Da perda, batalhas e reencontros.
Nunca pensei que fosse sentir tanto a falta de alguém. Não que eu nunca tivesse sentido o que era perder uma pessoa mas perder uma pessoa estando ela viva, era uma situação inteiramente nova para mim.
Aquele ano foi difícil, a guerra foi difícil mas os primeiros anos do pós-guerra eu diria que foram sem sombra de dúvida os mais horrendos. Porque todos tivemos que lidar com os nossos fantasmas. Não que isso seja mau, porque não é. É só que, lidar com eles, com os nossos fantasmas era como lidar com as vozes que só nós ouvíamos.
Tal como essas vozes podem dar-te esperança e fazer-te ver que a morte é só uma etapa da nossa vida, elas também podem levar-te numa espiral de desespero e tristeza. E nessas alturas torna-se difícil ver a luz ao fundo do túnel. Nesses anos, todos tivemos que lidar com os nossos demónios Harry, não havia nada sobre isso escrito em livros, ninguém nos tinha tentado ensinar a lidar com eles. E de certa forma, eu entendo porquê. Há batalhas que só nós mesmos podemos travar. Não há conhecimento que nos valha nessas alturas. Essas batalhas exigem o máximo de nós, consomem-nos e devoram-nos a alma. E não há mal nisso. Ás vezes é preciso cair, sofrer, morrer para depois poder ultrapassar os obstáculos.
Só que, vê bem, ainda que ninguém possa travar essas batalhas, além de nós próprios, o segredo para as vencer reside numa série de coisas para as quais é necessário saber que não estamos sós. É essa a principal dificuldade da luta. Entender que precisamos de alguém, e descobrir quem é esse alguém, exige certa dose de valentia.
Demorei muito tempo até compreender tudo isto, não julgues que foi fácil, não julgues que não quis desistir muitas vezes no processo. Pensei em quem poderia ser a pessoa que me poderia ajudar a travar as minhas batalhas. Não era nem o meu pai, que coitado estava submerso na sua própria tristeza, nem a minha mãe, de quem não me lembro bem mas que me deixou marcada eternamente. Aquele tipo de amor não era a solução para os meus problemas. Pensei nos nossos amigos mas nenhum deles me poderia ajudar, julgo que eles estavam mais perdidos do que eu.
Depois de muito pensar, e de muito sentir, tive uma epifania. De todas as pessoas que eu conhecera, a pessoa que me tinha transmitido coragem, força, que me fazia ver a tal luz ao fundo do túnel, eras tu. E foi então que eu senti a dor da perda, mais uma vez, Harry. Porque te julguei perdido para mim, para nós. Durante muito tempo, fiz esse luto. Porque também é preciso fazer um luto por quem se perde, estando essa pessoa viva. Talvez seja ainda mais necessário do que fazer o luto por um morto. Um par de anos se passou, até que eu te reencontrei, perdido, afogado na tua tristeza, no teu vazio, sem conseguires encarar os teus próprios demónios. Aos poucos, fui tentando ajudar-te, com delicadeza, com ternura. E aos poucos, fui vendo o brilho retornar ao teu olhar. Aos poucos vi-te ser capaz de derrotar os teus piores inimigos.
Com que alegria, com que estranha alegria senti que tinha cumprido a minha missão. Só quando olhei nos teus olhos, outra vez, pude compreender que tu tinhas entendido há tanto tempo quanto eu, a verdade sobre as batalhas. Quando vieste até mim e os teus lábios disseram aquilo que tinhas compreendido, o meu coração flutuou. Não havia mais fantasmas, nem demónios. Havia uma história, a nossa história para ser escrita. Há coisas mais poderosas que feitiços, maldições ou encantamentos. Coisas que muitos bruxos nunca compreenderão verdadeiramente porque não sentem, com o coração. Com que estranha alegria, eu entendi que o segredo para derrotar a escuridão, era o amor.
