do gavião, fazendo o pássaro alçar voo com o susto e dar gritos agudos de indignação.
— Meu Deus, Christina! — resmungou Hermione, desfazendo a posição de arqueira e apontando um dedo acusador para o caminho feito pela flecha. —Era uma flecha perfeita, e, agora, olhe para ela! Como vou pegá-la de volta? Está presa no telhado do galinheiro!
Christina estava apoiada no batente da porta, o rosto redondo com as bochechas rosadas pelo esforço de subir as escadas estreitas. Uma das mãos no peito farto demonstrava a tentativa de recuperar o fôlego.
— Que vergonha, Hermione! — disse ela, ofegante, quando finalmente conseguiu falar. — No que você estava pensando? O xerife foi embora há menos de cinco minutos, e aqui está você, atirando em pobres pássaros inocentes de novo!
— Inocentes! — Hermione pendurou a alça de couro surrado da aljava sobre o ombro delgado. — Se você quer saber, aquele era o gavião que anda matando as galinhas de Gina.
— Você perdeu a cabeça que o bom Senhor lhe deu, Mi? Se o xerife tivesse olhado para trás e visto a flecha voando da janela do quarto, teria dado meia-volta e prendido você aqui mesmo.
Hermione riu de forma debochada.
—Ah! Ele nunca faria isso. Imagine, prender uma donzela meiga como se tornaria o homem mais odiado de Shropshire na hora.
— Não. Sendo o primo do conde, não se tornaria. — No oitavo mês de gravidez, Christina não conseguia mais subir as escadas até o antigo quarto com a mesma rapidez. Acomodou-se na cama das irmãs mais novas e suspirou, os cachos castanhos que haviam escapado da touca de linho balançando. — Você não consegue raciocinar, Mione? Sua Senhoria sabe que é você quem anda invadindo a propriedade dele.
Hermione riu novamente.
— Harry Potter não sabe de nada. Como poderia? Há dez anos está na Terra Santa. Nunca mais ouviram falar dele desde o feriado de São Miguel Arcanjo, quando aquele intendente imundo ouviu dizer que ele tinha sido capturado pelos sarracenos.
—De verdade,Mione, você não deveria se referir aos seus superiores de forma tão rude. Reginald Laroche é primo do lorde Harry, e esta atuando como intendente dos estados de Potter's na ausência de Sua Senhoria. Como você pode chamá-lo de imundo? Você sabe que devemos a ele o mesmo respeito que deveríamos se ele fosse nosso verdadeiro lorde. Como você pode...
— Respeito? — Hermione falava com ódio. — Quando ele começar a agir de forma respeitável, irei respeitá-lo. Enquanto isso, não me peça para chamá-lo de meu lorde. Porque nenhum lorde digno desse nome trataria seus empregados com tanto...
Christina suspirou novamente, dessa vez exasperada, e interrompeu a torrente de palavras francas da irmã:
—Muito bem, Hermione. Sei que não faz sentido discutir com você sobre esse assunto. Mas pense nisto: Reginald Laroche disse ao xerife que tem uma boa razão para acreditar que é você quem anda acabando com a caça favorita do lorde Harry. Ele só precisa de uma simples prova, e é para a cadeia que você vai.
Hermione chutou com irritação o baú de madeira que ficava ao pé da cama. Dentro dele havia calças tipo culote e blusas que evitava, preferindo trajes mais simples, como o que usava no momento, sapatos de couro marrom e uma túnica de lã bastante surrada.
— Não estou fazendo por esporte — resmungou ela. — Se Harry Potter estivesse aqui e visse como seus empregados estão sendo maltratados pelo maldito Laroche, não seria contrário à carne que lhes forneço.
— Não é uma coisa nem outra, Mione — Christina disse, cansada. Era uma discussão antiga. Na verdade, começou no dia em que o mais velho e único irmão das meninas, Robert, pegou um arco curto e, de brincadeira, apresentou a arte do arco e flecha a Hermione, então com 4 anos, Seu primeiro tiro acertou em cheio o traseiro de sua querida ama de leite, Aggie e, desde então, ninguém conseguira arrancar o arco das mãos da linda caçadora.
— Além disso — continuou Hermione, como se não tivesse escutado a interrupção da irmã —, o xerife não vai encontrar prova alguma. Eu nunca erro, então ele nunca vai encontrar uma de minhas flechas e descobrir que as marcas nas penas são minhas. O xerife só se preocupou em passar aqui hoje porque ele é apaixonado por Gina.
—Mione, isso simplesmente não é verdade. O Sr. Laroche disse ao xerife De Brissac que mais um dos veados do conde desapareceu.
— Não desapareceu mesmo — disse Hermione, os cantos da boca delicadamente desenhada de repente curvando-se em um sorriso.— O veado está exatamente onde sempre esteve, na propriedade do solar Stephensgate. A única diferença é que agora está na barriga de algunsempregados do lorde Harry.
Christina apertou os olhos para a incorrigível irmã. Passou-lhe pela cabeça, não pela primeira vez, que Hermione um dia abandonaria o modo excêntrico de se vestir, colocaria um dos vestidos de seda que foram comprados na época de seu casamento fracassado e escovaria os adoráveis cabelos castanhos em vez de mantê-los sempre amarrados numa trança.
Ficaria uma mulher linda. A garota provavelmente não tinha consciência disso, e provavelmente negaria o fato se alguém tocasse no assunto, mas, na opinião de Christina, não era Gina quem atraía o xerife à casa do moinho, mas a própria Hermione, e não apenas por seu hábito de caçar em propriedade alheia.
Christina suspirou pela terceira e última vez e, usando a cabeceira da cama como apoio para se levantar, disse:
— Bem, fiz o que pude. Robert não pode dizer que não tentei.
Hermione sorriu novamente e afagou carinhosamente os ombros da irmã.
— Pobre Christina — disse ela, docemente. — Desculpe por trazer problemas para você e para o querido Bruce. Não posso prometer que vou parar, mas prometo, de verdade, que nunca serei pega nem farei nada que possa envergonhar você perante seus novos sogros.
Christina, esquecendo-se da pose de mulher casada e importante, pois era a esposa do açougueiro da aldeia, bufou como a irmã costumava fazer.
— Esse será o dia! — Ela riu, sacudindo a cabeça. — Bem, acho que é melhor você descer e fazer essa mesma promessa na frente de Robert.
— Robert? — Hermione afastou alguns cachos de cabelos castanhos da testa branca e macia. — O que Robert está fazendo em casa a essa hora do dia? Ele não deveria estar no moinho?
— Estaria se não fosse a visita de seu maior admirador, o xerife John de Brissac. — Os olhos levemente acinzentados de Christina adquiriram um brilho diferente. — Mas isso não foi sua única distração hoje. Rosamund está aqui, e acho que ela e Robert têm algo para lhe contar.
Hermione sobressaltou-se. Diferentemente das irmãs, assuntos sobre casamento e vestidos nunca lhe interessaram muito, mas, como adorava o irmão, estava feliz por ele.
—Você não está querendo dizer que... o pai de Rosamund finalmente concordou?
Christina fez que sim com a cabeça, e a alegria que estava tentando disfarçar enquanto chamava a atenção da irmã mais nova finalmente transbordou.
— Sim! Vá agora, vá lá para baixo e dê-lhe as boas-vindas à nossa família. Ela ficou um tanto confusa com a presença de um homem armado em sua futura casa. Tive de garantir a ela que isso não é algo que aconteça com frequência.
No entanto, Hermione não estava mais ouvindo. Praticamente voando escada abaixo, onde um restrito grupo de pessoas se reunia à lareira, gritou:
— Meu Deus, Robbie! Por que você não me contou?
O pequeno grupo se dividiu, e Robert, que tinha 1,85m, disparou em direção à irmã caçula, bem mais baixa do que ele, porém um tanto mais espalhafatosa. Levantando-a em seus braços, fortes como uma rocha devido aos anos de trabalho no moinho de Sua Senhoria, Robert balançou Hermione bem no alto, na direção das vigas do teto, antes de colocá-la de volta no chão e dar em seu traseiro atrevido um bofetão que fez lágrimas lhe brotarem dos olhos.
— Que droga, Robert! — Hermione afastou-se dele, as mãos indo para trás para massagear a pele dolorida. Ele tinha batido com força suficiente para fazer um buraco nas calças de couro. — Por que você fez isso? — perguntou,irritada.
— Pelo veado — respondeu Robert, com uma seriedade um tanto avessa a seu típico bom humor. — Se eu precisar mentir por sua causa mais uma vez, Mione, você não vai conseguir sentar durante uma semana, é bom me escutar.
Isso estava longe de ser a celebração familiar pela qual tinha o choro, que era mais de raiva que de dor, Finnula olhou furiosa para o irmão, tentando ignorar o rosto pequeno e perplexo da futura noiva, que pairava ao lado dele.
— Que vergonha, Robert — Hermione retrucou, furiosa. — Você não pode provar, muito menos o xerife De Brissac ou o repugnante Reginald Laroche, que fui eu quem acertou o veado. Eu vinha desejar a você e a Rosamund alegria e felicidades, mas agora acho que vou atrás do xerife dizer que pode muito bem me enforcar, porque está claro que não sou bem-vinda em minha própria casa.
E então virou-se em direção à porta da frente, sabendo muito bem que Robert, embora viesse tentando discipliná-la durante os anos após a morte dos pais, não suportava vê-la infeliz. Era o único irmão entre seis irmãs, e todas elas, cada uma a sua maneira, eram capazes de manipulá-lo. Porém, a mais nova, Hermione, tornara isso uma ciência. As irmãs mais velhas viam, com sorrisos que mal conseguiam esconder, a raiva do irmão amolecer sob o olhar abrasador de Hermione.
— Não podemos — Robert arriscou-se lentamente — deixar que a raiva estrague este dia especial...
— Não — Rosamund interrompeu, ainda parecendo um pouco chocada com a demonstração de masculinidade do noivo. — Não podemos.
À porta, Hermione sorriu para si mesma, mas, antes de virar-se, armou em suas feições uma expressão de arrependimento.
—Você está dizendo — murmurou — que vai me perdoar?
— Sim — disse Robert, e balançou a cabeça com seriedade, como se concedendo o cancelamento da pena de um acusado. — Mas só desta vez.
Com um grito, Hermione atirou-se mais uma vez nos braços do irmão. Em seguida, foi acompanhada por Rosamund, a filha de aparência angelical do prefeito de Stephensgate, a primeira garota que Robert cortejou e não conseguiu ter, tornando-se assim o amor de sua vida. Talvez, de forma compreensível, Rosamund tenha ficado relutante em se unir a uma família tão excêntrica quanto a do moleiro — afinal de contas, Robert tinha seis irmãs, seis, algo que seria considerado uma desgraça em muitas famílias, mas algo que fizera seus pais muito felizes antes de morrerem. E o pior de todas era a irmã mais nova, que andava por aí em roupas de menino e se gabava de ter a mira mais precisa de Shropshire, apesar de, aos 17 anos, ser velha demais para tais coisas. E, claro, também havia a questão do fracasso de Hermione em um casamento...
Mas todas as outras cinco irmãs tinham uma reputação acima de qualquer suspeita. Havia a mais velha, Brynn, que, aos 25 anos, um ano mais nova que Robert, tinha um casamento feliz com o ferreiro da aldeia. Ela já tinha cinco filhos homens, todos com o corpo forte do pai e os cabelos castanhos da mãe. Depois veio Patrícia, esposa do estalajadeiro da aldeia e mãe de três; e Camilla, que chorou e esperneou, se tomando uma pessoa desagradável de se conviver até que Robert concordasse com seu casamento com um vinicultor duas vezes mais velho que ela. Por fim havia a recém-casada Christina, que era muito feliz com o marido açougueiro, Bruce, e a quinta irmã, Gina, considerada por muitos a mais bela da família e que, embora já estivesse se aproximando dos 20 anos, ainda precisava encontrar um marido.
Em resumo, não era uma família contra a qual o pai de Rosamund podia ter muitas ou fortes objeções. Na verdade, o prefeito não teria qualquer tipo de objeção, pois um jovem mais promissor que Robert Granger dificilmente seria encontrado em Stephensgate. Mas havia o pequeno problema em relação aos modos estranhamente independentes da irmã mais nova, sua flagrante rebeldia em relação às leis sobre a propriedade alheia e também o infeliz incidente entre ela e o finado conde. Como fazer vista grossa para o fato de Hermine Granger ter sido acusada, embora injustamente, de matar o próprio marido?
Mas a afeição de Rosamund por Robert era totalmente verdadeira, e, como filha única, conseguia fazer com que o pai carinhoso acabasse pensando como ela. Se Hermione era o único problema, bem, não havia nada a ser feito. A garota era jovem e se podia esperar que um dia abandonasse o amor pelos esportes e pelas calças de couro que insistia em vestir. Pelo menos tinha o bom-senso de ficar longe das principais vias públicas enquanto vestia-se assim. E, nesse meio-tempo, a benévola influência de Rosamund talvez a ajudasse a enxergar as falhas de sua personalidade.
Com as irmãs Granger's, os maridos e a prole na casa do moinho celebrando ruidosamente o iminente casamento de Rosamund, talvez fosse compreensível
que ninguém tenha sentido falta de uma das irmãs solteiras... pelo menos não imediatamente.
Foi Hermione quem finalmente abaixou o copo de cerveja e indagou sobre o que tinha acontecido com Gina. No entanto, ninguém prestou atenção em Hermione, o que não era comum, pois "Mi" não era apenas a vergonha da família, era também a contadora de histórias, cujos tremendos exageros agora impressionavam apenas seus sobrinhos mais novos. Largando o copo, ela foi procurar a irmã favorita, e encontrou-a ao lado da lareira cozinha, chorando sobre o avental.
—Gina — Hermione gritou, verdadeiramente surpresa. — O que está havendo? É seu estômago novamente? Quer que eu pegue remédio para você?
Considerando os olhos vermelhos e inchados, Gina já estava chorando havia um bom tempo. Tida por muitos como a mais doce das filhas do moleiro, Gina tinha mais admiradores do que se podia imaginar, mas nunca recebera um real pedido de casamento. Hermione não conseguia decifrar o motivo, pois ela própria já tinha recebido uma proposta, embora malfadada, e com certeza não se considerava tão bonita quanto Gina obviamente era.
Com o rosto bonito e o corpo em forma, Gina era a única irmã Granger que tinha escapado da maldição do cabelo castanho. Em vez disso tinha cachos ruivos que moldavam o rosto em fora de coração como um véu. Os olhos não eram castanhos amo os das irmãs e do irmão, mas azulescuros,cor de safira, que pareciam quase negros às vezes. E, por alguma razão, Gina não tinha herdado a franqueza das irmãs. Era, ao contrário, a mais meigas criaturas, uma cozinheira excelente e uma dona de casa que parecia se sentir melhor na companhia das galinhas, que amava, do que dos seres humanos. Uma vez, houve rumores na aldeia de que a irmã que vinha depois da mais nova era meio doidinha. Robert e Hermione puseram um fim nisso rapidamente, um com os punhos e a outra com o arco, e agora ninguém mais falava disso —pelo menos não de forma que o mais velho e a caçula pudessem ouvir.
— Gina, minha querida, o que houve? — Hermione curvou-se diante da irmã que mais amava, tentando afastar o adorável cabelo do rosto dela, onde mechas dos cachos ruivos grudavam na umidade provocada pelas lágrimas. — Por que você não está comemorando conosco?
Gina soluçou, mal conseguindo falar.
— Ah, Mione, se eu pudesse contar para você!
— O que você está dizendo? Gin, você pode me contar qualquer coisa,você sabe disso.
— Não isso. — Gina balançou a cabeça com tanta força que os cabelos avermelhados chicotearam seu rosto. — Ah, Hermione, estou tão envergonhada!
— Você? — Hermione acariciou o ombro da irmã sobre o tecido sedoso da túnica. — E do que você, a criatura mais gentil do mundo, teria de se envergonhar? Não tem nada para vestir no casamento? É isso, hein, bobinha?
Gina tentou enxugar as lágrimas com a barra da saia cor de creme.
— Como eu queria que fosse isso! Tenho medo de que você me despreze quando eu contar...
— Eu, desprezar você, Gina? — Finnula estava verdadeiramente surpresa. — Nunca! Ah, Gina, você sabe que eu nunca...
— Estou atrasada — soltou Gina, ofegante, e teve uma nova crise de choro.
— Você está atrasada? — Hermione, confusa, repetiu, as sobrancelhas finas unindo-se. —Você não está nada atrasada. A comemoração do noivado acabou de começar...
Vendo a cabeça de Gina balançar rapidamente, Hermione ficou sem voz. Atrasada? Ela encarou a rebelde irmã, e o entendimento, quando veio, foi combinado com descrença. Descrença que fez com que ela não conseguisse evitar o espanto na voz rouca.
— Atrasada, Gin? — perguntou, sacudindo a irmã mais velha. — Você quer dizer... atrasada?
Gina concordou com um aceno, triste. No entanto, Hermione precisava de esclarecimento. Simplesmente não conseguia acreditar no que estavaouvindo da linda e doce irmã.
— Gina, você está dizendo que está... carregando um bebê?
— Si-sim — soluçou Gina.
Hermione olhou para baixo, para a cabeleira ruiva da irmã, e se esforçou para reprimir o desejo de sacudi-la. Ela amava a irmã e bateria em qualquer um que não fosse da família e ousasse zombar dela, mas, na verdade, Gina podia ser a mais superficial das criaturas, e Hermione só estava sendo otimista demais ao acreditar que um vagabundo tivesse se aproveitado de sua ingenuidade.
— Qual o nome dele? — perguntou Hermione, a mão inconscientemente caindo sobre o cabo da lâmina de 15 centímetros que tinha ao quadril.
Gina soluçou com ainda mais força.
— O nome dele, Gin — repetiu Hermione, o tom inflexível. — O patife morre antes do anoitecer.
— Ah, sabia que não deveria ter contado para você — Gina gemeu. — Mione, por favor, por favor, não o mate. Você não entende. Eu o amo!
Hermione soltou o cabo da adaga.
— Você o ama? De verdade, Gin? — Quando a outra garota fez que sim com a cabeça, às lágrimas, Hermione franziu a testa. — Bem, isso muda as coisas, acho. Não posso matá-lo se você o ama. Mas, então, por que as lágrimas? Se você o ama, case-se com ele.
— Você não entende — Gina chorava. — Ah, Mione, eu não posso me casar com ele!
Os dedos voltaram para o cabo da adaga.
— Ele já é casado, não é? Tudo bem, então. Robert e eu vamos enforcá-lo antes de você poder dizer Nottingham Town. Anime-se, Gina. Será um enforcamento adorável.
— Ele não é casado — disse Gina fungando.
Hermione relaxou o corpo no consolo da lareira, soltando o ar com tanta força que afastou algumas mechas de cabelo castanho da testa. Na verdade, hoje ela não estava com paciência para lidar com a irmã desmiolada. Caçar um javali selvagem era dez vezes mais fácil do que tentar entender Gina.
— Bem, então, qual o problema, Gina? Se ele não é casado e você o ama, por que não podem se casar?
— Por causa... por causa do meu dote, Mi.
— Seu dote? — Hermione largou os dois cotovelos sobre os joelhos e grudou a testa nas palmas das mãos. — Ah, Gina. Diga-me que você não fez
isso.
— Tive de fazer, Mi! Cinco casamentos em cinco anos. E eu não tinha nada para vestir. Vesti o samito azul para o casamento de Brynn, a seda lilás para o da Patrícia, o veludo bordô que encomendei de Londres para o da Camilla, o linho rosa para o da Christina e o samito dourado para o seu... — Gina levantou o rosto, a expressão consternada, lembrando-se, mesmo sendo consumida pela própria dor, de que Hermione desgostava imensamente de que mencionassem o próprio casamento. — Sinto muito, Mi. Tenho certeza de que deve parecer sem importância para você. Afinal de contas, você só dá importância a arcos e flechas, não a laços e ornamentos. Mas eu teria sido alvo de piada na aldeia se aparecesse no casamento das minhas irmãs com um vestido já usado.
Hermione achava bastante improvável que alguém em Stephensgate se lembrasse do que Gina tinha usado no casamento das irmãs. A aldeia estava longe de ser a capital mundial da moda. No entanto, ela se controlou para não dizer isso em voz alta.
Em vez disso, Hermione disse, a cabeça ainda apoiada nas mãos:
—Você está me dizendo que gastou seu dote inteiro em vestidos,Gina?
— Não apenas em vestidos — assegurou-lhe Gina. — Em saias também.
Se Gina estivesse falando com qualquer outra das irmãs, provavelmente teria recebido uma bronca por ter se comportado de maneira tão estúpida e egoísta. E, embora Hermione também achasse que Gina tinha se comportado de forma boba — nada melhor, por exemplo, que sua amiga imbecil, Isabella Laroche, aquela criatura ridícula, cujo pai estava administrando tão mal o solar do lorde Harry em sua ausência —, ela não conseguia deixar de sentir pena da irmã. AfinaI de contas, era realmente terrível estar grávida e solteira.
Quando Hermione finalmente levantou o rosto, estava séria.
—Você faz alguma ideia -perguntou — do que Robert vai fazer quando descobrir o que você fez?
— Eu sei, Mione! Eu sei! Por que você acha que estou chorando? E Draco não tem um tostão furado.
—Draco?
— Draco Malfoy. — Gina corou, baixando os olhos. — Ele é trovador. Você lembra, tocou o alaúde tão divinamente no casamento da Christina...
— Meu Deus — murmurou Hermione, fechando os olhos, horrorizada. — Um trovador? Você engravidou de um trovador?
-Sim. Viu? É por isso que não podemos nos casar, não sem meu dote. Porque tudo o que Jack possui é a rabeca e sua mula, Kate. Você sabe que Robert nunca vai permitir que eu me case com um homem que não possui sequer uma muda de roupa, muito menos uma casa onde possamos morar...
Hermione suspirou, desejando de verdade que tivesse sido uma das outras irmãs a encontrar Gina chorando à beira da lareira. Brynn teria ficado compadecida, Patrícia, gritado, Camilla, dado risada, e Christina, suspirado, mas todas seriam capazes de lidar com a situação o melhor que Mione.
Hermione nada sentimental, não fazia a mínima ideia do que significava amar loucamente alguém, como Gina parecia amar Draco Malfoy. No geral, Hermione pensava estar em vantagem. Pelo que podia observar, estar apaixonada parecia um tanto doloroso.
Ela disse:
— Bem, em vez de ficar aí chorando por algo que já está feito, por que você não junta o dinheiro que ganhou fazendo cerveja? — Ela fez uma pausa, percebendo que Gina balançava vigorosamente a cabeça. — O que foi?
Os longos cílios de Gina tremulavam, úmidos.
— Vo-você não percebe? Eu gastei!
— Você gastou tudo? — A voz de Hermione ficou esganiçada. — Mas havia mais de cinquenta!
— Eu precisava de escovas novas — sussurrou Gina, lacrimosa. — E fitas para os cabelos. E aquele vendedor ambulante passou aqui outro dia, vendendo os cintos mais lindos do mundo: eram de ouro de verdade...
Hermione mal conseguia evitar gritar com a irmã, e assim o fez, com toda vontade, apesar do olhar de reprovação que recebeu.
—Você gastou todo o dinheiro que ganhou esse inverno em quinquilharias? Ah, Gina, como pôde? O dinheiro era para comprar malte e lúpulo para o lote do verão!
— Eu sei — disse Gina, fungando. — Eu sei! Mas uma donzela não pode estar o tempo inteiro pensando em cerveja!
Hermione ficou de queixo caído. A irmã era um pouco tola, é verdade, mas, com certeza, essa foi a coisa mais estúpida que uma mulher já tinha feito nahistória de Shropshire.
Fazia um tempo que Gina tinha um negócio pequeno, porém muito rentável, no porão da cozinha. A cerveja dela era considerada por muitos a melhor de Shropshire. Donos de estalagens de regiões vizinhas consideravam valer a pena a viagem até Stephensgate para comprar um barril ou dois da deliciosa cerveja da senhorita. Mas sem capital para comprar ingredientes, os dias de Gina como fabricante de cerveja estavam contados.
— Uma donzela? — repetiu Hermione amargamente. — Uma donzela? Mas você não é mais uma donzela, Gina, é? Você vai ter um filho. Como pretende sustentá-lo? Não pode esperar viver para sempre com Robert aqui, na casa do moinho. Ele logo vai se casar e, embora Rosamund seja a mais doce das mulheres, não vai tolerar por muito tempo uma cunhada dependente que não tem o bom-senso que Deus deu a uma galinha, quanto mais uma criança sem pai.
Hermione instantaneamente se arrependeu das palavras duras quando Gina caiu novamente no choro. Em meio a soluços, a garota sufocou o pranto e disse:
— Ah! E quem é você para falar, Hermione Granger! Você, que foi casada por exatamente uma noite antes de voltar para cá...
—Viúva — ressaltou Hermione, recusando-se a ser manipulada pelas lágrimas da irmã. — Lembra, Gina? Voltei viúva. Meu marido morreu na noite de núpcias.
— Ah — Gina arfou. — Não foi conveniente, considerando o quanto você o odiava?
Hermione sentiu que estava ficando vermelha, mas, antes que pudesse irromper da cozinha em um acesso de raiva, como pretendia, Gina agarrou seu pulso e suplicou-lhe, a expressão pesarosa:
— Ah, Hermione, me perdoe! Não deveria ter dito isso. Arrependo-me com toda a sinceridade. Sei que a culpa não foi sua. Claro que não foi. Por favor, por favor, não vá. Preciso tanto da sua ajuda. Você é tão inteligente, e eu sou tão burra. Por favor, você não pode ficar mais um pouco e me ouvir? Isabella me disse uma forma de eu talvez conseguir o dinheiro de volta, uma maneira que tenho quase certeza de que funcionaria... mas... mas sou muito tímida para tentar.
Hermione ouvia a irmã apenas parcialmente. No outro cômodo, o marido de Camilla tinha provavelmente pegado seu alaúde, pois de repente a melodiade uma canção alegre chegou à cozinha. Acima da música, Hermione podia ouvir perfeitamente o irmão as chamando. Droga! Em um segundo ele estaria na cozinha, e Gina era a pior mentirosa do mundo. A verdade viria à tona e não haveria mais celebração. Haveria, muito provavelmente, um assassinato.
Hermione esperava que Draco Malfoy e a maldita mula estivessem bem longe de Stephensgate.
Gina de repente aprumou-se, os olhos azuis arregalados.
— Mas você podia, Mioone! Você não é tímida. Você não tem medo de nada. E não seria nada diferente de encurralar cervos e raposas. Tenho certeza!
— E o que seria isso? — Hermione, sentada ao lado da lareira com os cotovelos sobre os joelhos, olhou para a expressão repentinamente transformada da irmã. Os vestígios das lágrimas e os olhos inchados tinham ido embora. Agora, os olhos azuis profundos estavam cintilantes, e os lábios vermelhos estavam entreabertos de animação.
— Ah, diga que você vai me ajudar, Mione! — Gina agarrou uma das mãos da irmã, a mão que tinha os dedos bastante calosos de puxar a corda do arco. — Diga que você vai me ajudar!
Hermione, meio distraída pelo medo que tinha da ira do irmão, disse com impaciência:
— É claro que vou ajudar se puder, Gina. Mas não sei como você vai sair dessa, realmente não sei.
— Confie em mim. Promete?
— Prometo. Agora, vamos nos juntar aos outros, Gina. Estão nos chamando. Não queremos que suspeitem de nada.
— Oh, obrigada, Hermione!
Subitamente alegre, Gina abraçou a irmã com força.
— Eu sabia que você me ajudaria se eu pedisse. Você sempre foi boa para mim. Não me importo com o que as pessoas falam sobre você, não acho você nem um pouco esquisita. E com suas habilidades de caçadora, tenho certeza de que vai capturar o homem mais rico de Shropshire!
Hermione olhou para a irmã, curiosa.
— Do que você está falando, Gin?
Surpresa por Hermione não ter entendido, Gina explicou-lhe. E precisou de mais lágrimas da parte de Gina antes que Hermione começasse a sequer considerar honrar a promessa que tinha feito em um momento de distração.
Nota : Oiiii, olha eu aqui de novo com mais essa adaptação, dessa vez a vitima é Liberte meu coração de Meg Cabot (minha diva perfeita), que eu adoro. A historia é incrivel. Espero que vocês tambem gostem. Sim, quanto mais reviwes mais rapido o proximo capitulo. Beijos.
