A Fogueira das Paixões 3:

FLASHBACK


É preciso recordar o passado para ter futuro...


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-Fic não recomendada para menores de 18 anos.

- FLASHBACK é a terceira e última parte da trilogia "A Fogueira das Paixões", precedida por "A Fogueira das Paixões" e "A Fogueira das Paixões 2: REFLEXOS", ambas disponíveis neste site.


RELEMBRANDO A CONCLUSÃO DE "A Fogueira das Paixões 2: REFLEXOS":

No final de "A Fogueira das Paixões 2: REFLEXOS", Hermione Granger, Alone Bernard, Joyce Meadowes, Serena Bennet e Lanísia Burns, As Encalhadas, colocaram um fim na Magia do Aprisionamento. As respectivas qualidades foram recuperadas e Ted Bacon foi destruído pelo ritual. O último frasco não precisava ser aberto, uma vez que Ted já despencava das vigas do celeiro para a morte, porém Adam Parker, o acompanhante de Alone, desarrolhou o frasco, fazendo com que o fim de Ted fosse acompanhado pelo retorno e libertação de Kleiton.

Livre do Mundo dos Espelhos, Kleiton deu início a um processo de reversão do tempo, que fez com que Augusto e Celine retrocedessem dezesseis anos de suas vidas – o mundo, para os três, retornou ao momento exato em que Kleiton foi aprisionado no espelho. Sabendo que Kleiton irá estudar em Hogwarts, Augusto avisou para Celine, ainda no esconderijo da Torre Astral, que os dois retornariam para o oitavo ano na escola de magia, devidamente disfarçados. O disfarce é necessário apesar de Augusto ter sido inocentado das acusações de estupro que lhe cabiam após a confissão de Aaron Raccer, confissão que foi forjada por Marjorie antes de arremessar o rapaz da torre da Estação de Hogsmeade.

Lanísia não entende porque Augusto continua escondido, mas ele precisa manter-se em oculto devido à sua carreira como professor ficar maculada pelo seu caso amoroso com a estudante, fato que contraria os regulamentos de Hogwarts. No final de Reflexos, a Encalhada sofria com o silêncio de seu grande amor.

Hermione fez as pazes com Rony depois que o garoto escutou uma conversa do Nêmeses, o grupo de Marjorie, tramando as suas maldades. Rony, no entanto, continua namorando Marjorie, agindo como um espião para as Encalhadas. Serena foi alvo de uma armação de Draco Malfoy e colocou no dedo um Anel do Vínculo Eterno; se rejeitar o rapaz, o anel deve cair a qualquer momento, porém, se manter relações com ele, ficará casada com Draco para sempre. O anel não permite que Serena tenha contato físico com outro homem, o que entristeceu a jovem e Lewis num momento crucial em que descobriram que não eram irmãos.

Alone esbofeteou Adam após a abertura do último frasco e cortou relações com ele. Joyce iniciou um relacionamento aberto com Juca, pensando em conquistar o astro pop Axel Carver, mas arrependeu-se ao ver que Juca começou a fazer o maior sucesso com as garotas. Ela convenceu Axel a estudar em Hogwarts ao avisar que Jennifer Star também estudaria na escola.

A terceira e última parte dessa história começa nas férias entre os anos letivos, no mês de agosto...


CAPÍTULO 1

Vácuo

-Serena Bennet Malfoy?

-É horrível, não acha?

Serena e Lewis conversavam na Mansão Bennet. Era a segunda semana das férias de verão e o rapaz acabara de chegar. Retirara o tampão que cobria o olho ferido pelo caco de vidro; o tratamento feito com medibruxos não fez com que Lewis recuperasse a visão, mas garantiu que a única mudança no globo ocular fosse uma cor mais esbranquiçada que agora recobria a íris.

O rapaz segurava a certidão do casamento de Serena e Draco, assinada por um funcionário da Seção de Registros do Ministério da Magia.

-Mas não vai durar muito tempo, sabe... Olha só, a pedra está bem mais feinha. A qualquer momento o encanto do anel será quebrado, Lewis.

-Tentou conversar com o membro da Seção de Registros pra alterar isso?

-Sim, mas não teve jeito. Ele diz que, se realmente fui enganada, a qualquer momento vou me livrar do anel. Assim que ele despencar, posso anular o casamento sem empecilhos. Mas foi bem irritante... Ai, Draco ficava rindo da minha cara o tempo todo!

-Parece que sempre há um obstáculo entre nós dois, não é? – indagou Lewis.

-Se parar pra pensar, esse é o mais simples entre todos eles.

-Quando nos apaixonamos, não podíamos simplesmente seguir em frente e assumir um namoro sério porque minha mãe a detestava por ser filha do meu pai... o cara que a enganou em nome de um boletim estrelado em Hogwarts. E depois... depois foi uma mentira dela, que garantia que éramos irmãos, e impossibilitava o nosso envolvimento... Pelo menos diante dos olhos dos outros, porque nossa atração foi forte demais para resistir.

-Graças às minhas atitudes, não é mesmo? Ah, te acorrentava numa cama e pegava à força, mas você seria meu de qualquer maneira.

-Dona Frieda... Sempre a dona Frieda Lambert...

Serena aconchegou-se ainda mais ao peitoral dele. Lewis mexeu em seus cabelos.

-Estão crescendo... Cansou do cabelo curto?

-Ah, sim. Estou com saudades da minha cabeleira comprida e platinada. Acho que deixarei crescer e colocarei uma franja... – ela riu. – Você não existe mesmo... Sabe quantas garotas nesse mundo têm o privilégio de namorar um cara que repara nessas pequenas mudanças?

-Mas eu conheço tudo em você. Vejamos... já foi de paquera para ficante, depois namorada, em seguida irmã e agora é a amante...

O sorriso de Serena encolheu.

-Amante?

-Eu estou ou não com uma mulher casada?

Irritada, Serena levantou-se e cruzou a varanda, dando um tapa na coruja ornamentada sobre a porta, que sacudiu nas estruturas. Ela bateu a porta telada e teve tempo de atravessar a cozinha e a sala antes de Lewis alcançá-la nos degraus da ampla escadaria.

-Serena, eu não quis te ofender...

-Desculpe, não é nada com você. Eu só acho que não precisamos ficar remoendo a situação. Já será ruim o suficiente quando precisarmos conviver todos os dias com o Draco em Hogwarts. Eu não queria estragar minhas férias pensando no Anel da Escravidão Eterna.

-Anel do Vínculo Eterno – corrigiu Lewis.

-Querido, nunca corrija uma mulher irritada – Serena ensinou sacudindo um dedo diante do rosto de Lewis, que nem se importou com a lição; agarrou-a pela cintura fina, que, por baixo da camiseta, se acomodou aos contornos de suas mãos, ergueu-a no ar e depois a puxou para um abraço.

Lewis tateou pelas costas, tocando a saia jeans, sentindo a forma do corpo esguio de Serena, suas curvas singelas e delicadas. Seu corpo inflamou-se com a vontade quase incontrolável de descer a mão ainda mais, tocar a pele clara das coxas, sentir com os lábios a suavidade de todo aquele corpo...

-Nossa, como é difícil resistir... – ele ofegou próximo aos lábios dela. – Sua boca, assim, tão perto... – Lewis lambeu os próprios lábios. Afastou uma mecha de cabelo louro do lábio dela, tomando a cautela de não roçar a pele do rosto. – Seus lábios são tão... carnudos e estão molhadinhos... – Lewis recuou, esfregando os olhos. – Não posso lidar com isso.

-Claro que pode. No Expresso demos um jeito...

-Serena, aquele jeito eu conheço desde a minha adolescência e perdeu um bocado da graça desde que fomos para a cama pela primeira vez.

-Tá bom que na adolescência você também tinha como musa inspiradora para seu "prazer solitário" uma garota de corpo violão totalmente nua.

-Nem parcialmente nua – riu Lewis. – Eu te amo, lourinha.

-Eu também amo você, gatinho. E saiba que pra mim é igualmente tortuoso ver o efeito desse abraço e não poder pegar – ela olhou de soslaio para a virilha dele.

-Por favor, não pegue. Um choque daqueles do seu anel no "camarada" aqui e nem seu corpinho violão dará jeito nele. E quando isso acontecer... ah, meu chapa, nenhum feitiço poderá consertá-lo, porque você é aquela por quem o meu corpo inteiro não para de delirar.

-Hum... eu o pegaria pela mão, se pudesse, mas, como não é possível, peço que me acompanhe até o quarto.

-Isso é um pedido? – disse Lewis, rindo, seguindo a garota escada acima.

No patamar, Serena olhou para ele e percorreu o corredor forrado de carpete vermelho olhando para o rapaz, cuja camisa social ficara amarrotada após o abraço apertado e os cabelos claros ligeiramente despenteados.

-Trouxe alguns elementos para apimentar a nossa relação à distância.

-E posso saber quais são?

-Ainda não, apressadinho... – ela alcançou a porta do quarto e, erguendo um pezinho no ar, flexionou os dedos e deu um subidinha na saia. – Uma dica: a estimulação será recíproca.

Ela entrou no quarto às pressas antes que ele a alcançasse; Lewis já desabotoava a camisa, respirando aceleradamente.

O dormitório luxuoso reluzia em ouro por todos os cantos; as paredes douradas acentuavam o fulgor, bem como a cama ornamentada com colunas que subiam ao teto. Estava desarrumada, coberta com um lençol branco e inúmeras almofadas.

Serena recuava na direção da cama, de costas, olhos fixos em Lewis, enquanto tirava a camiseta e exibia o sutiã preto, num belo contraste com sua pele clara. A visão dos seios pequeninos e arredondados da jovem atiçou a libido de Lewis.

-Então haverá uma troca – Lewis esqueceu a camisa e passou ao zíper da calça, descendo a braguilha. – Eu me toco enquanto você toca em si mesma, um oferecendo prazer ao outro, é assim?

Serena apenas sorriu, provocante, encolhendo as pernas e tirando a calcinha por baixo da saia.

Lewis curvou o corpo para obter alguma visão privilegiada, enquanto Serena já tinha a sua – lançou um olhar lânguido à intimidade de Lewis na abertura da calça e jogou a calcinha na direção dele.

Sentada sobre os lençóis, foi impulsionando o corpo para trás, as pernas abertas propositalmente.

-Tenho uma surpresa para você – ela disse enquanto seu corpo chegava cada vez mais perto da cabeceira toda moldada com folhas e flores de diversos tamanhos, todos os detalhes delicadamente feitos a ouro. No último impulso para ficar mais a vontade na cama, sua mão encontrou uma forma abaixo do lençol ao seu lado, abaixo de uma das almofadas. Serena apertou bem e percebeu que era uma panturrilha, ao mesmo tempo em que uma voz masculina gritou:

-Eu! – Draco afastou o lençol, arremessando várias almofadas no chão do quarto.

-Não! – exclamou Serena, surpresa e irritada, notando que o rapaz estava sem camisa.

-Draco Malfoy... – Lewis cuspiu o nome, enojado. – O que faz aqui?

-Serena não contou? – Draco franziu a testa, depois olhou para a garota. – Oh, querida, era surpresa, não é? Devia ter seguido a minha ideia, diminuiria o baque se ele soubesse com antecedência, haveria certa... ãh... preparação.

Serena fitava-o boquiaberta.

-Eu nem sei porque você está aqui! – ralhou com Draco, depois olhou para Lewis, que permanecia imóvel. – Isso é um absurdo, eu nem...

-É, eu também achei absurdo, sabe, Lewis, mas Serena teimou que você ia topar – disparou Draco, arrastando o resto dos lençóis.

-Oh, você está nu – observou Serena, virando o rosto.

-Claro! Não conheço outra forma de fazermos amor... Saca a ideia, Lewis? O lance é o seguinte: eu e Serena na cama, fazendo tudo o que ela não pode fazer com você... exemplo, ela pode tranquilamente acariciar o meu peitoral... – ele puxou a mão de Serena e a largou, espalmada, sobre o peito dele.

Serena afastou imediatamente:

-Como ousa? Ai, droga, cobre isso! – ela virou o rosto outra vez, tentando evitar a visão das intimidades do rapaz.

-Assim, nós fazemos de tudo aqui, e você assiste enquanto se estimula sozinho com a mão... Não é nenhuma novidade, tem gente que paga pra assistir essas coisas, voyeurismo, sabe? E os trouxas, veja, os trouxas comercializam cenas do tipo. Você tem a vantagem do ao vivo e eu estarei com a Serena, essa lindeza de garota que você tanto ama e deseja. O lance é captar as delícias da imagem e usar a imaginação... Ei, Lewis, o que tá fazendo, vai embora? Serena, ele vai embora! – Draco apontou; Serena, que ergueu o olhar pra encarar Lewis, deu um tapa na mão dele.

-Sabe que é tudo mentira, não é? Esse... esse idiota está mentindo!

-Você foi bem clara enquanto subíamos que seria um momento diferente daquele que tivemos no Expresso de Hogwarts – replicou Lewis. – Só não imaginava que a diferença seria a presença de um acompanhante ao seu lado, ainda mais esse... patife...

-Já começamos com os xingamentos? – indagou Draco. – Achei que os palavrões ficariam para o meio do "processo".

-Não enche, Draco! – gritou Serena, saltando da cama e aproximando-se de Lewis. – Lewis, não dê ouvidos a ele.

-Me deixa em paz, Serena. Pode consumar o seu casamento aí com ele. Só não me obriguem a assistir. Como pôde conceber que eu ia me excitar vendo isso...

-Bom, temos corpos lindos – disse Draco, exibindo os bíceps.

-Eu não sei o que o Draco está fazendo aqui, a minha ideia era apenas fazer um strip e atingir o clímax enquanto você olhasse pra mim...

-Garanto prazeres múltiplos pra ela, Lewis, tem certeza de que não quer ouvir? O som já vai propiciar o maior barato... Aaaaah! – ele gritou vendo Serena se aproximar, irada, para encher-lhe o corpo de tapas.

-Seu idiota, mesquinho, eu odeio você!

Draco aproveitou a aproximação para agarrá-la e virá-la na cama; Serena deu um gritinho, mas com a desenvoltura de Draco viu-se abaixo do corpo dele num instante.

-Isso, meu bem, vamos começar, assim o Lewis já vê o quanto é bom e fica por aqui...

-Me solta, Draco!

-Oh, isso, meu bem, seja ousada, pode tocar, sou todo seu... – ele movia o quadril falsamente.

-Droga, Lewis, me ajuda, pô...

Draco a beliscou nos braços.

-Aaaai... Aiii...

-Isso, geme mais, Serena... Oh...

-Nada disso... – mas Draco arranhou o punho dela, provocando outro grito. – AAAAI... Louro duma figa, eu te esgano...

Ainda movendo os quadris para dar movimento sob os lençóis, Draco olhou para trás. Lewis tinha desaparecido.

-Acho que teremos que consumar o casório sem plateia – disse ele, olhando para Serena e recebendo, de pronto, um soco no nariz; Draco rolou para o outro lado da cama, segurando o nariz ferido.

-Droga, respingando sangue no meu lençol, isso vai dar trabalho pros elfos – lamentou-se Serena. – Quer saber, to nem ligando, você mereceu – saltou da cama e correu para a porta. – Lewis! LEWIS! Droga... nessa altura ele já deve ter desaparatado... – olhou desalentada para o quarto.

Draco Malfoy apertava o nariz ensanguentado, mas ria copiosamente.

-Eu odeio você, Draco! Mais do que nunca! – olhou para o anel. – Essa droga devia cair agora, porque nunca o odiei tanto em toda a minha vida! – ficou parada de costas para a cama, de frente para a penteadeira encostada à parede do dormitório.

-Bom, vai ver que tocar no meu peito e ficar embaixo do meu corpo nu a tenha perturbado o suficiente para manter o anel aí – Draco sorriu, presunçoso.

-Lewis nunca vai me perdoar – disse Serena, ignorando a petulância do "marido". – Vai pensar horrores a respeito do que aconteceu depois que ele saiu, sempre foi pessimista ao extremo.

-Pare de se preocupar com Lewis! Aproveite e pule aqui na cama!

Serena permaneceu parada, de costas, com os braços cruzados, batendo os pés. Draco, então, levantou-se e aproximou-se sem que ela notasse. Quando se deu conta, Draco já a segurava pelo pulso e a virava de frente para ele.

-Não é todo dia que se tem a sorte de estar casada com Draco Malfoy.

Serena, mesmo contra a vontade, espiou o corpo dele e ergueu a mão para afastá-lo:

-Fique longe...

No movimento da mão, a pedra azul do Anel do Vínculo Eterno emitiu um brilho acentuado.

-Opa, opa, o que foi isso? – perguntou Draco, sorrindo.

-Nada...

-É impressão minha ou essa pedra brilhou só por estarmos juntinhos?

-Impressão sua. Foi efeito da luz, só isso... – Serena caminhou na direção da porta e, protegendo a mão, espiou o anel; inexplicavelmente, a pedra azulada estava mais brilhante, mas ela não deixaria que Draco tivesse a certeza disso, mas de modo algum. – Sei que não tenho escolha a não ser aceitá-lo aqui na mansão, o que é meu, é seu, e vice-versa, mas não quero dividir a mesma cama com você. Portanto, queira, por favor, vestir alguma coisa e se retirar do meu quarto antes que...

Era impossível saber o que foi dito depois.

Aqui começa o vácuo na memória de Serena Bennet.


Hermione entrou na casa de chá de Madame Puddifoot em meio à nuvem de vapores habitual. Estava com o cabelo preso, trajando um longo vestido florido e calçando uma delicada sapatilha.

Rony acenou de uma mesa num canto e ela, com dificuldade, abriu caminho entre os poucos casais que se beijavam nas mesas ao redor. Ela curvou-se para Rony e, seguindo o grudar de lábios circundante, beijou-o ardentemente, aplicando-lhe uma mordidinha no pescoço antes de afastar-se.

Ela riu, acomodando-se defronte a ele enquanto Rony esfregava a nuca.

-O que eu digo pra Marjorie se ela me perguntar quem deixou esse chupão?

-Bom, diga que ela fez isso e nem se deu conta – ela segurou a mão dele por cima da mesa. – E então, como está?

-Não vou dizer que está ótimo, mas compensa quando eu penso que poderemos destruir o grupo dela com essa farsa... – e parou de falar, pois Madame Puddifoot se aproximava ansiosa com um bloquinho na mão. – O que quer Mione?

-Uma xícara de chocolate quente, por favor.

-Duas – incrementou Rony.

A bruxa afastou-se, o traseiro corpulento esbarrando na nuca de um rapaz sentado a quatro mesas de Rony e Mione; o casal irritadiço pela interrupção olhou feio para Madame Puddifoot.

-Tem certeza de que essa foi uma boa ideia? – perguntou Rony.

-Madame Puddifoot?

-Não... Hogsmeade – Rony fez um gesto amplo com as mãos. – Eu e você... encontro secreto... bem aqui, perto de Hogwarts! Quero dizer, a chance de sermos vistos é grande demais, não acha?

-Durante o ano letivo, sim, mas não nas férias. Rony, qual dos nossos colegas vai querer se aproximar de Hogwarts durante o verão? Estar em Hogsmeade significa ver o castelo à distância. Alunos em férias não chegam nem perto das escolas, querem esquecer tudo o que lembre o local em que estudam, com a gente mesmo é assim, não é? Confie em mim: não há local mais seguro no momento. E você replicou todas as minhas ideias de lugares confinados...

-Claro, eu queria um encontro como qualquer casal de namorados – beijou-lhe a mão. – Embora, presumo que o Nêmeses esteja entre os assuntos que vamos conversar.

-Está coberto de razão... Oh, obrigada, Madame Puddifoot. Suas xícaras são lindas – Mione pegou a sua pela alça e bebericou o chocolate quente com cuidado. A xícara de cerâmica era ornamentada com motivos florais, sombras de flores pinceladas em tons de rosa e azul. Ela apoiou a xícara no pires e só então notou a expressão divertida no rosto de Rony. – O que foi?

-Estou muito mais admirado com o sabor do chocolate, a xícara é mero detalhe! Vocês reparam em cada coisa...

-Mas são lindas mesmo! – exclamou Mione. – E pode se preparar, vou querer um jogo de chá igualzinho para o nosso futuro lar. Agora me conte sobre o Nêmeses.

-Já?

-Vamos começar pela parte chata para nos livrarmos logo dela!

-Tudo bem... – ele largou a xícara e virou-se para o espaldar da cadeira; Mione só reparou na mochila quando ele a ergueu pelas alças e a passou para o colo após não encontrar espaço na mesinha do estabelecimento. Muito sério, Rony relatou. – Conforme expliquei na carta, sempre que posso durmo na casa da mãe adotiva da Marjorie para tentar descobrir o que ela e o grupo estão planejando. Jill Crane continua internada num hospital, portanto só a Marjorie está morando lá.

-É, eu já sei... Passe para as novidades.

-Fiquei no total cinco noites por lá e os integrantes do Nêmeses apareceram em quatro delas, o que significa que estão se reunindo quase diariamente. É sempre o mesmo esquema: Draco, Robbie e Afonso chegam, Marjorie me despacha pro quarto dizendo que é uma reunião entre amigos e o quarteto se fecha no porão da casa.

-E eles demoram por lá?

-Puxa, e como. Duas, três horas...

-Você conseguiu ouvir alguma coisa? Sei lá... grudou o ouvido na porta do porão? Usou Orelhas Extensíveis? São realmente úteis e uma pechincha na Gemialidades Weasley, e você tem desconto por lá...

-Claro que eu tentei escutar... tenho sim um estoque de Orelhas Extensíveis, mas Jorge diminuiu meu desconto para cinco por cento, pode? De qualquer modo, elas não funcionaram. Todas as tentativas foram frustradas. Da última vez ouvi Marjorie lançando Abaffiato e barrando o escape do som... Depois do feitiço não ouvia nem o zumbido de uma mosca dentro do porão.

Hermione deu um tapa de frustração na mesa; as xícaras estremeceram; a dela tremeu tanto que uma pequenina poça de chocolate formou-se em volta do pires.

-Isso não pode continuar! O Nêmeses tramando em segredo, planejando tudo com cuidado e nós sem termos a mínima ideia do que farão... Já tentou reclamar com a Marjorie? Forçá-la a mudar o esconderijo?

Rony deu uma golada no chocolate quente e ao baixar a xícara estava com espuma marrom em volta dos lábios.

-Eu tentei. Disse que não era certo a minha namorada ficar trancada num porão escuro junto com três homens. Ainda falei que a minha experiência nesse campo não era tão boa... Você lembra, você e os dois jogadores de quadribol no vestiário...

-Difícil esquecer, eles estavam dentro de mim... – Mione mexeu-se desconfortavelmente na cadeira.

-Pois é... Aí a Marjorie disse que sentir ciúmes era bobagem. Lembrou que Robbie não gosta de garotas e que Draco está casado com Serena.

-E Afonso?

-Disse que os outros dois não ficariam parados assistindo uma suposta pegação dela e de Afonso. Isso já provava que não estava rolando sacanagem lá embaixo.

-Então você não descobriu nada?

-Errado – ele deu pancadinhas na mochila. – Ontem eles receberam uma visita inesperada.

-De quem?

-Kleiton Huggins.

Hermione ficou boquiaberta.

-É, foi essa a mesma reação do Nêmeses. Queixos caídos, olhos esbugalhados, tensão... Mas o evento inesperado deixou-os distraídos o suficiente para largarem a porta do porão aberta enquanto conversavam com Kleiton na sala. Eu desci pela cozinha, adentrei o corredor e me esgueirei para dentro do porão.

-Descobriu quais são os planos deles! Encontrou projetos, algo do tipo?

-Não, não tive muito tempo! Mas encontrei algo interessante sobre a mesa... – ele disse, puxando o zíper da mochila com um sorriso no rosto.

-E o que é isso?

Rony terminou de abrir a mochila e retirou do interior um volume encadernado em couro, com o brasão de Hogwarts na capa.

-Anuário de 1956? – indagou Hermione, puxando o anuário das mãos dele. Abriu-o e viu as tradicionais imagens de estudantes, movendo-se enquanto sorriam ou acenavam, dispostos por Casas e turmas. – Rony... como eles conseguiram pôr as mãos nisso? Oh, você foi maluco, não devia ter tirado do porão, eles na certa vão perceber que algo assim desapareceu!

-Talvez não tão depressa. Havia dezenas desses por lá.

Mione ergueu os olhos.

-Havia tantos anuários assim?

-Hum-hum. Vários. Alguns tão ou mais antigos quanto este.

-Que estranho... – Hermione folheava o anuário à procura de algo incomum, talvez um pedaço de pergaminho revelador oculto entre as páginas. Mas o único padrão incomum que encontrou estava bem à vista. – Rony, algumas pessoas fotografadas foram circuladas, reparou nisso?

-Sim. Eles estavam fazendo isso em todos os anuários. Esse era um dos que estavam fechados já, então acho que tinham terminado de mexer nele. Mas eles pousaram as penas de qualquer jeito sobre os anuários que estavam abertos sobre a mesa, e neles também estavam circulando alguns dos retratados.

-Por que eles fariam isso? Será que estão procurando alguém?

-É possível... Embora curioso. Não havia uma ordem aleatória entre os anuários, sabe? Ao lado do anuário de 1980 estava o de 1930, e este sobre o de 1964... ou 63? Enfim, da década de 60...

Hermione passava os olhos pelas pessoas circuladas. Eram de ambos os sexos; em algumas páginas não havia nenhuma envolta em círculo, em outras todos os estudantes foram destacados.

-Esses jovens chamaram a atenção do Nêmeses por algum motivo... Mas qual seria?

A porta da casa de chá tilintou suavemente quando foi aberta para admitir um novo casal. Hermione ergueu o rosto, distraída; olhou e, rapidamente, voltou a esconder-se atrás do anuário aberto.

-Ferrou... – murmurou, assustada.

-Ãh, o que...? – Rony fez menção de virar-se, mas Mione agarrou o pulso dele com força.

-Não olhe agora! Robbie Greenwood acabou de entrar acompanhado!

-R-Robbie? O do Nêmeses?

-Sim!

Mione espiou por cima do anuário e viu Robbie, com os costumeiros cabelos claros e cheios presos por uma tiara e usando uma camiseta cinza de manga curta e jeans, dirigir-se a uma mesinha do lado oposto. Sentou-se na cadeira que ficava de costas para os dois, e o homem de barbicha que o acompanhava, mesmo através da fumaceira do estabelecimento, tinha o rosto desconhecido, não representando uma ameaça – e, de qualquer forma, não manifestava qualquer interesse pelo que acontecia ao redor – para ele, que não os conhecia, Rony e Hermione deveriam formar um casal como qualquer outro que estava no local.

-Pensei que nenhum aluno de Hogwarts se aproximasse da Madame Puddifoot! – comentou Rony.

-Eu sei. Mas como poderia saber que ele tinha um encontro com um funcionário da Loja de Penas Escriba?

-Como sabe que o cara trabalha lá?

-Está com o uniforme de funcionário, marrom e com a pena bordada no peito, mas isso não importa! Temos que sair imediatamente, pelo menos um de nós dois.

-Eu não ficarei aqui sozinho – falou Rony. – Parecerá que tomei um bolo!

-Não seja ridículo, Rony! Tome aqui o anuário... Devolva isso antes que os Nêmeses percebam que um dos anuários sumiu e veja se consegue descobrir mais alguma coisa – ela terminou o chocolate já frio com uma careta e pegou a bolsa, passando a alça pelo ombro. – Marcamos para...

-Não, você não vai! – sussurrou Rony, irritado, olhando preocupado por cima do ombro.

-Sua boca está suja de chocolate – ela disse, rindo e limpando com os próprios lábios. – Escute, tolinho, não há problema algum em não sairmos juntos! Eu simplesmente precisei ir embora, não há nada constrangedor nisso!

-Casal apaixonado que se preze sai junto! – teimou Rony, guardando o anuário na mochila.

-Enquanto você se preocupa com isso, corremos o risco de sermos descobertos pelo amiguinho da Marjorie! Quer queira, quer não, estou indo e sozinha!

-Por que não podemos ir juntos?

-Porque a porta vai tilintar quando sairmos e Robbie pode olhar... Ah, Rony, eu estou indo... – e levantou-se.

Mas antes que Hermione desse o primeiro passo, ela viu Madame Puddifoot curvando-se para falar com Robbie e seu acompanhante, segurando um bule de chá, e esbarrando o traseiro em uma mulher de meia-idade que, naquele momento, levava uma xícara fumegante aos lábios.

Mione percebeu o que aconteceria uma fração de segundo antes.

Com o golpe recebido na nuca pelo traseiro volumoso, a mulher de meia-idade engasgou-se, largando a xícara, que rodopiou no ar e estilhaçou-se no chão; Madame Puddifoot, surpresa, girou o corpo impetuosamente para ver o que acontecia e entortou o bule que segurava; pelo bico do bule, uma torrente de chá quente caiu sobre a frente da camisa de Robbie, que se levantou de uma vez, gritando.

Bastava uma leve torção de pescoço para ele olhar diretamente para Hermione e, ao mesmo tempo, para o rapaz ruivo diante dela.

E foi a imagem que Hermione guardou: Madame Puddifoot cheia de culpa, enquanto Robbie sacudia a camisa que desprendia fios de vapor, ela sem ação, tanto quanto Rony.

Se Robbie olhou ou não para os dois, era impossível recordar.

Aqui começa o vácuo na memória de Hermione Granger.


Lanísia deu uma última volta diante do espelho. Vestia um short bege claro, uma blusa tomara que caia de cor pérola, e por cima, uma leve jaqueta de manga longa na mesma tonalidade do short, embora fosse estampada por bolinhas marrom claro.

Saía do quarto quando vislumbrou um feixe de luz avermelhada; Lanísia só teve tempo de se agachar para evitar o feitiço, que explodiu de encontro à parede. A garota tropeçou nos próprios pés e, mais preocupada em pegar a varinha na bolsa do que manter-se em pé, ia caindo de borco no chão, não fossem os braços que a seguraram antes da queda.

-Oh, obrigada... – ela agradeceu ao rapaz alto e moreno, que usava vestes sem manga, registrando em seguida a varinha do estranho próxima ao seu rosto, o que a fez perceber de imediato que fora salva pelo bruxo que havia disparado o feitiço.

Lanísia pôs-se a berrar, enquanto tentava se desvencilhar do abraço dele.

-Calma, calminha, não vou lhe fazer mal – insistiu o bruxo.

-Como não? Acabou de disparar um feitiço em mim, seu doido! – ela afastou-se dele com a varinha em prontidão. – Quem é você? Desembucha! O que quer? Quem o mandou aqui? Marjorie? Rebecca?

-Não sei quem são essas duas, eu apenas fui chamado para restaurar o papel de parede da casa – disse o bruxo, olhando do rosto de Lanísia para a ponta da varinha.

-Mesmo? – Lanísia olhou por cima do ombro rapidamente. – Hum, realmente o papel estava um tanto descascado e agora está perfeito! Parabéns pelo ótimo trabalho e... Aaaaaah! – ela se agachou rapidamente diante do facho luminoso de outro feitiço, que cruzou o corredor e chocou-se contra o candeeiro sobre a sua cabeça.

Ao olhar para o alto, Lanísia viu o candeeiro mover-se de um lado para o outro, com uma pequenina chama dentro dele e um bruxo ruivo, alto e forte, parado na ponta do corredor, segurando a varinha.

-Quem é você?

-Sou Bruce Talbot, tenho vinte anos, sou do signo de Sagitário...

-Isso aqui não é uma apresentação formal, amigo, não quando você quase chamuscou minha cabeça! O que faz aqui?

-Sua mãe me contratou para acender os candeeiros todas as noites...

-O quê?

-Valeria Burns, foi ela quem me chamou também – disse o bruxo moreno que restaurara o papel de parede. E, virando-se para o ruivo, alertou: – Ei, tem que pegar mais leve na hora de acender os candeeiros, veja, danificou o papel que acabei de restaurar!

-Tarefas tão simples assim e a dona Valeria Burns precisa contratar outros bruxos? – questionou-se Lanísia. – Ah, mas vou agora mesmo descobrir o que está acontecendo! Francamente, ela quebrou a varinha e eu não tô sabendo? Ooooopa! – Lanísia saiu derrapando pelo piso encerado do patamar sobre a escada, que brilhava mais que o comum.

Olhou apavorada para os degraus, mas antes que os alcançasse, três outros bruxos surgiram – dois do extremo oposto do corredor e um que saltou três degraus para cima para evitar que a garota caísse – e Lanísia caiu com os braços seguros por um, as costas por outro e as pernas pelo terceiro.

-Agradeço – disse, sem fôlego. – Vieram fazer reparos, presumo?

-Limpeza do chão...

-...eu das paredes...

-...corrimãos impecáveis, são minha especialidade!

-E precisam trabalhar descamisados? – perguntou, sem jeito, enquanto os rapazes colocavam-na de volta à segurança do patamar.

-Por que, a senhorita gostou? – disse um deles, flexionando o braço.

-Francamente, ela deve gostar mais do meu corpo.

-Ela estava olhando pra mim enquanto dizia, não estava?

-Onde a minha mãe encontrou vocês, na Egocêntricos S.A.? – perguntou a garota, sacudindo os cabelos longos e muito lisos nos rostos dos bruxos e iniciando uma descida altiva pelas escadas.

Parou boquiaberta ao chegar ao fim da escadaria e olhar para a sala.

Havia cinco desconhecidos diferentes fazendo reparos. Dois brigavam para ver quem espanaria os tapetes primeiro; outro estava flutuando todo pomposo sobre uma Firebolt novinha, limpando o alto das vidraças; e os dois últimos pareciam bem confusos com o uso da varinha – enquanto um batia com a varinha na própria cabeça, o outro acabava de arremessar a sua entre as toras da lareira.

-Mamãe, o que está acontecendo aqui? – perguntou Lanísia, indignada, encolhendo-se diante da chuva de faíscas coloridas que pipocaram do fogo na lareira quando a varinha explodiu, cobrindo todo o torso nu do trouxa de pó.

-Bom, filha, eu quis dar um jeitinho na casa e contratei esses bruxos sarados adoráveis...

-Então foi enganada, porque esse aqui é um trouxa – disse Lanísia, apontando para o rapaz que, apavorado, tentava limpar os resquícios de carvão do corpo.

-Mas é lindo, não é? De qual deles você gostou mais, meu bem? Hum? Interessou-se por um deles?

-Ah, então essa é a questão? – disse Lanísia, subitamente compreendendo tudo o que acontecia e apontando a varinha para o lado para aspirar o pó que cobria o corpo do trouxa. – Não importa que eu não ame, ou que seja um trouxa sem a menor noção do que fazer com uma varinha... o que interessa é que todos são jovens!

-Jovens, másculos, viris, prontos a acompanhar todo o vigor de sua juventude!

-Ah, você quer mesmo entrar nesses aspectos de minha relação com o Augusto? Por que eu posso lhe garantir que disposição é o que não falta nele! E questão de aparência? Não é tudo para mim, embora você há de convir que ele não tem nada a perder a nenhum desses moleques que você arranjou!

-Claro que tem! Tem rugas, dores nas costas, na certa alguns fios brancos na cabeça...

-Uma experiência inigualável. A barriguinha dos sonhos. Um cheiro de almíscar na pele. A pegada... Quer que eu entre nos detalhes íntimos do corpo dele?

-Como sabe que ele é tão sensacional assim se não se entregou a homem nenhum antes dele?

Lanísia riu.

-Vejo que, mais uma vez, conseguiu romper o cadeado do meu diário com um feitiço... Não conhece mesmo o significado da palavra privacidade!

-Um dia você vai me dar razão. Entender que isso tudo que sente por esse velho é só fogo de palha!

-Ele não é um velho, tem mais ou menos a sua idade! Aliás... Tá aí... – Lanísia deu um risinho. – Acho que é esse o foco do problema, não é? Ficou excitada vendo o Augusto? Acha que ele é homem pra você e não pra mim?

-Não seja ridícula e me respeite, Lanísia Burns! – as correntes douradas que cobriam o pulso de Valeria tilintaram.

-Como você pode exigir respeito se não aceita as escolhas dos outros? Eu poderia estar apaixonada por um homem mais novo e lutaria por ele da mesma forma! Eu não escolhi o Augusto; aconteceu!

-Eu devia ter imaginado... Todas aquelas aulinhas de reforço nas férias. Na certa você mesma sabotava o próprio boletim para ficar mais perto do professor, e eu não reparei nisso! Fui uma tola! Uma súbita queda no seu desempenho em Defesa contra as Artes das Trevas, e eu não fui capaz de associar as coisas! Mas como podia adivinhar? Quem nunca teve uma paixonite por um professor ou professora? Mas sempre são sonhos tão ingênuos, inalcançáveis...

-É a minha diferença em relação aos meros mortais, mamãe. E você devia saber disso. Sonhos pra mim são projetos. Não canso até torná-los reais.

Valeria Burns fungou.

-Vocês já transavam naquela época?

-Não, não! Não por minha vontade, claro, por mim já tinha rolado há muito tempo... Mas o Augusto resistiu o máximo que pôde. De minha parte, frequentava as aulas sem calcinha... Cruzava as pernas pra ele. Ia de saia curta, deixava a pena cair no chão e me agachava pra pegar... – ela mordeu o lábio com a lembrança. – Uma vez derrubei tinta propositalmente entre os meus seios e ele veio, todo vergonhoso, me limpar. Queria que assim ele olhasse bem pros meus peitos e percebesse que eu já era uma mulher feita. Ou melhor, que tinha corpo de mulher. Que estava pronta a me tornar uma fêmea na cama dele...

-Se eu tivesse percebido... se eu tivesse impedido essa pouca vergonha!

-Aconteceria da mesma maneira. Eu ia encurralar o Augusto de qualquer jeito.

-Aquele pardieiro, devia ter mandado queimar aquela casa...

-Não, não pode destruir local com tantas lembranças... – Lanísia riu. – A propósito, falando nesse pardieiro, estou indo até lá. Não vou demorar...

-Vai se encontrar com... ele?

-Espero que sim. Quanto aos seus "funcionários", pode dispensar a todos. O problema não é que eles são jovens, imaturos ou trouxas... – ela tirou a varinha da mão do jovem que golpeava a própria cabeça e jogou-a aos pés da mãe. – O problema é que nenhum deles é o Augusto. Que tal tentar encontrar um sósia mais moço? Hum... se bem que eu acho que pra chegar no nível másculo do Augusto terá que esperar o exemplar maturar...

Lanísia saiu batendo a porta.

Assim que cruzou a cerca viva, desaparatou em direção à casa de Augusto. Surgiu diante da conhecida casa de madeira branca, ladeada por uma cerca pequenina e um portão de ferro escuro. O portão estava entreaberto; o coração de Lanísia deu um salto.

Será que Augusto estava de volta à casa e ainda não havia avisado?

Ela notou que as grades do portão estavam ligeiramente retorcidas, recentemente golpeadas por chutes e pontapés. Ao cruzar o caminho cimentado que levava à porta de entrada, percebeu que o jardim, outrora bem cuidado, estava recoberto de folhas e sujeira. Algumas das estátuas foram pichadas, outras cobertas por restos de Bombas de Bosta; um duende de pedra fora tão vandalizado que teve a cabeça arrancada e substituída por uma cômica máscara de elfo doméstico.

O coração de Lanísia confrangeu-se, olhando para as inscrições ofensivas escritas por toda a fachada da casa. Xingavam Augusto dos piores nomes: "pervertido", "estuprador", "aliciador de alunas"... As vidraças estavam arranhadas, mas não foram destruídas, possivelmente reparadas por feitiços ou protegidas por alguns deles, estando incapazes de rachar ou ruir.

A verdade já fora provada, mas era doloroso ver aquele registro dos estragos provocados pelas armações de Marjorie. E a tristeza aumentava porque o abandono da propriedade era uma prova de que Augusto continuava escondido em outro lugar...

Lanísia puxou a varinha antes de estender a mão para a porta, esperando ter de lidar com feitiços defensivos.

A porta estava entreaberta.

-Augusto? – a garota chamou, entrando no hall do cômodo apertado.

A esperança reavivou; talvez ele tivesse acabado de chegar, por isso não tivera tempo de corrigir o estrago no jardim. Ou então estava em lua-de-mel com Celine, continuando a farra que tinha iniciado no esconderijo, quem sabe não produziriam uma irmãzinha para Joyce?

Pontadas de ciúme irracional que Lanísia era incapaz de controlar...

Tomando fôlego, ela olhou saudosista para a mesa redonda no canto da sala, onde por tantas vezes ouvira as instruções do professor, forjando uma dificuldade de aprendizado que não existia. Aproximou-se da escrivaninha a um canto e olhou para os livros de defesa mágica. Ao lado deles havia um distintivo empoeirado que Lanísia nunca tinha visto por ali. Exibia um reluzente M de Monitor, mas trazia o símbolo de um cavalo alado. Lanísia franziu a testa. Augusto sempre estudara em Hogwarts; como arranjara um distintivo que não exibia um leão, um texugo, uma serpente ou uma águia?

-Olá, vadia.

O susto de Lanísia foi tamanho que ela largou o distintivo de monitor, que bateu contra a escrivaninha, ricocheteou na mesa e depois caiu no chão. Rebecca Lambert estava parada na escada, fitando-a com o desdém habitual.

-Oi, Rebecca. Não esperava encontrá-la por aqui. Tentei localizá-la depois que você foi sumariamente demitida da escola, sabe? Fiz uma varredura nas melhores sarjetas, mas você não estava em nenhuma delas rodando a sua adorável bolsinha...

Rebecca fungou, irritada.

-Claro, eu devia ter imaginado que você viria pra cá, é típico você aparecer pra abrir o guarda-roupa do Augusto e cheirar algumas camisas dele, talvez se enrolar entre os lençóis, tentando se agarrar ao menor pedaço de Augusto que lhe restou.

-O que faz aqui, piranha?

-Eu? Estava à toa, relembrando os velhos tempos... As aulinhas particulares que recebi nessa sala... – Lanísia passou as mãos pela superfície da mesa, respirando fundo. – Sinto até um calor subindo pelo meu corpo ao recordar... – ela passou espremida entre a cadeira e a escrivaninha. – É tudo tão apertadinho por aqui. Eu me aproveitava desse espaço pequeno. Via que o Augusto ia passar aqui atrás e me levantava rapidinho pra ele roçar o corpo em mim. Às vezes eu o surpreendia duro... Era sensacional. Você sabe o que é deixar o Augusto excitado só com provocações, Rebecca? Com um mínimo vislumbre do seu corpo? Ou melhor... – ela fez uma pausa para rir. – Afinal, sabe o que é excitar o Augusto?

-Garotinha vulgar... – ela cuspiu as palavras. – É claro que uma hora ele ia ceder. Você ficou constantemente rondando o Augusto com seus modos vulgares, usando as suas roupas de vagabunda... Insistiu tanto que venceu pelo cansaço.

-Não, Becca, foi você quem perdeu o Augusto pelo cansaço. Ele cansou de olhar pra sua cara nojenta e de ouvir a sua voz de gralha, aí te deu o fora e foi procurar coisa melhor!

-Garota, não me provoque! Hoje eu...

-Uau, era isso mesmo o que o Augusto vivia me dizendo! Para que eu não o provocasse... Mas claro que eu sei ser sensual e sutil ao mesmo tempo. Me aproveitava das pequenas oportunidades... – ela terminou de rodear a mesa e ficou parada de frente para Rebecca. – Coisas no estilo: "ui, professor, não sei executar o movimento correto com a varinha, você pode me ajudar?". E aí vinha aquela delícia me ensinar, tocando na minha mão, aquele hálito suave soprando feito brisa em meu rosto, trazendo logo duas varinhas para a explicação, se é que você me entende... acho que nem pode entender. Afinal, é isso o que irrita, não é, Becca? Por que nem nos seus mais áureos tempos com o Augusto a relação de vocês chegou perto disso. Sabe que comigo é diferente, e isso acaba com você. Mas essas conexões entre pessoas, querida... isso não se explica! O jeito é se conformar e partir pra outra. Eu faria isso mais cedo ou mais tarde se o Augusto não estivesse a fim, mas desde o início o corpo dele me deu demonstrações expressivas de interesse.

-Gosta de pisar no meu sofrimento, não é, vadiazinha?

-Só retribuo o modo como pisa na minha felicidade.

-Eu não estaria assim, tão segura, na atual situação, meu bem... Porque eu não vim até aqui para cheirar as roupas do Augusto, mas na esperança de encontrá-lo aqui, olhar no rosto dele e ver se a mudança realmente aconteceu.

-Mudança? – Lanísia franziu a testa. – Do que está falando?

Rebecca gargalhou tanto que precisou de alguns segundos para se recuperar.

-Eu adoraria estar olhando pra sua cara quando der uma conferida no novo visual de Celine... O primeiro amor de Augusto, inteiramente repaginado, tão pueril e cheio de curvas quanto você.

-Que conversa é essa...?

-Uma pena que você não chegará a conferir, seria interessante observar essa concorrência. Mesmo sem a minha ajuda, Augusto escaparia de suas mãos.

Antes que Lanísia tivesse tempo de perguntar por que não poderia conferir o que quer que fosse, Rebecca trouxe a resposta apontando a varinha para a porta e lacrando a saída. Em seguida, agilmente, antes que Lanísia pudesse pronunciar qualquer feitiço, jogou o corpo da jovem contra a parede e, com um novo aceno da varinha, encurralou-a contra a mesa, cuja borda quase atingiu a barriga da Encalhada.

-Rebecca, não faça isso!

-Ué, cadê o sorrisinho estúpido? A prepotência? – ela movimentou a varinha outra vez, desarmando Lanísia e agarrando a varinha da garota no ar. – E eu achava que nem seria capaz de cometer o assassinato que era necessário, conseguirei cometer logo três, incluindo na conta você e seu maldito bebê!

Rebecca fez um novo aceno com a varinha; a mesa recuou e, em seguida, com um urro feroz, ela fez a mesa avançar outra vez contra Lanísia. Dessa vez atingiu-a lateralmente, pegando a barriga; com um grito sufocado, Lanísia dobrou o corpo, sentindo a cabeça girar e uma náusea embrulhar o estômago.

Enquanto a mesa recuava, Rebecca esticava o pescoço para observar melhor os estragos em Lanísia.

-Ainda não começou a sangrar? Ótimo, então acho que preciso de um pouco mais de empenho!

A mesa avançou outra vez, mas Lanísia, que já estava dobrando o corpo, precisou apenas agachar um pouco mais para desviar da borda, que estremeceu a parede ao chocar-se contra ela.

-Ardilosa – comentou Rebecca, irritada. – Não pode escapar de mim. Vamos ver o quão habilidosa você é com a mesa voando pelos ares!

E com um movimento curvo da varinha, Rebecca fez a mesa sair do chão e avançar contra Lanísia, dando rodopios no ar, toda a sua superfície pronta para esmagar o corpo da jovem. Lanísia gritou e correu na direção da escrivaninha, subindo nela. Rebecca, irada, voltou a mesa flutuante para o móvel; Lanísia saltou um segundo antes da mesa chocar-se contra a escrivaninha, batendo com tanta força que o móvel emborcou e caiu no chão, desconcentrando Rebecca, que precisou desviar-se dele.

Nesse meio-tempo, Lanísia precipitou-se pela escada, agarrada ao corrimão, o corpo dobrado enquanto as mãos acariciavam o ventre dolorido.

-Sua assassina! – choramingou Lanísia enquanto corria para cima. – Meu bebê...

-Só estou concluindo o que tentei fazer aquela noite, nos terrenos de Hogwarts. Não queria virar uma assassina, mas as circunstâncias levaram à primeira morte... se a primeira foi obrigação, a sua será prazer...

-Que primeira morte é essa? – berrou Lanísia alcançando o patamar e olhando para baixo; arregalou os olhos; Rebecca começava a subir, tranquila, mas com o olhar vidrado no rosto.

-Cadela... hoje você não me escapa...

Não adiantava tentar puxar assunto para retardar a ex-inspetora de Hogwarts. Percebendo isso, Lanísia lutou contra a dor e correu, encurvada, à procura de algum refúgio. Não conhecia o segundo andar da casa de Augusto, de modo que tentou abrir a primeira porta que encontrou no corredor. Teve tempo de registrar que era um mero armário de vassouras antes do corpo despencar do interior e esmagá-la.

Lanísia berrou, repugnada e horrorizada, o rosto do morto a centímetros do seu, pálido e congelado num momento de profundo terror, registros claros da Maldição da Morte. Empurrou-o para o lado e recuou, estremecendo em calafrios, enquanto apoiava-se na parede para erguer-se outra vez.

Ergueu o rosto e viu Rebecca parada à curta distância, rindo.

-Sabe, nem foi tão difícil matá-lo... Jardineiro intrometido, nem cuida da propriedade direito! Ele me tirou do sério muitas vezes no tempo em que vivi com o Augusto nesse lugar, imagino que deve tê-lo envenenado contra mim também. Foi nisso que pensei para ter coragem de fazer a Maldição da Morte funcionar. Entenda, era preciso matar alguém. Se você tivesse chegado mais cedo, eu teria poupado esse verme, e nem precisaria me esforçar, porque vontade de eliminá-la não me falta, embora ache que a morte seria muito pouco para você.

Lanísia não entendia o que Rebecca queria dizer com aquela necessidade de cometer um homicídio, mas nem se preocupava com isso; naquele momento, a vontade era de salvar a própria pele e a do filho também. Apavorada, avançou pelo corredor e tentou acessar a segunda porta que apareceu à sua frente. Dessa vez não era um armário de vassouras; viu-se numa sala de pintura, onde várias telas dividiam espaço com pinceis, potes de tinta e macacões jeans, no estilo que Augusto gostava de usar.

Não havia janelas nem outra porta, exceto aquela pela qual havia entrado e por onde Rebecca acabava de surgir. Lanísia desviou-se dos inúmeros cavaletes espalhados pela sala e recuou o máximo que pôde, tentando proteger-se de possíveis feitiços, mas no momento Rebecca não expressava o menor interesse pela varinha. De fato, após fazer a porta fechar-se e bloqueá-la com um cavalete, ela guardou a varinha, tirando do bolso das vestes uma faca comprida.

-Eu quero ter o prazer de acabar com você com as minhas próprias mãos – rosnou a ex-inspetora.

-Rebecca, não faz isso...

-Por quê? Vai voltar pra me assombrar, é isso? – Rebecca aproximava-se passo a passo, desviando-se dos cavaletes, enquanto Lanísia se espremia contra a parede. – Eu não me importaria em ter de lidar com o seu fantasma. Afinal, pelo menos branco-pérola e flutuante Augusto não poderia tocar em você! Ao contrário do seu calor, ele só encontraria o gelo, o frio do seu espírito!

Ela ergueu a faca e girou-a na direção de Lanísia que, com um berro, pegou o cavalete mais próximo e usou-o para se proteger como um escudo. A lâmina da faca prendeu-se na tela, atravessando-a ao lado do rosto perplexo da garota. Rebecca urrou, enquanto Lanísia, andando de costas, recuava pelo aposento, a ex-mulher de Augusto presa à tela pela faca que fazia questão de não soltar, sendo forçada a acompanhá-la, tentando desprender a enorme lâmina.

Recuando sem olhar, Lanísia colidiu com uma das telas, batendo o ombro dolorosamente, e caiu para trás, trazendo Rebecca consigo, a ponta da faca pronta a perfurá-la... Ela então soltou o cavalete que a unia à Rebecca, fazendo-a cair ao lado.

-Não tem escolha a não ser me enfrentar – avisou Rebecca, usando as duas mãos para arrancar a faca presa à tela.

Quando finalmente conseguiu arrancá-la e se levantava para avançar contra Lanísia, a jovem girou um dos cavaletes contra o rosto da inspetora, derrubando-a no chão. Rebecca largou a faca, que caiu a centímetros dos seus dedos.

-Vagabunda... – praguejava a inspetora. – Eu te pego, vagabunda... vou destruir a sua vida de um modo que nem imagina...

Lanísia curvou-se, sentindo a dor aumentar no ventre, mas conseguiu pegar a faca.

-O jogo virou, Rebecca, não está em condições de me ameaçar – dizia Lanísia, ofegante. – Agora você vai ficar quietinha e me deixar pegar a minha varinha... de quebra vai me passar a sua também, para evitar algum golpe baixo de sua parte.

-Ou o quê? Vai me matar? – debochou Rebecca.

-Se o duelo virar uma questão de sobrevivência, na hora da defesa, tudo pode acontecer. Anda, me passa as varinhas!

Foi um momento de tensão, no qual Lanísia tentava manter a faca firmemente entre os dedos enquanto tentava prever os movimentos de Rebecca, víbora traiçoeira que a qualquer segundo poderia passar da obediência ao ataque.

Rebecca puxou do cinto a varinha de Lanísia, mostrou-a à garota e, lentamente, conduzia o objeto para o piso.

E então a cobra deu o bote.

Becca arremessou a varinha de Lanísia para o alto; aos rodopios, a ponta da varinha produziu faíscas que passaram rente ao rosto da garota, obrigando-a a proteger os olhos, fechando-os.

A inspetora levantou-se num salto e agarrou a mão de Lanísia, tentando pegar a faca.

-Me dá isso, piranha! Ninfeta desgraçada! – ralhava a inspetora, os olhos injetados de ódio, fazendo força para agarrar o cabo da arma; Lanísia, assustada, tentava impedir, pois sabia que não havia a menor chance de escapar se Rebecca tomasse a faca naquele momento.

As duas, com os corpos muito juntos, começaram a disputar a posse do objeto; os olhos de Lanísia lacrimejavam devido ao esforço. Ao mesmo tempo em que tentava evitar que a faca passasse para as mãos erradas, lançava breves olhares por cima do ombro para evitar os cavaletes que bloqueavam o caminho.

-Vou de triturar inteirinha, arrancar cada pedaço e guardar de recordação – ria Rebecca delirantemente. – Usar a faca pra cortar sua barriguinha e puxar esse feto monstruoso... Farei o parto mais brutal de que já se ouviu falar...

-Não... não... – murmurava Lanísia.

Rebecca mudou a tática de modo súbito e, abandonando as tentativas de tomar a faca, agarrou o cabo e começou a forçar a ponta da arma para o lado de Lanísia. A garota tentou impedir, mas a lâmina inclinou-se de modo ameaçador em sua direção...

-NÃO! – berrou Lanísia, erguendo o joelho e golpeando a barriga da inspetora.

Sem fôlego, Rebecca deixou de tentar puxar a faca, mas levou a mão ao cinto para apanhar a própria varinha. Percebendo isso, Lanísia agarrou-lhe o corpo, fragilizado pelo golpe no estômago, e girou-a para lançá-la para longe.

Mas um ruído gotejante e um berro da inspetora fizeram com que ela percebesse, tarde demais, o que havia esquecido: a faca continuava em suas mãos.

Rebecca caiu de rosto no chão, ainda gritando, deixando diante de Lanísia uma tela, anteriormente em branco, coberta de vermelho-vivo, o sangue fresco da inspetora, espalhado de modo incoerente como uma pintura abstrata.

Horrorizada, Lanísia soltou a faca que fez as vezes de pincel, cuja lâmina estava impregnada de sangue. Ela escutava o ofegar de sua aquarela viva, caída ao lado, aparentemente dilacerada pela súbita perda de tinta vital.

Onde o golpe atingiu a inspetora, se foi fatal ou se causou apenas um ferimento, era impossível recordar.

Aqui começa o vácuo nas lembranças de Lanísia Burns.


Na Floreios & Borrões, encarapitada no alto da escada com rodinhas encostada à uma das estantes, Alone verificava as lombadas dos livros das fileiras superiores na Seção de Estudo dos Trouxas. Olhando para baixo, perguntou para o outro funcionário da livraria:

-Hugo, qual o nome do livro mesmo?

O rapaz fez um muxoxo.

-Ih, esqueci também... Só um segundo... – ele então se dirigiu a um canto do corredor onde um pedaço de pergaminho estava afixado na parede, tirou a pena especial pendurada em um gancho, molhou no tinteiro redondo logo abaixo e pôs-se a escrever no pergaminho o assunto a pesquisar. "Trevos de quatro folhas".

No pergaminho, a mensagem se transformou primeiro no desenho de um minúsculo trevo, que por fim virou o desenho de um livro fechado onde, na capa, o título formou-se:

-Alone, o livro é Magia a partir dos trouxas.

-Valeu, Hugo, está aqui! – ela puxou um livro de tamanho médio e o tirou do meio dos outros. A capa exibia uma ilustração de um gato preto ameaçador ao lado de um pé de coelho e uma cartola de mágico. Passando o livro para baixo do braço, ela desceu a escadinha e, confirmando a ausência de clientes ali no patamar superior da livraria, foi até o cantinho de leitura, onde algumas cadeiras e mesas redondas estavam dispostas sobre o tapete.

Alone sentou-se em uma cadeira e largou o livro sobre a mesa defronte. Afastou o exemplar do Profeta Diário que estava sobre o tampo da mesa, trazendo uma imagem ampliada da diretora Minerva McGonagall que, em artigo exclusivo e muito comentado, defendia a inclusão dos abortos na comunidade mágica. Alone abriu o livro Magia a partir dos trouxas e começou a examiná-lo.

Conforme virava as páginas, apoiou uma das mãos na nuca, colocando os dedos por baixo do cabelo liso e negro como aves de rapina, massageando o pescoço distraidamente.

-Introdução... – iniciou a leitura de um parágrafo. – Os trouxas têm o desagradável costume de associar magia às trevas... Tá, isso eu já sei... Mas onde falam de trevos de quatro folhas? – passou ao índice. – Hum... Deve estar nesse aqui! Capítulo 6: "A natureza e as supostas propriedades mágicas". Aqui temos... aqui está, trevo de quatro folhas!

Ela abriu o livro à procura da página enquanto murmurava sozinha:

-Eu tenho certeza de que há um na representação gráfica do ritual que o Nêmeses quer praticar... Será que não há uma única propriedade realmente mágica nos trevos de quatro folhas?

-Os trouxas, na verdade, superestimam o valor de um trevo de quatro folhas devido à sua raridade – disse uma voz próxima a ela, fazendo Alone ter um sobressalto de espanto.

-Adam?

-Não me acuse de perseguição! – ele disse, erguendo as mãos em sinal de rendição e arregalando os olhos muito azuis. – Vim à livraria para as comprinhas habituais para Hogwarts. Já recebi a lista para o oitavo ano e não quero deixar para a última hora... Por que o súbito interesse em trevos de quatro folhas? Caso encontrou algum e pensa que irá obter sorte ao carregá-lo por aí, lamento, mas está enganada!

-Eu desconfiei que estava ao notar que a pesquisa pelo trevo só indicava um livro sobre trouxas... É uma pena – por teimosia, ela abriu no capítulo 6 e passou os olhos pelo trecho sobre o trevo de quatro folhas. – Pois é, aqui diz que você tem toda a razão!

-Vejo que está com um crachá da livraria. Está trabalhando aqui?

-Sim. Eu não queria ficar aturando o meu pai o verão inteiro tentando empurrar pretendentes para mim. Ele não acredita que eu não esteja mais namorando o Harry e fica com aquelas indiretas irritantes... – ela encaminhou-se até a escadinha para repor o livro no lugar. – Assim sendo, me candidatei a uma vaga temporária aqui na livraria. Logo a demanda cresce com a proximidade do ano letivo e eles contam com um acréscimo no quadro de funcionários para dar um jeito na bagunça.

-Posso imaginar que o fato de poder fazer pesquisas nesse acervo gigantesco também tenha contado para o seu súbito interesse em trabalhar na Floreios & Borrões? – perguntou Adam astutamente, mexendo na escada com rodinhas.

-Um pouco... Adam, eu vou cair! – ela gritou ao sentir a escada pendendo para o lado; tentou manter-se firme, mas como se segurava apenas com uma mão, perdeu o equilíbrio e despencou, indo para um lado e a escada para o outro.

Caiu diretamente nos braços de Adam, gritando e agarrando firmemente o pescoço dele.

-Seu doido! – deu tapas nele. – Eu poderia ter me machucado gravemente e... Uh, seus braços estão mais malhadinhos.

-Eu retomei o trabalho braçal depois que as oportunidades em Hogwarts e em Hogsmeade minguaram – ele sacudiu os ombros.

-Está fazendo muito bem a você... – ela disse, com um olhar cobiçoso, enquanto Adam a colocava no chão.

-Tá, obrigado, mas não tente me distrair... Alone, o que está tentando descobrir entre esses livros?

-Nada importante. E, mesmo se estivesse tentando, não diria ao cara que já me traiu uma vez!

-Eu abri aquele frasco com as melhores intenções, já disse isso!

-Sua justificativa foi muito linda e heroica, aliás, bem condizente com a sua fantasia de Super-Homem daquela noite, mas, ainda assim, tem que arcar com as consequências do seu erro e, entre elas, está a perda da minha confiança em você! – ela espiou o andar abaixo. – Bom, tem alguns clientes um tanto perdidos lá embaixo e, como não há nenhum por aqui, vou até lá atendê-los. Com licença...

-Eu sou um cliente! E, olha, estou precisando de ajuda para encontrar um livro sobre animais fantásticos... A Srta Bernard pode me ajudar?

-Sim, a Srta Bernard pode, e saiba que ela está muito contente hoje, sabe por quê?

-Presumo que ela vá me contar mesmo contra a minha vontade.

-Correto. Tive uma recaída com o Harry na última noite. Ele entrou lá em casa com a Capa da Invisibilidade e subiu para o meu quarto. Enquanto meu pai pensava que eu estava trancafiada estudando, estava era matando a saudade do ex-namorado que ele desaprova.

-Ah, e como foi?

-Incrível. Harry foi o meu primeiro amor. Sabia que até magia para conquistá-lo eu pratiquei?

-Está sendo muito indiscreta para alguém que não confia mais em mim. Vai acabar chafurdando nessa sua tentativa de me jogar para escanteio.

-Eu não estou tentando feri-lo! – retorquiu Alone.

-Ah, e por que entrou no assunto do revival entre você e Harry?

-Porque estou feliz e quero compartilhar esse sentimento!

-E imagino então que você relatou a sua noite de amor com o Potter para todos os clientes que passaram por aqui hoje?

-Não conheço todos eles.

-E a mim você conhece muito bem. Lembra a noite da festa cosplay?

-Hum... Já comprei meus livros e conheço a lista de cor, então, nessa seção, sei que vai precisar desse aqui, Animais fantásticos em extinção, e o clássico da literatura infantil Os contos de Beedle, o Bardo – ela praticamente jogou os livros nos braços dele. – Era só isso, não? Até logo!

Mas Adam continuava parado, sorrindo.

-Noites casuais com o Harry não me farão perder o interesse em você, Alone.

-Mas espero que o ajudem a perceber que não tem nenhuma chance! Oras, vou deixá-lo aí sozinho, se quiser reclamar ao meu respeito ao gerente, reclame, nem ligo! – e virou-se, batendo os pés.

Adam soube como detê-la...

-Você tem certeza de que são trevos de quatro folhas que você está procurando? Pois embora não tenham importância, há uma figura na simbologia mágica que se parece muito com um deles.

Alone parou e olhou para ele. Adam fez um sinal e curvou-se sobre o pergaminho onde as pesquisas eram feitas.

-Veja isso... – molhou a pena no tinteiro e fez um desenho simples. – Conhece essa forma aqui?

-Sim. Parece uma ampulheta.

-Perfeito. Agora, veja uma ampulheta de lado. Se eu cruzar dois bulbos paralelos a esse, desenhando uma ampulheta cruzada com essa, o que acontece? Temos quatro bulbos que se assemelham muito a um trevo de quatro folhas.

-Incrível... E o que significa um par de ampulhetas paralelas? Tem algo a ver com o retorno de Kleiton?

-Não. Tem seu significado próprio, embora poderiam indicar o que aconteceu no caso dele também... As ampulhetas cruzadas em X, na representação de um ritual, indicam que o passado e o presente se encontram através da realização dele.

-E... Sabe qual seria o significado de um rosto em perfil e um par de pentagramas? Eu não sei se os pentagramas eram invertidos ou não, mas...

-Havia dois deles?

-Sim.

-Então eles eram opostos. Pentagrama invertido, feitiço das trevas; pentagrama tradicional, magia branca; pentagramas iguais jamais são postos lado a lado. Os opostos na mesma representação indicam que, embora seja cheio de boas intenções e bons fluidos para quem o pratica, há um preço a se pagar pelo ritual.

-E o rosto em perfil?

-Hum... Não faço ideia, teria que pesquisar...

-Isso já ajuda um bocado – disse Alone, apontando para o desenho das ampulhetas em X. – Adam, não tenho nem como lhe agradecer...

-Tem sim – percebendo a súbita tensão de Alone, acrescentou. – Relaxe, não vou pedir um beijo ou um encontro... Queria apenas ajudá-la a descobrir o significado desse ritual. Seremos colegas em Hogwarts. Não me custa nada usar as horas vagas para auxiliá-la.

-Escute, Adam, eu e Harry estaremos à vontade na escola, sem a vigilância do meu pai poderemos nos encontrar sem preocupação. Pode ser que...

-Não lhe peço nada em troca. Assim eu descubro o que os Nêmeses estão aprontando e você me absolve definitivamente. Espero que assim possa provar que pode confiar em mim.

-Está certo... Aceito a sua ajuda.

Eles se olharam por alguns segundos, sem piscar, antes que Adam pigarreasse e conferisse os livros que carregava.

-Bom, acho que está tudo aqui, vou pegar os outros livros lá embaixo... Eu... A gente se vê em Hogwarts!

-Claro.

Ele colocou a mão no bolso e puxou uma pequena saca que tilintou, cheia de moedas. Alone viu um pedaço quadriculado de papel cair do bolso dele sem que Adam reparasse. Avisou:

-Adam, espere! Derrubou isso aqui!

Ela agachou-se para pegar; Adam subitamente acorreu na direção dela, pedindo:

-Não, não olhe, espere!

Aquilo intrigou a garota, que se afastou às pressas para o fundo do corredor entre as estantes, o coração aos pulos, querendo saber o que tanto apavorara Adam, qual seria esse segredo que um cartão tão pequenino poderia conter...

Mas no exato instante em que ia virar o cartão, tudo se desfez.

Pois esse é o início do vácuo na memória de Alone Bernard.


Trabalhar como assessora de Axel Carver não era tão proveitoso quanto Joyce Meadowes havia imaginado. Após o show daquela tarde, encontrava-se um tanto afastada das inúmeras cabanas ocupadas pelas fãs do artista.

Ela sentou-se diante da fogueira do acampamento, olhando, pensativa, para as chamas que crepitavam. Lembrou-se instantaneamente das amigas, sentindo um conhecido aperto no peito. Não via a hora de reunir o grupo outra vez, experimentar aquele reencontro que, de tão natural e proveitoso, faria com que o tempo da separação nem parecesse ter existido.

Uma fogueira seria, para sempre, o símbolo das Encalhadas. Que houvesse uma bruxa com traseiro entalado em um caldeirão no topo da sede do grupo de ajuda, não importava; a fogueira era a verdadeira insígnia que marcaria o grupo para sempre.

-Hum, cansou de se divertir, garanhão? – zombou de Juca, que se aproximava, trôpego. – Esqueceu o zíper aberto.

-Já deixo assim pra facilitar – disse Juca.

-Não entendo essa necessidade de ficar trocando tanto de parceira.

-Ei, o relacionamento livre não impõe um número específico de parceiras! E você pode estar sossegadinha agora, mas é apenas porque está obcecada no patrãozinho!

-Patrãozinho?

-Afagos pro Axel garantem salário extra! – Juca justificou-se.

-Hum, vou pegar firme na bilonga dele então pra ganhar mais galeões...

-Não perca o seu tempo, isso só vale um sicle.

Joyce fitou-o horrorizada.

-De qualquer modo, você já aproveitou muito a vida. Agora é a minha vez de variar! Não tenho culpa se a mulherada me quer!

-Você é tão ridículo, Juca Slooper, não tem sequer um biótipo ideal. Pega altas, baixas, magrinhas, morenas, loiras, ruivas, gatinhas, barangas...

-Claro, tenho que variar! Já passei, por exemplo, por diferentes tipos de peitos! Algumas têm belos pomos de ouro pequeninos, mas outras já vêm com aqueles balações enormes de bicos pontudos...

-Tipo os meus?

-Ãh, os seus estão mais pra pomos de ouro.

-Eu devia azará-lo agora mesmo por essa desfeita, Juca! Transformar o seu bastão usado aí do meio das pernas num mero tronquilho inútil!

-Não, não faz isso, por favor! – implorou Juca, encolhendo-se enquanto cobria a intimidade com as mãos.

-Por mim cancelava esse relacionamento livre de uma vez... Mas sou a favor dos direitos iguais. E não desisto enquanto não conseguir levar Axel pra cama umas mil vezes.

-Impossível. Ele não quer saber de outra garota que não seja a Jennifer Star e você não se parece nadinha com ela... Talvez se você embriagá-lo. Ou usar uma Poção de Amor, mas o efeito só durará para umas rapidinhas.

-Arranjarei um modo de conquistá-lo sem apelar para magia. Acredite, tive experiências nada agradáveis nesse campo.

-Não vai conseguir jamais. Ainda não percebeu que o que o Axel sente pela Jen não tem nada de pueril ou romântico? Joyce, o ego desse cara é estratosférico. Ele ama a si mesmo e os bens que a carreira bem-sucedida lhe propiciou. Mais nada. Quer Jen apenas pela publicidade de formar um casal famoso. Se Axel pudesse ele casava com ele mesmo! Bom, o papo tá bom, mas o "soldadinho" aqui já está pronto pra guerra outra vez... – ele apontou para trás, onde três garotas acenavam aos risinhos. – Até logo, Joyce!

-Espero que ele não funcione – disse, mal-humorada.

Ficou ali, olhando para as chamas, naquela tarde fria.

Juca era seu marido, mas se recusava a dormir com ela e, pior, perdia-se na luxúria nas mãos de dezenas de mulheres diferentes. Axel Carver, o artista fenômeno, bruxo mais lindo do mundo por quatro anos seguidos – de acordo com o Semanário das Bruxas – estava vidrado em Jennifer Star, que o detestava, pelo simples desejo de unir-se à segunda estrela no topo das paradas musicais de sucesso.

Diante dela, duas tarefas impossíveis...

Será mesmo?

Uma Poção de Amor, conforme Juca dissera, não duraria muito e não replicaria o verdadeiro sentimento. Mas ela conhecia algo que podia durar a vida inteira... e olhava para a fonte do amor devotado, intenso e vibrante, que crepitava em chamas amareladas diante dela...

A Fogueira das Paixões...

Não; ela não podia fazer isso outra vez! A Fogueira trouxe as piores consequências; no fim, quase todas as Encalhadas tinham motivos para odiar o ritual, que teve o ápice da tragédia na morte de Frieda Lambert, quando todos os rapazes enfeitiçados uniram-se para evitar que a bruxa revelasse a verdade, cabendo ao Lewis enfeitiçado o golpe fatal.

Não tinha coragem de criar outra Fogueira...

Mas será que havia a possibilidade de enfeitiçar os dois ao mesmo tempo?

Ela conhecia Juca muito bem; sabia o que poderia desfazer o amor da Fogueira nele. Axel? Era como Juca havia dito; Axel amava qualquer bem que possuía; tudo lhe representava a glória da própria fama. Seria fácil, quando ela quisesse, desfazer o ritual; a reversão já estava à mão, e era a única maneira de ter os dois só para ela.

-Eu vou tentar – disse Joyce, erguendo-se diante das chamas, determinada.

Abriu a bolsa e tirou do interior dois pedaços de pergaminho. Escreveu em um deles Juca Slooper, e no seguinte, Axel Carver.

-Nenhuma regra dizia que era apenas um nome por garota. Eu vou tentar... – ela tomou fôlego, agarrando um toco de madeira largado no chão.

Apontou a varinha para o toco e bradou:

-Incendio!

As chamas lamberam o topo do toco. Joyce ergueu a tocha bem no alto, começou a circundar a fogueira e disse as palavras que jamais esqueceu, tomando o cuidado de pronunciar o encantamento no plural:

-Amor, amor! Fogo devastador, me entregue os meus amores!

Ela arremessou a tocha na fogueira, gritando:

-CORAÇÃO!

A fogueira transmutou-se, as labaredas moldando-se no formato perfeito de um coração ardente. Joyce sorriu.

Tirou os papéis do bolso e arremessou-os de encontro à Fogueira das Paixões.

A fumaça saiu pontilhada de coraçõezinhos claramente definidos. Satisfeita, só restou à Joyce cantar o agradecimento:

-Amor, amor! Obrigado à Fogueira por me entregar os meus amores!

Joyce parou de costas, fechou os olhos e ouviu o estalo final.

Será que havia conseguido resultado para Juca e Axel ou apenas para um deles?

De repente, à distância, ela viu surgir, de cada lado da fogueira, o artista e o seu marido. Juca ainda com o zíper da calça aberto, Axel com seu figurino roxo berrante e o cabelo erguido num topete exagerado.

Parecia discernir nos rostos deles um desejo incontido, à flor da pele, desejo que os atraía para ela como se o seu corpo fosse um ímã.

O que rolou depois é enigma.

As chamas ardiam diante da face de Joyce, Axel e Juca se aproximavam, o cheiro da magia antiga impregnava o ar misturado à fumaça, quando se iniciou, nesse ponto, o vácuo na memória de Joyce Meadowes.


Vácuo...


Foi como o despertar de um longo sono, saindo do negror para a realidade.

Depois do vácuo, Hermione, Alone, Joyce, Lanísia e Serena deram por si com a cara emborcada num piso de tábuas empoeirado. Estavam num local desconhecido, uma sala quadrada e sem janelas, caídas no chão.

Uma enorme tapeçaria com o desenho de um cavalo alado decorava a parede ao fundo.

-Ai, minha cabeça está doendo horrores – gemeu Mione, esfregando a nuca. – O que fazem aqui? – perguntou, olhando para as amigas.

-Não faço a menor ideia – respondeu Joyce, piscando, aturdida e confusa.

-Nem eu – disse Serena.

-E você, Mione? – perguntou Lanísia.

-É... eu também não.

Havia pessoas desconhecidas espalhadas pelo recinto, todas se erguendo do chão, algumas apoiadas sobre os cotovelos, outras se sentando, todas com o mesmo olhar aturdido, confuso, examinando o local como se não o reconhecessem. As Encalhadas viram Marjorie Crane usando as palmas das mãos para erguer o corpo; outro Nêmese, Afonso, mexendo inquietamente no recente piercing que enfiara na língua; Lewis Lambert sentado, esfregando o cotovelo; o professor Ipcs Raccer, batendo o cocuruto da cabeça no tampo de uma mesinha de canto ao tentar levantar-se repentinamente; Adam Parker sacudindo dos cachos dos cabelos os estilhaços de um castiçal, cujos restos de velas jaziam em pedaços aos seus pés; Lorenzo Martin massageando os pulsos; Rony Weasley tocando um hematoma na têmpora, que sangrava copiosamente; para a surpresa das meninas, até as celebridades estavam presentes – Jennifer Star era amparada pelo sempre presente Niah Jones, seu agente; até Axel Carver estava ali, confabulando com dois outros integrantes dos Esdrúxulos, que elas sabiam ser o baterista Franklyn Kyle e o baixista Michel Hewitt. Da parte de Lanísia, ela reconheceu Bruce Talbot, o rapaz designado por Valeria Burns para acender os candeeiros. Todos esses estavam presentes, além de rostos que elas desconheciam.

Todos se moviam, agitados, tensos.

Só um corpo continuava deitado, inerte, no centro do círculo. A única coisa que se movia ao redor desse corpo era a poça de sangue, que se espraiava, penetrando nas bordas do piso de tábuas.

Uma garota de óculos ornamentados foi a primeira a gritar. Ela berrou e virou-se para a parede, escondendo o rosto, enojada.

No centro do círculo, Rebecca Lambert jazia com a boca entreaberta, os olhos vidrados imóveis e fixos, abertos, porém vazios. Um enorme troféu em forma de estrela estava fincado ao seu peito, a ponta mergulhada nas entranhas da professora. Havia dois cortes em seu rosto e perfurações no tórax e em uma das clavículas.

Um jovem de cabelos escuros rompeu a imobilidade do círculo e aproximou-se cautelosamente do corpo; levou a manga das vestes à testa coberta por suor frio. Uma jovem graciosa de cabelos claros e compridos tentou segurá-lo:

-Mathias... – ela murmurou num fio de voz, mas ele desvencilhou-se. Os movimentos dela eram fluidos, dignos de uma bailarina.

Lanísia estava concentrada no rapaz; havia algo familiar no tal Mathias, como se já o tivesse visto em algum outro lugar...

Mathias agachou-se ao lado do corpo da inspetora. Desolado, ele ergueu o olhar para a loura que tentara contê-lo e sacudiu a cabeça. Era nítido que nada poderia ser feito por Rebecca; a ex-inspetora estava morta.

Lorenzo Martin adiantou-se. As Encalhadas sabiam que o dono do Lorenzo´s bancava o detetive em investigações particulares. Com a voz firme, Lorenzo perguntou:

-Alguém sabe quem fez isso?

Todos negaram veementemente.

A amnésia parecia compartilhada por todos, mas o certo era que alguém ali, entre eles, havia cometido o crime e matado Rebecca Lambert, embora ninguém lembrasse como chegara ali, como a inspetora fora morta, por que eles estavam caídos ao redor do cadáver, quem era o assassino...


N/A: Aguardo o seu comentário! Com o novo visual do Fanfiction, basta preencher o quadro abaixo para mandar a sua review! Não quis colocar uma sinopse completa para não estragar a surpresa da trama. Até o próximo capítulo!