A carruagem produzia um som enferrujado ao percorrer a estreita passagem do solo hostil da floresta. O sol sumiria em poucos minutos, mas nenhum dos soldados fraquejou na posição de alerta, embora o cansaço fosse visível. Acompanhando o ritmo de dois cavalos, cerca de oito homens marchavam em direção ao leste onde o destino se ergueria ao horizonte em dois dias. Não descansavam há quatro, mas não eram pagos para descansar.

Forasteiros pensariam que estavam protegendo produtos importantes do Castelo, o que aumentaria a chance de serem saqueados durante o caminho. No entanto, era improvável que alguém sobrevivesse se tentasse qualquer ato contra a carruagem. Os soldados do reino eram superiores e eles não hesitavam em atirar para matar no primeiro sinal de qualquer ameaça.

James Potter, um dos soldados com a espada protegida em sua bainha, não precisava especular para ter certeza de que o que transportavam não era que mas sim quem. Protegida com segurança dentro de uma simples e enferrujada carruagem para não chamar atenção, estava a Nova Rainha com um destino secreto em mente, enquanto toda a população de Godric's Hollows há quilômetros de distância atrás deles acreditava que ela estava na cerimônia de coroação em seu décimo oitavo aniversário. A jovem que todos assistiam sendo coroada naquele instante não era a verdadeira nova rainha.

A verdadeira estava apenas a alguns passos de James, envolta por quatro paredes, trancada, longe de olhos curiosos. E ele, assim como muitos, nunca viu seu verdadeiro rosto.

— Permissão para montar acampamento. Os cavalos estão ficando exaustos.

A ordem saiu da voz do capitão encarregado de liderar a missão, o único que tinha a confiança da Rainha e conhecia suas feições, pois ora ou outra entregava a ela comida e água dentro da carruagem. A voz era direcionada a ela e sua resposta foi um breve toque, indicando autorização e consentimento.

Os soldados se desfizeram de suas posições e montaram um acampamento na área que consideraram mais segura, há alguns metros abaixo do morro da floresta. O capitão se aproximou de James logo que abasteceram os cavalos, demonstrando terrível exaustão.

— Vigie a carruagem nesta madrugada. Proteja a-

Uma flecha surgiu da escuridão e penetrou a garganta do homem, cortando sua última frase. O sangue jorrou contra as vestes de James, que observou o homem engasgar, sofrer por alguns segundos até finalmente cair no solo úmido e morrer à sua frente.

Escondidos atrás das árvores ao redor daquela área, uma dezena de homens atacaram o acampamento. James sabia que estavam sendo seguidos e vigiados há cinco horas e já estava se perguntando quando iriam receber a surpresa.

Ele se juntou ao conflito com sua espada, sempre próximo a carruagem para impedir que qualquer um se aproximasse dela. Os cavalos haviam sido os primeiros alvos e estavam caídos, mortos, impossibilitando qualquer tentativa de fuga. Em poucos minutos não sobrou homens para ajudar James a protegê-la e a adrenalina tomou conta de seu sangue quando notou que estava sozinho contra dez inimigos. Matou cinco com poucos golpes, mas os outros demonstraram habilidade. Ele precisou usar mais do que uma espada para acabar com isso; a lâmina escondida na manga de seu pulso esquerdo o auxiliou a matar com rapidez. Estava cercado por três inimigos agora, dois deles segurando machados e o terceiro uma faca. Seus treinamentos não se comparavam a uma luta de verdade. A força e o reflexo estavam reunidos para sua própria defesa. Tinha perdido sangue demais e a escuridão era inimiga – um passo errado ao atacar e ele se juntaria a pilha de cadáveres.

Duas flechas em um intervalo de poucos segundos acertaram o crânio de dois homens, matando-os instantaneamente. James, surpreso com o ataque que o salvou, sentiu sua força drenar quando o que permaneceu vivo arremessou a faca contra seu peito mas, por sorte, acertou apenas seus braço direito. Depois, nada poderia ser feito; mãos invisíveis agarraram o homem, surpreendendo-o por trás. Nas mesmas mãos, uma nova lâmina surgiu na escuridão e abriu precisamente sua garganta para finalmente silenciar a floresta.

James estava suando quando o último corpo caiu no chão como um saco de batatas. Atrás, protegida nas sombras, estava o autor das últimas três mortes. Não mais do que um metro e sessenta e quatro de altura, uma figura feminina raspava a faca ensanguentada nas vestes de sua capa. James espreitou, mas ainda era impossível ver suas feições. A escuridão não deixou. O silêncio que se formou no acampamento arruinado foi mortal, mesmo que ele não estivesse absolutamente sozinho. O cheiro de sangue fresco penetrava suas narinas, mas no ar um aroma diferente pairava. Ele fraquejou e tropeçou, em uma desajeitada tentativa de se curvar, porque era isso o que deveria fazer.

Majestade.

Apesar de reverenciá-la, a lâmina escondida em sua manga estava afiada e ele não a recolheu.

— Levante-se.

A voz dela era tão suave quanto o modo como a faca deslizara na garganta daquele último homem. O som estava ligeiramente abafado. James se levantou, recolhendo disfarçadamente a lâmina dentro de sua manga, e viu o rosto dela envolto por um capuz e a boca protegida por um pano, revelando apenas seus olhos.

Eles tinham pigmentos de um verde que nem mesmo a escuridão era capaz de esconder. Estavam fixos sobre os de James e os castanhos de James fixos sobre os dela.

— Matou todos esses homens, sozinho.

Não foi uma pergunta. James disse:

— Não todos. Três foram obra sua.

— Quem o treinou?

Ela o verificava com muita atenção, mas nada que chegasse a farejar qualquer resquício da verdade.

— Não teve o mesmo treinamento que os outros soldados, eu posso ver.

— Os outros não aprenderam rápido.

— Você é diferente – ela tirou a conclusão, andando ao seu redor como se James fosse uma escultura interessante. – Não soa como um soldado.

— Minhas desculpas se a ofendi.

— Não ofendeu. Salvou minha vida.

Foi rápido. Ela ergueu o braço e levou a faca muito próxima ao pescoço de James. Em um reflexo desesperador, o rapaz apertou o pulso dela, impedindo-a de se aproximar. Ambos se encararam. James, por uma fração de segundos, achou que ela o mataria e, julgando pelo modo como conseguiu apunhalar três homens em menos de um minuto, com apenas dezoito anos, ele não duvidou que ela fosse capaz de fazê-lo quando ele estivesse despreparado. Isso mudava o rumo de todas as coisas.

Ela tirou o pano que cobria a região de seu rosto, revelando uma expressão surpresa e ofegante. James não percebeu que estava curioso para conhecer as feições dela até finalmente acontecer. Esperava que ela fosse parecida com a falsa rainha que ocupava o trono em Godric's Hollows, mas não chegava perto de parecer com ninguém que James já encontrou em vida.

— Eu o nomeio meu novo guardião, já que o anterior está morto. Teria anunciado oficialmente, com a lâmina pressionada ao seu ombro, mas parece que não confia em sua própria rainha.

Você não é minha rainha.

James soltou o pulso dela imediatamente. Em uma tentativa de se redimir pela atitude suspeita, ele fez uma reverência.

— Será uma honra.

Ela retirou o capuz e revelou cabelos ruivos, um vermelho tão forte quanto sangue, longos e presos em uma trança quase infinita.

— Pegue isso. – Entregou o pano a ele. – Para estancar o sangramento do seu braço. E vamos. Tenho dois dias para chegar à Hogsmeade.

Ele não discutiu com ela e a observou liderar o caminho. Quando ela ficou de costas à ele, James encontrou sua chance. Poderia acabar com isso. Finalmente acabar com o motivo de estar vestindo uma nojenta farda vermelha e fingir que respeitava a Rainha. Não haveriam testemunhas.

Mas paciência foi um dos ensinamentos mais poderoso que James recebeu de sua Ordem. Ele demorou para conseguir uma posição tão próxima à verdadeira Rainha. Não poderia desperdiçar um plano organizado por anos com atos subjetivos e insensatos em minutos.

Não era a hora certa.

Para assassiná-la, quando seria?