Sinopse: Será que a perda tornaria possível esquecer o que estava gravado na alma? U.A Aspros x Deuteros


Disclaimer: Saint Seiya e demais obras relacionadas não me pertencem. E toda aquela história que a gente sempre lê.


Prelúdio do Esquecimento

Pre.lú.dio: s.m. Exercício preliminar; primeiro passo para um certo desfecho.
Fig. O que precede; o que anuncia.

. .to: s.m. Ato de esquecer; falta de memória; olvido.


Existem certos sofrimentos que só podem ser esquecidos quando podemos flutuar por cima de nossas dores.
Paulo Coelho

And I wish I could leave my bones and my skin
And float over the tired sea
So that I could see you again
Words – Gregory Alan Isakov


Ato I - The pain.

Terceiro dia do terceiro mês. Não importa o ano, a dor continua aqui. Intacta. Lembro-me ainda de quando recebi a notícia...
Meu irmão, minha imagem refletida no espelho, meu gêmeo. Parte da minha alma, com quem compartilhei os melhores momentos de minha infância e juventude. Aquele que assumiu a posição de mais velho e me protegeu quando necessário, aquele em quem eu vi uma força que eu não tinha, e ainda não tenho, quem eu admirava e em quem me inspirava.
Estava doente, fraco, mas parecia tão bem que a notícia de sua internação pegou a todos que o cercavam de surpresa. E eu o vi tão fragilizado que não pude acreditar.

Por um instante eu fui incapaz de compreender o que os médicos me diziam. Entendi que era uma doença no sangue e que ele havia tido uma crise e que, se não fosse por isso, talvez só fosse descoberto tarde demais. Embora a situação fosse grave, muito grave, estavam todos otimistas. Éramos gêmeos, um transplante de medula poderia resolver a situação! E então tínhamos um problema em mãos... Eu, que já morava fora do país, estava viajando e eles haviam levado quase uma semana inteira para conseguir me contatar.
Quando soube, uma onda de pânico apossou-se de mim. Não compreendi nada mais do que me falavam, sabia que Aspros precisava de mim e voltaria imediatamente para junto dele. Arrumei minhas coisas e parti.

Meu irmão estava em coma. Sua pele estava pálida e gelada e eu o vi ligado à tantos aparelhos que só me fez aumentar o desespero. Obtive permissão para entrar na UTI onde ele se encontrava e mantive-me de pé ao lado da cama. Vê-lo naquele estado me fez querer chorar e pedir perdão por todas as brigas bobas e discussões infundadas que já havíamos tido ao longo dos anos. Eu, mais uma vez, senti-me fraco. Algo em mim, talvez meu pessimismo ou minha falta de fé (ou até mesmo esse elo que dizem existir entre os gêmeos), gritava que eu não conseguiria salvá-lo e isso só fazia aumentar o nó em minha garganta. Então, por algum motivo, eu resolvi falar.

- Aspros...? Sou eu, Deuteros.

E eu vi algo que achei ser impossível pra alguém que estava em coma: Ele ouviu minha voz e chorou. E eu tive que me segurar pra não chorar também.
Senti minha voz embargar enquanto dizia alguma bobagem sobre levá-lo pra viajar assim que ele estivesse melhor, que ele sairia logo daquela situação e tudo voltaria ao normal. Queixei-me em ter que bancar-lhe a babá futuramente. E entre cada palavra, eu sabia, existia um adeus. E em cada lágrima, eu via, ele se despedia.
Despedi-me de meu irmão tocando minha mão na dele e um arrepio correu minha espinha. E de alguma forma eu soube que aquela seria a última vez que eu o veria. Não quis admitir, procurei pelo médico e me dispus a realizar logo os procedimentos de doação de medula. Eu estava exausto e cansado pois acabara de voltar de viagem, mas se aquela era a única coisa que eu poderia fazer pelo meu irmão, eu faria.

À cada segundo em que eu fechava os olhos e pensava em Aspros, apenas conseguia lembrar-me dele ligado a todos aqueles aparelhos.

O procedimento de doação foi rápido, mas algo aconteceu nesse meio tempo. Quando sai da sala onde estava, vi médicos correrem para a UTI e meu coração estilhaçou. Corri também, mas fui impedido de entrar pelos enfermeiros. Eu via a porta abrir e fechar com a passagem de alguns médicos e uma cortina em volta da cama do meu irmão. E o barulho infernal do monitor cardíaco.
Não tenho noção do tempo em que fiquei ali, mas sei que entrei em desespero. Eu implorei à Deus ou qualquer outra divindade que pudesse me ouvir. Eu chorei e gritei e implorei que, por misericórdia, não tirassem meu irmão de mim. Eu descobri em mim uma fé que achei que não existia. Senti-me hipócrita. Mas se houvesse um Deus, que atendesse meu apelo e que meu irmão ficasse bom logo.

Aspros partiu e levou com ele parte do que eu costumava ser.

Fui amparado por amigos durante todo o velório. Eu não conseguia encará-lo deitado ali, naquele caixão de madeira escura. Perfeitamente alinhado de roupa social, camisa preta de tecido leve, calças de risca-de-giz e sapato lustrado com graxa. A expressão serena de quem estava dormindo. Meu mórbido reflexo num espelho partido.
Doía como se houvessem rasgado meu peito com uma navalha e eu, homem feito, chorava copiosamente como uma criança. E soluçava. E me abraçavam e me levavam pra longe e eu não conseguia lutar contra isso. Era arrastado, impotente, sem forças para protestar. Quando tudo que eu queria era estar ali, com minha metade.

Se viemos juntos ao mundo, por que não poderíamos partir juntos?

Era o que eu me perguntava toda vez que encarava a expressão fria de Aspros e, algumas vezes, ele me parecia sorrir em resposta. E eu, meio atordoado, o encarava esperando que ele levantasse e me chamasse para mais uma de nossas travessuras de infância.

E eu vi o tempo passar enquanto me perdi de mim mesmo.

Voltei para o apartamento que chegamos a dividir assim que deixamos a casa de nossos pais, onde ele passara a residir sozinho depois que eu deixei o país. E, talvez, tenha sido a pior coisa que eu fiz. Em cada cômodo que eu entrava, havia uma lembrança dele. Roupas no armário e seus pertences metodicamente arrumados dentro do quarto. Livros em perfeito estado na estante, quarto impecável, como se houvesse acabado de ser arrumado. Havia um livro sobre a mesa de cabeceira, o marcador de páginas marcava-o na metade. Meu quarto continuava do jeito que eu havia deixado. Talvez, pensei, pro caso d'eu mudar de ideia sobre viver tão longe e querer voltar.
Ri baixo e senti uma lágrima escorrer pelo meu rosto. De fato, meu irmão me conhecia bem. Mas meu orgulho me impedia de voltar. Se eu soubesse que uma briga boba por eu não querer "dar um rumo" pra minha vida e a pirraça de mostrar que eu podia fazer bem mais longe da sombra dele iriam me tirar do convívio de Aspros definitivamente, eu jamais teria ido.

Eu teria ficado. Teria pedido desculpas. Teria assumido que havia sido infantil. E aí talvez, talvez... A doença fosse descoberta antes e meu irmão ainda estaria aqui. Do meu lado.
Sentei no corredor ao lado da porta e suspirei. Sentia meu coração pesado e desejava não ter entrado ali, desejava não ter pisado naquele apartamento.


Continue...


E aí pessoas, tudo bem? Finalmente uma fic minha "descente" sendo publicada aqui!
Enfim, espero que gostem e que tenham piedade dessa ficwritter iniciante. S2

Beijos!