A SOLIDÃO E A ESTRADA
Luna despediu-se dos amigos. Já era tarde e ela queria ir embora logo. Gostava das festas que a Gine promovia, mas a volta para a casa era sempre a melhor parte da noite. Os quase sessenta minutos de percurso eram desafiadores. A chuva que passara o dia inteiro ameaçando cair, mostrava-se timidamente. Saiu em direção ao seu carro. A solidão e a estrada saberiam guardar seus segredos.
Em seu carro, Luna sentia-se invulnerável. A segurança e o conforto do Audi faziam com que ela esquecesse os limites de velocidade e de suas atitudes. Ninguém poderia vê-la ou julga-la. Naqueles cinqüenta e três minutos ela era a pessoa mais livre do mundo. Acreditava que tinha o controle de tudo. Pisou ainda mais fundo no acelerador. Nada poderia pará-la.
Viu um borrão cruzar a frente de seu carro. Segurou o volante com força. Seu corpo bateu dolorosamente contra o banco. O air-bag foi ativado. Sentiu-se tonta. Tentou se acalmar. Não podia perder os sentidos. A volúpia de outrora cedeu lugar ao medo. Um tremor intenso a invadiu da cabeça aos pés. Freiara tarde demais. Não precisou abrir os olhos para saber o que tinha feito.
Do lado de fora a chuva aumentava. Os trovoes insistiam em servir de trilha sonora para o espetáculo. Luna permanecia dentro do carro sem ter coragem de se mexer. Jamais pensara que um dia mataria alguém. A estrada estava vazia. Não conseguia entender de onde o professor Snape havia surgido. Não podia mais ficar ali parada sem ter idéia da gravidade do atropelamento. E se ele ainda estivesse vivo? Talvez pudesse salva-lo. Abriu a porta esperançosa e saiu apressada. Foi até a frente do Audi. Viu o corpo do professor atirado no asfalto. Ele mantinha-se imóvel. O sangue que escorria da cabeça era banhado pela água da chuva. Luna deu um passo para trás. Pensou em pegar o celular e pedir ajuda, mas mudou de idéia. Aquele acidente marcaria sua vida para sempre. Aproximou-se do homem. Olhou fixamente para o corpo. Sentiu raiva. Desejou poder matá-lo outras vezes. Nunca mais seria feliz. Deu outro passo e pode jurar que viu o professor se mover. Virou as costas para a cena com desprezo. Entrou no carro, molhando todo o banco, engatou a ré com violência. Distanciou-se o quanto pôde e, sem desviar, pisou fundo no acelerador como jamais pisara. A solidão e a estrada saberiam guardar seu segredo.
