Avisos: Yaoi/AU/OOC/Duo POV/tentativa de fluffy.
Casal: 2+1 - (menção de 3+4)
Beta e 'desempacadora': Litha-chan
Agradecimento: A Blanxe pelo apoio e pela musica que deu nome a fic.
Nota: Minha beta e amiga Likaah fez aniversário e, apesar de visivelmente atrasada, gostaria de dedicar essa pequena fic única e exclusivamente para ela. Espero que você goste, Lika o/
Stay With Me Tonight
I
Em seu precioso livro de anotações azul
O que você escreve sobre os momentos em que passamos juntos?
-
Eu não conseguia lembrar o momento exato em que minha determinação tornou-se uma obsessão desmedida. Talvez girasse em torno da percepção de que todos ao meu redor pareciam ter suas escolhas parcialmente feitas e a maioria já devidamente embrulhada. Ou talvez eu estivesse sendo dramático e exigente demais... mas o fato é que faltando apenas quatro dias para o aniversário do meu – até então – melhor amigo, me vejo quase arrancando os cabelos ante minha incapacidade de pensar em algo descente para lhe presentear.
A princípio pode parecer um trabalho fácil. Acho que até então nunca tive problemas nessa área, tanto para receber quanto para dar um presente para alguém. Qualquer coisa tem um alto potencial de me deixar como um pinto no lixo, desde cds, livros e desenhos feitos em guardanapos de lanchonete, a abraços inesperados e ligações no fim do dia.
A questão é que o aniversariante da vez é nada mais nada menos que Heero Yuy, e tratando-se dele, a coisa se torna um pouco mais complexa do que deveria ser.
Eu poderia enumerar dezenas de motivos pelos quais escolher um presente para Heero é uma das atividades mais complexas que já executei nos meus jovens dezesseis anos de existência, mas acho que apenas três deles seriam o suficiente para dar total crédito ao meu atual drama:
Primeiro: Yuy é um garoto podre de rico.
E quando digo podre é podre mesmo, no total sentido da palavra. Algo realmente fétido, desagradável, e tão hediondo que chega a ser esdrúxulo. Se eu não fosse simpatizante do agradável perfume que ele costuma emanar, diria que tudo ao seu redor cheira a dinheiro.
Heero é o tipo que passa as férias nas grandes capitais do mundo - e nada de hotéis luxuosos; sua família faz questão de ter belas mansões em todos os lugares que julgam agradáveis o suficiente para uma temporada -, anda sempre com um motorista a tira-colo e estuda no melhor colégio do país.
E levando todos esses pontos em consideração, eu sou obrigado a me perguntar:
Que diabos eu poderia dar para uma pessoa como ele?
- Ainda está pensando nisso?
Tendo a decência de corar, levanto meu rosto do tampo da mesa para encarar a garota na fileira ao meu lado, me fitando como se eu fosse uma das coisas mais divertidas do universo. Chego à conclusão de que, além de ter imergido em meus pensamentos por um tempo considerável, havia dado voz a eles sem perceber.
- Você sabe que sim. – acuso num murmúrio, não querendo chamar atenção para nossa conversa. Apesar de sermos os últimos de nossas respectivas fileiras a sala não é grande o bastante para passarmos despercebidos.
- Você já está nessa há um mês, Duo, qual é o seu problema?
Com um suspiro desolado, deixo que minha cabeça caia novamente contra a mesa, ignorando minha amiga para voltar a me afundar em auto-críticas e algumas conjecturas.
Hilde tinha razão.
Qual o meu problema afinal?
Lembrando da pequena lista de possíveis causas para a minha dificuldade em achar um maldito presente, percebo que a resposta para aquela pergunta está no item número três. Mas ainda posso creditar alguns pontos ao de número dois:
Eu precisava, desesperadamente, superar os fracassos dos anos anteriores.
Eu e Heero nos conhecemos através de um amigo em comum há um pouco mais de dois anos. Levando em consideração nossas classes sociais gritantemente antagônicas, creio que não poderia ter sido de outra forma. Um dos meus melhores amigos, Trowa, é namorado de Quatre, amigo de Wufei que graças a seus parentes acabou por se tornar um primo distante de Heero.
Retornando a minha pessoa, fui apresentado a Quare que depois de um tempo, fez a gentileza de me apresentar a seu amigo - muito bonito por sinal -, que me convidou para uma festa em sua casa, onde acabei por conhecer Heero Yuy... De uma forma um tanto quanto vergonhosa, mas não entrarei em detalhes; vale dizer que envolve meu quase afogamento na piscina; o japonês me tirando de dentro d'água, e a constatação de que de uma hora para outra eu havia me tornado o assunto da bendita festa.
Não foi surpresa alguma ser convidado para o aniversário dele no mês seguinte, e o ainda despreocupado Duo achou que seria uma boa presenteá-lo com um daqueles carrinhos legais que eu sabia que ele fazia coleção.
Vale a pena ressaltar novamente que Heero tem uma quantidade esdrúxula de dinheiro, e para conseguir um maldito modelo foi preciso todo o meu salário daquele mês mais uma forcinha dos meus pais.
Fiquei extremamente satisfeito com meu belo modelo anos sessenta, um Balilla de 1932 em versão Sedã, que eu sabia ser um dos poucos que o japonês não possuía.
Ainda acho que minha linha de raciocínio estava correta, mas na época eu ainda não conhecia o seu mundo o suficiente para levar em consideração alguns de seus amigos...
Ou melhor, sua amiga.
Ou melhor ainda, Relena Darlian, a garota que estava afim dele desde que se entendia por gente...
Alguns dias depois da festa acabei por descobrir que a garota presenteou Heero com todos os modelos que faltavam na coleção dele, e isso incluía o que eu havia suado muito para conseguir.
Não preciso dizer que minha frustração alcançou níveis alarmantes, mas nunca cheguei a perguntar o que ele fez com os presentes.
No ano seguinte estávamos mais amigos do que eu poderia ter imaginado, e quando a bendita data se aproximou novamente, me vi ansioso para encontrar algo que ninguém pudesse pensar, e isso incluía Relena, que havia se tornado uma pedra no meu sapato.
A idéia perfeita surgiu quando descobri que nenhuma festa seria promovida pelos pais de Heero, que estavam viajando pela Europa naquele período. Como ninguém havia dado sinais de que faria alguma coisa especial, me arrastei para a cozinha e preparei um pseudo-bolo de chocolate que, apesar de um pouco torto, não parecia estar de todo o ruim.
Como no ano anterior, fiquei extremamente satisfeito com a minha escolha e não pensei duas vezes antes de ir a sua casa para entregar o meu presente. Heero ficou realmente surpreso - o que é muita coisa se levarmos em consideração a sua personalidade introspectiva. Acabamos sentados na mesa da cozinha, comendo chocolate até não poder mais e conversando sobre todo o tipo de coisa.
Eu realmente gosto dessa lembrança e a guardo como uma de minhas prediletas. Por um momento achei que havia sido bem sucedido em meu intento, mas novamente Relena estava lá para estragar meus planos e se provar superior.
Lembro que tudo aconteceu muito rápido; ela simplesmente entrou porta adentro junto com seus amigos, jogando confetes e serpentinas, arrastando Heero para a parte dos fundos da casa, onde uma quantidade impressionante de pessoas haviam sido, no mínimo, conjuradas, porque eu tinha certeza de não ter visto nenhuma delas quando cheguei.
Moral da história: meu pseudo-bolo não chegava aos pés da festa surpresa que a loira azeda preparou.
Não consegui colocar meus olhos em Heero aquele dia, e em toda minha frustração e inconformismo, mal registrei a tentativa de meus amigos em aplacar minha raiva. Não demorou muito para que eu percebesse que eu estava me importando mais do que deveria, e acabei saindo da festa com mais do que uma revolução intestinal causada por excesso de chocolate.
Isso nos leva ao item número três, que por si só já seria um ótimo motivo:
Eu sou completamente apaixonado pelo meu melhor amigo.
- Duo? A aula já terminou...
Minha linha de raciocínio foi rompida mais uma vez, agora, pela voz monocórdia de Trowa. Ergui meu rosto em busca de seus olhos verdes e o encontrei agachado ao meu lado.
- Hey, Tro... – saudei, apoiando um cotovelo sobre a mesa e descansando o queixo sobre a mão.
- Sua animação quase me derrubou. – comentou, uma leve centelha de divertimento luzindo em seu único olho visível. – Ainda?
Pisquei e acenei positivamente, sabendo bem o que ele queria dizer com aquela única palavra. Nós dois tínhamos um sincronismo fantástico, e muitas vezes nos compreendíamos apenas com um olhar ou gesto, e muito disso parte do desapego que Trowa tem para com suas cordas vocais. Não acredito que ele seja inábil com as palavras, pois sempre sabe o que dizer nos momentos certos. Tão pouco creio que tenha algo a ver com sociabilidade, já que ele é o "senhor popular" do nosso colégio, o que é incrível levando em consideração que de sua boca só sai monossílabos a maior parte do tempo.
Mas a bem da verdade é que nada disso tinha a ver com o questionamento simplista do meu amigo; meu mundo nos últimos dias girava em torno de uma única coisa, o que reduzia o número de acontecimentos fantásticos na tediosa vida de Duo Maxwell.
- Nada, absolutamente nada. – vocalizei.
- Isso é um problema. – devolveu com seriedade, e apesar de eu querer gritar o quão óbvio era aquela afirmação, apenas assenti e grunhi em frustração.
- Eu não sei o que...
- Bem, eu vou indo, Duo. – a voz de Hilde interrompeu o que eu estava preste a dizer, chamando minha atenção para sua presença que, até então, eu não havia percebido. – Espero que você obtenha algum resultado hoje, qualquer coisa, sabe onde me encontrar. – e após bagunçar minha franja e lançar um olhar visivelmente desgostoso para Trowa, a morena deixou a sala.
Não me pergunte o que há com ela, mas sua antipatia pelo meu amigo franjudo era palpável. Isso ia além da minha compreensão, porque, mesmo que Trowa não fosse uma pessoa agradável, estávamos falando de um moreno de quase um metro e setenta de altura, olhos profundamente verdes e descendência latina. O cara era um semi-Deus adolescente, como alguém não gostaria dele?
De fato ainda não havia encontrado uma resposta. Hilde faltava me fuzilar quando eu lhe perguntava a respeito, e Trowa apenas dava de ombros dizendo nunca ter trocado uma palavra com a garota. Eu o acreditava, pois achava ele maduro demais para esse tipo de birra.
- Como eu dizia, – retomei, querendo deixar aqueles pensamentos de lado. – eu não sei mais o que fazer. Fundirei meu crânio se continuar desse jeito.
O latino ergueu-se de sua posição para ocupar a cadeira a minha frente, sentando de forma a me encarar diretamente. Senti que esse seria um daqueles momentos raros em que Trowa usaria suas cordas vocais para formar frases com mais de duas orações, o que normalmente, resulta em uma grande ajuda ou num fiasco sem precedentes. Ele e Wufei têm essa mania estranha de dar conselhos com frases vagas ou ditados clichês. Acho que no fundo o que eles querem é causar a reflexão nas pessoas, mas por Deus! Se eu os procurei, é porque já cansei de refletir, certo?
- O que, exatamente, você está procurando?
Tornei a mergulhar em pensamentos, tentando alçar uma boa resposta para aquela pergunta. Não sei se seria simples explicar a grande expectativa que eu colocava em cima de um simples objeto inanimado... é, porque eu não me vejo dando um cachorrinho para o Heero, por Deus!
- Algo que ele não tenha... – murmurei, recobrando a pequena lista mental que eu fazia momentos atrás. – E principalmente, que Relena não possa massacrar... – grunhi.
Minha única resposta foi um arquear de sobrancelha e, ignorante ao significado daquele gesto, me vi obrigado a indagar:
- É só isso?
- Eu que lhe pergunto, é só isso? – rebateu, a velha centelha voltando as pedras jades.
- Você não escutou o que eu disse? – inquiri afoito. – Relena parece estar sempre um passo a minha frente! – exclamei, sentindo ímpetos de balançar aquele poço de tranqüilidade. – Se eu dou uma caixa de bombons, ela me aparece com uma escultura do Heero em tamanho real talhada em chocolate suíço. Se eu dou um CD ela me aparece com um estúdio de gravação. Tenho até medo de resolver dar apenas um abraço, quem sabe o que ela não vai oferecer pra ele! – conclui, soltando uma enorme quantidade de ar que eu havia prendido durante toda aquela falação.
A minha frente, Trowa parecia estar achando muita graça. É claro que não havia uma gargalhada ruidosa, mas o sorriso genuíno que estampava o seu rosto era um sinal de que eu estava sendo um divertimento e tanto.
- Acho que seu problema está no último item dessa exagerada lista, certo?
Tive a decência de corar; na verdade, acho que estava imitando um tomate maduro.
Ainda era difícil para mim admitir que havia deixado os meus sentimentos por Heero transcender a segura barreira da amizade. Não era como se ele tivesse me prometido alguma coisa, ou me feito ver mais do que os bons amigos que nós éramos. O japonês era bom comigo, é verdade, mas nunca insinuou que eu fosse diferente de outra pessoa... eu acho.
- Bem... eu realmente gosto dele e queria demonstrar isso de alguma forma. Eu gostaria de impressioná-lo, sabe? – murmurei, escondendo o rosto entre os braços cruzados sobre a mesa. – Não pode ser tão difícil assim... pode?
Ouvi um pequeno suspiro vindo de meu amigo, mas não me dei ao trabalho de erguer a cabeça para fita-lo. Estava me sentindo um pouco miserável naquele momento e queria toda a privacidade da qual eu pudesse desfrutar... e na ocasião isso é traduzido em meu rosto afundado no abrigo dos meus braços.
O que diabos o meu subconsciente estava tramando contra mim quando começou a formar pensamentos subliminares sobre Heero?
- Talvez não seja tão difícil...
Ergui a cabeça apenas o suficiente para lhe lançar um olhar descrente e então voltar a minha posição original.
Será que eu não estava sendo claro o suficiente?
- Eu juro que já tentei de tudo... – murmurei. – Ou o Heero já tem, ou não acho bom o suficiente... e é claro, tem também a possibilidade da Relena comprar o fabricante...
- Talvez você esteja esperando muito de um simples presente, não acha?
De fato, sim, eu estava esperando demais de um simples presente. Não é como se eu pudesse demonstrar tudo que eu sinto por ele através de um objeto, certo? E não é como se eu estivesse planejando me declarar para ele ou algo assim; o que nós temos é bom demais para que eu ouse quebrar fazendo alguma declaração estúpida...
- É, talvez... – voltei a apoiar meu rosto em uma das mãos, encarando os olhos verdes. – E o que você comprou para ele... você comprou algo, certo? – emendei, vendo seu olhar um pouco surpreso com a minha pergunta.
- Bem... Quatre comprou...
- Oh... muito esperto... – reconheci, batendo levemente em seu ombro.
Trowa estava prestes a dizer alguma coisa, mas fomos interrompidos pela entrada do inspetor, falando do seu jeito estranhamente rápido e nos expulsando da sala. Fitei meu relógio de pulso exclamando espantado ao constatar que já passava das três da tarde. Entre devaneios e a conversa com o moreno, perdi uma hora inteira que podia ter sido usada para achar um bom presente.
Alcei minha mochila pelo ombro esquerdo, puxando meu amigo pelo braço e deixando a sala às pressas. Se eu fosse rápido o suficiente, ainda teria tempo de passar em algumas lojas antes de ir para o trabalho. Estava perdido em meus próprios pensamentos, bolando possíveis desculpas que eu poderia dar para chegar atrasado, quando um puxão no braço que eu usava para arrastar Trowa me fez parar e voltar a realidade.
- O que foi? – perguntei, encarando o moreno que acenava com a cabeça para algum ponto a minha frente.
Olhei para além dos portões da entrada do colégio, divisando, entre alguns poucos alunos que ainda permaneciam por ali, um automóvel preto - visivelmente caro demais para ser de alguns dos estudantes daquela escola pública -, e um senhor de cabelos grisalhos vestido em um elegante uniforme. Internamente, rezei para que o homem parado ao lado do carro fosse o chofer de Quatre, mas eu sabia que seu motorista era bem mais jovem e de descendência árabe. Wufei... não, o chinês não teria nenhum motivo para mandar um carro até aqui...
Bem, um garoto poderia sonhar.
- É... acho que é pra mim.
Trowa me fitou com um de seus olhares inteligíveis e comentou, ao me ver franzir o cenho:
- Há quanto tempo você não fala com ele?
- E como você sabe que eu não falo com ele? – repliquei.
- Yuy não mandaria um carro aqui se não estivesse preocupado com você.
A menção de Yuy e da palavra preocupado numa frase relacionada a minha pessoa, fez com que meu rosto esquentasse e, inferno, havia aquelas coisas no meu estômago.
- Bem... talvez uma semana... – dei de ombros, voltando a andar para esconder meu rosto vermelho. – Estive muito ocupado entre o trabalho, o presente, e a escola...
- Quer um conselho? – indagou, quando estávamos apenas a alguns passos do carro.
- Que ajuda você poderia me dar? – alfinetei. – Esqueceu que pediu ao seu namorado para comprar pra você?
Trowa apenas me lançou um de seus pequenos sorrisos e eu soube que aquele comentário não lhe afetava em nada. Na verdade, apostava que ele estava se sentindo muito esperto por ter pensando em algo assim.
- Por que você não o procura também? Tenho certeza de que Quatre não se negaria a ajudar... – e sem mais palavras, fui deixado para trás enquanto o moreno tomava o caminho que costumava fazer para chegar em casa.
Sem escolha, voltei minha atenção para o carro preto, apenas alguns metros a minha frente, analisando todas as minhas possíveis rotas de fuga. Chegando a conclusão de que elas se resumiam a um grande nada, me aproximei do chofer que me encarava com um amplo sorriso estampando sua face.
- Hey Joe! – acenei, estendo o cumprimento para um leve tapinha em seu ombro. – Heero está te explorando novamente, não é?
Minha resposta foi a risada grave que eu já conhecia tão bem. Não era a primeira - e eu suspeitava que não seria a última - vez que Heero mandava um carro pra me buscar em diversas ocasiões, e em todas elas eu me sentia um pouco sem jeito em aceitar aquele tipo de favor. É claro que eu já havia tentando convencê-lo de que eu tinha pernas e pés em condições perfeitas o suficiente para me fazer andar até sua casa, ou outro lugar em que ele esteja a minha espera, mas tente dialogar com um japonês com cara de poucos amigos, um vocabulário reduzido e um senso de protecionismo que supera níveis toleráveis?
Voltando ao assunto da carona, aquela não era a primeira vez que o velho Joe vinha me pegar em algum lugar, e depois de dois anos de uma inevitável convivência, eu já me sentia à vontade o suficiente para compartilhar uma boa conversa com o chofer. Naquele momento, não pude deixar de pensar que conhecia mais o motorista de Heero do que seus próprios pais. Era triste admitir que o japonês e sua família não tinham um relacionamento próximo, e mesmo não querendo, não podia deixar de me sentir afortunado.
Meus pais e eu podíamos levar uma vida modesta, mas acima de tudo, éramos uma família.
Meus pensamentos foram interrompidos pela pequena movimentação do chofer em direção a porta de trás do carro. Ele provavelmente a abriria em um convite mudo para que eu entrasse, mas, mesmo sabendo da possível irritação que isso iria causar em Heero, dessa vez eu não poderia responder ao seu chamado.
- Eu sinto muito, Joe meu velho, mas não poderei ir com você. – o homem olhou em minha direção com uma clara interrogação em seu rosto, e eu elaborei: – Eu tenho algumas coisas a fazer, e não vou poder passar na casa do Heero hoje.
- Mas o senhor Yuy...
- Eu sei, eu sei... – fiz uma careta. – O senhor carrancudo não ficará nada contente, mas diga a ele que eu ligo mais tarde, sim? – apertei a alça da mochila e girei nos calcanhares, pronto para dar o fora antes que o velho Joe pudesse interpelar, mas um audível clique de travas sendo liberadas chamou minha atenção de volta para o automóvel.
Ao mesmo passo em que minha mente tentava de alguma forma patética encontrar alguma ligação entre o fato da portar estar se abrindo e meu amigo chofer não estar fazendo nada para que esse movimento ocorresse, uma parte mais inteligente alertava o resto do meu corpo de que eu poderia estar encrencado.
A resposta para isso foi uma visível tensão em minhas costas, enquanto meus pulmões retiam uma grande quantidade de ar. Aos meus olhos, cabia a difícil tarefa de observar o momento em que os cabelos cor de chocolate deixaram o interior do carro e, em questão de segundos, eu tinha todo um japonês vestido em seu usual traje escolar, parado a minha frente.
- He... Heero... – gaguejei.
- Pretendia esperar você no carro, mas talvez você queira me dispensar pessoalmente.
Não, eu estava realmente encrencado.
Continua...
Então... algum comentário? Pedras? Tomates? o//
