As Luzes

apague-as, por favor.

Às vezes, ele gostaria apenas de estar mergulhado em escuridão. Não que a ausência de claridade fosse capaz de lhe aplacar as dores, nem que o negrume o fizesse sentir-se mais confortável. Era outra e mais simples a razão pela qual ele preferia calar-se no escuro:

Ele tinha medo da luz.

Tinha medo de que lhe fizessem perguntas que ele não poderia jamais responder (por que roubaste de um cego indefeso? precisavas mesmo daquele carro?). Temia ter de enfrentar suas próprias verdades (bem merecido castigo foi teres cegado, assim nunca mais poderás roubar). Era um cego que não queria enxergar.

Porém, ele tinha pavor, acima de tudo, daquela cegueira que a tudo e a todos fazia ver. Não uma cegueira escura e opaca como a de nascença, mas clara e reveladora, como apenas a realidade catastrófica o pode ser.

E tão forte era a luz dessa realidade, que os cegou.

Nos últimos momentos, vieram atacar-lhe novamente o brilho e a incrível esterilidade da falta de visão. Infinitos relâmpagos, presos bem ali, nos seus olhos. O tempestuoso mar de verdades que vinha encher-lhe de novo, enquanto ele se revirava inutilmente na cama. Ele tinha medo, e chorava.

por favor, apague as

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as luzes se apagam.


N/A: Eu estou cada vez mais lúdica e incoerente, run 2 th rillz