Doce Loucura

Capítulo I — Don't tell me not to fly...
...I simply got to

Se eu fosse totalmente honesto comigo mesmo, admitiria que desde o princípio sabia que nada relacionado a Grifinória – mas especificamente ao Trio de Ouro – podia dar certo. Mas nunca imaginei que poderia dar tão indescritivelmente errado. E tudo por causa da amizade. Amizade essa que sempre acaba nos ferrando nos momentos mais improváveis.

Mas eu, como Draco Malfoy, Rei Supremo e Príncipe da Sonserina, não conseguia ver um amigo sofrendo. Ainda mais se esse amigo fosse Blaise Zabini, uma das únicas pessoas que permaneceram a meu lado quando às coisas pareciam desmoronar. Chame de carma, destino ou qualquer outra coisa, mas ele estava apaixonado por um Grifinório. E como se isso não fosse o suficiente, era um garoto.

Bem, não que eu não houvesse percebido que o Blaise era gay, eu sempre soube. Pela maneira como ele observava a bunda dos meninos e a estranha mania de sempre me empurrar para as arquibancadas do campo de quabribol quando a Grifinória – ou gatinhos, segundo ele – estavam jogando. Ou como sempre dispensava as garotas quando elas se aproximavam demais, como se estivesse enojado. Mas eu tirei completamente minhas dúvidas ao flagrá-lo saindo do banheiro masculino com um garoto lufa-lufa do quinto ano, completamente amassado, com os cabelos em desalinho e lábios inchados, no qual mantinha um sorriso sacana. Ele tentou esconder, claro. Inventou milhares de desculpas, mas no fim acabou admitindo, derrotado.

Eu não me importava com a orientação sexual dele, afinal, depois de tantos anos dormindo no mesmo dormitório e passando grande parte do tempo juntos, ele jamais tentara algo contra mim e eu tinha total consciência de que ele me via apenas como um bom amigo. Então, se ele quisesse dar a bunda por aí, porque logo eu tinha que me importar? A vida é dele, certo?

O fato era que, quando voltamos para Hogwarts refazer nosso sétimo ano, depois dos acontecimentos da guerra, ele estava estranho. Muitas vezes eu o via com o olhar perdido em direção à mesa dos gatinhos, agonizando. Quando percebia meu olhar, soltava um suspiro baixo e resignado, sorria meio de lado de uma maneira que dizia "bem, paciência, né?" e olhava para o próprio prato, empurrando alguma comida para dentro.

Quando perguntei o que diabos estava acontecendo, ele, depois de muita insistência da minha parte, disse que estava apaixonado por alguém da Grifinória. E qual não foi minha surpresa quando o nome Ronald Weasley saiu de seus lábios? Primeiro eu quis rir, imaginando se era uma piada ou não. Depois quis o espancar. Quando o choque inicial passou tudo o que disse foi um claro e firme: "Você não tem chance."

Não queria magoá-lo ao dizer isso, e sim poupá-lo de mais dor. Na minha percepção, não existia ninguém mais hetero e apaixonado em toda Hogwarts. Era mais do que óbvio que o ruivo pobretão era completamente apaixonado pela sangue-ruim. Que agora, para completar a situação de Blaise, estavam namorando.

Mas, cara, Blaise não é do tipo que desisti das coisas tão fácil assim. E por causa disso me vi praticamente obrigado a ajudá-lo. O plano era simples: tentar conhecer Ronald Weasley o máximo possível para que depois Blaise conseguisse conquistá-lo. Claro que eu nunca havia visto um plano mais fadado ao fracasso, mas resolvi ficar calado. O resultado seria apenas algumas semanas em pura depressão e tristeza. Nada com que um ser humano não pudesse aguentar.

Então, por esse motivo, estávamos nos esgueirando em meio a um corredor deserto no segundo andar, por onde Potter e Weasley estavam andando despreocupadamente, sem saber que dois sonserinos estavam o espreitando. Eu sei, é patético. Como eu sentia falta quando a relação de Blaise x Meninos se limitava a idas aos banheiros interditados...

Lancei um olhar mortal a Blaise, tentando fazê-lo desistir daquela ideia absurda e totalmente desaconselhável e inútil. Queria que ele lesse no meu rosto tudo o que eu me impedia de dizer, que era exatamente: Ele tem uma namorada, não vai largá-la por você e, acima de tudo, ele é tão hetero quanto Potter. Agora, por favor, vamos embora?

Eram em momentos assim que eu levantava as mãos aos céus e agradecia a Merlin por gostar de garotas. Imagine, que absurdo se eu me apaixonasse por Potter, por exemplo... Pff.

Mas falando no salvador do mundo, lá estava ele. Andando praticamente se arrastando, com as mãos no bolso da calça e um sorriso totalmente espontâneo no rosto. Tão Grifinório. Senti vontade de me dobrar no meio e vomitar.

Ronald Weasley estava lá, com aquela expressão patética no rosto e, no momento, rindo de algo que Potter havia dito. Alguma coisa sem nenhuma importância, com certeza, mas era do feitio do ruivo rir por qualquer coisa. Tão incrivelmente pobre essas demonstrações de felicidade espontânea. Argh, Grifinórios.

Grifinórios, Grifinórios, Grifinórios... Como os odeio.

"Eu não consigo ouvir o que eles estão dizendo... Vamos nos aproximar mais..." Falou Blaise e nem me deu tempo para responder antes de andar sorrateiramente até uma armadura e esconder-se contra ela, me chamando com a mão, impaciente. Eu fui até lá, tentando ao máximo ser silencioso e encostei-me à parede, encoberto pela estátua. Deus, era nessas horas em que me sentia absolutamente feliz por Lucius estar em Azbakan. Se passasse por sua cabeça que seu filho sangue-puro estava perseguindo dois Grifinórios, mas especificamente dois membros do Trio de Ouro, ele morreria em desgosto.

"Você consegue acreditar nisso?" a voz de Weasley chegou até nossos ouvidos e senti Blaise prendendo a respiração. Tão patético. "Ginny estava comentando comigo que algumas garotas, no dormitório feminino, estavam comentando que iriam tentar fazer parte do time esse ano."

"Deus..." Começou Potter com um pequeno sorriso nos lábios. "Eu não pego em uma vassoura desde o fim da guerra... Aliás, acho que a última vez foi àquele dia na sala precisa." Essa foi minha vez de segurar a respiração. Lembrava-me perfeitamente bem daquele dia na sala precisa. Eu quase havia morrido e Potter – o Santo Potter – quem havia me salvado. Ele, na verdade, havia feito mais do que apenar me salvar do fogomaldito. Ele tinha me salvado de ir para Azbakan. Como havia feito com minha mãe.

No enquanto ele não movera um dedo para tentar livrar meu pai. Não que eu não esperasse por isso. Teria que ter muito sangue de barata para defender alguém que o tentara matar vezes. Comecei a pensar que, talvez, eu devesse tratar o garoto melhor. Mas eu não conseguia olhar para aqueles cabelos bagunçados, aqueles óculos redondos e ridículos e para sua fisionomia desengonçada sem sentir desprezo. Talvez, algum dia, eu agradecesse... Quem sabe daqui uns anos.

"Parece que aquele dia, afinal, serviu para alguma coisa, não é?" Questionou Ronald enquanto enfiava uma das mãos no bolso, imitando Potter. "Malfoy parece estar nos ignorando deliberadamente desde que voltamos. Não implica conosco e parece ter amadurecido um pouco depois de tudo o que passou... Ou talvez esteja apenas agradecido por você ter salvado o traseiro dele de Azkaban."

Que ultraje!

Eu não estava os evitando deliberadamente. O fato de passar longe deles era apenas porque não queria me juntar à ralé igual os dois. Ou aquela sujeitinha de sangue-ruim que o ruivo namorava. E daí se estivesse agradecido? Continuava sendo um Malfoy e eu sempre fui maduro. Que insolente! Como se eu saísse por aí implicando a toa com os dois... Ridículos.

De qualquer maneira, evitei olhar para Blaise, rezando para que os dois parassem de falar de mim.

"Sim... É até estranho, sabe?" Potter soltou uma pequena risada pelo nariz, descontraído. Sua voz estava ficando distante conforme os dois iam se afastando pelo corredor. "Eu já tinha me acostumado com ele. Ainda hoje, quando o vejo pelos corredores, espero que ele puxe briga. É meio patético..." Completamente patético, Potter. Por um momento senti vontade de sair do meu esconderijo e lhe dar um belo soco na cara. De preferência quebrar aqueles óculos ridículos e o nariz incrivelmente desporpocional à seu rosto.

Controlei-me por Blaise, que fique claro. Não ajudaria nada se o melhor amigo dele quebrasse o nariz do melhor amigo dele. E tudo o que eu queria era que Blaise levasse logo um fora para que acabasse com aquela atitude ridícula e pobre.

Eles continuaram conversando animadamente, enquanto Blaise e eu o seguíamos e nos aproximávamos mais, quando julgávamos seguro. Eles falaram um pouco mais de Quadribol, e Ronald comentou sobre o fã-clube que garotas do terceiro ano tinham criado para Potter. Falaram sobre o tempo, sobre o gigante do Hagrid e sobre alguma coisa relacionada a ver se a Sala Precisa ainda funcionava. O Weasley também falou sobre Hermione estar na biblioteca estudando para uma prova de Aritmancia e sobre o pouco tempo que conseguiam ficar juntos.

Nessa hora evitei novamente olhar para Blaise.

Com o tempo muitas coisas ficaram óbvias. Depois de três meses perseguindo Ronald Weasley, reparei que não há pessoa mais sem atributos no mundo. O garoto é insuportável, egoísta e gostaria de ver todas as pessoas de que não gosta mortas.

Tudo bem! Eu sou Draco Malfoy, é até meio hipócrita da minha parte dizer algo assim, não? Mas eu realmente não desejo o mal para as pessoas de verdade. Quando elas me irritam eu posso despejar algumas palavras desagradáveis... Bem, isso não vem ao caso. O problema agora é Ronald Weasley. O ruivinho não tem nada na cabeça – o que eu sempre soube. Ele só tem um assunto na boca: Quadribol. Quando conversava sobre o assunto com os amigos se esquecia completamente da Granger, o que não era fácil.

Matem-me por isso, mas Granger não é tão ruim assim.

Eu sei, impossível, né?

Vejam bem, é engraçada a maneira como ela parece uma mãe para os dois. Sempre ralhando com eles, obrigando-os a fazer os deveres, obrigando-os a comer comidas saudáveis no jantar, ajudando-os a estudar para as provas... E ela até que era agradável. Com o passar do tempo, entre uma conversa e outra, conseguia a ouvir falando sobre algum livro que pegara na biblioteca e achara interessante. E vários citados eu já tinha lido e eram, realmente, muito bons. E ela comentava sobre alguns tópicos, dando seu ponto de vista sobre o assunto e eu me surpreendia com a inteligência que ela emanava. Apesar de já ter pensado sobre algumas de suas ideias, em outros momentos eu me repreendia mentalmente por nunca ter pensado no assunto. E tinha aqueles que ela comentava, aleatoriamente, os quão ruins eram. E eu não podia concordar mais. Potter e Weasley não se importavam nem um pouco, e era óbvio por suas expressões de tédio o quanto o assunto lhe desagradavam. Granger parecia não se importar. Ou talvez apenas estivesse acostumada.

Dificilmente ela estava com os dois, pois sempre estava fazendo outras coisas. Ou estudando para provas, ou lendo na biblioteca, ou trocando cartas com o Departamento para a Regulamentação e Controle das Criaturas Mágicas (havia descoberto que ela lutava pela causa dos Elfos Domésticos, quase febrilmente, se quer minha opinião). Outras vezes ela estava apenas em algum dos jardins, conversando com algumas garotas ou Ginevra Weasley.

Potter, às vezes, quando estavam os três juntos, dizia alguma coisa sobre esquecer um livro ou ir ao banheiro, deixando os dois sozinhos. Ronald Weasley, nesses momentos, ficava com as bochechas e orelhas vermelhas e Granger ria, dizendo que ele ficava muito fofo daquele jeito. Depois de alguns minutos estavam se beijando. Eles sempre se beijavam com calma, chegava a ser frustrante. Nunca havia desejo, tesão ou luxúria em seus contatos. Era apenas carinho, afeição, amor.

Nesses momentos Blaise me puxava pelo braço com expressão derrotada e íamos embora, deixando-os sozinhos.

Eu não conseguia entender, por mais que quebrasse minha cabeça, como alguém como ela estava com alguém como ele. Por mais que seja difícil de admitir, a garota era incrível! Ela conseguia ser amorosa, simpática e gentil ao mesmo tempo em que conseguia aterrorizar, gritar e xingar em plenos pulmões. Tudo o que ela fazia, ela fazia com garra. Ela tinha determinação. E algo que eu apreciava era determinação.

Assim como reparei em Granger, comecei a reparar em Potter.

Ele, diferente de Weasley e igual a Granger, era complexo. Ele não se limitava às coisas superficiais, e não se vangloriava aos quatro cantos do mundo por ter derrotado Voldemort. Na verdade, eles nunca falavam sobre o assunto. Quando alguém comentava sobre algum falecido da Guerra era visível que o moreno ficava tenso. Era visível pela maneira como ele trincava o maxilar e endireitava as costas, ficando completamente ereto. Ele, nesses momentos, colocava às mãos dentro do bolso da calça e eu podia ver, mesmo que ele tentasse esconder, que estava trêmulo. Imaginei se era possível que depois de quase três anos ele ainda tivesse problemas para enfrentar. Pela maneira como ele agia, concluí que sim. E me senti ligeiramente triste por ele, afinal, eu estava livre, estudando e com minha mãe, por causa dele.

Entre uma conversa e outra descobri que depois da Guerra ele havia morado com os Weasleys por exatamente um ano. Tempo que usou para reformar a antiga casa do padrinho que agora o pertencia. Desde então ele se mudara e parecia feliz com a vida que levava. Granger não parava de repetir que eles estavam muito atrasados e obrigava-os a pensar em uma profissão o mais rápido possível. Potter, sem nenhuma hesitação, dizia que queria ser Auror.

É claro que Hermione sempre argumentava, dizendo os riscos da correria e o quão difícil era a preparação. Ele não se deixava abalar. Havia um brilho em seus olhos incrivelmente verdes que sempre fazia Granger suspirar resignada e esquecer o assunto. Pelo menos até que ele fosse novamente levantado.

Potter tinha um Fã-Clube, isso era verdade. As garotas do terceiro ano sempre esbarravam nele quando tinham oportunidade, dizendo-lhe um Oi, Harry enquanto ele ficava ligeiramente avermelhado e retribuía um Oi tímido antes de sair do caminho delas o mais rápido possível.

Com isso comecei a reparar quase sem perceber na aparência dele. Ele não era bonito como um todo. Eu era bonito, com meus cabelos louros, meus olhos cinzas e minha pele pálida. Potter era charmoso. Ele tinha outro tipo de beleza. Os seus olhos eram de um verde-esmeralda que fazia qualquer pessoa querer olhar duas vezes. Seus cabelos sempre displicentes deixavam-no com aquela aparência de garoto rebelde, e as garotas amavam. Ele tinha um nariz completamente desproporcional ao rosto, mas ninguém parecia notar. Ele tinha maxilares firmes e uma boca pequena, mas que encaixava perfeitamente em seu rosto. Eu tinha alguns centímetros a mais que ele e não me considerava alto. E tinha também os ridículos óculos redondos.

Mas aquilo, afinal, era marca registrada de Potter.

Ele nunca parecia se irritar, o que Granger e Weasley faziam com frequência. Ele gostava de Quadribol, mas não era de longe tão viciado quanto o amigo. Ele sempre colocava às mãos no bolso da calça quando ficava nervoso e preferia ouvir a falar. Ele tinha mania de andar pelos corredores de Hogwarts de cabeça baixa, como se quisesse parecer invisível. Mas não era nenhuma surpresa que falhava miseravelmente.

Ele nunca se separava do Weasley, apenas quando achava que estava segurando vela ou quando ia se encontrar com Ginevra Weasley, sua namorada.

Às vezes, quando ia para alguma de minhas aulas, via o casal conversando baixinho de mãos dadas. Apenas uma vez eu os flagrei aos beijos. E foi no mínimo uma cena memorável.

No dia em questão tinha finalmente conseguido me livrar do Blaise depois de ouvir O Quão Perfeito Ronão é Parte XIII. Estava indo até o Escritório do Professor Slughorn – ele estava distribuindo poções Dormir Sem Sonhar para aqueles que, como eu, não conseguiam dormir direito depois da guerra –, quando encontrei os dois em um corredor abandonado.

Na mesma hora estaquei no lugar, tenso. Para chegar até a sala teria que passar pelos dois, o que definitivamente eu não tinha vontade nenhuma. Percebi, com certo nojo, como a Weasley parecia a ponto de devorar Potter, que tinha visível dificuldade em acompanhar o ritmo da namorada. Ela controlava o beijo. Conseguia ver a língua dela entrando na boca dele. Tive vontade de vomitar. Ela estava prensando-o na parede com tanta força que tinha certeza que o estava machucando, e refreei a vontade que senti de ir até lá salvá-lo daquela ninfomaníaca. Xinguei-me mentalmente logo em seguida.

As mãos dele estavam rentes ao corpo, sem tocá-la. As dela estavam em todo lugar. Em seus cabelos, peito, barriga, bunda... Potter estava com os olhos fechados, parecendo tenso. Ele havia tentado parar o beijo três vezes, mas antes que conseguisse dizer qualquer coisa, a garota atacava-o novamente. Agora ela visivelmente estava se esfregando nele. Remexia o quadril com força contra o corpo dele, que parecia a ponto de desmaiar.

Quando ela finalmente afastou seus lábios, aproximou-os de sua orelha e sussurrou alguma coisa que o deixou vermelho. Com uma agilidade impressionante, Potter se desvencilhou dela e colocou certa distancia entre os dois. Não pude deixar de sorrir da expressão ultrajada que ela fazia, mesmo com o estomago embrulhado.

"Harry, se você fugir de mim novamente..." Ela deixou o restante da frase no ar, ameaçadora.

Não pude ignorar a palavra novamente. Era no mínimo... Interessante.

"Ginny, desculpa. Eu apenas não estou no clima..." Potter mordeu o lábio inferior e deu um passo para trás quando ela ameaçou se aproximar novamente.

"Não está no clima?" Ela deu uma meia risada histérica, seu rosto se tingiu de vermelho. "Sabe o quão frustrante é isso?"

"Eu... Me desculpa!"

"Não, Harry. Eu não te desculpo! Eu te desculpei das primeiras vezes, mas agora não consigo mais!" A Weasley deu um passo para trás e fechou os olhos, como se tentasse recobrar a paciência. "Sabe quantos garotos querem o que você tem bem na sua frente?"

Dessa vez eu realmente precisei refrear a vontade de vomitar. Ela se achava muito, não é? Ela era, com certeza, uma das garotas mais vulgares da escola. Era mais do que óbvio porque Potter não a desejava. Por mais bonita que ela fosse, poderia se esfregar na minha cara que eu não comeria.

"Eu sei, Ginny... Eu apenas... Droga, eu sou um idiota, eu sei!" Revirei os olhos em pura descrença. Qual era o problema, afinal? Se a garota era namorada dele tinha um motivo, certo? Então ele a amava, ou ignorava completamente os comentários dela pela escola... Mas em qualquer uma das alternativas ele deveria querer aquilo. Pela maneira como Ginny estava olhando para ele, com certeza ela também o achava um idiota.

"Eu vou me aproximar de você e vou te beijar. E então nós vamos até alguma sala abandonada e você não vai se afastar ou fugir, fui clara?"

Potter a olhou em pânico. Ele ficou branco como papel e olhou para os lados, procurando uma saída. Cara, iria me arrepender pra sempre disso, mas me sinto em divida com ele.

Saí de dentro da sala onde me encontrava e andei pelo corredor fingindo inocência. Até deixei meus lábios de abrirem de leve em surpresa ao avistá-los.

Quando fui notado, Potter respirou aliviado. Eu quase consegui ver a tensão desaparecendo de seus ombros.

De nada, cicatriz.

Por outro lado, Ginny não pareceu tão feliz assim.

"O que você está fazendo aqui?" Ela perguntou quase gritando. Ergui uma sobrancelha e parei de andar. Potter estava encostado na parede, acuado. A Weasley estava no meio do corredor, e eu me coloquei à sua frente.

"Não acho que isso seja da sua conta..." Respondi, sorrindo por dentro ao ver a expressão de ultraje em seu rosto. "Mas como estou de bom humor hoje, posso matar sua curiosidade, gracinha." Estava tentando ajudar Potter. Merlin, ele era um Grifinório. Blaise realmente estava afetando meu juízo. "Estou indo até a sala do Prof. Slughorn..." Nesse momento olhei diretamente para Potter, sugestivo. "Pegar algumas poções, sabe..."

"Oh, eu estava indo para lá também antes de encontrar Ginny!" Ele respondeu, feliz. Um sorriso até surgiu em seus lábios. "Bem, vou acompanhar Malfoy, tudo bem? Amanhã nos falamos..."

"Harry, você não pode! Temos um assunto para resolver, está lembrado?" Ela perguntou olhando diretamente pra ele, mortalmente. "Vamos até o sétimo andar..."

"Potter, foi mesmo bom encontrar você..." Comecei, afastando Weasley delicadamente pelo ombro quando ela começava a avançar em direção ao namorado. "Estava querendo resolver alguns assuntos pendentes." Potter estava entendendo o que eu estava fazendo, pois me lançou um olhar desesperado que dizia claramente: Ajude-me.

Quando ela estava avançando novamente contra ele, agi rápido e o segurei pelo braço, arrastando-o para longe dela.

"Caso tenha se esquecido, Weasley, sou Monitor Chefe dessa escola." Eu realmente não queria apelar para tanto, mas o olhar suplicante de Potter me fez mudar de ideia. "E se você não der o fora agora, prepare-se para um mês de detenção." Ela parou de supetão, os olhos brilhando de raiva.

"Você não pode fazer isso! Harry também estava aqui e..."

"Mas o Harry aqui disse claramente que iria para a sala do Slughorn, e caso você tenha se esquecido, lindinha, os alunos estão liberados para visitá-lo se for para pegar alguma poção." Antes que ela pudesse dizer mais alguma coisa comecei a puxar Potter pelo braço, levando-o em direção a sala do Slughorn. Consegui, de longe, ouvir uma exclamação indignada da Weasley, mas não me importei.

Quando demos a volta em um dos corredores, Potter parou, encostou-se a em uma das paredes e respirou fundo.

"Obrigado!" Ele disse, me olhando nos olhos. Senti vontade de empurrar a cabeça dele contra a parede de pedra por estar me agradecendo quando eu não o fiz nenhuma vez, mesmo ele me salvando mais vezes do que eu conseguia me lembrar.

"Eu te devia isso." Respondi em voz baixa, dando de ombros. Encostei-me a parede oposta, ficando de frente para ele. O corredor estava escuro e seu rosto estava escondido pelas sombras. Ele colocou as mãos no bolso da calça. O gesto não me passou despercebido.

"Você tem problemas para dormir, Malfoy?" Prendi a respiração e soltei uma pequena risada pelo nariz, ponderando se devia ser sincero ou não. Mas ele era Harry Potter, afinal. Não confiar nele é idiotice.

"Sim. O que é um pouco patético. Mas há sonhos..."

"Eu sei." Eu consegui ver um pequeno sorriso se formando em seus lábios, apesar da escuridão. "É desagradável."

"Você tem sonhos?" Potter ergueu a cabeça e soube que ele estava me encarando. Eu estava na parede do lado oposto à janela, o que deixava meu rosto completamente banhado pela luz da noite. Ouvi um suspiro.

"Sim, Malfoy. O que é um pouco frustrante. Quando Voldemort morreu pensei que tudo ficaria bem, finalmente." Ele parou de falar e eu soube que ele estava pensando que, talvez, não fosse uma boa ideia conversar sobre esse assunto com um ex comensal da morte. E eu ignorei deliberadamente o fato de Potter ter dito quando Voldemort morreu ao invés de quando eu matei Voldemort.

Talvez ele fosse honrado demais para admitir ter causado a morte de alguém.

"Eu fico me perguntando, às vezes, se os bruxos acreditam em Deus." Aquilo me pegou de surpresa.

"Deus não faz parte do nosso mundo, Potter." Disse automaticamente. O sorriso que ele mantinha nos lábios diminuiu um pouco.

"Você acredita Nele?"

Pensei na resposta por menos de cinco segundos antes de responder.

"Não."

"Por quê?"

"Porque eu sei qual a função Dele para as pessoas. Elas se prendem a isso apenas porque querem um motivo para continuar acreditando em alguma coisa." Potter tirou a mão direita do bolso e deixou-a cair ao lado do corpo, ignorei. "Nossa geração foi perseguida por séculos, Potter. A guerra, por exemplo. Quantas pessoas morreram? Quantas pessoas foram torturadas? Você perdeu seus pais e foi criado por seus tios que eram cruéis. Que nunca te deram amor. Aliás, eles nunca te deram nada, segundo informações da Sonserina, estou certo?" Eu deixei um pequeno sorriso de escárnio nascer em meus lábios. "Talvez, se ele existisse, não permitiria que às coisas fossem assim." Eu refleti sobre minhas palavras por alguns segundos antes de continuar: "Ou talvez, às bênçãos só aconteçam àqueles que acreditam, àqueles que têm fé em uma força sobrenatural que nunca foi vista, provada ou sentida. Ou Ele, talvez, exista mais simplesmente ignore nossa presença no mundo por ter desistido de nós, que somos egoístas por natureza."

Senti o olhar de Potter sobre mim e tentei não mexer minhas mãos, demonstrando desconforto. Apenas continuei observando a silhueta magra dele à minha frente.

"Isso então quer dizer que você não tem fé?" A voz dele quebrou o silêncio e, ao longe, consegui ouvir as folhas batendo umas contra as outras conforme um vento mais forte soprou. Coloquei as mãos no bolso, me sentindo idiota.

"Eu acho que não." Implorei para que ele não tivesse percebido a hesitação em minha voz.

"Desculpe." Ele murmurou de repente, a cabeça baixa.

"Pelo quê?"

"Pelo seu pai."

Àquilo era tão Potter-Salvador-do-Mundo. Se desculpar pôr não ter ajudado meu pai a se livrar da prisão, ou pelo menos ajudado a diminuir sua pena. De repente comecei a me sentir mal por estar na companhia dele.

Era por isso que eu o estava evitando desde o começo das aulas. Deliberadamente, como ele dissera. Eu não merecia estar ali agora. E não conseguia agradecê-lo por depor a meu favor quando fui a julgamento. E ele fizera o mesmo pela minha mãe. E eu continuava sendo orgulhoso e estava sendo ingrato. Potter sempre seria mais do que eu e isso eu não conseguia aguentar.

"Você não tem pelo que se desculpar." Disse a ele calmamente. Percebi que havia sido uma boa ideia colocar as mãos no bolso, dessa forma ele não percebia minhas mãos tremendo.

"Sim, eu tenho. Ele era seu pai, apesar de tudo. Eu pensei em ir depor a favor dele mais simplesmente... não deu." Minha vontade de empurrar a cabeça de Potter contra a parede subitamente voltou com força total. Eu quis gritar para que ele parasse de ser tão bom garoto. Da mesma forma que a Weasley não merecia um pedido de desculpas, eu também não merecia. Senti-me enjoado.

"Se eu te culpasse por isso, Potter, não estaria conversando com você agora." Potter não sorria mais, eu percebi. Ele tinha os lábios levemente tensos e se ajeitou melhor contra a parede.

"Você não vai me perguntar por que estava fugindo da Ginny?"

"Você iria me contar, caso eu perguntasse?" Retruquei. Potter deu de ombros.

"Talvez."

"Então, Potter, porque você estava fugindo da Weasley?"

Ele voltou a sorrir, como se àquela conversa sobre Deus e meu pai nunca houvesse acontecido e tivéssemos acabado de passar pelo corredor e ele houvesse acabado de se encostar contra a parede.

"Ela tem estado meio... incontrolável esses dias." Respondeu antes de soltar um suspiro longo. "Não sei mais o que fazer."

Permaneci alguns segundos em silêncio imaginando se devia perguntar sobre o quê diabos ele estava falando ou admitir, indiretamente, que havia escutado a conversa.

"Porque você não quer dormir com ela?" Optei pela segunda opção. Observei Potter se mexer desconfortavelmente contra a parede dura.

"Eu não sei... Eu sei que isso parece patético, mas eu ainda sou virgem e queria que fosse especial. Eu sempre imaginei o amor de uma forma diferente do que eu sinto quando estou com ela." Comecei a me perguntar por que Potter estava me falando aquilo, como se fossemos amigos. Logo em seguida desejei que ele parasse. Estava me sentindo constrangido.

E eu era péssimo para dar conselhos.

"Você está dizendo que não a ama?" Perguntei, incerto. Ele levantou a cabeça e me olhou.

"Eu... acho que sim." Houve hesitação em sua resposta.

"Potter, ela é uma Weasley. Parece que tudo o que atraí você são ruivos e sardas desde o primeiro ano." Ele riu fracamente, balançou a cabeça de um lado para o outro e se desencostou da parede, andando em minha direção. Parou exatamente no meio do corredor, a luz da lua agora chegava à seu rosto.

"Eu gosto dela, você entende?" Ainda bem que era uma resposta retórica, pois eu não entendia como alguém podia gostar de qualquer membro daquela família. "Mas eu só não consigo ver ela como uma... companheira." Ele voltou a me olhar e sorriu de leve. "Desculpe." Se ele se desculpasse mais alguma vez iria azará-lo ali mesmo. "Eu só precisava desabafar com alguém. Sabe, Ron é irmão dela e Hermione, bem, ela está sempre ocupada."

"Tudo bem, Potter. De qualquer maneira agora você tem a noite inteira para desabafar." Disse enquanto consultava a hora no meu relógio de pulso. "O Prof. Slughorn não vai mais receber a gente nesse horário. E eu não vou conseguir dormir sem aquela poção." Potter riu baixinho e consultou o próprio relógio, soltou um assobio baixo e murmurou:

"Vou me arrepender de ter dito isso amanhã enquanto estiver na aula de tranfiguração, mas eu realmente não me importo em não dormir essa noite." O sorriso dele aumentou ainda mais. "Vem, vamos procurar outro lugar... Tenho certeza que Filch adoraria arrumar um motivo para me dar uma detenção."

Pensei em retrucar, dizer que iria para minha Sala Comunal e não andar pelo castelo à noite correndo o risco de ser expulso.

Mas um minuto depois me vi seguindo Potter.


Nota da Autora: Acho que algumas pessoas devem reconhecer essa história. Eu a postei há mais de um ano atrás. Foi a primeira longfic que eu escrevi na vida. Mas, por algum motivo, por alguma doce loucura, eu apaguei do site e fuxicando um e-mail antigo, encontrei o arquivo e resolvi repostá-la.

Se você já leu, faz bastante tempo e eu acho que vale a pena reler novamente. Eu mesma me surpreendi com essa fanfiction. Eu acho que ela tem uma magia, uma inocência, que eu não possuo mais. Cada palavra tem uma magia única, mesmo que a história seja boba e clichê.

Sim, a fic está terminada e por isso não há nenhum risco de desistir de escrever ou demorar com a atualização. A todas as leitoras que sempre me acompanham, muito obrigada pelo carinho e pela confiança que cada uma tem comigo. Quem quiser me conhecer melhor, conversar, trocar ideias ou simplesmente se aproximar, sempre estou no twitter que pode ser encontrado no meu perfil.

Espero ver vocês em breve!