Das kunais ao prédio Hokage, tudo pertence ao Masashi Kishimoto.


WAKARU

Talvez haja um Deus acima... E tudo que eu aprendi sobre o amor talvez seja como atirar em alguém que te desarmou.

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Um Quarto

Eu não espero que você compreenda o que aconteceu. Não quando é impossível.

Então, para o princípio, que fique registrado três palavras de uma definição: Vivinum inferno. Não aquele com chamas e demônios, ah, não, é um tipo diferente, que leva à loucura. Quer saber? Eu sei o que é enlouquecer... pouco agradável, diria. Mil vozes gritando em sua cabeça, mas a mais audível sempre é a pior delas, a sombria e pegajosa que toma conta de seus pensamentos e vontades. Você nem ao menos liga e vai se entregando, porque, de certa forma, é confortável não precisar ter seus próprios quereres, é agradável se preocupar apenas com obedecer, sempre sem rumo e psicótico.

Há algum tempo, a loucura pareceu atraente para mim. Fui tragado por ela.

E depois resgatado dela. Estou… agradecido.

Para que fique fácil, resumirei que uma pessoa, de quem não esperava nada do tipo, simplesmente veio e transformou o meu inferno sufocante num purgatório suportável; e, no entanto, de vez em quando, surgem incógnitas que me fazem questionar se tudo é real.

Ainda assim, francamente, não me é interessante falar sobre isso. Mas como emperrei nesse ponto.

A derradeira escolha de narrar o modo como o meu jogo – não, o meu e o dessa pessoa – começou e mudou, aos poucos, minha essência. É claro, talvez eu não seja um bom narrador. Os fatos podem sair distorcidos para que eu me sinta confortável em contá-los, posso – e irei – esconder pensamentos e manipular a realidade para que me sinta bem e me faça sentido.

Eu não ligo para ser muito exato, pois sei que, mais do que qualquer um, assumi um alto e estúpido risco sem volta.


O maldito jogo começou porque eu estava onde não devia, porque fiquei distraído, porque eu finalmente tinha boas intenções. É a única explicação que encontro ou que invento, pois se todas as minhas armas estivessem postas e eu conseguisse ter trajado a máscara de indiferença a tempo ela não teria sido sempre tão influente, não teria ultrapassado minhas defesas e bagunçado minha vida.

Mas, talvez, ela, aquela pessoa, possuísse esse direitodesde o começo, pois acima de tudo fui eu quem invadiu a vida dela primeiro e a reivindiquei para estar próxima do mais estranho homem na terra, porque de uma forma bastante egoísta sempre achei que ela, a atenção dela, era algo que eu podia ter de volta quando bem quisesse.

E, não há surpresa, eu a tive.

Nunca a ouvi reclamar. Ela queria a mim e eu estava confortado por saber que era verdade. Então foi aí que me confundi, na melhor das hipóteses, e me tornei menos vigilante, ignorando tolamente os perigos que o coração dela oferecia numa bandeja envenenada para o meu, mas tudo naquela pessoa sempre foi inexplicavelmente inocente – quiçá ela não fosse consciente da ameaça que era para mim. Ou talvez fosse. No fundo mais raso, prefiro crer que não.

Ela provavelmente não teria me seduzido e me atado a ela se tivesse como clara uma intenção de ser superior ao meu ego, à minha negação.

O estranho é que o papel de presa sempre coube melhor nela, não em mim.

Pensando nisso, houve vezes em que achei que aquela pessoa precisava ser lembrada de quem eu era, queria que ela visse a natureza tão santa quanto a de um demônio que sei que havia em mim, embora eu não tivesse nenhum objetivo para fazer o mau. É só algo que faz parte. Tentei ignorá-la nos atos mais desesperados. Mas ela em momento algum agiu como uma mártir e isso me aplacava. Eu não pude e de certa forma não queria maculá-la com meus pecados.

Sobrepujando minhas considerações, nada justificaria minha situação: o constrangimento que foi estar parado no meio da sala de Haruno Sakura naquele dia. De alguma forma, eu parecia um intruso e deslocado, mesmo que tenha sido mais ou menos intimado a estar ali.

Tudo – os móveis, os objetos e os quadros – estava arrumado num padrão que beirava à psicose, e notei, derrotado, que eu não era o único paranoico por organização como pensei que fosse. Eu julgava que, por Sakura ser levemente maluca, isso se estendia em todos os setores de sua vida. Cinco minutos na casa dela e já percebo como estava enganado. Não a conhecia como um todo e, sendo sincero, eu temia me aprofundar em quem essa pessoa era, talvez já predizendo o desastre que me sucederia ao fazê-lo.

Na ocasião, minha cabeça, que não parava de doer há algum tempo, parecia levar leves pancadas perto da têmpora esquerda. Olhar os vasos com cactos no parapeito da minúscula varanda não ajudava em absolutamente nada, pois eu poderia jurar que eles tinham 15 centímetros exatos de distância entre um e outro. A única coisa difusa eram algumas caixas empilhadas no canto da sala, destoando da perfeição alucinante da casa e da mania da dona.

Fiquei olhando para elas.

Antes mesmo que eu pudesse voltar a pensar, uma Sakura ansiosa surgiu de uma das entradas da casa, eu não me preocupei em ficar monitorando seus ruídos.

Os olhos dela rapidamente seguiram os meus e chegaram às caixas, ela enrubesceu, repentinamente – e por um momento penso que essa garota gostaria de colocar uma mecha do cabelo rosa atrás da orelha agora, porque essa é uma das poucas coisas que verdadeiramente sei sobre ela – mas Sakura não poderia atender seu hábito, porque seus braços estavam segurando travesseiros e um cobertor fino de um jeito firme.

– Ah, Sasuke-kun, não repare nisso – ela se apressou em me explicar, empurrando as coisas com um pé, tentando ocultá-las da minha visão. Foi tão inútil que eu arqueei a sobrancelha e Sakura interpretou de modo errado, acho. Ela ficou mais constrangida. Que há de mal com um pouco de bagunça? – Você sabe, eu me mudei não faz muito tempo e não tive tempo de ajeitar tudo do jeito que quero.

Eu gostaria de ter ironizado alguma fala patética, mas me mexi desconfortável, pois, de algum modo, ela pareceu querer minha aprovação.

– Para mim parece que tudo está no lugar – eu disse, ela me deu um sorriso nervoso, ficando mais perto.

Sakura morava sozinha, o que era bem conveniente, pois não seria confortável estar hospedado na casa dos pais dela, por mais interessantes Naruto dissesse que eles eram. Ela não havia contado o motivo para alugar um apartamento pequeno no centro da Vila e eu não perguntei. Talvez um dia.


Precisamente naquele dia, eu havia dado baixa no Hospital Konoha, onde estive desde que regressei até a Folha, findando naquele dia a minha jornada. Fiquei uma semana hospitalizado depois que implantaram um braço artificial, bastante funcional, apesar de no começo eu ter encontrado dificuldades para manuseá-lo – para divertimento do usuratonkashi. Disseram que eu deveria começar com a fisioterapia intensiva imediatamente.

Um tratamento exaustivo de sete dias começou e, ao fim deles, recebi alta. Ainda que sessões moderadas de exercícios devessem continuar diariamente. Conseguia dominar bem a prótese, mas ainda faltava algum rastro maior de firmeza e uma manipulação perfeita de chakra: algo que demoraria mais tempo para ser recuperado, segundo a antiga Hokage e retificado por Sakura.

Mas minha única preocupação real era lidar com a proposta dessa garota que prometi ver novamente, feita assim que recebi a liberação.

Fique na minha casa.

Eu apenas a encarei.

Sakura-chan, o teme pode ficar comigo. Hinata não se importaria.

Fiz uma careta só de pensar.

Eu certamentepossopagar um hotel.

Bem... acho que você não pode, Sasuke-kun.

Que está dizendo?

Eu sinto muito – ela fez uma cara condescendente – quando o Conselho junto aos kages te absolveram, ao mesmo tempo eles bloquearam sua conta bancária. Obviamente, você teria acesso aos números quando retornasse, porém, as medidas burocráticas para ativá-la novamente serão demoradas. Mas já estão em andamento! Por isso, te sugiro a ficar comigo até que isso se resolva.

Eu quis xingar. Nas pilhas de papéis que assinei a respeito da confirmação minha "atual boa índole" havia, realmente, um termo do tipo. Eu não dei falta do dinheiro durante minha estadia fora, vivi esses dois anos fora com base no que ganhava com raros serviços independentes aqui e ali, quando necessitava. Não quis fartura alguma e não faria sentido tê-la.

Sobre um local para ficar, não havia muitas opções. Meu antigo apartamento, usado quando eu era gennin, fora embargado e leiloado por inatividade, eu não poderia voltar para lá. O complexo Uchiha estava totalmente fora de cogitação, simplesmente porque eu não suportaria estar naquele local de novo para algo além de uma visita.Kakashi já vivia se espremendo em sua casa miúda e na Torre Hokage. E eu não ia ficar no excessivamente "amoroso" apartamento de um recém-casado, apesar de já fazer alguns meses que Naruto se enfiou nisso.

Então, sobrou aquela pessoa.

Acho, no entanto, que Sakura não pensou no desconforto que essa situação poderia trazer para ela – e para mim. Nós estamos mais próximos e ambos sabemos disso, mas ainda havia barreiras... Contudo, nada mais pôde ser feito, no fim das contas ela era minha única e mais óbvia escolha.E eu a escolhi. Só me restou estar parado no meio da sala da Sakura esperando-a horas depois, porque assim que chegamos ela disse que pegaria algumas coisas para que eu me sentisse confortável.

De modo algum eu via isso como algo possível.


Sakura estendera o cobertor e o travesseiro com um olhar de desculpas, notei que logo acima havia uma toalha de banho e roupas limpas e simples, dentre elas uma calça preta, uma camisa cinza e até roupa de baixo, pareciam novas. Deus, ela comprou esse tipo de coisa. Humilhante.

– Desculpe te fazer dormir no sofá, mas eu não tenho nenhum futon ou quarto de hóspedes – Sakura me disse quando peguei as coisas de suas mãos. – As roupas são de uma loja aqui perto, eu imaginei que você não tinha nenhuma com você.

Ela mordeu o lábio quando permaneci em silêncio, eu havia quase me esquecido que Sakura tinha essa mania quando ficava apreensiva, é estranho ver pequenos traços daquela garota chorona na pessoa selvagem a minha frente. Sei que com isso ela deseja que eu diga alguma coisa, qualquer coisa. Parecia estar estranhamente ansiosa. Talvez por eu falar normalmente com ela? Falar normalmente com ela sozinho na casa dela?

É uma possibilidade e,provavelmente, acertei na mosca.

– Está bom o suficiente – eu digo, curto, as roupas eram boas e o sofá pareceu bem adequado para mim naquele momento, eu queria dormir, apesar de a noite só ter começado. Eu tive a esperança de que, dormindo, minha dor de cabeça diminuiria ou desapareceria.

– O que você gostaria de jantar, Sasuke-kun? Eu posso ir preparado enquanto você toma banho.

Meus olhos se fixam nela e não respondo imediatamente, estranhando o quão doméstica aquela conversa parecia. É só imaginação, logo digo a mim mesmo, uma pergunta natural. Por Sakura parecer tão simples em tudo que dizia é que soou confuso para mim, não estava habituado com depender e ter desejos, mesmo dos mais simples, atendidos por alguém.

Então, raciocino comigo mesmo, quem sabe ela tenha começado o jogo bem ali, quando eu não esperava e não queria acreditar que podia sentir o que era ter um pouco do que seria uma vida normal. Quem sabe tudo não tenha começado com uma simples pergunta, com um convite amigável, mas que eu associei com familiaridade.

– Qualquer coisa serve. – Tenho certeza que soei um pouco ríspido, construindo uma muralha quase que por hábito, porque Sakura franziu as sobrancelhas. Respirei fundo. Não estou fazendo um bom trabalho e ela quer ser uma ótima anfitriã. Eu gostaria de dizer que estou tão confiante quanto pareço, mas não é verdade. Faço uma nova pausa e olho para os lados. – Onde é o banheiro?

– Oh – ela exclamou, hesitando antes de me responder. – Entre na porta por onde eu saí, suba os três degraus e você estará no meu quarto, ao lado do closet tem uma porta, é lá que fica o banheiro. O que é horrível, sabe, a umidade pode ir para as minhas roupas e mofar tudo desse jeito.

– Certo.

Eu mal prestei atenção a uma palavra do que ela disse depois das instruções e, sem rodeios, me dirigi ao quarto. Deixei sobre o sofá o travesseiro e o cobertor de antes; levei as roupas e a toalha. Sakura me seguia com o olhar, julgo que parecia um pouco envergonhada. Suponho que o fato de ter uma pessoa, sobretudo um homem – e ele ser eu – em sua casa e quarto seria o motivo.

Vi a garota indo para a cozinha, que não era bem uma cozinha, por assim dizer, mas um espaço coligado com a sala e dividido por balcões de madeira, simples, mas insuportavelmente organizada como o resto da casa.

Terminei de subir os três degraus pensando que teria os olhos ofuscados por um mundo rosa, mas o quarto de Sakura era tão normal quanto um quarto poderia ser.

Talvez com uma ou outra coisa que indicasse que pertencia a uma garota, como a alça de uma peça vermelha que escapava de uma gaveta do criado-mudo, o que espero sinceramente que não tenha sido esquecido de propósito – assim como Karin esquecia qualquer peça de roupa pelo chão das guaritas, ocasionalmente pisoteadas por mim ou recolhidas por Suigetsu. Por outro lado, me lembrei de que era da Haruno que eu estava falando. Um verdadeiro conforto nesse sentido.

Entrei no banheiro cauteloso, havia no chão um tapete branco felpudo e meus pés afundaram nele dramaticamente, detestei a sensação de imediato. Numa prateleira tinha itens que eu jamais vi na vida, indecifráveis.

Ao lado de uma escova de dente verde havia uma azul, ainda lacrada, dentro de um copinho com ridículos golfinhos desenhados, concluí que a azul pertencia a mim. Passei um minuto achando que tudo estava calculado friamente (esses preparativos, essa arrumação desmedida). Fechei a porta e tirei a roupa, esta que cheirava a hospital e remédios. Enrolei-as de qualquer modo e entrei no boxe.

Senti-me estranho de um jeito atípico, certamente, eu não nunca esperaria que em uma parte do meu futuro eu estaria morando com Sakura, mesmo que temporariamente, usando suas coisas e ela sendo completamente amigável como se nada houvesse se passado. De uma maneira que não dá exatamente medo, tudo é assustador.

Eu toquei em sua testa, transmitindo o que eu podia do único jeito que sabia, e prometi voltar para vê-la na esperança de entender um sentimento que nasceu aqui antes de minha jornada. Intacto e mais complexo do que uma amizade.

Fechei o boxe de vidro. Abri o chuveiro. A água caiu quente e pesada sobre meus ombros, um banho certamente muito mais agradável que o do hospital. Onde, por pelo menos duas vezes, havia uma enfermeira oferecendo uma toalha ou dizendo que poderia esfregar minhas costas porque em meu prontuário estava escrito "repouso absoluto, você não deve fazer o mínimo esforço, Uchiha-sama. Deixe-me auxiliá-lo".

Ao menos, não precisei escorraçar as mulheres. Na primeira, Naruto veio gargalhando e dizendo para deixar um inválido como eu em paz; na outra foi Sakura, claramente irritada, e argumentando um pouco melhor, algo sobre como eu podia me virar sozinho e que a médica ali era ela e sabia o que eu estava permitido ou não a fazer; tomar banho sozinho, por exemplo, era uma tarefa que cabia apenas a mim.

Foi como ter um vislumbre da Sakura gennin, especialmente porque ela ainda ficou resmungando por vinte minutos enquanto me ajudava na fisioterapia, depois.

Concentrando–me no atual banho, procurei o sabonete. Estava no suporte: era branco, arredondado, ao lado de uma esponja laranja. Percebi que já havia sido usado por Sakura pelo menos uma vez, ainda era possível ler a marca, mas de forma superficial. Suspirei. Isso não tinha problema, mas a essência do sabonete não me agradava, porque eu não queria sair dali cheirando a jasmim, sinceramente não.

Lembro que senti esse mesmo perfume em Sakura misturado a outro, mais suave na pele dela. Não era ruim. Eu gostava. Nela.

Contudo, no fim, acabei sendo derrotado – ou isso ou continuar fedendo a éter.

A dor de cabeça havia quase desaparecido.

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Quando volto do banho, as caixas de antes já estavam escondidas em algum lugar do apartamento, pois não as vi mais em nenhum canto da sala. Quando eu perguntei onde poderia lavar minhas roupas, Sakura apenas indicou um cesto na varanda, dizendo que as mandaria para a lavanderia e eu não deveria me preocupar com isso.

Quando fui fazê-lo, me deparei com um pequeno varal com as peças íntimas dela num canto, o que foi um pouco desconfortável. Foi uma péssima ideia ter vindo para cá.

Saí rapidamente, encontrando a kunoichi mexendo uma panela de curry de costas para mim, os cabelos estavam presos num tipo estranho de nó no alto da cabeça, a nuca estava exposta e poucos fios rosa, bem pequenos, caiam sobre ela. Gasto tempo e pensamento nisso. Censuro-me. E acho que essa foi a primeira vez que admiti para mim mesmo que ela não era a parte feminina inteligente – mas sem charme – da equipe sete.

Sakura tem o maldito charme. Gritante o bastante para mim e meia dúzia. Sempre achei que eu gostasse de algo na personalidade dela, da forma como ela me olha e esse jeito é cativeiro dos meus próprios olhos. Ainda gosto. Mas a verdade é que essa pessoa também me atrai. Por isso é tão perigoso eu estar aqui, não é nada que eu vá fazer, não... mas, talvez, o que Sakura pode fazer com o que há em mim.

Repentinamente, salvando-me de pensamentos que não me levariam a lugar algum, a Haruno deu um peteleco na própria testa e com brusquidão se voltou para onde eu estava, mas, sem que tenha me percebido ali antes, ficou bastante avermelhada quando me encarou e ofegou de surpresa. Ela havia acabado de se lembrar do que eu poderia encontrar em sua varanda.

Facilitei para a garota, fingindo que não vi nada, e me sentei em uma das banquetas do balcão, me dedicando a ler os títulos dos volumes e obras de livros na estante logo atrás.

– Bom... Sasuke-kun... – Sakura iniciou uma tentativa falha de puxar um assunto um tempo depois, sua voz saía trêmula; estava menos enrubescida. – Eu já estou terminando. Sente fome?

Ela olhou para mim, sabendo que havia feito uma pergunta que sabia a resposta, Sakura estava ciente de que eu não comia há um tempo, mas assenti suavemente. Vi a médica relaxar e continuar, virando as costas, curvando a nuca. Maldição.


Não precisei esperar muito, logo uma panela fumegante de curry e outra de arroz estavam na minha frente. Cheiravam bem. Sakura sentou-se na banqueta ao meu lado, trazendo a louça e nos servimos. Quando provei a primeira porção não pude deixar de arquear as sobrancelhas.

Sendo honesto, era bom.

Ou, sendo maldoso, quem sabe fosse só a minha língua manifestando sua felicidade por não precisar mais da comida sem sabor do hospital, mas... não. Por um segundo, eu lembrei de quando os Uchiha ainda eram"os Uchiha" e não apenas um, eu. A sensação quente de algo ter sido preparado especialmente para você.

Ali estava Sakura avançando com uma peça do jogo e retirando a minha para escanteio.

Comi tudo; e repeti o prato. Se eu tivesse um pouco de tato poderia ter dito alguma coisa discretamente.

– Uau – Sakura exclamou, olhando para mim, que enfiei o hashi na boca –, dizem que é um verdadeiro elogio para uma cozinheira ver alguém repetir o prato. Eu nunca te vi comer tanto.

Dei de ombros.

– Finalmente é comida de verdade.

Sei que não fui totalmente verdadeiro. Mesmo assim Sakura corou pelo comentário como se fosse grande coisa e se empertigou na cadeira como se eu a tivesse espetado com a ponta de uma kunai. Ela soltou uma risadinha.

– Bem, você pelo menos podia tentar comer mais devagar – sugeriu, mudando o assunto.

Só então eu noto que estou comendo rápido, como ela disse. Diminuo a velocidade com uma careta desagradável. Não é minha culpa fazer isso, não realmente. É apenas herança dos meus tempos de nukenin: comer rápido, beber rápido, fugir rápido, tudo era uma questão de ser veloz para não ser pego na curva seguinte.

Afogado no silêncio, só continuei a comer.


Depois do jantar e de lavar a louça, Sakura me deu boa noite, dizendo que tomaria banho, porque que sentia calor, mas como se as palavras não fossem suficientes, ela foi afastando a blusa do pescoço um pouquinho e usando a mão como abanador, me fazendo ver mais de sua pele do que eu deveria. Eu me condeno por me prestar ao serviço de reparar.

Olhei para a parede – não por cavalheirismo ou por ser sexualmente ineficaz –, apenas não quero que Sakura se torne interessante para mim apenas por isso, reconhecê-la como uma mulher atraente já estava bom; mas sinto que isso não funciona, uma vez que volto a olhá-la com um leve desconforto.

– Está acomodado o suficiente, Sasuke-kun? – ela indagou, inocente, por um segundo eu não entendi a que ela se referia. A garota foi espreguiçando-se e indo para o quarto. – Ou quer que eu faça algo por você?

Pigarreei, resmungando que estava bem e desejando um vazio 'boa noite', quase a expulsando da própria sala com tamanha grosseria; mas, afortunadamente, deu certo, ela se foi para o próprio quarto, um pouco chateada. Talvez Sakura estivesse esperando algo diferente disso. Mas era difícil.

Fiquei só no sofá. Deitei de bruços. A prótese escapando da borda e ficando pendurada, uma perna estava flexionada formando um quatro sobre a outra. Pessoalmente, eu acho a posição mais confortável para dormir se seus sentidos não precisam estar em alerta.

Percebi que os travesseiros também não tinham um cheiro meu, nem o cobertor, nada. Imaginei que pela manhã eu acordaria com cheiro de Sakura: uma mistura de jasmim e, descobri, avelã.

Por outro lado, mais um dia suportável na presença dela começaria. O café estaria pronto. A casa sempre arrumada. Ela tentaria puxar uma conversa comigo, mas não seria muito produtiva se não se empenhasse, porque eu sou péssimo nisso. O dia passaria numa calmaria interessante.

E eu pensei, mortificado, quase adormecendo, que poderia me acostumar com todos esses privilégios que não eram de todo mal. Habituando-me com esse jogo impensado.

E assim, inconscientemente, ele deu a ela um quarto de seu inteiro.


Wakaru significa compreender. O trecho em cada capítulo é da música Hallelujah. Serão quatro ao todo (por isso um quarto). Kuso significa droga. Eu espero que gostem da minha estreia. Até logo.