Os pesadelos estavam voltando. Cada vez mais fortes, cada vez mais constantes. Não saberia dizer exatamente quando tinham voltado, mas com certeza eram mais nítidos agora. Antes, ele lembrava, eram apenas borrões, imagens difusas. Agora, ele podia ver cada cena como em uma analepse. E aquilo estava o preocupando.

A cicatriz, entretanto, não doía mais. Seis anos e contando. Era a única coisa que o tranqüilizava. Voldemort jamais seria um problema novamente; os pesadelos, porém, começavam se mostrar irritantes, a ponto de deixá-lo acordado apenas para não ter de vê-los novamente.

Harry convencera-se de que aquilo era passageiro. Uma fase ruim, apenas. Afinal, dúzias de coisas estavam acontecendo ao mesmo tempo, certo? Todos os problemas no Ministério com aquela nova leva de artefatos amaldiçoados surgindo por toda a parte, as brigas de Ron e Hermione, mesmo às vésperas do casamento, os preparativos para o seu casamento... a pior parte era não ter Ginny por perto. Com ela era fácil conversar, ela sempre se mostrava disposta a ouvi-lo. Mas Ginny estava viajando o país todo com o Holyhead Harpies, suas conversas se tornavam cada vez menos freqüentes, geralmente pela lareira só. Ela tinha de treinar muito para manter a boa fase do time, mantê-los em primeiro lugar absoluto na tabela do campeonato. E como sua capitã fizera questão de frisar, em situações como aquela relacionamentos ficavam em último plano.

O que, em outras palavras, significava que as escapadas antes do jogo, geralmente para algum lugar escuro e afastado da arquibancada, foram cancelados.

Lhe consolava o fato de que Ginny iria pedir demissão no final da temporada. Tinha conseguido um emprego legal no Profeta Diário como redatora esportiva; segundo ela, precisava ficar em casa um tempo, se recuperando dos inúmeros balaços e contusões. Harry prontificara-se a pedir férias no Ministério assim que a futura sra. Potter pedisse. Eles poderiam aproveitar antes do casamento, no próximo verão.

Passara boa parte das últimas noites em claro relembrando os detalhes da decoração que Molly estava preparando. Aquilo o mantinha acordado; o suficiente para nem mesmo pensar naqueles pesadelos. Sentia um calafrio percorrer sua espinha só de lembrar. Como se tê-las vivido já não fosse suficientemente doloroso.

A morte de Sirius; a morte de Severus. Geralmente nessa ordem. O mais estranho era que as mortes pareciam interligadas; como se uma dependesse diretamente da outra. De fato, em seus pesadelos, era Snape quem lançava o feitiço que empurrava Sirius para trás do véu, sendo perseguido por Harry logo em seguida. Harry o seguia, subindo por uma escada que não parecia ter fim de acabar. Quando, enfim, chegava ao topo, encontrava Snape apontando a varinha em sua direção, pronto a lançar um feitiço; a varinha, no entanto, tornava-se uma gigantesca serpente que enroscava-se ao seu redor e abocanhava seu pescoço, fazendo-o gritar de dor. Era sempre nessa parte que Potter acordava, sobressaltado. Era naquele momentos em que ele sentia mais falta de Ginny ao seu lado, na cama.

A pior parte era saber que as pessoas começavam a reparar em suas olheiras. Sim, qualquer coisa relacionada à Harry Potter, o Não-Tão-Mais-Menino-Que-Conseguiu-Sobreviver-Duas-Vezes, era importante. Pelo menos, para alguns; para Draco Malfoy era apenas mais motivo de zoação.

Draco Abraxas Malfoy. Em outros tempos, o nome lhe causaria náuseas. Ou raiva. Talvez ambos. Mas muita coisa tinha mudado e eles não tinham mais dezesseis anos; ambos conseguiram engolir o orgulho e estavam trabalhando razoavelmente bem juntos, considerando os padrões anteriores.

Depois da batalha em Hogwarts que resultou na morte de Voldemort, Harry passou pouco mais de seis meses descansando. Enquanto Ron e Ginny reuniam-se à família para superar a perda de Fred – ajudar Percy e George a superar, principalmente – e Hermione terminava seus estudos, Harry assumira um posto como ajudante de Kingsley na difícil tarefa de reconstruir o mundo mágico. Dois anos depois assumiu um lugar no Esquadrão de Aurors, mesmo tendo recusado formalmente o posto como líder. Menos de um mês depois Andromeda Tonks o contatou.

No início estranhou o pedido, tinha de admitir. Jamais passou por sua cabeça que Andy Tonks viria pedir um emprego para Draco Malfoy, seu sobrinho. Até onde lhe constava, a família Black tinha praticamente expurgado Andromeda, assim como Alfard e Sirius. Mesmo assim, Narcisa fora recorrer a irmã mais velha, pedindo abrigo para ela, o marido e o filho. Provavelmente porquê o Ministério tinha confiscado todas as suas contas, Malfoy Manor e quase prendera Lucius por envolvimento com Comensais. Apenas o depoimento dos alunos (sobreviventes) foi suficiente para mantê-los longe de Azkaban. Pelo olhar que Dromeda lhe dera ao pedir o emprego a Draco, ela com certeza queria se livrar dos Malfoy. E o mais rápido possível.

Mas trabalhar ao lado dr Draco Malfoy não era para qualquer um. Convenientemente – conhecendo o histórico de ambos – Kingsley o colocara a mesa de Draco em frente a de Harry, acreditando que aquilo tornaria o contato entre eles mais fácil. Só piorou a situação. Nos primeiros meses a tensão entre eles era tão grande que era possível sentir a estática pairando no ar, pronta a eletrocutar qualquer um que tentasse cruzá-la. Seu trabalho era mais burocrático do que de campo, o que resultava em longas horas em que um tinha que encarar o outro, contendo para não comentar nada ácido ou que pudesse provocar alguma confusão. O que só tornava as coisas mais difíceis.

Shacklebolt, ao perceber que o máximo que eles conseguiam dizer um ao outro é "me passe uma pena", interveio novamente; mandou-os para sua primeira missão de campo. Juntos. Disfarçados. Trabalho em equipe. Vivendo como dois trouxas por quase uma semana, em um hotelzinho em Wirral, apenas para encontrar a casa do contrabandista. Terminaram o serviço sem nenhuma informação, mas se tornaram algo bem próximo a "colegas".

Ou, pelo menos, conseguiam disfarçar muito bem.

Draco – fora terminantemente proibido de chamá-lo de Malfoy -, nos últimos tempos, adquirira a mania irritante de falar com ele apenas por bilhetes. Bilhetes esses que eram escritos em pergaminhos e, em seguida, arremessados contra sua cabeça, tendo ele uma preferência especial pelo espaço entre suas sobrancelhas. Nas primeiras semanas ele desconsiderava; nas seguintes, admitia que era irritante, quase perdia a paciência; nos últimos tempos, seus reflexos como apanhador o faziam pegar a bolinha antes mesmo de atingir seu rosto. Draco ria, satisfeito, quando a bola atingia o alvo, mas torcia o nariz quando Harry segurava-a entre os dedos, antes de atingir o aro do óculos. Gostava das marcas vermelhas no rosto de Harry.

Foi assim que, naquela manhã, depois de mais uma noite particularmente ruim, que ele puxou assunto. Foram precisas três bolinhas para que Potter erguesse o rosto da pilha de papéis em que babava, apenas para encará-lo e depois cair de cara de novo. Apenas quando Draco preparava-se para arremessar a quarta bola foi que ele apanhou um dos papeizinhos, desenrolou e leu.

"Qual o problema?"

Ergueu os olhos, apenas para dar-se conta de que Draco o encarava com certo interesse. Fez menção de murmurar "insônia", mas ao perceber que Malfoy indicava o papel, percebeu que ele preferia continuar a conversa não-verbalmente. Percebeu por que ao perceber que Theodore Nott estava parado não muito longe dali, conversando com alguém sobre problemas com a fiscalização de vassouras.

"Insônia. Pesadelos."- foi o que conseguiu responder, arremessando a bolinha de pergaminho de volta para Draco. Talvez ele se conformasse com aquela resposta... ou talvez não.

"Que tipo de pesadelos, H?" - H? Aquela era nova. Usar iniciais era tão...infantil. Draco não esperava que ele chamasse-o de D, esperava? Que patético.

"Snape. Sirius. Morte." - e voltou a apoiar a cabeça nos papéis, acreditando que Draco teria o mínimo de tato e não tocaria no assunto. Mesmo que precisasse desesperadamente falar com alguém sobre aquilo, Draco Malfoy seria sua última opção, sem dúvida alguma. Isto se ele entrasse entre as opções.

Ele realmente não atirou mais nada contra sua cabeça, o que quase o deixou aliviado. Qual foi sua surpresa ao sentir os dedos de Malfoy enrolando distraidamente seus cabelos, apenas para que ele erguesse o rosto em sua direção e encarasse-o, sentado confortavelmente sobre a mesa, um pé balançando no ar. Ele odiava quando alguém tocava seu cabelo; até Draco sabia disso.

- Eu tive sonhos com Snape, esses dias, também. - Harry registrou o uso de "sonhos" em vez de "pesadelos". - Se você me contar os seus, eu conto os meus.

Harry narrou, da melhor forma que pôde, as etapas do sonho. Draco não expressava nenhuma reação, apenas acenando com a cabeça em concordância, para que ele continuasse. Aparentemente o sonho não era de todo desconhecido para Malfoy; o seu, como ele logo narrou, parecia continuar de onde o de Harry parara, tendo como única diferença o fato de que a cobra não se enroscava em Snape. Ela parecia, na verdade, sussurrar algo em seu ouvido, antes de dissolver-se em pó. Em seguida, a sala parecia girar e quando se estabilizava, Draco via-se no centro de um círculo, cercado por portas. E uma delas possuía um "x" vermelho marcando. E não havia nenhum sinal de Snape.

Ao contrário de Harry, Draco sabia quando os sonhos tinham começado. Depois da festa de Halloween, uns dois meses antes, em que ambos tinham ido desacompanhados e acabaram passando a maior parte do tempo sozinhos, a um canto do Salão Principal do Ministério, assistindo os outros se divertirem. Naquela noite fora feita uma celebração a todos os mortos durante a Segunda Guerra – ou, pelo menos, a todos os mais relevantes – e Harry e Draco tiveram uma pequena discussão com Adamino Octowitz, líder do Esquadrão de Aurors e encarregado do discurso, por ter "acidentalmente" esquecido de mencionar Severus Snape entre as perdas importantes. Era a primeira vez em muito tempo que eles se viam apoiando uma mesma causa.

Talvez seus pesadelos tivessem começado mais ou menos nessa época, também. Dois meses antes...é, tinham começado por aí. Mas deveria ser apenas uma infeliz – muito infeliz – coincidência. Afinal, por que eles estariam sonhando com Snape, depois de tanto tempo? Draco, em uma atitude pouco condizente com sua postura, perguntou se eles não deveriam investigar.

- Draco... - por algum motivo, sua voz soou tão parecida com a de Hermione que ele quase se assustou. Talvez por ele estar assumindo uma posição que caberia a Mione, eventualmente. - Foi um sonho, certo? Nada de preocupante. Snape está morto e nada, nada, vai mudar isso. Se fosse algo relacionado com Voldemort, eu até entenderia, mas...além do mais, por que exatamente você resolveu assumir seu lado Grifinório? Sonserinos não se arriscam.

- Você se engana, Cicatriz. - Draco pôs-se de pé, enquanto voltava à sua mesa. Harry torceu o nariz ante o apelido carinhoso. - Nós, sonserinos, mesmo sendo superiores à essas trivialidades, também podemos nos arriscar, vez por outra.

- Certo, certo. Trocar de pele é uma característica da serpentes, de fato. Não custa nada arriscar a sua de vez em quando. - Potter rolou os olhos, o indiscutível tom de deboche obrigando Draco a fazer uma careta. - Então, o que pretende fazer, gênio? Seguir a pista de um sonho? Parece algo digno de um Sonserino, de fato.

- Ao contrário de você, Harry, eu uso meu cérebro. - Draco retornara a mesa do rapaz, jogando um pergaminho sobre eles. Havia um mapa ali; ou, pelo menos, algo que lembrava um. Parecia ter sido desenhado no escuro. - Eu reconheço a sala do sonho. Estive lá há um tempo, quando o Ministério resolveu se dignar a reconstruir as salas que vocês e seus amiguinhos vândalos destruíram. - Harry não pôde deixar de rir; admitia, tinha feito alguma confusão na sua rápida passagem pelo Ministério, no quinto ano. Principalmente na Sala das Profecias.

Mas pensar naquela sala fazia com que ele lembrasse de Sirius. E ainda doía.

- Você está me dizendo que a sala está... - Potter começou, concentrando-se em pontos distintos do mapa. Malfoy parecia conhecer as entranhas do Ministério melhor que ele.

- Aqui. E é por isso que eu preciso de sua ajuda. - Draco concluiu, sentando-se novamente à mesa. Harry o encarou, franzindo o cenho. Sabia que dali definitivamente não vinha boa coisa.

- E eu ajudaria você por que...? - começou, mas Draco bufou, lançando um daqueles olhares "arrancar seu fígado com minha varinha faria meu dia muito melhor" que ele vinha especializando nos últimos tempos.

- Porque eu preciso da sua ajuda. - e aquela palavra, pronunciada de forma quase cuspida, atingiu-o mais do que qualquer outra informação jogada por Draco desde que eles tinham começado aquela conversa. Draco Abraxás Malfoy, sonserino, seu principal rival, estava ali, diante dele, pedindo sua ajuda. Era quase como ouvir que o Natal fora antecipado. - Você é Harry Potter, o-rapaz-que-sobreviveu,-morreu,-ressuscitou-e-matou-o-Lord-das-Trevas, as portas simplesmente se abrem para você. Além do mais, onde nós vamos é fundo demais e restrito demais para que eu embarque nessa sem pelo menos uma ajuda à reta-guarda.

E Draco encarou-o nos olhos por um momento, verde contra azul, uma rivalidade já esquecida há algum tempo. Ele não usara Legilimência ou mesmo movera os lábios, mas era óbvio, pelo brilho em seus olhos, que havia um terceiro motivo. Que ambos ansiavam, talvez não com a mesma intensidade, por saber o por quê de Snape estar envolvido naquilo.

- Tudo bem, eu topo. - Harry saltou da cadeira, agarrando-se à varinha. Draco rolou os olhos, visivelmente ultrajado com a reação exagerada do colega.

- É uma missão perigosa, Potter. Não sabemos o que há lá embaixo ou porque devemos ir até lá. Além do mais, não é uma excursão de Hogwarts pelo Ministério; Mesmo que sua função seja exatamente solucionar eventuais problemas, evitá-los é sempre melhor. Sossegue e volte a trabalhar. - e antes que Harry pudesse se dar conta, Draco estava de volta à sua mesa, mexendo distraidamente em uma mecha do cabelo loiro. Quem entrasse ali naquele momento juraria que Draco estivera os últimos minutos ocupado lendo um memorando, enquanto Harry permanecia, estático, com os lábios entreabertos, até dar-se conta de que a surpresa já passara e admirar o modo como os cabelos de Malfoy caiam para a frente quando ele se curvava sobre a pilha de papéis sobre a mesa não era exatamente algo natural de se fazer.

Para Draco parecia perfeitamente natural agir como se nada estivesse acontecendo, mas Harry, acostumado a agir conforme seus instintos, sofrera muito mais até que o relógio marcasse o fim do expediente. Por um momento até acreditou que Draco estava indo para casa, quando viu o outro guardar os papéis que passara a tarde assinando e lendo dentro da maleta com um aceno da varinha. Fora preciso um olhar tranqüilizador para evitar que Harry o puxasse e o trancasse na sala. O que ele se sentia muito propenso a fazer, diga-se de passagem.

Tomaram o rumo para as lareias como qualquer outro funcionário, desviando no último momento. Trancaram-se em boxes do banheiro até que os últimos barulhos sumissem e eles tivessem certeza de que não havia mais ninguém por ali. Draco ainda lançara um feitiço para detectar presença humana, apenas para se certificar de que todos tinham deixado o prédio.

E então era hora de agir.

Mas seguir um mapa rústico feito por Draco pelas profundezas do desmembrado Departamento de Mistérios não era exatamente fácil. Tiveram de dar meia-volta mais de duas vezes quando o mapa os levava a um local trancado e quase ficaram presos em uma sala que, aparentemente, tinha sido feita para trancar seus invasores por fora. Algumas salas, restauradas ou modificadas pelo Novo Ministério, mostravam-se vazias, mesmo que repletas de desenhos e runas pelas paredes. Nenhuma delas, entretanto, parecia esconder Severus Snape.

- Talvez não signifiquem nada, os sonhos. - Harry insistiu pela quarta vez, quando Draco o puxou por outro corredor, depois de quase serem sugados pelo que parecia uma gigantesca sala-aquário com peixes de verdade. - Talvez seja só uma coincidência e...

Mas a frase se perdeu, quando o local onde eles tinham acabado de parar começou a girar. Por instinto, Harry agarrou o braço de Draco, mas este não pareceu se importar; parecia mais interessado em erguer a varinha, apontando-a à esmo. Ao fazer isso, a sala simplesmente parou de girar.

E diante deles havia uma porta com um grande "x" em vermelho.

- Deu certo. - Malfoy engasgou, pouco antes de exibir seu melhor sorriso de vitória. Os dois avançaram na direção da porta, sendo esta aberta por Harry. Draco manteve a varinha erguida, pronto a enfeitiçar qualquer coisa que se mexesse ali. Mas não havia nada na sala. Ou melhor, quase nada.

Draco provavelmente não sabia o que era aquele objeto que se erguia exatamente no meio da sala, mas Harry o reconheceu antes mesmo de entrar na sala. A mesma moldura, a mesma frase escrita, o mesmo espelho que conhecera em seu primeiro ano. Da última vez que o vira, na masmorra com Quirrell, acreditou que aquela seria sua morada eterna. Aparentemente se enganara.

Harry fizera menção de segurar Draco novamente, mas sua reação fora tardia; Malfoy adiantara-se, parando diante do espelho. Ele, por sua vez, manteve-se parado. Não sabia exatamente o que esperava ao encarar seu reflexo ali. Na primeira vez, quando mal sabia segurar uma varinha, vira seus pais, seu maior desejo então. O tempo, entretanto, encarregara-se de mudar tudo – o que ele veria caso parasse ao lado de Malfoy? Ele e Ginny, talvez um filho? Ele, Rony e Hermione, nos (não tão) bons e velhos tempos? Talvez a si mesmo, do jeito que era; teria chegado ao nível de felicidade esperado por todo ser humano? Não parecia provável, por mais desejável que fosse.

- Esse espelho é estranho. - Draco comentou, virando-se. Parecia, pelo modo como suas sobrancelhas se curvaram, surpreso em ver Harry tão distante. Encarou o Espelho de Ojesed novamente e voltou a olhar para Harry, parecendo ainda mais confuso. Fora a primeira vez, desde que aquele dia (ou aquela semana, mesmo aquele mês) em que ele se sentia propenso a rir.

Draco Malfoy tinha o feito ter vontade de rir. A que ponto o mundo tinha chegado!

- O que você viu? - Harry aproximou-se, parando ao lado de Malfoy. Draco parecia demasiado embasbacado com o que quer fosse que tinha visto como seu desejo mais profundo e secreto que sequer percebera sua aproximação, ou mesmo qualquer outra coisa ao redor. Se o tivesse feito, como Harry fizera, teria reparado no que parecia ser uma corrente de ouro pendurada em um dos lados do espelho; algo que definitivamente não deveria estar ali.

E na outra ponta da corrente estava o que parecia ser um relógio, antigo e estranho, de formato circular e dourado. Se não fosse pela ausência de ponteiros, lembraria bastante um vira-tempo, na verdade; o que havia no centro eram quatro ponteiros, cada um posicionado em uma direção, pousados sobre quatro desenhos que lembravam as quatro estações do ano. Não havia nenhum tipo de inscrição ou detalhe característico, além de um botão lateral. Tão ocupado em analisar e girar o objeto entre os dedos, Harry nem mesmo ouvira quando Draco dissera algo, mesmo que este estivesse praticamente ao seu lado. Foi preciso Malfoy bater em seu ombro para que Harry levantasse os olhos em sua direção.

- Tem alguém chegando, é melhor darmos o fora. - ele disse, em um sussurro. Não foi preciso apurar os ouvidos para entender o que Draco estava dizendo; o som de passos se aproximando era audível e não demorou muito para que o que parecia ser a luz de uma varinha se tornasse visível no corredor de onde eles tinham vindo.

Mas não era a única luz do local, aparentemente.

Quando Harry fechara a mão ao redor do relógio, acabara acidentalmente pressionando o botão, o que fizera os quatro ponteiros girarem descontroladamente e uma luz dourada forte batesse contra seus olhos. Mesmo depois de re-pressionar o botão, nada pareceu ter acontecido, o que quase fez com que ele jogasse o objeto longe – se o cordão deste não tivesse se enroscado em seu braço, em um aperto leve. Draco tentou puxá-lo para fora ou mesmo para se esconder atrás do espelho, mas os pés de Harry não conseguiam se mexer. A luz do relógio crescia a cada segundo e parecia envolvê-los, até que nenhum dos dois conseguia enxergar nada além de um borrão de luz branca. Os dedos de Malfoy pressionaram o braço de Harry e ele podia jurar que tinha ouvido-o falar alguma coisa, mas nenhum som além de um zumbido distante conseguia ser ouvido. Quando os ponteiros pararam de girar, todos eles recolhidos sobre a representação do Verão, a luz acabara.

Mas eles não estavam mais no Ministério.