Capítulo 1: De meia-noite a seis horas da manhã

00:00. Loja de conveniência em Los Angeles.

Um homem de média estatura, vestindo uma blusa de malha cinzenta, com uma pistola automática enfiada no cós da calça, estava ocupado carregando sacos de papel, cheios de embalagens de comida, e alguns produtos para o lar. Ele estava morando sozinho, uma vez que sua filha havia saído de casa, e sua última namorada estava enfrentando uma temporada, internada em uma clínica para curar-se de estress. Ele não tinha permissão para visitá-la, com o que ele teve que concordar, pois sua vida era um contínuo redemoinho, com balas e ameaças voando ao seu redor. Ele não poderia envolvê-la conscientemente, naquela roleta russa.

Ele teve dificuldade em pegar o chaveiro para destravar a tranca eletrônica do carro. Após abri-lo, colocou as compras no banco de trás. Fechou a porta e contornou o carro para abrir a porta do motorista. Então alguém colocou um lenço com clorofórmio em sua boca. Ele segurou a respiração para não inalar muito daquele anestésico. Deu uma cotovelada na pessoa atrás de si, enquanto com a outra mão, tentou retirar a mão com o lenço da sua face. Infelizmente um terceiro homem surgiu e enfiou uma seringa agulhada no pescoço dele. Tentou não entrar em pânico, mas isso era difícil, quando se pressentia que sua vida estava por um fio.

Logo o líquido injetado começou a circular pelo seu corpo. Sua visão ficou distante. Tentou segurar firmemente no braço do homem com o lenço, num último esforço para se libertar, mas seus braços e mãos fizeram outra coisa, largando o braço do seu captor e pendendo molemente ao lado de seu corpo. Disse a si mesmo mentalmente, "fique frio, ainda dá para sair dessa vivo, só não inale esse lenço", mas inadvertidamente, ele respirou profundamente, fazendo com que sufocasse, e as coisas a sua frente ficassem negras. Ele desmaiou.

01:00. Armazém abandonado nas cercanias de Los Angeles.

Sua amada esposa Teri sorria para ele. Ela era uma em um milhão. Sempre compreensiva e maravilhosa. Era seu paraíso pessoal. Viviam juntos há mais de 15 anos, e era sempre como se tivessem acabado de se conhecer. Seria possível continuar apaixonado por sua esposa, após tantos anos? Ela aproximou-se sorridente dele, e segurou-o pelos ombros, enquanto ficava nas pontas dos pés, para beijá-lo. O rosto dela era macio, seus lábios eram doces como mel. Seus olhos eram cristalinos como água pura da montanha, no primeiro dia de degêlo. Ele queria viver para sempre ao lado dela.

Água gelada escorreu em sua cabeça. Podia sentí-la entrando por suas narinas. Estava se afogando. Instintivamente, sacudiu a cabeça e debateu-se. Ergueu os braços para nadar para a superfície. Não conseguiu, seus braços estavam amarrados firmemente, presos ao seu corpo. Abriu os olhos e tentou focalizar em um ponto, pois sua visão estava um borrão só. Então uma face de homem aproximou-se perigosamente do seu rosto. Ele agiu por instinto, sentia-se vulnerável. Arremessou para frente, dando uma cabeçada na face do outro homem. Viu o sangue escorrer da sobrancelha deste.

_ Este desgraçado me atingiu! Acabem com ele! _ Disse o homem com a sobrancelha sangrando.

_ Ah, ah, ah, ah! Você é que foi estúpido por se aproximar tanto dele. Quando acabarmos com ele, poderá matá-lo, antes não. _ Falou um outro homem. Este terceiro homem aproximou-se do prisioneiro e segurou em seus cabelos, puxando sua cabeça para trás, usando força suficiente para deixá-lo careca. _ Jack Bauer. O famoso super agente da CTU. É um prazer finalmente conhecê-lo. Deixe me apresentar, eu sou o homem que irá matá-lo.

Jack olhou-o firmemente. Já estivera em situações parecidas no passado, mas drogado, amarrado e completamente a mercê de dois psicopatas, seria a primeira vez.

02:00. Unidade de Contra-Terrorismo, Los angeles.

Tony Almeida, o diretor da CTU, Unidade de Contra Terrorismo, tentou ligar para seu velho amigo Jack Bauer, mas seu celular não atendia e sempre caía na caixa postal. Jack com certeza deveria estar curtindo um fim de semana no norte do país, ou simplesmente acampando e pescando. Ele bem precisava de um descanso, depois do que havia acontecido com sua última namorada. Jack aguentava coisas que a maioria dos homens não poderia lidar, ou sequer imaginar. O nível de pressão física e psicológica que os agentes do governo tinham que administrar era muito pesado.

Tony, como diretor da CTU, tinha que coordenar, decidir, planejar e fazer executar. Tendo ele mesmo, algumas vezes, pegado em armas e apelado para força física, no exercício de sua função. Jack já havia perdido sua esposa, e havia sido abandonado pela filha, sem falar em Audrey Haines. Tudo por causa do tipo de serviço que ele era obrigado a fazer. Quantas vezes, Jack foi obrigado a eliminar amigos de longas datas, porque isso era necessário, no cumprimento do dever? Ele até se viciara em heroína, triste mas era um fato. Ele alegava que havia parado, mas era obrigado a submeter-se a testes anti-doping periodicamente.

Qualquer homem no lugar de Jack Bauer, já teria pirado ou dado um teco na cachola. Tony admirava Jack por ser tão resistente, física e psicologicamente. Tony ligou uma vez mais para Jack. O celular chamou algumas vezes, e depois foi para caixa postal. Aquilo estava lhe dando nos nervos. Apertou o interfone.

_ Chloe, rastreie o celular de Jack Bauer. Quero saber a exata localização dele. _ Tony sabia que estava sendo irracional, mas começara a ter um mal pressentimento a respeito do silêncio de Jack.

_ Eu não posso fazer isso agora mesmo, ainda estou tabulando os dados da DEA e da NSA, sobre o incidente em Berkeley. Por que não repassa isso para Mike Novick? _ Reclamou Chloe.

_ Chloe, apenas faça! _ Tony às vezes se irritava com o comportamento de Chloe, mas ela era de confiança, e era profundamente leal a Jack.

03:00. Armazém abandonado nas cercanias de Los Angeles.

Jack estava com as sobrancelhas sangrando. Seus olhos haviam virado duas bolas roxas, que mal conseguiam discernir o que estava a frente. O alto de sua cabeça tinha tantos machucados, que sangue escorria continuamente de lá. Ele achou que havia quebrado alguns dentes, pois sua boca doía e ele não conseguia mais falar nada, apenas grunhir de dor. Sentía-se molhado, decerto estava suando, mas suspeitava que o que o estava encharcando, era o seu próprio sangue. Ele continuava amarrado na cadeira. Ainda estava vestido, e com certeza, aqueles assassinos torturadores haviam retirado sua pistola e seu celular.

Havia pelo menos 5 deles naquela sala. Jack suspeitava que houvessem mais do lado de fora. Seus algozes revezavam-se na tarefa de esmurrá-lo e produzir-lhe dor. Um deles, o sobreçanlhudo, veio com uma faca de caçador. Por um momento, Jack lembrou-se de ocidentais que foram degolados, e tiveram sua execução veiculada na internet. Achou que este seria seu fim. Fechou os olhos e tentou aceitar o pior. Sinceramente, até sentiu um certo alívio, pois deixaria de ser espancado e torturado. O sobreçanlhudo cortou a blusa de malha de Jack, deixando seu tórax com ralos pelos louros a mostra. Jack abriu os olhos e imaginou por que as coisas com ele, tinham que ser milimetricamente dolorosas.

Um outro homem, o barbudão, sorriu satisfeito.

_ Cláudio, eu estou com fome. Vou sair e comer um hamburger. Eu traria um pra ti, mas você terá muita carne de sobra aqui, para brincar. Quer vir comigo, Flávio? _ O barbudão perguntou ao queixada, um homem com o queixo quadrado e saliente.

Os dois saíram juntos. Sobraram na sala, o sobreçanlhudo, o baixote atarracado, e o "índio", que tinha traços de indígenas americanos. Jack imaginou o que mais iria sofrer nas mãos daqueles sádicos. O sobreçanlhudo aproximou-se com a faca de caça na mão, em posição de ataque. Jack resolveu cooperar, para que dificultar sua própria morte, e continuar sendo martirizado? Quando seu agressor ficou bem próximo a ele, Jack firmou-se sobre seus pés, e jogou seu corpo sobre a faca do torturador. O choque fêz com que o assassino perdesse o equilíbrio e caísse no chão, com Jack sobre ele.

Os outros torturadores avançaram. Jack atingiu o índio com uma patada no estômago, fazendo-o curvar-se sobre si mesmo. O baixote jogou-se sobre Jack no chão, mas recebeu três cabeçadas em seguida, fazendo-o rolar para o lado com as sobrancelhas sangrando. O sobreçanlhudo tentou dominar Jack, estocando-o no flanco com a faca de caça. Jack virou-se o suficiente para alcançar o pescoço do sobreçanlhudo e morder, com toda a força e resistência que ainda possuía. Só largou o pescoço do homem, quando o sangue inundou sua boca. Jack virou-se e ficou de pé, com dificuldade, ainda amarrado à cadeira.

Fêz um esforço enorme para chocar sua cadeira no índio que iria recuperar-se logo, logo. Sentiu alívio, quando percebeu que a perna da cadeira havia perfurado a barriga do agressor, caído no chão. Rumou para o baixinho que já se levantava. Jack correu e virou o corpo para chocar a cadeira no baixinho. Os dois caíram no chão. Jack fêz a mesma manobra para perfurar a barriga do baixinho, mas este era duro na queda, conseguindo empurrar a cadeira de Jack. Isso fêz com que a cadeira quebrasse, libertando Jack. O baixinho procurou pela faca de caça no chão, mas Jack o atingiu antes que ele a alcançasse. Jack deu-lhe uma patada na cabeça, fazendo-o cair desacordado.

Ele pegou a faca e cortou a garganta do baixinho. Então resolveu enfrentar o resto da quadrilha que deveria estar na outra sala. Não havia ninguém lá. Jack achou sua pistola e celular, que estava destruído, tendo sido esmigalhado até o chip. Achou melhor ir embora, antes que queixada e barbudão voltassem. Saiu do armazém e correu o quanto pôde, até encontrar um prédio com a porta aberta. Percebeu que deixara um rastro de sangue atrás de si. O flanco da sua barriga estava encharcado de sangue, e derramava o líquido vital intermitentemente. Surpreendeu-se por não estar morto.

04:00. Unidade de Contra-Terrorismo, Los angeles.

_ Tony, achei Jack. O rastreamento do celular não deu em nada, mas uma câmera de segurança captou a última vez em que o celular dele foi usado. Uma loja de conveniência em Los Angeles, por volta de meia-noite. Vou transferir a imagem da câmera para o seu monitor. _ Chloe digitou alguns comandos e acompanhou as mesmas imagens que Tony estava vendo no monitor dele, na sala envidraçada do 2º andar.

_ Entendido Chloe. _ Tony e Chloe viram abismados, Jack ser atacado por dois homens, que o sedaram e o empurraram para o interior de um furgão branco, que afastou-se rapidamente do local. O carro de jack permaneceu com as portas abertas, abandonado. Tony Almeida rapidamente apertou o interfone.

_ Chloe, mande uma unidade até a loja de conveniência. Trabalhe na imagem da câmera, para conseguirmos identificar os sequestradores e o carro deles. E Chloe, rastreie aquele furgão. _ Pois não chefe, mas acho melhor pedir ajuda ao resto da equipe. _ Chloe tentou parecer cordata.

_ Faça. _ Tony respondeu.

Rapidamente, Chloe envolveu Mike Novick e outros na busca de Jack Bauer. Dois agentes foram até a loja de conveniência e apreenderam o carro de Jack. O furgão foi rastreado e encontrado. Tony mobilizou uma equipe de resgate até lá. A equipe usava táticas e indumentárias da SWAT. Eles chegaram de furgão, e um helicóptero sobrevoava o local. Circundaram o armazém e o invadiram. Encontraram apenas 3 corpos e nenhum sinal de Jack. Tony Almeida ficou apreensivo, mas o fato de haver 3 cadáveres, e nenhum deles ser o de Jack, o deixava mais esperançoso. Ele comunicou-se com a equipe de assalto no armazém, da central da CTU.

_ Vasculhem toda a área. Talvez os sequestradores ainda estejam por perto com Jack.

Logo mais, a equipe estava arrombando e invadindo os prédios vizinhos. Um deles tinha um incrível rastro de sangue. Eles seguiram por ali, sempre em posição de defesa, com as lanternas e as pistolas destravadas, apontadas para a frente. Subiram escadas ensanguentadas e acharam no segundo andar, um corpo com três perfurações a bala, de um homem com barba espessa. O rastro de sangue seguia até uma porta trancada. O agente da CTU achou prudente se identificar, pois poderia ter o mesmo destino daquele infeliz.

_ Jack Bauer! Aqui é da CTU. Tony Almeida nos mandou resgatá-lo. Nós viemos ajudá-lo. Vamos entrar, Jack.

O agente da CTU arrombou a porta trancada. Ele vagarosamente adentrou o apartamento, pois Jack Bauer poderia estar drogado e não reconhecê-lo. Seguiu o rastro de sangue até a cozinha. Um homem louro, de estatura média, horrivelmente ensanguentado, jazia no chão da cozinha, com a mão agarrada no forno aberto do fogão. Ele não tivera tempo de abrir o gás de cozinha. Desmaiara antes disso.

05:00. Ala hospitalar da CTU.

Tony Almeida olhava consternado para seu amigo Jack Bauer. Ele estava com a cabeça enfaixada, seus olhos eram duas bolas roxas de baseball, sua barriga estava enfaixada, pois acabara de ser cirurgiado de urgência, devido um ferimento a faca que lhe atingira o rim. Apesar do espancamento brutal que sofrera, Jack resistira o suficiente para matar seus 4 sequestradores, e inclusive preparara-se para explodir todo o prédio em que estava, se tivesse ligado o gás de cozinha daquele apartamento.

Graças a Deus, nada mais grave acontecera. Ele provavelmente ficaria de molho naquela enfermaria, por pelo menos uma semana. Seria interrogado por agentes da CTU, sobre o que teria falado aos sequestradores, pro-forma, pois Tony sabia que Jack jamais revelaria segredos do governo. E depois, Tony lhe daria de bom grado, umas merecidas férias.

_ Melhore rápido, amigo. _ Tony despediu-se de seu amigo inconsciente. Então dirigiu-se para sua sala na CTU. Acenou para Chloe no salão, e fêz um discreto sinal com o polegar para cima. Observou Chloe e Mike, marido dela, abaçarem-se rindo, então voltarem para suas mesas, já refeitos da emoção. Tony Almeida ruminava sobre tudo o que acontecera. Tentava entender o objetivo do sequestro de Jack. Seria só vingança? Ou havia mais coisas por trás daquela selvageria?

06:00